Fenômenos Urbanos



A cidade materialização dos fenômenos urbanos

Juvenal Martins Neto/Michele Rotta Telles

                                                                                       

No trabalho de Joseli Maria Silva (2000) achamos primeiramente uma retomada a partir de alguns autores a respeito das considerações sobreterritorialidades urbanas, espaço, lugar e cultura, através do ponto de vista da cidade. E em um segundo momento, a autora aplica tais reflexões ao abordar as dinâmicas sócio-espaciais e culturais em cidades pequenas.

Portanto, observa que o produto das relações sociais produzidos no espaço urbano tende ir além de configurações materiais e funcionais, dando origem acódigos e símbolos que proporcionam sentido ao cotidiano na cidade, ou seja, implicam no processo de constituição social da realidade. (SILVA, 2000). Entretanto, a autora adverte que antes dos anos 90 a Geografia não abrangia a apropriação cultural do território, estando muito ligada à materialidade da paisagem e aos objetos de estudo mais visíveis na mesma. Cabe explicar que esta abordagem está ligada ha julgamentos limitadas de cultura que eram seguidos, visto que tinham caráter homogeneizante, estático, simplista e abstrato por si só.

Para isso, Silva (2000) aponta Clifford Geertz (1978, p. 24), o qual salienta que "o homem está amarrado em teias de significados que ele próprio criou, sendo essas teias a própria cultura", e propõe um sistema unitário de análise da existência humana - baseado na cultura como conjunto de mecanismos de controle, e na idéia de que a cultura pressupõe o pensamento humano em movimentos com outros símbolos significantes -.

A autora retoma então Peter Jackson (1996), o qual entende que a cultura é socialmente produzida, sendo experimentada, contestada, e novamente constituída no embate de classes. Assim como James e Nancy Duncan (1996, p. 577), que concebem a cultura como "um sistema de significações, através do qual um sistema social é comunicado, reproduzido, experienciado e explorado". Da mesma forma, em Denis Cosgrove (1998, p. 101-102) é destacado que "a cultura é, ao mesmo tempo, determinada por e determinante da consciência e das práticas humanas".

Contudo, criticando certo dualismo teórico (classes subordinadas versus classes dominantes) presente na análise destes geógrafos citados, a autora recorre ao historiador Roger Chartier (1988), o qual percebe que não há cultura de elite ou popular que sejam homogêneas ou simplesmente antagônicas. Na verdade partilham processos de produção e consumo, se comunicando de diversas formas.

Sendo assim, Silva (2000) relata que a dimensão subjetiva da relação entre os homens e o espaço tem recebido atenção pela corrente humanística da geografia, os quais se preocupam em interpretar os códigos e significados dos lugares, já que os indivíduos vivem o lugar através de suas culturas. Neste sentido, um diálogo constante e próximo com as ciências sociais trouxe análises diferenciadas para as categorias geográficas.

A autora assinala então noções de território como as dos pesquisadores Marcelo Lopes de Souza (1995), Robert Sack (1986) e Claude Raffestin (1993), os quais pautam as idéias de controle e poder sobre o mesmo, implicando então em limites, identidade, exterioridade e alteridade em relações complexas e mediadas pelo espaço. O caráter identitário na compreensão do território é assinalado pela autora através de Marcel Roncayolo (1986), o qual dá um sentido essencialmente coletivo à territorialidade. E ainda em Rogério Haesbaert (1995) é identificada a dupla face do território: simbólico-cultural (dimensão imaterial) e político-econômica (dimensão material).

Seguindo esta linha, a autora fala também de Felix Guatari (1996, p. 323), para o qual "o território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio do qual um sujeito se sente 'em casa'.". Este último autor trata ainda da intervenção do Estado a partir da racionalidade moderna, e as conseqüências disso quanto à destruição de territórios.

Já com Werther Holzer (1997) é encontrado um contraponto aos conceitos de Robert Sack, uma vez que o primeiro demonstra que existem possibilidades de constituição de territórios fora de uma ordem planejada ou de uma delimitação de fronteiras, entendendo o território como um conjunto de lugares, e, portanto onde se desenvolvem vínculos afetivos e de identidade cultural de grupos sociais. Silva (2000) destaca que basicamente, Holzer (1997) trata a territorialidade como a expressão dos comportamentos vividos, ou seja, para que assim seja possível compreender como os grupos sociais ordenam e sistematizam o seu mundo ideologicamente, simbolicamente, espacialmente, quanto às relações de poder e sua natureza, e neste caso, quanto às territorialidades urbanas.

Para Silva (2000, p. 23), "a cidade apresenta-se com uma sobreposição, articulação, justaposição de territórios. Os grupos que fazem parte de uma territorialidade resistem, estabelecem pactos e influenciam a formação de outros territórios.".

Sendo assim, ao tratar da "pessoalidade como elemento fundamental da cultura e das territorialidades urbanas na pequena cidade" (2000, p. 24), Silva recorre à Peter Berger e Thomas Luckmann (1985) e também à Lefebvre (1991) quanto à criação humana no cotidiano, já que o sentido das condutas se constrói no dia-a-dia.

Portanto, "a vida cotidiana é estruturada espacial e temporalmente de modo diferente em cada sociedade" (SILVA, 2000, p. 25), sendo que nas pequenas cidades há certa regularidade dos fatos, com forte influência da natureza e das tradições, ou seja, os mecanismos de controle na família, vizinhança, praça e espaços de sociabilidade são articulados culturalmente.A autora se remete à noção de "conveniência" usada por Pierre Mayol (1996), pensada a partir da necessidade de conviver e obter reconhecimento social na pequena cidade.

Mas, conforme Silva (2000), nem por isso a pequena cidade deixa de abrigar grupos heterogêneos que negociam sua realidade social constantemente através de suas redes de significados, trata-se também de uma sociedade complexa. A partir disso são reconhecidas territorialidades urbanas também nas pequenas cidades, mesmo que temporariamente. "Neste sentido, cada recorte social, ou de grupo que tiver uma identidade (história comum), representado por instituições (formais ou informais) e que possua espaços próprios de socialização, constitui um território" (SILVA, 2000, p. 29).

Para Lobato (2003) o interesse pelo estudo da cidade deriva do crescente aumento da população e a necessidade de se organizar o espaço urbano para abarcar todos os interesses existentes as mais variadas camadas da sociedade. Sendo assim a cidade torna-seobjeto de estudo das mais variadas ciências.

Para o pesquisador da cidade que tendo como base as teorias aplicadas à geografia, observa que a cidade é um conjunto composto por vários núcleos populacionais. Nesse texto o autor busca analisar a cidade pelo viés da geografia que considera a "Cidade como espaço urbano" (p. 6) Para a geografia o espaço urbano pode ser observado como um "Conjunto de pontos, linhas e áreas" (p 6) Pode ser abordado também a partir do "paradigma de consenso e conflito" (p 6)

As diferentes formas em que se apresentam o espaço urbano nesse trabalho levam em consideração a divisão capitalista do espaço. O espaço urbano nesse sentido apresenta-se simultaneamente articulado e fragmentado: Cada parte desse espaço mantém relações entre si. Observamos isso quando presenciamos o fluxo de veículos e pessoas indo de um lado ao outro da cidade ou a qualquer deslocamento de veículos ou pessoas de um espaço para o outro da cidade, bairro/centro ou centro/bairro.

Essa articulação no capitalismo pode ser menos visível quando trata-se de "decisões e investimentos de capital, mais valia, salários, juros, rendas, envolvendo ainda a prática do poder e da ideologia." (p 8) Esses são exemplos de relações espaciais de natureza social, que tem como um dos mais importantes atores a própria cidade.

O espaço urbano é fragmentado e articulado sua divisão reproduz ou reflete a complexa estrutura social capitalista que divide o ambiente urbano. As desigualdades no espaço urbano são profundas devido à reprodução do sistema capitalista. O espaço urbano que é um reflexo da sociedade nesse sentido é mutável, porém essas mudanças só nos são percebidas devido ao seu ritmo ou complexidade. Esse espaço urbano na medida em que é transformado pela humanidade também impõe suas condicionantes.

Podemos definir o espaço urbano como sendo um conjunto de símbolos e campos de lutas, assim como reflexo e condicionante social sento também articulado e fragmentado. O espaço urbano também é conceituado como sendo um reflexo social, cultural, político econômico e técnico. A materialização típica dos fenômenos urbanos é a cidade.

Quem produz o espaço urbano? Os proprietários dos meios de produção (industriais), os proprietários fundiários, os promotores imobiliários o estado e os grupos sociais excluídos. Todos têm entre si interesses às vezes análogos e às vezes contraditórios. O espaço urbano capitalista nesse sentido reproduz os conflitos entre as mais variadas classes sociais. Esses conflitos têm como propósito a posse e o controle da terra urbana.

Os grandes proprietários industriais necessitam de grande quantidade de terra, com uma boa acessibilidade e suporte físico (infra-estrutura). Nesse sentido o conflito pela terra ou espaço urbano é constante entre esses agentes produtores do espaço urbano. Os industriais com a sua necessidade de espaço, os proprietários fundiários na espera pela valorização de sua terra (especulação fundiária). Outro agente que interfere nesse processo é o promotor imobiliário que destina grandes quantidades de terra para construção de seus complexos habitacionais às vezes destinados a pessoas de um grande poder aquisitivo que compram seu espaço em locais com maior infra-estrutura. Às vezes organiza outros centros habitacionais destinados a pessoas de baixa renda que têm que se contentar com casas a quilômetros de distancia dos grandes centros, com as mínimas condições de habitação.

Na tentativa de se minimizar esses conflitos todos esses agentes recorrem ao poder do estado para intervir no sentido de apaziguar e mediar esses conflitos. Para isso o estado utiliza-se dos mais variados instrumentos como desapropriação de terras, regulamentação de uso do solo entre outros. Nesse sentido o estado que deveria ser neutro reflete também a sociedade capitalista na maior parte das vezes privilegiando algumas classes em detrimentos de outras.

Outro agente construtor do espaço urbano são os grupos sociais excluídos que não tem acesso a uma moradia descente, nós referimos a maior parte a população urbana. Na sua grande maioria são obrigados a habitarem cortiços e favelas.

             Sendo assim quanto nos referimos a Cidade estamos falando da materialização de todos os fenômenos apresentados nos trabalhos dos dois autores utilizados como referencia, fenomenos sociais, culturais, economicos entre outros.  

REFERÊNCIAS:

SILVA, Joseli Maria. Cultura e Territorialidades Urbanas  uma abordagem da pequena cidade. Revista de História Regional, Ponta Grossa, v. 2, n. 5, p. 9-37, inverno/2000.

CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. São Paulo: Editora Ática, 2003.


Autor: Juvenal Martins Neto


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