Estudando a Cidade, Conflitos e Interesses



Juvenal Martins Neto

Podemos partir do princípio de que o meio é transformado pelo homem e como tal provoca mudança também em quem o transforma.

A cidade vista por esse ângulo torna-se um grande campo de estudo para aqueles que querem estudar e entender o passado; pois pode nos dar pistas das mais variadas transformações ocorridas tanto no modo de vida das pessoas como no espaço em si.

A partir do momento em que nascemos estamos moldando nossa personalidade e identidade, podendo no decorrer de nossas vidas apresentar inúmeras identidades e o espaço assumir um papel fundamental nesse processo. A cidade como fonte de entendimento do passado é de extrema importância, pois se trata de algo vivo e em constante mutação, pois é cheia de subjetividade. Num certo sentido, poderíamos fazer uma reflexão análoga ao tomar algumas idéias sobre história e memória, aventadas por Jacques Le Goff. A cidade pode ser considerada como um espaço privilegiado de construção da memória coletiva.

Após a leitura dos textos e do material didático da disciplina podemos entender a cidade do ponto de vista do historiador. Este consegue após análise das mais variadas fontes a respeito do espaço, perceber desde conflitos existentes entre a população e o poder público, transformações nos territórios das cidades, planejamento urbano ou caos, até encontros e desencontros. Tudo isso faz do dia a dia das pessoas um mundo de experiências postas à mão daqueles que olham esse espaço buscando respostas para as mais variadas questões.

A cidade é viva, está em constante mudança, e essas mudanças estão cheias de subjetividade, pois são impostas ou negociadas por pessoas e essas vivem seus conflitos diariamente. As experiências pessoais condicionam as mais variadas transformações no espaço e condicionam também as múltiplas experiências pessoais e coletivas. Dentro da cidade "física" existe uma cidade paralela, invisível, tecida de memórias de um passado ao qual o pesquisador se debruça na busca constante pelo entendimento do que já se foi.

Dentro desse espaço crescemos e nos moldamos. Muitas vezes não observamos, mas nossas experiências dentro do mesmo nos direcionam em parte, e podem determinar nossas escolhas. Podemos observar um espaço urbano dividido em dois mundos: a periferia (vilas e bairros) e o centro. A localização desta periferia, entretanto, guarda uma proximidade geográfica com a cidade (atualmente, quase a totalidade das favelas estão geograficamente próximas das áreas urbanizadas da cidade). Entretanto, o processo de segregação e exclusão social tem criado barreiras psico-afetivas que produzem efeitos ideológicos de distanciamento cultural.

Nos bairros e vilas podemos observar a cultura dos menos abastados, com seus bonés, suas roupas largas, seu "Hip Hop". Podemos chamar de uma cultura marginal, relegada a isso por não ser muito bem vista pelo pessoal do asfalto ou centro. Nos grandes centros observamos a existência de enormes cinemas, casas de dança, boates, os quais irradiam os últimos lançamentos do mundo do cinema ou da música. Lançamentos de livros e outros acontecimentos que não ocorrem nos bairros mais afastados. Esse é um exemplo do espaço pensado para privilegiar ora a formação de uma cultura de massa, e ora de uma cultura dita erudita.

Observamos com isso os interesses de grupos políticos no desenvolvimento de territórios direcionados a algumas classes sociais. Nas cidades existem bairros que são conhecidos como lugares dos ricos e abastados, pessoas que vivem em mansões com seus belos carros e sequer observam a favela ao lado, pois atrás dos seus muros altos e das películas escuras de seus carros fica muito fácil ignorar a miséria e a fome que os rodeiam.

Temos nesses dois lugares identidades distintas sendo formadas, que com o passar do tempo entrarão em conflito, seja por razões sócio-econômicas ou mesmo culturais. Sobre a favela há a idéia de formação da identidade do "bandido", não que isso seja a regra, pois uma grande parte dessa população consegue sobreviver sem se deixar levar para o lado do crime. A cidade nesse momento torna-se opressora, pois pelo simples motivo do cidadão morar num determinado espaço já é taxado de criminoso. No bairro rico é sustentada a figura do "riquinho", "playboy", que com o passar dos tempos se tornará um detento dentro da sua própria casa, pois sabe que ao sair se deparará com o risco de um assalto ou simplesmente não voltará mais para sua casa.

Nesse momento, esse rico utiliza-se de seu prestígio ou poder para solicitar que o estado intervenha e reprima a suposta população criminosa, começando ás vezes uma verdadeira guerra civil entre o poder de polícia, representando o estado. Nesse sentido, a segurança pública defende os interesses de uma classe privilegiada contra os marginais que a sociedade mesmo criou. Isso é muito fácil de perceber nas grandes metrópoles onde o estado não consegue atender todas as comunidades, já que o tráfico toma conta do local e sobrevive da exploração da mão de obra dessa população.

O Rio de Janeiro é o exemplo clássico da cidade que fugiu ao controle do homem. No inicio do séc. XX para tentar transformar a estética desse território iniciam-se processos de demolições, desmontes e remoções (tudo em nome do progresso e do traçado tecnicamente definido), estratégias de políticos e urbanistas reformadores. Sem qualquer preocupação com a preservação dos espaços de construção da identidade da cidade não observam que as perdas das referências identitárias propiciadas pelo processo de expulsão/remoção e de segregação social produzem, evidentemente, efeitos de distanciamento social.

Atualmente, nessa região percebemos o trabalho do estado buscando fazer-se presente dentro dessas comunidades, tentando de alguma forma obter o controle do espaço há muito tempo perdido, levando educação, segurança, infra-estrutura, lazer, entre outros direitos primários do cidadão. Porém, notamos com isso um forte apelo da sociedade para que esse trabalho do poder público vise reprimir e desestruturar o poder paralelo que existe dentro dessas comunidades carentes.

Contudo, apesar de ser evidente a diferenciação cultural e identitária entre os indivíduos e coletivos pertinentes aos territórios que apontamos, é também perceptível a circulação cultural que marca as relações sociais que permeiam tal cidade. Ou seja, este panorama está ligado ao rumo que o desenvolvimento da cidade tomou, tanto por questões de interesse e necessidades coletivas, como de apenas alguns grupos. Todos foram afetados e afetaram de alguma forma a construção de suas identidades no espaço da cidade.

Podemos citar também as migrações internas de uma cidade para outra. Nesse momento ocorre uma intensa troca cultural entre as populações que chegam e os citadinos já estabelecidos. Num primeiro momento existe a observação mútua, onde são alvo os modos de vestir, falar, agir ou se portar em comunidade. Passado esse momento, ou o indivíduo reafirma sua identifica pessoal criando nesse momento estratégias de defesa como preconceitos em relação a algo que ele acredita não ser bom ou identifica-se com os modos e costumes do local para onde migrou identificando-se com os costumes daquela sociedade. Percebemos com isso por que algumas pessoas retornam de onde tinham partido ou migram novamente para outros lugares, pois simplesmente não se identificaram com os lugares e os costumes das pessoas da tal região.

Portanto a cidade é um espaço em constante transformação que propicia uma imensa gama de trocas culturais, de saberes e identidades. Dentro desse espaço são muitos os acontecimentos que tecem as relações sociais, interpessoais, dos indivíduos que ali vivem e compartilham de alguma forma o mesmo território. A cidade repleta de amores, desilusões, alegrias e tristezas, a cidade viva.

Referencia.

BRECIANI, M.S. A Cidade. Objeto de Estudo e Experiência Vivenciada. Estudos Urbanos e Regionais v.6 N.2 / Novembro de 2004.


Autor: Juvenal Martins Neto


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