Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio de Barbalha: compreendendo símbolos



UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI- URCA

CENTRO DE HUMANIDADES- CH

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS- DECISO

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio de Barbalha: compreendendo símbolos

Ruth Rodrigues Santos

Crato- CE, 2010

O trabalho trás como proposta inicial fazer uma etnografia sobre as manifestações e conseqüentemente os significados destas, que acontecem durante os festejos em homenagem a Santo Antônio em Barbalha, momento este que se refere a um dos momentos auge dos festejos , que é o carregamento pelos moradores local do pau da bandeira de Santo Antônio.

Serão observadas, as relações que são estabelecidas durante os principais momentos deste processo, que são: a escolha do pau, o corte, o carregamento e o hasteamento da bandeira de santo Antônio, delimitando assim o campo de pesquisa. Tal acontecimento será descrito partindo dos conceitos do antropólogo C. Geertz, sob a luz da antropologia interpretativa, onde o conceito de cultura aparece sob forma de rede de significados, e desta forma, portanto, passíveis de compreensão.

O intuito é fazer a interpretação dos símbolos que são parte do todo maior que é a festa, que está para além do aspecto cultural, mas também, político, econômico, religioso, etc., através da compreensão dos carregadores (os nativos), será feita uma interpretação e descrição dessa teia de significados, que conta e traduz a história de décadas da cidade e de pessoas que dela faz parte.

As manifestações culturais revelam a identidade cultural do povo que a pratica. Faz parte da formação cultural do Brasil, que ao longo do tempo tornou-se cada vez mais miscigenada desde o seu descobrimento e a mistura de raças e seus respectivos costumes, esta miscigenação, que deu-se por conta da mistura, que fizeram parte da construção da identidade e conseqüentemente da cultura brasileira, realizados pelos negros africanos e pelos índios e também os portugueses, povos diferentes, com culturas e formas de expressão culturais também diversificadas. Dentre as manifestações, a que sem dúvida marcou e desenvolveu-se ao longo do tempo na construção da história do Brasil, foram as manifestações culturais de caráter religioso.

Os índios endeusando astros terrenos (sol, lua, terra, ar, etc), acreditando-se que através dos cultos em homenagem a estes "deuses" teriam retorno na sua principal fonte de renda e sobrevivência que eram basicamente a agricultura e a pecuária. Os negros africanos, que também cultuavam os deuses, fazendo rodas de oferendas, músicas, tambores, danças, com as particularidades que são próprias de toda e qualquer povo, etnia, enfim, de toda forma de relação social, ou seja, de cada sociedade. E assim, também os portugueses, que trouxeram para o Brasil conhecimentos sobre o Catolicismo, atuante no Brasil ainda nos dias atuais.

Esta rápida e supérflua passagem sobre a construção da identidade cultural brasileira é para situar-nos naquilo que é o objeto de estudo deste trabalho, que são as manifestações culturais religiosas que acontecem durante os festejos em homenagem a Santo Antônio, que tem por objetivo analisar quais as relações estabelecidas entre os carregadores do pau da bandeira de Santo Antônio e qual o papel social desses atores que fazem acontecer um dos principais fenômenos culturais da cidade de Barbalha, da região do Cariri, do Nordeste, contribuindo para a construção da história cultural do país.

Desta forma utilizo-me do conceito de cultura proposto por Clifford Geertz quando diz que a cultura são como teias tecidas pelos homens "sobrepostas e amarradas umas as outras" onde são "simultaneamente estranhas, irregulares e inexplicáveis". (1989, p. 7).

Para Geertz a cultura não é algo homogêneo, ou seja, sua estrutura de interligações faz com que cada uma das estruturas informe de modo diferente as práticas humanas, ou seja, dar significados diferentes uma mesma conduta de um mesmo ambiente.

Daí a proposta da pesquisa parafraseando Geertz, de compreender a compreensão dos carregadores do pau da bandeira de Santo Antônio, sobre este acontecimento do qual fazem parte e tornam-se protagonistasdesta festa que traduz a importância e o valor histórico-cultural da cidade de Barbalha.

As festividades populares no Brasil relacionadas à religiosidade são comumente nomeadas de "festas de padroeiro", um momento normalmente caracterizado por manifestações coletivas públicas, rituais e reverendas em homenagem ao santo, renovação de crenças e o fortalecimento da fé pelos devotos.

Nesses eventos religiosos prevalece o chamado "catolicismo popular". As festas de "santos", diz Alba Zaluar (1980), fazem parte de um sistema de reciprocidade com as divindades cósmicas, em um sistema socialmente construído pelos homens e parte integrante de sua própria visão de mundo.

Assim acontece em Barbalha- CE anualmente, no período entre o ultimo domingo de maio ou primeiro de junho e se estende até o dia 13 de junho, dia de Santo Antônio. Nesta festa é notável a presença de vários simbolismos e rituais realizados em oferenda ao santo padroeiro da cidade.

"Um sistema de símbolos é usado para qualquer objeto, ato, acontecimento, qualidade ou revelação que serve como vínculo a uma concepção  a concepção é o significado do símbolo." (Geertz, 1989; p.105.).

Um dos símbolos que mais representa a festa è o "pau da bandeira". Denominado assim, pois ao final de hasteamento em frente à Igreja Matriz de Santo Antônio, coloca-se uma bandeira com a imagem do santo.

Pelo menos desde os anos 40 do século passado, a escolha e o corte do pau ocorrem alguns dias antes do carregamento. Desses dois momentos participavam apenas alguns homens, coordenados pelo Chefe do Pau ou Capitão do Pau, como hoje é chamado o líder dos carregadores, tradição esta ainda mantida.

"Os símbolos são os instrumentos por excelência da integração social: enquanto instrumentos de conhecimento e comunicação do mundo social." (Bourdier, 1989.).

Faz parte da tradição que os cidadãos da cidade, mais especificamente, porém não exclusivamente, os homens se encarreguem da escolha e do corte do pau da bandeira, que será carregado, em seus ombros por um longo percurso, em homenagem ao santo padroeiro.

Este momento pode ser traduzido segundo o pensamento de Bourdier quando fala que:

O poder simbólico com o poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo (...); poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. (BOURDIER, 1989.).

O processo que antecede e que acontece durante o carregamento do pau da bandeira, é caracterizado principalmente pela força (seja esta subjetiva ou objetiva, ou um misto das duas, uma sustentando a outra) e pela relação social, onde transparece apoio e reciprocidade mútua; mútua não apenas em relação aos carregadores entre si, mas, de toda a população, dando apoio direto (oferecendo-lhes água durante o percurso) e/ou indireto (apoio moral, demonstrando entusiasmo e satisfação.).

O ritual de carregamento do pau da bandeira pode ser visto da forma como Geertz explicitou afirmando que "os símbolos religiosos formulam uma congruência básica entre um estilo de vida particular e uma metafísica específica (implícita no mais das vezes) e, ao final, sustentam cada uma delas com a autoridade emprestada da outra." (1989.).

Desta forma, consciente ou não, com objetivos particulares ou coletivos, torna-se evidente a responsabilidade que compete aos homens de fazer acontecer alguns dos momentos mais importantes e significativos e conseqüentemente os de maior representação simbólica, que são: o corte do pau da bandeira, o carregamento (o cortejo que percorre as principais ruas da cidade), o hasteamento e o momento em que é colocada a bandeira com a imagem do santo na ponta do tronco.

Neste sentido, a festividade constituiria "um evento transcendente, um mundo ideal... onde a imaginação tudo pode engendrar, transformar, refazer" (Amaral, 1998, p. 7). Ou, como diz Mauro Passos, a festa é "um ato coletivo extra-ordinário, extra-temporal e extra-lógico" (2002, p. 17).

"Num ritual o mudo vivido e o mundo imaginado fundem-se sob a mediação de um único conjunto de formas simbólicas, tornado-se um mundo único e produzindo aquela transformação idiossincrática no sentido da realidade." (Geertz, 1989.).

Afirma ainda:

Tendo "pulado" ritualmente para o arcabouço de significados que as concepções religiosas definem e, quando termina o ritual, voltado novamente para o mundo do senso comum, um homem se modifica- a menos que, como acontece algumas vezes, a experiência deixa de ter influência. (GEERTZ, 1989; p.139.).

Lógico que a cultura, ou seja, os costumes, as crenças, o meio social em que estes homens foram criados, educados e vivenciados segundo e seguindo estes costumes, influencia consideravelmente. E, segundo Geertz: "no que concerne aos padrões culturais, isto é, os sistemas ou complexos de símbolos, é que eles representam fontes extrínsecas de informações." O homem seria "um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu", devendo a Cultura ser entendida como "essas teias e sua análise" (Geertz, 1989, p.15).

Isto nos leva a pensar, mas não afirmar, que a festa de Santo Antônio é uma construção social, que se estabelecem relações sociais que, pelo menos no processo desde o corte até o hasteamento, todos se encontram engajados e apoiados, ou não, numa crença que os faz superar as dificuldades.

É importante lembrar que, a festa é uma reafirmação tanto social quanto religiosa das pessoas que estão envolvidas e que a fazem acontecer.

Para traduzir essa esfera simbólica que encobre, principalmente, os rituais religiosos, Bourdier diz: "o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que estão sujeitos ou mesmo que o exercem".

Para Roberto Da Matta (1985), esse tipo de celebração implica uma transformação do cotidiano, uma transformação temporária do tempo e do espaço rotineiros, abrindo, assim, a possibilidade para uma viagem real e simbólica a um "outro mundo", divino, transcendente e mágico.

Vale salientar que este é apenas um dos aspectos característicos da Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio, e que, portanto (não necessariamente), seja esta a finalidade que atua motivando os carregadores a participarem dessa manifestação profano-religiosa. Porém não cabe descartar a importância e a forte presença de simbolismos e rituais agindo como pano de fundo durante a realização deste festejo religioso em homenagem a Santo Antônio.

Geertz baseia seus estudos antropológicos no que chamou de antropologia interpretativa, no círculo hermenêutico, utilizando as idéias de "conceito de experiência próxima "e "conceito de experiência distante", pois para o autor, não é preciso ser um "nativo" para compreendê-lo, e sim através da empatia chegar a incorporar os caracteres dele.

Vale salientar que os primeiros contatos com o campo se deram através de entrevistas, e conversas informais com os "nativos", e também na participação da festa ainda não na qualidade de pesquisadora, mas como espectadora e cidadã genuína de Barbalha, que assim como a maioria, juntava-se a multidão de pessoas para fazer parte desta manifestação cultural que traduz a história tanto da cidade quanto dos cidadãos.

5. Metodologia

Para a realização desta pesquisa, serão efetuadas além da pesquisa de campo, dando assim um dos requisitos necessários para uma etnografia do objeto, entrevistas, revisão bibliográfica, observação participante contribuindo assim uma maior proximidade do investigador com seu objeto de estudo, inserir-se no ambiente em que acontece o fato que está sendo proposto, resultando assim numa maior relação de aproximação entre o investigador e seu objeto de estudo.

Para tanto, serão realizadas pesquisas exploratórias, visando um maior esclarecimento do objeto a ser investigado, relacionando os dados que serão coletados com o auxílio de entrevistas que serão realizadas nas pesquisas de campo ou pesquisa participante (como trabalho etnográfico) com pessoas envolvidas com o tema em questão, neste caso específico, os carregadores do pau da bandeira, a revisão bibliográfica que auxiliaram no embasamento teórico e conceitual do trabalho, como por exemplo, os trabalhos de P. Bourdier e C. Geertz.

6. Referências bibliográficas

BOURDIER, P. O poder simbólico. DIFEL/ Bertrand Brasil, Lisboa/ Rio de Janeiro, 1989.

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.

_______. O saber local. Novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1998.

SOUZA, O. T.A festa do pau da bandeira de Santo Antonio de Barbalha (CE): entre o controle e a autonomia (1928/1998). Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: UFRJ

ZALUAR, A. Sobre a lógica do catolicismo. Rio de Janeiro, Dados, n.º 11, p. 173-193,

1973.


Autor: Ruth Rodrigues


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