LEITURA E TRABALHO PEDAGÓGICO



RESUMO

O presente artigo objetiva fazer algumas reflexões acerca das experiências formativas de docentes da EEFM Almir Pinto - Aracoiaba/CE com a leitura e como eles a ressignificam em seu trabalho pedagógico. O aporte teórico utilizado pautou-se na Praxiologia proposta por Pierre Bourdieu, bem como se apoiou nas idéias de: Alliende; Condemarín (2005), Silva (2005), Antunes (2003), Solé (1998), dentre outros. Este estudo está fundamentado numa abordagem qualitativa de pesquisa e, dentre as possibilidades metodológicas, optou-se pela história de vida. A investigação demonstra que a leitura favorece o enriquecimento cultural dos sujeitos, bem como assinala a necessidade de percebê-la como um processo vivo, proporcionador de uma participação crítica no mundo e um posicionamento reflexivo frente à realidade da sociedade atual. Verificou-se ainda que o trabalho pedagógico do professor não pode acontecer aleatoriamente, mas carece de um adequado planejamento no qual o aluno seja visto como sujeito.

Palavras-Chave: Leitura. Trajetórias docentes. Experiências formativas. Trabalho pedagógico.

1 INTRODUÇÃO

Cada leitor na individualidade de sua vida,

vai entrelaçando o significado pessoal de suas leituras

com os vários significados que, aolongo da história de um texto,

este foi acumulando. Leitor maduro é aquele que, em contato

com o texto novo, faz convergir para o significado deste

o significado de todos os textos que leu.

Marisa Lajolo

Uma das funções importantes da leitura, entre outras, é intermediar a aprendizagem. É a partir do conhecimento da língua, de sua compreensão através da prática leitora que o educando pode desenvolver-se nas mais diversas disciplinas. Dessa forma, a prática leitora assume um importante papel no desenvolvimento das habilidades dos educandos. A leitura é um fator determinante do êxito ou do fracasso escolar, pois ao mesmo tempo em que é uma disciplina, é também o meio para se chegar ao conhecimento nas diversas áreas do saber. Assim, a eficácia na prática leitora é condição necessária para o desenvolvimento das habilidades dos educandos e aquisição de novos conhecimentos (ALLIENDE; CONDEMARÍN, 2005).

No Ensino Médio, espera-se que o aluno já detenha as capacidades de compreender, de abstrair os conceitos, enfim que seja mais autônomo em relação ao seu processo de aprendizagem e de formação. Desse modo, a leitura na escola possibilita a aquisição de diversas aprendizagens (SOLÉ, 1998).

As habilidades de leituras ensinadas pelos professores permitem que os alunos as utilizem não só como meio de trabalho, mas também como meio de informação e de entretenimento. Entretanto, a realidade que se encontra em sala de aula não é nada animadora e os princípios preconizados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais encontram-se distantes da prática pedagógica. Em consequência, verifica-se o fracasso de muitos alunos nos programas de avaliação permanente, sobretudo com relação à proficiência leitora (BRASIL, 1998).

Estes problemas são constantemente aferidos pelos programas de avaliação, tais como: Programa Internacional de Avaliação de Alunos[1] (PISA); Sistema de Avaliação da Educação Básica[2] (SAEB); Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica[3] (SPAECE), que revelam as dificuldades do aluno na leitura, na compreensão e na produção de textos.

Após a publicação destas pesquisas, dentre outras, a atenção se volta para a contribuição do trabalho pedagógico realizado pelo professor, em especial, considerando sua formação, apontada como uma das principais causas do fraco desempenho dos estudantes.

Considerando tal realidade, foram suscitadas as seguintes questões: como as experiências de leitura de docentes da EEFM Almir Pinto  Aracoiaba influenciam no seu trabalho pedagógico? Quais experiências de leitura dos docentes foram significativas nos espaços familiar, escolar e acadêmico? Como as experiências formativas com a leitura influenciaram na prática pedagógica dos docentes investigados?

Assim, a partir da Praxiologia ou Teoria das Estruturas Sociais, busquei identificar o processo de constituição do habitus de leitura dos professores, verificando a articulação entre o processo formativo desses e o desenvolvimento de seu trabalho pedagógico.

Bourdieu (1996a) utiliza-se do conceito de habitus, apresentando-o como um conjunto de disposições gerais e flexíveis que devem ser adaptadas pelo ser de acordo com a especificidade de cada ação. Cada sujeito, de acordo com sua condição social, vivencia experiências que compõem internamente sua subjetividade, orientando suas ações em todas as situações posteriores. Assim, o habitus de leitura é constituído através das disposições adquiridas e duráveis associando as diversas práticas leitoras dos indivíduos ao longo de sua formação com o seu trabalho pedagógico.

Na compreensão de Bourdieu cada sujeito tende a agir refletindo as marcas de sua posição social, ou seja, o indivíduo age de acordo com o que aprendeu na sua socialização no interior de uma específica posição social. Tal fato confere às ações de determinado indivíduo um sentido objetivo e ultrapassa o subjetivo que é percebido e intencional.

Esta investigação está fundamentada numa abordagem qualitativa de pesquisa e, dentre as inúmeras possibilidades metodológicas, optei pela história de vida. Através de entrevistas narrativas, os sujeitos foram motivados a discorrer oralmente sobre suas histórias, focalizando as experiências com a leitura, como possibilidade de compreender sua trajetória de formação, suas concepções de leitura e a sua prática com esta.

Com isso, os docentes através da narrativa oral transmitiram informações de sua vida pessoal, de acordo com suas lembranças e escolhas. Os sujeitos, portanto, produziram um conhecimento de si, do seu processo formativo revelado através das singulares experiências narradas.

Assim, a investigação da atuação docente oportunizou uma compreensão da constituição do conjunto de experiências formativas do professor, de como ele percebe e desenvolve o trabalho com a leitura.

2 CONHECENDO OS SUJEITOS DA PESQUISA

A EEFM Almir Pinto está localizada em Aracoiaba/CE, na região do Maciço de Baturité. Esta região é composta por treze municípios e dezoito escolas estaduais de ensino médio. Escolhi a referida escola, pois sou professor daquela instituição e acredito que este fator favoreceu o desenvolvimento da pesquisa, haja vista que conhecia de perto o espaço a ser investigado e já mantinha uma relação com os sujeitos da pesquisa.

Na tentativa de compreender como os professores ressignificam suas experiências com a leitura, retornei à EEFM Almir Pinto, na condição de pesquisador e busquei investigar a trajetória de quatro docentes da primeira série do ensino médio, com vistas a compreender o conjunto de suas experiências formativas relacionadas à leitura e como eles a desenvolvem em seu trabalho pedagógico nas salas de aulas.

Dos quatro sujeitos participantes dessa pesquisa, Nice[4] e Tatiane nasceram na capital do Estado do Ceará e receberam grande parte de sua educação formal neste contexto. Elas sempre estudaram em escolas particulares, embora Tatiane tenha estudado como bolsista. Por outro lado, Meiry e Agapito são oriundos da região do maciço de Baturité, tendo convivido nesse ambiente quase que a totalidade de suas experiências. Ambos estudaram tanto na escola privada quanto na escola pública. Meiry também estudou em uma escola filantrópica.

Com relação à origem socioeconômica destes sujeitos não há uma grande variação, pois três consideram-se de classe social baixa e um de classe média. Porém, de acordo com Bourdieu, as classes sociais não existem. Segundo o sociólogo francês, "o que existe é um espaço social, um espaço de diferenças, no qual as classes existem de algum modo em estado virtual, pontilhadas, não como um dado, mas como algo que se trata de fazer" (BOURDIEU, 1996a, p. 26-27).

Os sujeitos pesquisados pertencem a famílias que, numa primeira análise, parecem ter desenvolvido, através dos filhos professores, uma possível mobilidade social e cultural (BATISTA, 2007). Conquanto nem todos os sujeitos verbalizem diretamente em seus relatos os esforços de seus pais para que os filhos tivessem acesso à educação formal, tal investimento fica claro em alguns fragmentos de suas narrativas.

Os sujeitos pesquisados trazem uma característica comum, o fato de terem constituído uma longa escolarização e, em sua maioria, distinguem-se dos jovens oriundos de sua mesma classe, pois

Os filhos das classes populares que chegam até o ensino superior parecem pertencer a famílias que diferem da média de sua categoria, tanto por seu nível cultural global como por seu tamanho: dado que, como se viu as chances de chegar ao ensino superior são quarenta vezes mais forte para um jovem de camada superior que para um filho de operário, poder-se-ia esperar encontrar, numa população de estudantes investigada, a mesma relação (40/1) entre o número médio de indivíduos com estudos superiores nas famílias de estudantes filhos de operários e nas famílias de estudantes das camadas superiores (BOURDIEU, 2007b, p. 43-44).

Os sujeitos dessa pesquisa, em sua maioria, oriundos de famílias com baixo capital cultural escolarmente rentável, corroboram os esforços feitos no país nas últimas décadas com vistas à democratização de acesso à educação e à cultura como possibilidade de inclusão dos sujeitos à margem dos benefícios culturais e escolares (BATISTA, 2007).

3 OS PROFESSORES E SUAS EXPERIÊNCIAS COM A LEITURA

A leitura constitui uma atividade fundamental para o desenvolvimento e a formação de qualquer indivíduo. Dessa forma, o ato de ler ultrapassa os muros escolares, incorpora-se à vida cotidiana e é praticado a todo o momento. Com efeito, o desenvolvimento de interesses e habitus de leitura é um processo contínuo, que se inicia no seio familiar, desenvolve-se na escola e continua pela vida afora, através das influências das diversas práticas culturais (BAMBERGER, 2002).

Um fato comum nos sujeitos dessa investigação é o interesse que eles manifestam pela leitura, uma prática presente em seu cotidiano. O habitus de leitura não aconteceu devido à profissão escolhida. Tais disposições foram cultivadas desde a infância a partir das influências e estímulos recebidos no ambiente familiar. Meiry Oliveira e Tatiane Cruz foram influenciadas à prática leitora por suas mães, ao passo que Nice e Agapito receberam influências paternas. De acordo com a explicação sociológica de Bourdieu,

Na realidade, cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que diretas, um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. A herança cultural, que difere, sob os dois aspectos, segundo as classes sociais, é a responsável pela diferença inicial das crianças diante da experiência escolar e, consequentemente, pelas taxas de êxito (BOURDIEU, 2007b, p. 41-42).

Os docentes investigados são oriundos de famílias, em sua maioria, simples, mas que buscaram investir na educação formal de seus filhos. Assim, a ação dessas famílias sobre o sucesso escolar dos sujeitos, se deu basicamente através do capital cultural.

3.1 Do seio familiar à escola: experiências com a leitura

Os sujeitos entraram cedo na escola e a maioria comenta pouco sobre suas experiências com a leitura nesse período. Por outro lado, a grande maioria dos sujeitos afirma que a prática de leitura continuou nas demais etapas escolares e foram influenciados por suas professoras. É tanto que Tatiane, Meiry e Agapito falam de como gostavam da prática de leitura nas escolas e relembram inclusive dos nomes de suas professoras.

Segundo Tatiane, "a tia Sonia passou um livro para a gente ler... aí eu li num dia e achei legal". Meiry mostra que embora sua professora fosse tradicional sempre esteve preocupada com a questão da leitura, pois "a dona Antoinete, a nossa professora, ela ainda ficava com a história dos livros para a gente estar lendo". Agapito lembra das atividades realizadas pela professora Irmã Maria José, que "tinha um cuidado tão grande com a questão da leitura que ela levava a gente para a sala de leitura, para a biblioteca, já tinha todos os livros selecionados". Por outro lado, Nice, lembra das atividades com a leitura na escola de uma forma contrária às apresentadas pelos outros sujeitos, pois acontecia simplesmente uma "cobrança dos clássicos que a gente tem que ler da literatura, mas era simplesmente a imposição, ler pra se fazer aquela prova".

A escola deve propiciar aos alunos as condições necessárias ao desenvolvimento das habilidades leitoras, pois,

[...] seria difícil conceber uma escola onde o ato de ler não estivesse presente - isto ocorre porque o patrimônio histórico, cultural científico da humanidade se encontra fixado em diferentes tipos de livros. Assim, o acesso aos bens culturais, proporcionado por uma educação democrática, muitas vezes significa o acesso aos veículos onde esses bens se encontram registrados  entre eles, o livro (SILVA, 2005, p. 31-32).

Dessa forma, a leitura nas escolas pode ser compreendida não apenas como possibilidade de desenvolvimento cognitivo dos educandos, mas também como formação cultural, histórica e científica disseminada principalmente nos meios escritos.

Assim, as leituras desenvolvidas pela maior parte dos sujeitos dessa pesquisa no período de sua escolarização se configuram como aquisição de capital cultural. O acesso à leitura e o trabalho de persistência empreendido pelos participantes dessa pesquisa fizeram com que eles se destacassem nos grupos sociais em que vivem.

3.1 A Leitura durante a formação inicial

Com relação às leituras realizadas no período do curso de graduação, os sujeitos relatam pouco. Sobre as vivências com a leitura, comenta o professor Agapito, de uma experiência em que após a leitura do livro teve que "... encenar Morte e Vida Severina e a gente pode fazer isso, no próprio ambiente da faculdade, toda a trajetória de João Cabral de Melo Neto [...] Tinha livros que eu escolhia mesmo pra ler, mas não eram livros, por exemplo, acadêmicos".

Meiry que foi colega de turma de Agapito comenta apenas que durante este período teve que realizar "muitas leituras, mais uma vez leitura, literatura, porque eu fiz Letras, português e literatura".

Nice não comentou sobre suas experiências com a leitura durante o curso de Pedagogia, nem quando fez o Curso de Licenciatura em Língua Portuguesa. Em seus relatos, ela deixa claro que, quando trabalhou em escolas particulares em Fortaleza realizou muitas leituras e estudos de teóricos da educação, como Montessori e Paulo Freire.

Tatiane, em seu relato, afirma que "li muito, muitos livros mesmo [...] Eu não lia só os livros da faculdade, sempre li mais por prazer". De acordo com a narrativa de Tatiane, no período da graduação, ela leu de Rachel de Queirós a Paulo Coelho, porém, leu bastante Machado de Assis e críticos literários por causa da monografia.

3.2 O outro lado das Letras: o retorno à escola como professor

Os sujeitos iniciaram suas experiências profissionais como docentes em períodos distintos, passando pelos diversos níveis de ensino e, hoje, têm em comum o fato de atuarem como professores de língua portuguesa do ensino médio em uma escola pública. Assim, todos atuam diretamente com a leitura na sua prática pedagógica.

O professor Agapito relata que começou sua experiência como docente de língua portuguesa no ensino médio somente após a conclusão do curso de Letras. Em suas aulas buscava relacionar o ensino de língua portuguesa com a música. Segundo ele, "... música para envolver os alunos, era a única arma que eu tinha, porque quando eu cheguei aqui [EEFM Almir Pinto], o Jean [diretor da escola na época] disse que eu iria dar aula no primeiro e no segundo ano e eu nunca tinha dado aula de português". Hoje, segundo Agapito, a estratégia mais utilizada por ele é a dramatização. De acordo com o professor, "se dramatizar vai ter sucesso para o aluno no futuro [...] a gente já fez várias dramatizações na sala de aula, pois o nosso livro didático limita um pouco por questão de conteúdo e de regras da escola de ter que seguir o livro". O professor acredita que uma boa estratégia para uma leitura eficiente é que se possam utilizar outros recursos, como a música e o teatro para que a aula não fique enfadonha.

A professora Nice começou a exercer sua prática em sala de aula durante o período em que cursava Pedagogia. Ela trabalhou em várias escolas em Fortaleza, tanto no pré-escolar quanto no ensino fundamental I. Porém, para essa pesquisa utilizarei apenas os dados referentes à sua prática com a leitura no ensino médio. Nice procura estimular os alunos à prática leitora, e, segundo ela, em suas aulas, busca "[...] levar para os meus alunos que ler faz bem, que ler te ajuda não só no cognitivo, mas ajuda na relação intrapessoal, que é a relação com você mesmo, na relação com as outras pessoas, e eu acho que os gêneros textuais vêm responder isso, é aquela situação do cotidiano que o aluno vai poder interagir dentro da sociedade". A professora procura mostrar para seus alunos a importância da leitura como um enriquecimento cultural que favorece a vida em sociedade.

A professora Meiry começou a dar aulas muito cedo e depois de mais de uma década em sala de aula que teve a oportunidade de cursar Letras. Ela sempre trabalhou em Aracoiaba, inicialmente na rede municipal de ensino e, atualmente, na rede municipal e na rede estadual.

A professora relembra uma atividade de quando fazia a graduação e enumera algumas sugestões para trabalhar leitura em sala de aula: "[...] trazer a leitura para sala de aula não como uma obrigação [...] fazer uma predição do texto que vai ser lido, tentar fazer o aluno pelo título imaginar sobre o que esse texto vai falar. Ler para que o aluno também goste de ler. O professor precisa ler [...]". A professora cita algumas sugestões que podem ser desenvolvidas na sala de aula com relação à prática leitora. Isso deixa claro que o ensino de leitura é perpassado pelas concepções que se atribui a essa atividade.

A professora Tatiane concluiu a graduação em Letras no ano de 2000, mas só iniciou sua prática pedagógica no ano de 2003, quando passou em um concurso na rede municipal de ensino de Aracoiaba. No ano seguinte, ela foi aprovada no concurso da rede estadual de ensino. Segundo a docente, no início de sua trajetória profissional, "ainda conseguia ler com bastante freqüência, ainda conseguia manter o meu gosto, o meu prazer pela leitura sem ser algo tão profissional". Tal prática fica difícil de ser mantida na atualidade trabalhando 300h/a, pois segundo a professora "é muito complicado ainda achar tempo para ler por prazer, acabo lendo às vezes por obrigação e não por opção. Hoje por prazer eu leio muito pouco, eu compro livros, ainda compro livros que leio por prazer, mas é difícil". Tatiane comenta sobre a dificuldade de incentivar a leitura no ensino médio, pois segundo ela, "é bem mais complicado, pois eu acho que se não existe um incentivo antes; no ensino médio, você fazer com que um aluno goste de ler não é tão fácil, pelo menos eu avalio assim. Você tem que conquistar um aluno que já foi conquistado pela televisão, pelo videogame, pela internet [...] Você tem que mostrar, você tem que demonstrar o seu prazer, se você não gosta, o aluno nunca vai gostar". A professora mostra a importância de ser o professor o incentivador da leitura na sala de aula.

Assim, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais ser leitor, no sentido pleno da palavra, pressupõe uma série de domínios: do código (verbal ou não) e de suas convenções; dos mecanismos de articulação que constituem o todo significativo; do contexto em que se insere esse todo. Nesse sentido, a leitura é vista como uma atividade complexa, que envolve não só conhecimentos linguísticos, mas também o contexto, as relações que um texto estabelece entre suas partes e outros textos, além do capital cultural do sujeito que entrará em contato com o texto (BRASIL, 1999).

Quando se fala em leitura é preciso analisar os objetivos para os quais se realiza essa atividade. Se o professor não incorporar a razão de determinada leitura, provavelmente sua atividade não será produtiva. Dentre as inúmeras razões para a ineficiência do ensino de leitura estão as atividades realizadas sem interesse, como tarefa puramente escolar, o que não suscita a compreensão das múltiplas funções sociais da leitura (ANTUNES, 2003).

As experiências leitoras dos sujeitos pesquisados permeiam o seu trabalho docente. Isso reflete a constituição de um habitus de leitura que se inicia na infância, perpassa a educação básica e a formação inicial e contínua.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

As análises aqui feitas me permitiram uma compreensão de como o habitus de leitura dos professores foi se desenvolvendo ao longo de suas trajetórias. Com efeito, a constituição do habitus não aconteceu devido à profissão escolhida. Tais disposições fazem parte de um processo contínuo e foram cultivadas desde a infância a partir das influências e estímulos recebidos no ambiente familiar, foram desenvolvidas na escola e continuadas pela vida afora, através das influências das diversas práticas culturais.

Tal qual sua experiência enquanto leitora, Tatiane explora esse aspecto em sua prática pedagógica, quando incentiva seus alunos a lerem por prazer, independente dos títulos escolhidos. As vivências de Meiry com a leitura tornaram-na uma leitora crítica e ela resgata algumas experiências do curso pedagógico ressignificando-as em seu fazer docente. Agapito utiliza-se das habilidades artísticas recebidas na adolescência e na formação acadêmica e as desenvolve com os seus alunos. Nice supre o que considerava uma lacuna em sua formação leitora, resgatando a leitura dos clássicos literários. Assim, pressupõe que para despertar o desejo dos alunos pela leitura é preciso que o professor também demonstre o seu interesse.

Os sujeitos pesquisados trazem algumas características comuns, como o fato de terem constituído uma longa escolarização, de serem professores de língua portuguesa e trabalharem cotidianamente com a leitura. Percebi ainda que os docentes incorporaram à sua prática pedagógica algumas experiências vivenciadas com a leitura ao longo de sua trajetória como leitor.

De uma maneira geral, os professores comentam do escasso tempo para a leitura ou relembram de como tinham tempo para a realização desta prática antes da docência. Assim, ao passo que o sujeito tem mais capital econômico para a aquisição de livros, o seu tempo é reduzido devido às obrigações profissionais que algumas vezes também são levadas para casa.

A leitura favorece o enriquecimento cultural dos sujeitos e, por isso, não pode ser vista com uma simples repetição ou como uma reprodução de significados institucionalizados. É importante que a leitura seja percebida como um processo vivo, que proporciona uma participação crítica no mundo e um posicionamento reflexivo frente à realidade da sociedade atual. Também não basta assegurar o direito de acesso do aluno à leitura, é necessário que o docente seja um leitor e saiba aproveitar as experiências de leitura que o aluno já traz.

Assim, para que a prática de leitura na escola aconteça efetivamente, torna-se fundamental que os docentes tenham conhecimento dos diversos textos e desenvolvam uma relação entre o material que vão trabalhar em sala de aula e os seus alunos. Tal prática não pode acontecer aleatoriamente, nem por imposição da escola (ou exterior a ela), mas carece de um adequado planejamento em que estejam incluídos os anseios, as necessidades e os desejos dos alunos para que estes sejam envolvidos democraticamente nas atividades de leitura.

A análise desta temática, no entanto, não se esgota nesse estudo, pois as questões relacionadas à leitura e à prática pedagógica carecem de maior exame para que se possam vislumbrar respostas ao baixo desempenho dos alunos em avaliações de larga escala.

REFERÊNCIAS

ALLIENDE, F; CONDEMARÍN, M. Trad. Ernani Rosa. A leitura: teoria, avaliação e desenvolvimento. Porto Alegre: Artmed, 2005.

ANTUNES, I. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola, 2003.

BAMBERGER, R. Como incentivar o hábito de leitura.Trad. Octávio M. Cajado. In: PINHEIRO, H. Poesia na sala de aula. 2. ed. João Pessoa: Idéia, 2002

BATISTA, A. A. G. Professoras de português, formação superior, matrimônio e leitura: um caso de estudo. In: PAIXÃO, L. P.; ZAGO, N. Sociologia da educação: pesquisa e realidade brasileira. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

BOURDIEU, P. A Escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, M. A. e CATANI, A. (Org.). Escritos de educação. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007b.

______. Razões práticas: Sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus, 1996a.

BRASIL, República Federativa. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Brasília: Ministério da Educação, 1999.

______.PCNs: português. Brasília: MEC/SEF, 1998.

SILVA, E. T. O ato de ler: fundamentos psicolingüísticos para uma nova pedagogia de leitura. São Paulo: Cortez, 2005.

SOLÉ, I. Trad. SCHILLING, C. Estratégias de leitura. Porto Alegre: ArtMed, 1998.


[1] PISA é um sistema de avaliação trienal patrocinado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com o objetivo de traçar um panorama mundial da educação.

[2] SAEB é uma ação do Governo Federal que avalia o desempenho dos alunos brasileiros a cada dois anos.

[3] SPAECE é uma iniciativa do Governo do Ceará que possibilita um diagnóstico situacional da educação oferecida na rede pública de ensino.

[4] Por escolha dos sujeitos, aparecem aqui, seus nomes reais.


Autor: Elcimar Martins


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