RESPOSTAS DE IMPACTO A PERGUNTAS INTRIGANTES
E N T R E V I S T A:
BATTISTA SOAREZ
Textos integrais das entrevistas concedidas aos jornalistas Marina Souza (MA) e Marcos Stefano (SP).
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PREFÁCIO
Talvez o significado mais marcante da atuação da fé cristã, hoje, e de maior alcance futuro seja notoriamente o simples fato de ela ser e agir enquanto grupo social contínuo. O fato de a igreja ser um "grupo" macro, ter o poder de concentração local e, com isso, diminuir as dificuldades de comunicação com o mundo estabelece uma oportunidade para relevante administração de poder. O problema, e grave, é esta mesma igreja não saber interpretar essa oportunidade do momento que, aliás, sempre foi contínuo na história cristã para processar seus elementos de ação transformadora.
A igreja tem uma teologia na qual embasa sua atividade de culto. Mas a questão é saber se esse culto é racional como orientam as Escrituras, na exposição do pensamento paulino; se, a priori, o corpo-igreja tem se apresentado a Deus como sacrifício vivo. Estas expressões bíblicas parecem estabelecer um sentido de fé que busca operar nas bases da sociedade humana para impactar um efeito absoluto nas necessidades do mundo. Em várias pregações minhas, e também em artigos que já escrevi, procurei interpretar as expressões "culto racional" e "sacrifício vivo", do apóstolo Paulo, da maneira mais producente possível. A meu ver, "culto racional" é a ação estrutural e contínua da igreja pensante. Aliada a isto, a expressão "sacrifício vivo" traduz o ânimo sem limite, a dedicação inteiriça, total, sem interrupção e completa ao labor do evangelho.
Este raciocínio leva-me ao próximo ponto: se o procedimento da igreja seguisse esta trilha de interpretação, criar-se-ia um ambiente no qual o poder de transformar seria compartilhado horizontalmente, onde os indivíduos seriam fortalecidos e o corpo de Cristo, que também é corpo social, teria relevância dominante na historicidade do seu caminhar perante o mundo. Evidentemente, uma igreja com estas características estruturais passa a ser vista como eticamente qualificada; na qualidade de grupo social, passa a ser observada como digna de confiança e competente para enfrentar os problemas do mundo e no mundo.
Quando publiquei o meu livro A igreja cidadã, em 2008, dei várias entrevistas no rádio, na televisão e na imprensa escrita. Mas duas merecem destaque pelo conteúdo abordado: a que foi concedida a Marina Souza, sob o título de O evangelho da cidadania publicada no Jornal Pequeno, de São Luís, Maranhão e a que dei a Marcos Stefano (da revista Eclésia, deSão Paulo), com o título de Sem relacionamento não há corpo de Cristo. Ambas entrevistas foram publicadas apenas em parte. Com a divulgação na Internet, algumas pessoas sugeriram que estas duas entrevistas fossem publicadas em forma de livro. Acatei a idéia e logo comecei a trabalhar no projeto, apesar da minha difícil falta de tempo.
Nas duas entrevistas, obviamente, procurei articular respostas que refletissem realmente o meu desejo de ver uma igreja organizada não só na sua estrutura eclesiástica e espiritual, mas também nas suas relações com o mundo. Para que, assim, a igreja corpo de Cristo exerça seu poder espiritual nas suas relações com as escolas, com o governo (sem ser partidária), com as instituições sociais e, finalmente, com a sociedade de massa.
Nos últimos 15 anos da minha vida, tenho acumulado experiências junto à igreja cristã que, honestamente, ofuscam a visibilidade do evangelho neotestamentário aquele construído originalmente por Cristo e disseminado pelos seus discípulos no início da era cristã. Escândalos sem precedentes. Desvios de conduta moral. Divisões denominacionais. Intrigas doutrinárias. Insultos convencionais. Manifestações emocionais confundidas com espiritualidade. A ausência do amor cristão nas relações humanas. E mais uma infinidade de acontecimentos dentro da comunidade cristã. Tudo isso me aborrece, molesta o meu espírito e causa profunda perturbação na minha fé. Cheguei até a pensar que o erro estaria em mim, mas, depois de conhecer uma grande quantidade de pessoas com a mesma percepção da fé cristã, convenci-me de que estamos diante de um problema sequaz. A igreja acaba de consolidar um "outro evangelho" na sua trajetória pelos caminhos do mundo e da história. Ao que me parece, ela está meio confusa quanto ao horizonte da fé. Mas o que é interessante é que, em meio a isso, Jesus disse que, apesar de tudo, as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja dele.
A igreja de Jesus é a Igreja invisível. Invisível porque é Corpo espiritual. Ela é intocável, correta e é a menina dos olhos de Deus. Igreja com "I" maiúsculo. Esta Igreja está dentro da igreja visível, igreja com "i" minúsculo. A Igreja invisível é imperceptível. Apenas seus efeitos, com o tempo, aparecem. É aquela irmãzinha, por exemplo, que ninguém dá nada por ela. Não domina as regras gramaticais. Não questiona nada porque teme ferir a liderança. Não sabe o que dizer, afinal. Na verdade ela nem percebe se há algo errado na comunidade. Mas quando ela ora (e ela vive fazendo isto), o extraordinário acontece. E ninguém percebe que o que aconteceu foi por causa da oração dela. Ninguém viu nada. Por isso ela não recebe aplausos. Não recebe elogios. Nem honrarias. Ela continua apagada.
Igreja invisível é aquele irmão que mal sabe ler a Bíblia. Nunca fez teologia. Não sabe explicar nem mesmo a história da igreja. Nem sabe argumentar a fé porque a sua hermenêutica é falha. Mas quando ele diz a alguém que Jesus é o Senhor, que é bom, que é o Salvador do mundo mediante sua morte e ressurreição, Filho do Deus vivo que perdoa pecados, suas simples palavras causam um efeito revolucionário na vida daquela pessoa. Com o tempo, essa pessoa se converte e vai fazer algo benéfico no reino de Deus que atingirá milhares de vidas. Vai causar um impacto incrível no mundo contra as obras do maligno.
Mas, por outro lado, Igreja invisível pode ser aquele empresário de coração quebrantado que decidiu ser fiel a Deus em tudo, contribuindo, assim, com aquilo que pode em favor da propagação do reino de Deus. Ele tanto se acostumou a fazer isto que nem faz questão de ser lembrado perante as pessoas. Ou mesmo aquele estudioso, intelectual, sábio, que, embora tendo títulos universitários, não deixou que esta qualificação e posição subissem à sua cabeça. Manteve-se humilde e dedicado em servir a Deus, em espírito e em verdade. E, então, seu trabalho teve um efeito espiritual tamanho que influenciou, de alguma forma, muitas pessoas para o bem e para a vida eterna. Ninguém vê, mas a sua humildade e fidelidade a Deus está fazendo extraordinária diferença no seu trabalho.
Enquanto isso, a igreja com "i" minúsculo também faz o seu trabalho. Ela é visível. Todos vêm o que ela faz. As pessoas tomam conhecimento e falam bem. Dão aplausos. Fazem homenagens. Dão certificado de honra ao mérito. Dão até presentes luxuosos. É aquele irmão que dá o dízimo alto e depois cobra publicamente a prestação de contas, no intuito de que seu nome apareça como o doador mais aplicado embora Jesus tenha dito que se deve dar com a mão direita de maneira que a esquerda não saiba. É aquele pregador que aceita pregar numa conferência, mas, antes, exige que seu nome e currículo sejam publicizados no rádio, na TV, nos jornais e em cartazes. Depois cobra uma quantia quase impagável, como uma espécie de mercador da fé. É aquela pessoa que faz questão de estar à frente de tudo, assumindo todos os cargos na igreja, dando ordens e doutrinando. Mas também é aquele evangélico mexeriqueiro que dá conta da vida de todo mundo. Tudo o que acontece com a vida do outro ele sabe destrinchar com minuciosos detalhes. É aquele sujeito que ajuda a igreja visível a ser mais visível ainda.
Finalmente, a igreja visível vive em conflitos; um membro não gosta do outro, os grupos de adeptos vivem em reuniões fazendo shows, orações altas e pregações barulhentas. As doutrinas são denominacionais e absolutas. Por conseguinte, a juventude da igreja visível faz de tudo para chamar a atenção do mundo: canta regues gospels, forrós gospels, roques gospels, etc.; dança, bebe e joga. Tudo em nome da fé evangélica, porque o "Deus" da igreja visível é um "Deus" evangélico. E o "Deus" evangélico sempre precisa que sua igreja, com "i" minúsculo, se modele ao mundo, consagre o profano e imite os espetáculos seculares, mundanos, para poder ganhar almas. Pois a pregação do evangelho da cruz, do evangelho de poder, do evangelho da graça, não funciona direito na ação da igreja visível. Por isso ela precisa imitar o mundo para poder ganhar o mundo. Por isso ela precisa fazer shows e espetáculos públicos. Do contrário, ela não terá sucesso na evangelização. Essa igreja é tão visível que vive aparecendo nos veículos de comunicação de massa em razão dos insistentes pedidos de volumosas ofertas ou por causa dos desvios de conduta dos seus líderes. É, afinal, uma igreja político-partidária.
Em contrapartida, a Igreja invisível consegue impactar o mundo apenas com atividades fraternais, fidelidade a Deus, orações que funcionam e palavras simples do evangelho de poder, que é o evangelho da cruz e da graça. E neste evangelho da graça a unidade universal, o amor pelo outro, funciona sem barreiras. Nele se ama até mesmo aquele próximo problemático, indiferente, que se posiciona como inimigo do cristão. Não importa se o meu vizinho me odeia. Eu o amo, apesar do seu ódio contra mim. Na Igreja invisível, vive-se uma irmandade no corpo e em nome de Cristo, o que confere a ela um novo ânimo em favor da fraternidade universal. Aqui se vive realmente as boas novas do evangelho, onde há harmonia, unidade e comunhão entre as pessoas, apesar dos problemas. Na igreja visível, entretanto, as boas novas do evangelho são anunciadas juntamente com os problemas, os quais não permitem harmonia, unidade e comunhão. Há muita diferença entre viver as boas novas apesar dos problemas, e anunciar as boas novas juntamente com os problemas. Na primeira, há o princípio de unidade e comunhão. Na segunda, não há unidade e, conseqüentemente, não existe comunhão.
Nestas duas entrevistas, conforme o leitor vai conferir, procuro dar respostas dirigidas à igreja visível. Aquela que, com seus atos pouco cristãos, dificultam de alguma maneira a imagem do verdadeiro evangelho. Em contrapartida, a Igreja invisível já está cumprindo seu papel. Aliás, sempre cumpriu, pelo mover do Espírito de Deus. Na sua natureza espiritual, ela é operante desde sempre, quando por obra e graça de Jesus Cristo foi revestida de poder (leia o capítulo 2 de Atos dos Apóstolos) para salvar o homem perdido nos seus delitos de pecado. Esta Igreja é santa e, portanto, não precisa de manifestações críticas para reparação dos seus atos. Na verdade, a Igreja santa é absolutamente orientada pelo Espírito Santo, tanto no que diz respeito à sua tarefa evangelizadora como anunciadora da justiça de Deus quanto no que tange ao reconhecimento dos seus erros. É uma Igreja humildade, não presunçosa, e sem estrelismo religioso.
Na minha trajetória de homem pecador porém, arrependido e perdoado de atos pecaminosos aprendi que o caminho da humildade é fator decisivo no crescimento da nossa relação com Cristo. Paralelo a isto, minha humilde e muitas vezes sofredora experiência como cristão e profissional me levou a conhecer realidades humanas que precisam ser debatidas de várias maneiras, sendo uma delas a escrita. No meu livro A igreja cidadã (Arte Editorial, SP, 2008), procuro ajudar a igreja brasileira a rever biblicamente o fazer humano mirado na justiça de Deus, com relação à qual quase sempre somos omissos. Agora, nestas duas entrevistas, procuro responder a algumas perguntas cujas respostas nos farão repensar sobre algumas questões práticas da fé cristã. Boa leitura!
BATTISTA SOAREZ
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PRIMEIRA PARTE
Entrevista concedida à jornalista Marina Souza para o Jornal Pequeno, edição do dia 9 de março de 2008, por ocasião do lançamento do livro A igreja cidadã.
O EVANGELHO DA CIDADANIA
A ação operante da fé cristã é poder de Deus que remove os males do mundo. Afinal de contas, a igreja corpo de Cristo, também é igreja corpo social.
Por MARINA SOUZA
No seu livro A igreja cidadã, o autor diz que a igreja-religião é fundamentada em liturgias, tradição, programas, dogmas e rotinas. Já a igreja cidadã, em contrapartida, é pautada em princípios, criatividade e visão holística. Nesta entrevista, ele mostra que sua intenção não é polemizar o discurso religioso em torno do que as igrejas pensam e fazem, mas suscitar uma visão holística do homem, pelo homem, sobre o homem e para o homem este, foco do evangelho da justiça pregado pelo Cristo de Deus. "Jesus não ensinou um evangelho de tradição, intolerância, fanfarronice, opressão religiosa e mortificação da alma humana diz o autor "mas formou uma coletividade de discípulos para educar o mundo a fim de que este aprenda a dar lugar ao Espírito para sua própria transformação. Precisamos entender isto de forma muito clara".
A igreja que o autor pensa para o mundo de hoje é quase uma utopia para uns, necessária para outros e pragmatista para os mais conservadores. Para o autor, no entanto, é a tradução fiel do evangelho construído pelo Filho de Deus. "Os que me acusam de pragmatismo cristão diz ele precisam entender o que o apóstolo Tiago escreveu na sua epístola. Tiago, que viu o Senhor, andou com Ele, dormiu ao lado dele, ouviu pessoalmente todos os seus sermões e, por fim, testemunhou a olho vivo a sua morte e ressurreição, foi o primeiro a expor a idéia de que fé sem obras por si só é morta (Tiago....). Se eu sou pragmático pondera o autor antes de mim alguém que andou pessoalmente com o Senhor Jesus o foi, segundo o qual as idéias e pregações da fé só têm validade e sentido se seus instrumentos de ação produzirem efeitos práticos".
MARINA SOUZA Que tipo de igreja você classifica como cidadã? É uma igreja tradicional ou inovadora?
BATTISTA SOAREZ Tradicional não pode ser. Inovadora eu diria que, por outro ângulo, não é a palavra-chave para qualificar uma igreja cidadã. Talvez a expressão renovadora pode se adequar melhor a uma comunidade cristã que seja capaz de repensar sua historicidade para equilibrar padrões estruturais e fazer funcionar o sentido de um evangelho acima de tudo humanificado, sem desdeificar o seu serviço na escala natural do tempo. Essa igreja já existe em algum lugar ou em vários lugares. Mas ela ainda está invisível perante o universo de segmentos religiosos. Ela é uma igreja que se alimenta na centralidade da cruz e fundamenta toda sua demanda de trabalho no homem e nas necessidades deste. Uma igreja assim não tem rótulo denominacional, não tem dogmas e nem tradição ou rituais. Trata-se de uma igreja que flexivelmente pensa a atualidade do tempo e insere aí o evangelho transformador, que é o evangelho da inconformidade. O apóstolo Paulo, na epístola aos Romanos, orienta: "não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente". Com esta frase ele está lecionando acerca de um aprendizado cristão permanentemente evolutivo, contínuo e interveniente.
Você acha que o seu livro será assimilado facilmente pelas igrejas cristãs, principalmente pela ala protestante, na qual pouco se ouve falar sobre o assunto?
Tenho consciência de que não será tão simples. Numa comunidade cristã onde a forma de manifestação da fé é emotivamente verticalista e as pessoas não têm o hábito de ler para crescer na vida espiritual e alcançar maturidade, os empecilhos serão inerentes. Mas acredito que, como a obra trata de sustentabilidade e sobrevivência das comunidades em situação de desenvolvimento, não teremos muita dificuldade em conseguir efetivamente uma certa atenção ao debate proposto. A igreja protestante e os movimentos evangélicos recentes, por sua vez, precisam entender que a questão da cidadania não é nenhuma vaidade parareligiosa, mas uma expressão de justiça via o evangelho ensinado por Jesus.
Mas esse debate, naturalmente, não vai se contrapor à posição da igreja em relação às comuns manifestações da fé, já que ela prega contra as coisas materiais do mundo e orienta os adeptos a não juntar tesouros na terra?
Quando a igreja prega a "não juntar tesouros na terra", ela está absolutamente correta. Quem disse isso foi o próprio Cristo. Mas não convém confundir essa verdade bíblica com uma vida cristã mergulhada na miséria, na preguiça espiritualizada e no descaso social e econômico. Isso seria a somatória total de todos os absurdos. Nunca foi projeto de Jesus formar seguidores social e economicamente inoperantes. Quem lê a Bíblia pode conferir que, na parábola dos talentos (Mateus 25.14-30), dois trabalhadores do reino, com espírito de investimento e criatividade, foram justamente recompensados. O terceiro homem, porém, foi rigorosamente punido. Ele era o tipo de cristão preguiçoso, metido a espiritual, e com uma capa bestial de honestidade. Com medo de perder, deixou de ganhar pelos esforços do seu trabalho e pela criatividade em que foi, ao mesmo tempo, desafiado e omisso. O jovem rico da parábola do livro de Mateus também foi desafiado por Jesus a investir em comunidades carentes. Mas como foi presunçoso e mesquinho, perdeu a maior oportunidade da sua vida: a de ser cidadão do reino de Deus. Ser cidadão do reino de Deus, portanto, é ser mais, muito mais do que pregador e orador. É tornar-se agente da justiça pelas lides de transformação, cidadania e desenvolvimento, sem perder o foco da fé espiritual.
Escrevendo um livro assim, você se considera um cristão de esquerda?
(Risos...). Nem de esquerda, nem de direita. Aliás, isso não existe e nem deve existir na comunidade cristã. Sou um cidadão do reino de Deus. E cidadão do reino não tem partido, nem placa denominacional. Ele tem, isto sim, partida por linha de uma postura operante rumo à comunidade-mundo cercada por montanhas de situações degradantes que precisam ser removidas. Essa operação somente será possível mediante a unidade do exército da fé que historicamente vive e sempre viveu estraçalhado pela divisão e pelos esforços verticais da religião míope e inoperante. Em Deus, ninguém é esquerda ou direita, mas Corpo de Cristo com uma missão social a desenvolver nos labirintos dessa comunidade-mundo.
Você não acha sua mensagem muito forte e chocante perante uma igreja acostumada a trilhar caminhos totalmente diferentes do que você propõe no seu livro?
Não é bem assim. Eu apenas instigo a igreja a ser agente da justiça proposta por Jesus de Nazaré durante o seu ministério terreno... entre os homens. Essa justiça, hoje, é traduzida numa linguagem de cidadania e construção não de um reino, mas do reino pensado por Cristo como seu grande projeto para homens livres do pecado. É só uma questão de hermenêutica social e sabedoria no fazer a justiça de Deus funcionar entre os homens. Quem não concordar, portanto, com a justiça de Deus aos homens não deve se considerar cristão. Penso que a igreja deva se adequar às tendências dos tempos em permanente mutabilidade.
Como assim?
Nossa história está marcada por dissabores da cotidianidade pluralista, de um lado, e estática, de outro. Nós humanos sempre buscamos algo que não sabemos bem direito o que que é, e, em nome dessa busca perdida no espaço e nas encruzilhadas do tempo, praticamos uma enxurrada de injustiças contra nós mesmos e contra o próximo. Depois enfileiramos numa corrida sem sentido em busca de remediações e tecnologias enlouquecidas para tentar corrigir o prejuízo causado. Mas as coisas só tendem a piorar. Se a igreja continuar míope diante de tudo isso, ela não vai conseguir nem sequer dizer "amém" no fim da história e no apagar das luzes de todo esse cenário mutatório. A visão radicalmente religiosa é o pior inimigo dos homens e da própria igreja em relação à prática da justiça de Deus. Eu digo sempre que o pior inimigo da igreja é ela mesma, pela visão, pela tradição e pelo tipo de religiosidade que ela incorpora diante dos humanos. Dessa maneira, ela não conseguirá alcançar o pecador em sua plenitude.
Para isso, entretanto, a igreja não teria que quebrar muitos tabus e paradigmas como, por exemplo, elementos doutrinários que orientam a discriminação em relação a certos tipos de pecado, como no caso do atualmente badalado homossexualismo?
Evidentemente! Para cumprir sua missão na mais alta integralidade da vida, a igreja precisa derrubar suas paredes de paradigmas e tabus religiosos e limar sua mensagem no verdadeiro evangelho da cruz, que é um evangelho criativo sem limites de alcance. O foco desse evangelho é sempre o "outro", não importando a natureza do seu problema ou pecado, mesmo que esse pecado seja o homossexualismo. Ele propõe olhar não para o tipo de pecado, mas para o homem vítima do pecado. Temos que, a exemplo de Jesus, olhar para o homem não como pecador prazeroso, mas como alguém que foi ferido ou imolado pelo pecado. Cristo via e vê o pecador como alguém que foi violentado, injustiçado e que, agora, precisa de auxílio e de vida, como no caso da parábola do bom samaritano! Este é o evangelho da cruz e da vida. O papel deste evangelho não é reparar pecados, criticar erros ou condenar, mas pescar homens para o reino de Deus. A igreja corpo-de-Cristo tem que obrigatoriamente tornar-se corpo-social, envolver-se/envolver e levar vida para os homens vitimados pelo pecado. Mas, para isso, ela precisa desprender-se das algemas religiosas.
Você concorda, então, com o casamento gay? O que pensa sobre os homossexuais?
Meu livro não aborda essa questão. Mas tenho opinião a respeito, do ponto de vista da cidadania e dos direitos humanos. Não sou a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo, porque acho isso desnecessário. Mas eu concordo com a lei que combate a homofobia. O homossexual é uma pessoa humana como qualquer outra. Tem sentimentos, emoções, corpo e alma. Se alguém encostar, por exemplo, uma faca no seu corpo e apertar, ele vai sentir dor e medo como qualquer ser humano. Se perfurar, vai doer ainda mais, vai sair sangue e inflamar como em qualquer um de nós. Uma criatura assim tem vida e precisa de direitos de proteção à vida. A lei vem apenas fazer cumprir o dever do Estado, que é fazer funcionar a justiça. Incomoda-me, por exemplo, ver pastores e líderes querendo combater projetos de lei em favor de homossexuais, do silêncio, etc. e deixando de fazer um monte de outras coisas bem mais significantes. Se a igreja cumprisse corretamente o seu papel, que é o "ide e fazei discípulos de toda criatura", não precisaria de lei. Como ela não cumpre, Deus usa a lei para forçar o Corpo de Cristo a fazer o que é devido à missão e à ética do evangelho. A igreja fecha os olhos da justiça aos homossexuais, às prostitutas, ao menor abandonado e arregala os olhos da discriminação, da rejeição, da intolerância e da injustiça, enquanto eles gritam por socorro e misericórdia, ou seja, clamam por justiça. Quando a igreja é omissa em fazer justiça aos carentes de justiça, aí Deus obviamente usa homens pecadores para criar leis e forçar ela cumprir o seu papel de evangelização que está sendo negado. Dizer que o homossexualismo é coisa do diabo, é simplismo religioso. Todo pecado é diabólico: a discriminação, o orgulho, a rejeição ao próximo, o falar mal da vida alheia, as injustiças, o mexerico, a bisbilhotice, o adultério, a sonegação, o suborno, os negócios desonestos, a presunção religiosa e por aí vai. Mas o pecador é criatura de Deus. A grande questão é saber gerenciar uma pedagogia cristã inteligente no que concerne à educação do homem criatura para se salvar em meio a tudo isso.
Mas você não disse o que fazer com os homossexuais.
Eu não digo o que Jesus não disse. Digo apenas o que Ele disse: "Ide e fazei discípulos de toda criatura...". Eu não preciso citar a Bíblia para provar que o homossexual é criatura. Todo mundo sabe disso. E se é criatura, também é cidadão. Todo pecador é cidadão, e todo cidadão é pecador. Logo o evangelho da justiça veio para o pecador cidadão e também para o cidadão pecador. O evangelho deve alcançar o homossexual como a qualquer cidadão. Agora, se você quer saber qual deveria ser a posição da igreja em relação à complexidade homossexual na pessoa humana, posso lhe passar algumas informações sobre as quais a igreja como corpo de Cristo na terra, e responsável pela missão de ganhar o mundo para o reino de Deus deveria refletir.
Quais seriam essas informações, então?
Há, na homossexualidade, questões científicas profundas que a igreja precisa conhecer, refletir e levar em consideração para fugir de cometer injustiça contra a criatura humana. Ela precisa buscar conhecer o estudo dos cromossomos que, no contexto da fecundação, exercem acentuada influência na natureza genética da pessoa humana, no que tange essa questão da sexualidade. Geneticamente, a ciência já comprovou que oscromossomos definidores da sexualidade humana são os cromossomos "XX" (na mulher) e "XY" (no homem). O cromossomo "Y" é responsável pela inferioridade biológica do homem em relação à mulher e pela diferenciação hormonal entre a feminilidade e a masculinidade. O problema é que nesse estudo científico encontram-se situações intermediárias, sendo que as mais conhecidas estão no homem, isto é, os tipos "XYY" (em que os caracteres masculinos encontram-se acentuados) e os "XXY" (onde se percebe acentuação dos caracteres femininos). Por outro lado, na mulher são conhecidos os tipos "XO" e "XXX", em que há uma certa intensificação dos aspectos característicos do sexo feminino. Indo um pouco mais a fundo, vale dizer que ainda há indivíduos com duas linhas celulares distintas isto é chamado de "mosaicismo como, por exemplo, as situações em que encontram-se "XX/XY", "XY/XO", "XXY/XXXY" etc. Assim sendo, fica caracterizada uma certa imprecisão entre a masculinidade e a feminilidade do indivíduo. Em algumas situações biogenéticas, os órgãos genitais externos podem ser qualificados por sua ambigüidade inter-sexuais. Em outros casos, ainda, há um autêntico hermafroditismo, em que coexistem testículos e ovários em um mesmo indivíduo. Ora, se se trata de uma questão genética, a pessoa não tem culpa de nascer homossexual. Nosso dever, como igreja, é estudar o assunto com profundidade e assim encontrar resposta no plano da salvação para esse tipo de criatura racional, que tem vida e alma.
Esse estudo resultaria em que, especificamente?
Esse tipo de assunto não pode ser definitivamente aclarado numa entrevista como esta. O que se pode fazer, efetivamente, é provocar um debate a partir desse apanhado científico existente para que se possa incluir o homossexual no contexto da justiça por parte do evangelho. Existe, pelo menos, cerca de oito tipos de homossexualidade. E mesmo que, nesta simples entrevista, não cabem aprofundamentos e/ou detalhamento quanto ao fato em si, posso mencionar que os tipos homossexuais são bem diferenciados. A ciência ainda não publicou sistematicamente em caráter pedagógico nada acerca disto que vou falar, mas há estudos desenvolvidos por psicoterapeutas e pesquisadores (inclusive por um psicólogo e teólogo amigo meu e por mim mesmo, modéstia à parte) que constatam tal tipologia. Vejamos, de maneira muito sucinta, a seguinte classificação que, inclusive, está no meu livro E os jovens se atraem (Ed. Ame, 2007). (1) Homossexual propriamente dito, isto é, aquele sujeito que é casado, não tem nada de trejeitos e odeia ser chamado de gay. Ele busca apenas o pênis do outro homem, busca apenas o prazer. (2) Travesti é aquele indivíduo que tem consciência de que não é mulher, mas se traveste de mulher, exagera nos trejeitos, é espalhafatoso e se orgulha do seu pênis por ser seu instrumento de trabalho, ou seja, ele é um mercador do sexo e sua clientela, geralmente, são homens casados que querem ter o prazer de serem penetrados por uma "mulher" de pênis, e então vêem no travesti essa "mulher" de pênis para realização de sua fantasia sexual. (3) Transexual é um tipo bem diferente, porque ele se sente totalmente mulher e, ao contrário do travesti, tem vergonha e até nojo do seu próprio pênis. Na sua cabeça, ele é mulher, desenvolve gestes naturais femininos e não usa os trejeitos gays. É esse tipo que geralmente recorre a cirurgias para retirada dos órgãos genitais masculinos, como o caso típico, no Brasil, de Roberta Close, por exemplo. (4) Hermafroditas nascem com as duas genitálias (a masculina e a feminina) e não são considerados homossexuais, mas apenas portadores de um distúrbio genético. Normalmente, são heterossexuais e sofrem muito por terem nascidos assim. (5) Androginismo é aquele tipo que reúne características masculinas e femininas ao mesmo tempo, confundindo-se entre si. Por exemplo: ao ver um androgênico na rua, a pessoa tem dificuldade de identificar se é homem ou mulher. Nos seres humanos, o androginismo não é considerado homossexualidade. Pois constitui-se a homossexualidade dos animais e vegetais. Nas plantas, ocorre quando há, ao mesmo tempo, flores masculinas e femininas agrupadas no mesmo pedúnculo ou na mesma espiga. Nos animais, acontece este tipo de homossexualidade quando não há interesse de cruzamento do macho em relação à fêmea ou vice-versa. Os cinco tipos citados acima são ocasionados por disfunção genética. Resta saber, do ponto de vista da ciência genética, é que cromossomos definem cada tipo. (6) Homossexualismo de ocasião acontece por situações ocasionais como, por exemplo, em caso de vítimas de estupros ou abusos sexuais em família, presídios (presos que abusam de outros), conventos, adaptações psicossomáticas com meninos que foram criados em ambientes só de mulheres, sem a presença masculina (a figura do pai) e há probabilidade também de acontecer com pessoas que sofreram graves decepções amorosas. Neste caso, o tratamento indicado deve ser obrigatoriamente com um psicoterapeuta. (7) Homossexualismo por complexidade espiritualista ocorre quando há possessão demoníaca, no caso, por exemplo, da pessoa que vai ao terreiro de macumba e, lá, o espírito exige que ela a pretexto do "trabalho" surtir efeito se submeta a relação homossexual com o pai de santo. Ao acontecer o ato, o espírito maligno, a partir daquele momento, passa a dominar seus instintos sexuais inversos, levando a pessoa a graves desvios de conduta e a praticar procedimentos imorais, na esfera sexual, sem que ela tenha mais domínio sobre suas próprias emoções e vontades eróticas. Aquela pessoa, então, torna-se escrava de imoralidades e fantasias sexuais, das mais estranhas. Para este problema, o tratamento deve ser na igreja, com grupos de oração consagrados ou com um pastor preparado que deverá expulsar o espírito maligno. Em seguida, a pessoa deverá receber tratamento psicoterapêutico para superar o trauma ocasionado. (8) Lesbianismo é a homossexualidade feminina e trata-se de uma relação muito intensa e difícil de ser tratada, porque a mulher lésbica desenvolve idéias fixas muito fortes, bem mais complexas que a homossexualidade masculina. O tratamento é longo e muito difícil. Na minha opinião, a igreja deverá estudar todas essas complexidades e aplicar, aí, o poder do evangelho que em momento algum prega a rejeição ou a exclusão. O poder do evangelho começa com o aceitar ao próximo independentemente da sua condicionalidade pecaminosa. Aliás, o evangelho só existe por causa do pecador. Jesus só veio à terra por causa do homem pecador e, ao subir ao Céu, incumbiu a Igreja de cuidar desse assunto, revestindo-a de poder sobrenatural para combater o inimigo e o pecado.
Como o senhor interpreta o caso Sodoma e Gomorra, na Bíblia?
Eu interpreto com e pela própria Bíblia. Se você ler o profeta Ezequiel capítulo 16 (especificamente os versículos 49 e 50) verá claramente que a destruição de Sodoma e Gomorra não foi por causa de homossexualidade. Ali, o problema central foi a injustiça e grave dos habitantes das duas cidades. A homossexualidade deles era produto da sua estupidez, da sua injustiça. Uma cidade tinha grave influência sobre a outra. Relatos históricos dão conta de que tanto os sodomitas como os gomorritas eram tão injustos que levavam seus presos a praças públicas e os matavam da forma mais hedionda: pegavam estacas de madeira e, à vista de todos, enfiavam-nas em seus anus até saírem às suas bocas. Depois, rasgavam suas carnes e as jogavam ao chão para serem comidas pelos bichos. Diante desse fato, eles riam e gargalhavam como que tendo prazer naquelas atrocidades. Por causa daquilo, Deus, o Senhor da justiça, fez questão de banir Sodoma e Gomorra da face da terra. Como disse, não há provas cabais de que eles praticavam homossexualidade por serem homossexuais. Eles o faziam simplesmente por maldade, por serem perversos. O relato de Gênesis 19.1-29, portanto, não é suficiente para concluirmos que a razão da destruição de Sodoma e Gomorra tenha sido a homossexualidade. Além disso, esse relato de Sodoma e Gomorra só foi inserido nas Escrituras no século X aC pelos escritores javistas. Os eloístas, por sua vez, não o fizeram na sua versão. Jesus, nos Evangelhos, nada falou sobre isto. Por que? Porque Jesus não trouxe ao mundo um evangelho de exclusão. Pelo contrário, o Evangelho de Jesus é inclusivo. Ele ordenou fazer discípulos de toda criatura, isto é, de todos os homens, em todas as culturas e perdoar aos homens sem classificar tipos de pecado. O homossexualismo é errado? Sim. Claro que é! E qual é a proposta ideal? Estudar a Bíblia, a ciência, a história, a psicologia, a antropologia e, a partir desse prisma, orar a Deus e pedir sabedoria a respeito do que fazer para congregar os homossexuais no Corpo de Cristo, sem discriminá-los e rejeitá-los. Os homossexuais não escolhem nascer assim. Não têm culpa nenhuma de terem nascidos com distúrbios hormonais.
E aí? Pregar contra os homossexuais é homofobia?
Se for uma pregação discriminatória, molestativa, xingativa e expositora de ódio, é sim homofobia. E o pregador precisa ser orientado a respeito disso. Minha opinião é que esse seja um ministério à parte na igreja, específico, com equipes extremamente preparadas, treinadas, inclusive do ponto de vista terapêutico. Eu mesmo já aconselhei homossexuais e, num processo demorado (de quase um ano), obtive bom resultado positivo. Mas não foi fácil porque os homossexuais são pessoas feridas, emocionalmente instáveis, insatisfeitas com a própria situação e sentem-se discriminados pela sociedade à sua volta. Evangelizar uma pessoa dessa natureza não é nada simples. É preciso muita inteligência e amor de Deus, para alcançá-lo e reeducá-lo.
Então você é a favor das leis de pressão sobre a igreja?
Não vejo as leis como pressão. Vejo apenas como uma pedagogia de orientação aos grupos que querem trilhar fora dos caminhos da ética e do fazer social. Se as leis nos ensinam a respeitar princípios da cidadania humana como a dignidade, a liberdade, a igualdade, o direito à vida, a fraternidade e os direitos humanos, então eu sou a favor porque foi exatamente isso que Jesus pregou aos homens. Agora, se uma lei é inconstitucional e, em razão de interesses particulares de pessoa ou grupo, fere intencionalmente os direitos de outros, aí eu sou contra, porque não é uma lei justa. Lei justa é aquela que beneficia a coletividade.
Como explicar melhor esse ponto de vista?
Do mesmo jeito que a sociedade deve respeitar o governo, o governo precisa entender que respeitar a sociedade é fator fundamental para o bom desenvolvimento do país. As leis nunca devem estimular a desarmonia nas relações sociais. O papel delas é estabelecer o equilíbrio, pregar a harmonia, a paz social, respeitando o princípio da democracia. Num país de regime democrático como o Brasil, por exemplo, governo e povo são a mesma coisa, porque democracia é governo do povo. O normal seria o governo não tomar nenhuma medida, aprovar nenhuma lei sem o consenso da soberania nacional, que é o povo. Povo não é uma assembléia ou um congresso nacional com deputados e senadores fazendo o que bem entenderem. Povo é 184 milhões de brasileiros. E no meio dessa estatística está a igreja. Tem de haver harmonia. Tem que haver diálogo social. Infelizmente na prática não é assim, por isso vivemos atolados na corrupção. Elegemos os políticos e depois, como recompensa, somos condenados a ficar quatro anos no sofá de nossas casas assistindo pela televisão repetidos ensaios teatrais de CPIs. O cidadão em geral precisa usar da sua soberania para mudar essa postura da nação. Não somos um país democrático? Democracia não é governo do povo? Então, pronto! O povo tem que administrar seus direitos!
Como pastor, o que diz à sua igreja quando surge uma lei polêmica dessas?
Quando surgiu a lei do silêncio, eu disse à minha igreja: "Queridos, Deus está nos dizendo que esse som alto demais é prejudicial à nossa saúde". Eu não sei se o legislador tecnicamente viu dessa forma. Mas foi o que pensei particularmente. Eu fiz uma entrevista com o Dr. Waldemar Setzer, da USP, que tem pós-doutorado em tecnologias da comunicação, e ele me repassou algumas informações a respeito do perigo de ondas eletrônicas e eletromagnéticas que entram em atritos com o sistema nervoso central do ser humano, inclusive afetando fatalmente neurotransmissores. Um mestre em física da Universidade Federal do Maranhão, membro da minha igreja em São Luís e estudioso do assunto, disse-me que o Raio-X emitido pelo som é prejudicialmente dezenas de vezes maior que o emitido pelo computador e pela televisão. Segundo ele, as radiações eletromagnéticas entram em atrito com o sistema nervoso central da pessoa e destroem neurotransmissores, causando retardamento mental, sonolência, irritabilidade, surdez, esquecimento, raciocínio lento, dificuldades na aprendizagem e na assimilação da leitura. Nos menores de 18 anos, esse quadro se agrava. Agora avalie esses sons altos demais numa igreja de ambiente fechado, onde as pessoas são totalmente radiadas por ondas eletrônicas ou raio-x de sons com altos decibéis! Veio o ECA, eu falei: "Deus quer que cuidemos dos menores abandonados". Na vez do projeto de lei sobre legalização da prostituição, eu disse: "Irmãos, Deus está querendo que a igreja olhe para as prostitutas". É o caso da lei da homofobia. Creio que Deus sempre corrige nossas ignorâncias, omissões e inoperância com acontecimentos surpreendentes. As medidas legais são instrumentos dele nesse processo. Claro!, ele quer resgatar homens das trevas para a luz, e igreja fechada em si mesma, inerte, não pode fazer esse tipo de trabalho.
Você faz parte de um projeto social em Alcântara. Lá é aplicada a idéia que o livro A igreja cidadã propõe?
Desde o ano de 2003, o Projeto Nova Alcântara tem sido uma espécie de laboratório da Igreja cidadã. Mas a idéia nasceu entre 1992 e 1994 na cidade de Belém do Pará, onde fiquei por dois anos. Nessa época eu comecei elaborar não exatamente um livro, mas uma idéia que, a princípio, denominei de "igreja planificada". Minha intenção não foi criar uma teologia da planificação, mas construir um modelo de trabalho comunitário a partir de grupos cristãos. Isso por causa da facilidade com que os cristãos têm de se agrupar, reunir e unir força. Depois de andar muito com uma pasta debaixo do braço e receber uma série de "nãos" e críticas infundadas, consegui, em 1996, me unir ao irmão Edílson Lins, da Igreja Batista, que deu devida atenção às minhas idéias. Em 1997, organizamos um grupo de profissionais e fundamos o Instituto de Pesquisa, Ensino e Ressociabilização (IPER). Mas foi no ano de 2003 que o Projeto Nova Alcântara, encabeçado pelo próprio Edílson Lins, ganhou estrutura organizacional. Ele acreditou no projeto e, com sua experiência em administração de empresas, decidiu assumir a liderança de forma decisiva e continuada. Criou-se, então, o PCDS (Pólo Comunitário de Desenvolvimento Sustentável) e, hoje, somos um grupo organizado em torno daquela comunidade composta por mais de 60 povoados. Desenvolvemos ali políticas comunitárias de sustentabilidade, assistência e educação rural.
Nesse caso, que conselho daria ao universo cristão?
Que a igreja cristã precisa deixar de ser evangélica, deixar de ser igreja-religião e se converter efetivamente ao Cristo da cruz. O evangelho da cruz é a resposta salutar para todas as perguntas de um mundo em crise, e é simples. Esse evangelho religioso que aí está é complicado demais. Não se faz compreender. Quem realmente quer compromisso com Deus não agüenta mais esse negócio de igreja-religião. Como os fariseus no tempo de Jesus, esse tipo de igreja está desgastado, apático, míope, intolerante, extremista, pecaminoso e doente. É uma religião insensível às dores humanas, sabe? Com o tempo, ela adoeceu o corpo de Cristo. Deus do céu! As pessoas não se respeitam mais, não se amam, se destroem umas às outras, escancaram a boca falando mal do próximo, mexericam entre si, não sabem perdoar, vivem enfurnadas numa espiritualidade presunçosa, arrogante e depois de tudo isso vão ministrar cultos de hipocrisia a Deus: cantar, pregar e orar. Depois repetem tudo de novo. Honestamente, isso pode até ser cristianismo ou igreja evangélica, mas não é igreja convertida ao corpo de Cristo. Por favor! Tá na hora de renunciar a tudo isso e abraçar o Cristo ressuscitado com a mente, com a alma e com o coração.
Você está dizendo que a igreja hoje, na prática, não está sendo cristã?
Ela é cristã porque prega o nome de Jesus Cristo. Mas na prática ela está mais convertida ao denominacionalismo, às grandes convenções, aos templos luxuosos, às divisões, às articulações políticas, aos movimentos gospel's, aos shows da fé evangélica do que ao evangelho do Cristo libertador. A igreja-religião é assim: ela é capaz de gastar 1, 2, 3 ou 5 milhões em dinheiro com megaeventos e construindo templos de luxo, mas é incapaz de investir cinco reais na vida do próximo, com a prática do amor ao próximo. Esse próximo é, segundo o evangelho, a verdadeira casa de Deus, onde devemos, de fato, investir tempo e dinheiro. A igreja tem que ser corpo de Cristo de verdade e fazer esse corpo funcionar em favor da libertação do homem. Esta é a sua missão. O evangelho de Cristo para mim é isto.
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SEGUNDA PARTE
Entrevista concedida ao jornalista MARCOS STEFANO, da revista Eclésia, de São Paulo, em 2008.
SEM COMUNHÃO NÃO HÁ CORPO DE CRISTO
O que realmente está faltando para a igreja de Cristo conseguir impactar o mundo com sua presença, atitude e ações efetivas? Como devem funcionar as estruturas relacionais no âmbito da fé cristã? Nas respostas a esta entrevista há uma visão diferenciada, uma igreja inquieta com situações desonrosas e um caminho a ser seguido sob orientação do Evangelho.
Por MARCOS STEFANO
MARCOS STEFANO Em sua opinião, o que é fundamental para que uma pessoa experimente a renovação espiritual em sua vida?
BATTISTA SOAREZ A primeira coisa é compreender que o evangelho da vida não pode ser mesclado com nenhum tipo de crendice humana. Na minha concepção, renovação espiritual verdadeira é aquela que é limada na comunhão com Deus e na relação com a comunidade-mundo, esta formada pelo próximo de que Jesus tanto falou durante todo o seu ministério terreno. Para viver isto, a pessoa tem que ser realmente corpo de Cristo inserido nas estruturas humanas. Quem de fato almeja uma experiência profunda com Deus e com as maravilhas espirituais do reino dele, precisa desprender-se das grilhetas religiosas e mergulhar no nome de Cristo livre de quaisquer tabus, ritos, fanfarronice, santarronismo e de todas essas coisas que a gente vê por aí hoje em dia. Trata-se de uma espiritualidade envolvente porque se envolve. Se envolve tanto no caráter de Deus quanto no contexto social do ser humano. E, neste sentido, ela se insere-se em todos os contextos da vida social, preservando seu caráter e a sua identidade, que deve ser aperfeiçoada na pedagogia do evangelho da cruz, num aprendizado sempre renovável e estruturante. Há, entretanto, um certo espírito de sincretismo evangélico rondando as igrejas cristãs e, por conseguinte, confundindo renovação espiritual com espiritualismo religioso. E todo mundo aplaude. Por outro lado, um cenário turbulento de tradições apáticas junta-se a determinado nível de orgulho espiritualizado e denominacionalista, adoecendo e enfraquecendo totalmente o corpo de Cristo na terra. Veja que em Mateus capítulo 23 e Marcos capítulo 7 mostra, com clareza, que esses males atrapalham por completo o fortalecimento da vida em Jesus. A meu ver o remédio fundamental para quem quer se livrar de tudo isso e, ainda, ter uma renovação espiritual profunda é a atitude de varrer da própria consciência essa "coisa" evangélica que confunde até mesmo os mais doutos na fé cristã. Deve-se amar o Cristo ressuscitado com a mente, com a alma e com o coração. O cristão precisa tirar sua consciência das trevas religiosas e aprofunda-la na pedagogia do corpo de Cristo: conhece-lo, amá-lo e fazer esse corpo funcionar dentro de uma visão holística em relação ao mundo para o qual o evangelho foi enviado. Ser evangélico não basta, não acrescenta absolutamente nada. É preciso ser corpo de Cristo no âmbito da plenitude humana. Vida abundante é santidade, oração e plenitude humana. E plenitude humana é ter caráter, e viver corretamente.
Quais são os principais culpados pelo esfriamento do fervor individual em nossos dias?
Primeiramente, é válido dizer que está faltando compromisso das pessoas para com Deus em relação ao aprendizado dos verdadeiros princípios bíblicos, que eu chamo de princípios da justiça de Deus. É basicamente aquilo que Jesus pregou no sermão do monte. Em segundo lugar, as pessoas estão com suas mentes voltadas mais para as festas ou bailes evangélicos do que para uma vida de compromisso e propósito. Por isso elas só são "crentes" nos cultos, onde aparecem para exibirem suas vozes, seus cânticos, suas danças, orações, pregações, enfeites e indumentárias de última moda. Elas não vão ao culto para construírem relacionamento com Deus, com o próximo e assim vivenciar uma comunhão coletiva. Entram nos cultos vazias e saem secas de vida abundante. Vão lá para manifestarem seus interesses pessoais, suas necessidades e conflitos. Os próprios líderes alimentam isso, quando pregam um evangelho solucionador de problemas sem, contudo, instruírem os seguidores acerca da vida abundante no corpo de Cristo. Essas pessoas gostam de cultos das multidões, mas vivem num individualismo religioso e frio, com graves conseqüências na falta de relacionamentos com Deus e com o próximo. Nesse caso, precisamos avaliar: ou não há culpados ou todos são culpados pelo imanente esfriamento espiritual.
O senhor fala de um individualismo mesmo dentro do coletivo...?
As igrejas estão cheias de gentes, mas vazias de relacionamentos. Parece um paradoxo. Mas é exatamente assim a realidade de nossas igrejas hoje. E aí está o motivo do esfriamento na intimidade com Deus. Quando há intimidade com Deus, compromisso com o evangelho da justiça, há relacionamento e mutualidade entre os membros do corpo de Cristo. Não havendo compromisso com Deus e sua justiça, não há unidade e comunhão. A igreja perdeu, de certa forma, o sentido do viver em novidade crescente de vida abundante. Vida abundante só pode ser experienciada em coletividade e com uma consciência coletiva. Quando a igreja perde essa consciência, ela contribui para que seus adeptos vivam em mornidão espiritual. E nesse tanger ela sempre olha para o inalcançável, para um além muito obscuro. Aí leva às pessoas um evangelho muito complicado de se viver e compreender. Eu não caio naquele simplismo religioso de achar que esse tal esfriamento na intimidade com Deus é tudo culpa do diabo. Mas entendo que ele tira bons proveitos dessa "espiritualidade" meio que perturbada nos cruzamentos da vida social. Ele fez isso nos tempos dos fariseus, na Idade Média, fez em diversos momentos da história do cristianismo e está fazendo com a igreja dos nossos dias. A melhor arma para o diabo contra a igreja é a própria religiosidade da igreja. Logo o principal culpado por esse esfriamento é a própria igreja, por causa da sua visão religiosa e pela postura que ela assume diante dos homens. Por isso é eu que digo que esse fervor individual não pode ser confundido com uma vida fora da coletividade. Mas deve ser entendido como a relação íntima do indivíduo cidadão com o Cristo ressuscitado em que o cristão se abastece de vida abundante para ser vivenciada na coletividade do lado de fora dos portões da igreja. É aí que o fervor espiritual precisa ser demonstrado, porque a verdadeira espiritualidade é uma espiritualidade de relacionamentos, tanto dentro quanto fora da igreja.
As igrejas estão conseguindo estimular a saudável comunhão na vida espiritual de seus membros? Em sua opinião, como anda a espiritualidade do brasileiro?
Eu vejo a coisa por um ângulo diferente do que muitos normalmente vêem. As denominações, principalmente no Brasil, estão convertendo as pessoas ao denominacionalismo, às doutrinas, aos shows gospel's, etc. Essas coisas só servem para elevar o orgulho espiritual do cristão e encurralar a espiritualidade humana ainda mais nas grades da religião, simplesmente. É preciso entender que vida religiosa não tem nada a ver com espiritualidade verdadeira. São coisas opostas. Todo religioso é alienado, fixado em doutrinas, sectário e, muitas vezes, até intolerante. Em contrapartida, a verdadeira espiritualidade se projeta na participação planetária e estruturante. Entendo que as igrejas protestantes e os movimentos evangélicos recentes contribuem para esse tipo de espiritualidade no momento em que se fecham em cultos formais, tradição, doutrinas e programas. No Brasil tem crescido o número de siglas denominacionais. Essa tendência revela um sinal muito ruim, porque proclama sutilmente o esfacelamento do corpo de Cristo. Esse monte de subdivisões evangélicas quebra a unidade da igreja-corpo e enfraquece o seu poder de atuação nas estruturas mundividentes, quer em sentido espiritual quer em termo de organicidade estruturante. O que tem estragado, de fato, a espiritualidade do brasileiro são exatamente as doutrinas e tradições religiosas. Umas querendo ser melhores que outras, as igrejas estimulam a "descomunhão" do corpo de Cristo. Não quero ser polêmico, mas estamos vivendo uma espiritualidade ora farisaica e ora liberal demais. É uma espiritualidade meio doida, sabe? Há um "carnaval" de "evangelhos" de todos os tipos e para todos os gostos. Têm um bom número de "doidinhos" da fé evangélica pregando qualquer coisa, falando um monte de bobagens e dizendo que está pregando a palavra de Deus. O corpo de Cristo está todo contaminado por essas coisas. Esse tipo de espiritualidade acaba de construir uma igreja desgastada, apática, míope, intolerante, extremista, pecaminosa e doente. Esta é a igreja visível. Não a invisível. A Igreja invisível é a eleita do Senhor, correta e intocável. Esta Igreja invisível é a menina dos olhos de Deus. É sal e luz no mundo. Aí do mundo não fosse a Igreja de Deus.
Hoje as pessoas estão mais interessadas em cultos que mais parecem shows, grandes igrejas e emoções do que em compromisso verdadeiro com Deus. Nisso se inclui o envolvimento com obras sociais e atividades que valorizem a comunhão entre os crentes. Até que ponto tudo isso tem afetado a vida espiritual da Igreja?
Eu diria que quando a igreja se volta para shows, grandes templos, emoções verticalistas, etc., ela se fecha para o fazer social, para as relações sociais e para o foco do evangelho que é o pecador criatura na sua integralidade humana. Então ela deixa de alcançar o homem na sua plenitude e se converte em uma religião insensível às dores humanas. As atividades sociais como, por exemplo, a assistência humanitária, são uma conseqüência natural de uma espiritualidade que acima de tudo valoriza a vida. Não vejo a igreja fazendo realmente obra social. Vejo ela mais envolvida com práticas assistencialistas, de um lado, e omissa de outro. Ela precisa revitalizar sua visão de mundo, sua visão de homem, sua visão de sociedade, sua visão de evangelho. Ela precisa fazer funcionar um evangelho humanificado, com total poder de transformação. Quando o apóstolo Paulo disse "não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento", ele está nos orientando à participação reestruturante nos contextos da vida social. Ele está dizendo que nós somos o mundo humano e à medida que nós humanos nos transformamos a nós mesmos o mundo é abalado com o impacto dessa transformação. Essa é uma mensagem universal, para todos os homens. Nós não fazemos obra social, nós somos o poder da transformação social, levando vida abundante aos não assistidos, gerando renda, condições sociais e econômicas favoráveis. Devemos levar ao povo qualidade de vida, justiça, consciência e instruções transformadoras.
Muito se tem falado sobre o Evangelho Integral como forma de despertar a verdadeira espiritualidade. Como levar a cabo a vivência desse Evangelho nos indivíduos? A prática das atividades sociais é necessária para a espiritualidade ou é uma conseqüência dela?
Sua pergunta é pertinente. Sem dúvida a assistência à comunidade-mundo é conseqüência natural da espiritualidade verdadeira. Trata-se do fazer justiça aos pobres. Em vários momentos de suasinstruções, Jesus deixou isto bem claro. Desafiou o jovem rico da parábola de Mateus (18.18) a executar esse ministério do fazer justiça aos menos assistidos. Exemplificou quanto aos que herdarão a vida eterna e os que serão lançados nas trevas, em razão de fazeres assistenciais, uns atuantes e outros omissos. Uma espiritualidade consciente sente um desejo natural de assistir aos necessitados. Tem prazer em contribuir para o desenvolvimento do país, da sua região, da sua comunidade. Mas há um detalhe: "dar de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede" não significa assistencialismo e nem paternalismo. Trata-se de um trabalhar nas estruturas comunitárias e sociais para sustentabilidade humana. A igreja pode instruir o homem local a ser gestor do seu próprio sustento, ajudando-o a aproveitar oportunidades e a gerenciar sua capacidade de produzir seu próprio sustento.
Que culpa tem a liderança nessa situação? Qualquer mudança deve passar por uma nova visão dos pastores brasileiros?
Eu não diria que a liderança é culpada. Mas que ela é vitima de um sistema que ela mesma alimenta ao longo da história. A única culpa que ela congela em torno de si e no tempo, na sua historicidade, é não ter coragem de quebrar paradigmas e revolucionar mudanças. A liderança não tem coragem de chutar a mesa do sistema tradicional e nem apóia os que o fazem. Se formos esperar iniciativas por parte de pastores e líderes, as mudanças nunca virão porque eles são escravos do medo e do sistema religioso. Você não imagina o quanto sou desprezado por lutar para que tenhamos uma igreja operante, transformadora e cheia do poder de Deus (mas poder de Deus no sentido da ação socialmente estruturante, não o poder característico de barulho pregoeiro e religiosamente agressivo). Penso numa igreja mais esclarecida. Mais participante e menos cega. Numa igreja que tenha coragem de fugir das trevas religiosas e viver na luz da operação planetária. O mundo precisa da igreja não religiosa, que seja ela mesma mensagem para o homem holístico. O povo está cansado de ouvir a igreja pregar mensagens nada produtivas. É preciso que essa igreja se projete como resposta de Deus ao homem foco do evangelho da justiça. Mas há uma certa potestade religiosa pairada nesse verticalismo cristão brasileiro sistematizado. Ela impede fatalmente o funcionamento promissor do corpo de Cristo. Como os pastores são os indivíduos que têm acesso ao púlpito, qualquer mudança tem que partir deles. Ou, pelo menos, eles devem apoiar as propostas de mudança que surgem para o bem comum. Mas por causa do sistema religioso, impregnado na mente, no espírito e na alma da igreja brasileira, fica difícil qualquer projeção nesse sentido.
Há modelos que sirvam de exemplo para as igrejas e seus líderes hoje?
Que eu saiba, não. Há movimentos cristãos fazendo a coisa certa. Ou quase certa. Outros têm procurado acertar. Mas isto não significa que há algum modelo de igreja, definitivamente, a ser seguido. É preciso que nós, pastores brasileiros, sentemos e discutamos um modelo neotestamentário de igreja que se proponha atender o momento estruturante atual. Falo de uma igreja santa, mas que saiba utilizar a hermenêutica social da vida para entender que essa santidade não deve ser estática, mas dinâmica, mutatória e flexível. Trata-se, portanto, de uma santidade instruída e aperfeiçoada nos princípios da justiça de Deus, pregados por Jesus no sermão da montanha. Para mim, modelo de igreja ideal é aquele que não tem placa denominacional. Como acontece, por exemplo, no Projeto Nova Alcântara, no Maranhão. Ali, modéstia à parte, nós trabalhamos as necessidades humanas em primeiro plano. Nas reuniões, não falamos de igreja convencional. Falamos de justiça, relações comunitárias, princípios bíblicos e intimidade com Deus. E ensinamos o povo a orar. Depois (aí sim) criamos um modelo de educação que insere no povo uma consciência ética e moral fundamentada no Evangelho. É uma escola regular de ensino fundamental e médio com proposta educacional humanitária. Nesse processo a comunidade local, toda ela, é aperfeiçoada conforme as virtudes do Evangelho. Não fica ninguém fora do reino de Deus. São 68 comunidades. Todas elas recebem assistência, sendo abençoadas pelo fazer fraternal. Todos os dias elas participam das atividades de trabalho comunitário do interesse delas. Durante essas atividades elas são instruídas na oração, na comunhão e no partir do pão. Primeiro elas são abençoadas. Depois de abençoadas, então, elas decidem por si mesmas, e com o poder do Espírito Santo, confessar a Jesus como Senhor e Salvador. Nesse modelo de Igreja ninguém fica fora do Nome de Deus. Não há excluídos.
Em seu livro (A igreja cidadã) o senhor fala sobre igreja-religião e igreja-cidadã. Qual é a diferença entre ambas e de que forma a igreja e o crente, ao se transformarem em cidadãos, poderão renovar o evangelho e a espiritualidade brasileira?
Não diria renovar o evangelho. O evangelho já é boas novas e, portanto, renovado. É a igreja que precisa se voltar para as boas novas do evangelho, ou seja, para o evangelho renovado. A proposta do livro A igreja cidadã se volta exatamente para uma igreja que seja, ao mesmo tempo, corpo de Cristo e corpo-social. Essa igreja eu classifico como igreja cidadã. Trata-se de uma igreja com visão holística de mundo, centrada na pessoa humana e nas necessidades do cidadão. É uma igreja que ao invés de ver o homem simplesmente como pecador nojento e perdido, contempla-o como alguém que habita num universo de oportunidades, entre elas a de salvar-se em meio a um labirinto de situações degradantes, sem ter que se submeter a um jogo de regras religiosas. Era e é assim que Jesus via e vê o homem pecador. É só ler os evangelhos com os olhos da hermenêutica social que você vai ver o modelo ideal de igreja cristã, pensado pelo próprio Jesus Cristo. Ela é simples, invisível e adora a Deus em espírito e em verdade. Já a igreja-religião é muito complicada, visivelmente enleada em práticas litúrgicas, dogmáticas, puritanas e emocionalistas. A gente não consegue entende-la, apesar de sua visibilidade, em termo de tradição, muito antiga por sinal e não evoluída ao longo da sua história. A igreja-religião é visível, mas não tem visão, é cega. Enquanto que a igreja cidadã é invisível, mas tem visão. Visão de futuro e de mundo. Visão de homem e de sociedade. Visão de evangelho e de reino. Se o cristão brasileiro abrir os olhos espirituais para ver este tipo de igreja e de evangelho que é o evangelho da justiça o nosso país brevemente será impacto por um poder espiritual tamanho que vai refletir na política, no congresso nacional, nas camadas baixas da sociedade, assim como nas políticas sociais. Os espíritos da corrupção vão fugir do Brasil e logo atrás deles os demônios da pobreza e da miséria sairão correndo para bem longe deste território. Quando a igreja é esclarecida e fiel, o povo é abençoado e o país muda política, social e economicamente para condições muito superiores.
De que forma o senhor analisa o tempo reservado pelo cristão para estar a sós com Deus?
Tempo para estar em oração com Deus é fundamental na vida do cristão, tem que ser integral e, acima de tudo, transparente. Sem isso não há evangelho libertador. Mas as pessoas não podem confundir tempo para estar a sós em devoção com Deus com isolamento espiritual. Tem gente que acha que buscar a Deus em oração só pode ser em ambiente isolado durante meia, uma, duas ou três horas por dia. Entretanto, é muito importante que tenhamos consciência de uma coisa: vida com Deus é oração sem cessar (1Ts 3.10; 5.17). E o que significa isto? Significa que a minha relação com o Senhor tem que ser contínua. No quarto, na igreja, no carro, no trabalho, na rua, a todo tempo sem parar. Deus está dentro de mim e eu estou dentro de Deus. Trata-se de uma relação/comunicação permanentemente contínua, inteiriça e não alternada. Quando falo isto, quero aclarar que essa comunicação com Deus é uma convicção profunda de que "Ele É" e de que "Ele estar" sempre e incondicionalmente presente. Um cristão que vive essa convicção profunda é um agente de poder, porque essa convicção profunda nos mantém permanentemente alicerçados na Fonte do Poder.
Na sua opinião, a prática do perdão hoje está biblicamente encaixada naquilo que o Mestre ensinou no Novo Testamento?
O perdão é o ponto fundamental do evangelho da justiça e da graça, porque ele nos mantém junto a Deus: "Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos homens [as suas ofensas], tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas", disse Jesus em Mateus 6.14,15. Converti-me aos 16 anos de idade e até hoje não vejo a igreja praticando realmente esse princípio deixado por Jesus. Tudo o que ela faz é "pregar" o perdão apenas da "boca-para-fora", recheado de condicionamentos. Todavia, na hora em que é necessário exercitar esse perdão, ela não consegue fazê-lo e isto pelo simples fato de estar com o pé na graça e a cabeça na lei, na punição e na tradição religiosa. Se alguém comete pecado, por exemplo, é excluído, humilhado e rejeitado. O princípio do perdão, em contrapartida, elimina por completo essa prática punitiva e rapidamente entende-se que a pessoa que comete erros é uma vítima da força decadente universal da natureza humana. Força esta que reflete, naturalmente, na sua vida espiritual. O crente que peca, se torna como alguém que foi ferido, atingido e vitimado pelo inimigo e que agora precisa de ajuda. Essa ajuda é o perdão, o apoio fraterno, o amor cristão e uma reeducação da sua espiritualidade. Foi isso que Jesus quis nos ensinar com a parábola da ovelha perdida (Mt 18.10-14; Lc 15.3-7). E no versículo 7 de Lucas 15 o Senhor é bem preciso nas suas palavras: "Digo-vos que, assim, haverá maior júbilo no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento". Jesus acaba de nos informar que os justos já estão na graça, saciados e fartos. O pecador arrependido, embora já sendo crente, somente agora entrou na comunidade da graça. O banquete é para ele que estava perto, mas, ao mesmo tempo, estava longe. Estava na igreja, mas sua saúde espiritual não estava cem por cento. Estava precisando de cura para sua alma que ainda andava às voltas com certos sentimentos de culpa que lhe corroia por dentro, tirando-lhe a alegria de viver integralmente no corpo de Cristo. Por isso ele ainda andava dando umas fugidinhas aos bares, aos clubes de festas, bebendo e fazendo sexo fora do casamento para preencher aquele tremendo vazio interior e, assim, escapar da solidão. Agora ele encontrou "Um" alguém na igreja que teve a coragem de jogar o véu da religião no lixo e dizer para ele: "meu irmão, vem cá, dá-me um abraço carinhoso. Eu te perdôo. Conte com o meu amor fraternal. Vamos orar juntos, cantar juntos, nos divertir juntos. Olha, a partir de hoje você não precisa mais preencher esse vazio de alma bebendo cerveja, entrando nas noitadas e fazendo sexo fora do casamento. Porque, de agora em diante, você vai preencher esse vazio com o vinho do perdão, com o gozo do Espírito e com a convivência fraterna com seus irmãos". A festa, portanto, é para ele. É para quem esteve longe, desesperançado, perdido porque há algum tempo se afastou de casa deixando saudade e que agora está chegando de volta à festa da graça. Para contento de muitos, ele foi achado, trazido e reconquistado. É a vez da festa, principalmente porque, em razão de sua reconquista, a alegria do Pai é maior. Antes ele fora alcançado por mero convencimento emotivo e ingênuo. Agora ele foi reconquistado, vencendo a batalha da mente confusa e superando o sentimento de abandono, rejeição e solidão.
Participar de ministérios e trabalhos da igreja, inclusive do evangelismo, tem que grau de importância para a maturidade espiritual? Qual?
É importante com foco na busca de resultados, por meio de planejamento. E isto já é o princípio da maturidade. Algumas práticas do evangelismo precisam ser revistas, dada a sua maneira arcaica de se fazer acontecer, embora haja resistências quando se planeja fazer mudanças. Oração é de fundamental importância, e estratégias focadas na busca de resultados é conteúdo preponderante na hegemonia de projetos. Se a igreja treinar a sua membresia para uma caminhada relacional na diversidade das culturas humanas e quando eu falo deste tipo de diversidade refiro-me aos níveis de entendimento, linguagem e modo de olhar a vida as resistências tendem a diminuir. No meu entender, ministérios, trabalhos assistenciais e evangelismo são parte de uma pedagogia de formação da consciência que depende da correta compreensão da identidade e da missão da vida cristã. É preciso entender que vida comunitária é missão congregacional na fé sob a visão de humanidade: temos que alcançar as pessoas com um entendimento de vida estruturante e, neste ponto, a evangelização se constrói. Acho que integridade de caráter é, antes de tudo, uma expressão chave na vida cristã ativa, a qual vai gerar efeitos preponderantes na vida e no ministério de cada pessoa.
Santidade é abdicar da vida social normal em razão da fé? Como o senhor vê a espiritualidade da igreja cristã, hoje, no Brasil?
Santidade é qualidade de vida abundante, não espiritualidade estática. É vida dinâmica em Deus, não tabus e esforços ingênuos por cumprir regras religiosas. Tem havido muita confusão quanto ao verdadeiro significado da santidade. E se o povo tem tido dificuldade de entender o significado da palavra santidade, levar uma vida santa tem sido mais difícil ainda. O significado original da palavra santidade é separação para o serviço ou servir. No indivíduo separado (santo), o que muda é a situação e não a natureza. Por exemplo, a pessoa que está desempregada vive numa situação de necessidade. Mas se ela consegue um emprego, ela já não está mais desempregada. Ela agora foi separada para executar as funções que o seu emprego exige. Mas ela continua sendo a mesma pessoa, tendo a mesma natureza, apenas mudou de situação. Da mesma forma, quem aceita a Jesus agora vai praticar o serviço que a vontade de Deus determina na administração do reino. Mas ele não vai deixar de fazer as coisas normais da vida como, por exemplo, se alimentar, namorar, se divertir, etc. para se tornar um "santo" estático. Ele vai continuar sendo pessoa humana, com defeitos e qualidades, sujeito a erros e acertos. Só que agora está a serviço de Deus. É neste sentido que a santidade é móvel, dinâmica, produtiva, real e não fantasiosa. Santidade estática é fantasia espiritual, não é santidade real. Vejo a espiritualidade brasileira meio perdida quanto a isto. Os cristãos brasileiros estão comendo ova de sapo pensando que é caviar. Estão "espiritizando" a fé pensando que estão desenvolvendo vida equilibrada com Deus. Estão em alienação, pensando que é santidade autêntica. Confundindo fanatismo religioso com vida cristã abundante. Usos e costumes com princípios doutrinários. Gritos e barulhos com poder do Espírito Santo. Estão confundindo emoção com unção. E vida vazia sem sentido com pureza espiritual. A espiritualidade não é alternada como preconiza o estilo espiritual de muitos cristãos hoje. Esta é uma idéia medieval de espiritualidade. Eu mesmo conheço crentes que na igreja são consagrados, mas na praia ou mesmo em casa desenvolvem outras atitudes nada cristãs. Fora da congregação e do púlpito, têm multiplicidade de comportamento. Acho isso um absurdo, um desvio de espiritualidade e conduta. Ora, se eu sou espiritual na igreja, tenho que ser também do lado de fora dela. Quem é consagrado não é o ambiente, o púlpito ou o prédio, mas a pessoa. Se, por exemplo, eu não posso pronunciar um palavrão dentro do templo, lá na praia ou na minha casa também eu não posso pronunciar tal palavrão. E se eu posso falar palavrão noutros lugares, então eu posso falar também na igreja. O templo consagrado sou eu, templo do espírito, não o ambiente material. Por mais que o templo seja belo, ornado e luxuoso, isto não tem nenhum valor espiritual. Somente um coração puro e sincero, contrito, tem valor para Deus. O templo serve apenas para que não fiquemos ao relento. E só serve para isto, e nada mais. É isto que a igreja brasileira precisa aprender.
De que maneira o discipulado deve ser efetivado?
Além de necessário, o discipulado deve levar o cristão a uma vida espiritual crescente, madura, sábia e, portanto, equilibrada. Isso é possível com base na oração, nos estudos planejados e muito treinamento, sempre correlacionando efetivamente o discurso à prática, da mesma forma que uma organização de sucesso faz com suas equipes de trabalho. Trata-se de uma espécie de ginástica laboral para a mente, para o corpo e para o espírito. Um discipulado nesse nível vai formar crentes saudáveis e conscientes do valor da vida. Neste caso, o discipulado não pode ser apenas transmissão de conhecimento, mas uma pedagogia de formação levando em conta as esferas psicológicas, físicas, sociológicas, emocionais e espirituais. Além do mais, é preciso que a disciplina cristã seja focada na pessoa, revendo seus problemas, sua potencialidade e seus dons. O evangelho é vivenciar o princípio da liberdade pura, sem mistura, sem fronteiras. Mas é imprescindível que se formem bons administradores dessa liberdade. Só uma pedagogia de formação salutar pode levar-nos a essa proeza de resultados. Gosto muito da posição de Carl R. Rogers quando analisa, na cultura ocidental, uma ênfase na importância do indivíduo. Para ele, a abordagem da filosofia de vida na psicologia da educação deve ser centrada na pessoa. No caso do discipulado cristão, uma abordagem disciplinar centrada na pessoa despertará no indivíduo o senso de autovalorização e o resgate dos seus valores, tornando-o efetivamente mais produtivo para Deus. Aliás, é isto que Jesus quis esclarecer quando disse que o verdadeiro evangelho é "amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo". Ou seja, o evangelho da vida deve estar focado na pessoa humana.
Alguns líderes cristãos reclamam que a fé pode, também, ser atuante durante o trabalho secular. Como seria isto?
A fé é inerente ao cristão em qualquer ambiente, situação e circunstância: no trabalho, na praia, na feira, no avião, no transporte coletivo, e em qualquer lugar. E até durante o namoro. Depois que a pessoa mergulha para dentro do nome de Deus, confessando a Jesus Cristo como Senhor e Salvador pessoal, a fé torna-se um estado contínuo, inteiriço de vida. A fé dela passa a ser fé verdadeira. Esta pode parecer uma expressão comum, mas quando se fala em fé verdadeira fala-se daquilo que eu me tornei, em Cristo, para Deus. Fé verdadeira está acima da certeza científica, acima das minhas convicções religiosas, filosóficas e psicológicas como ser pensante. Vai além da minha condicionalidade, está além das evidências. A fé verdadeira é confiança e descanso na vontade de Deus. O que algumas igrejas cristãs, inclusive pentecostais, entendem por fé não passa de desejo bobo, desespero emocional e ansiedade por obter algo que a vontade humana almeja de qualquer jeito, independente da vontade de Deus. Fé como "vontade errada" é uma ameaça à fé verdadeira e torna-se facilmente fonte de frustração e doenças no corpo, na mente e no espírito. Não raro encontro pessoas pela rua dizendo-se decepcionadas com Deus, desviadas do Corpo de Cristo, simplesmente porque passaram tanto tempo orando e não obtiveram resposta às suas orações. O que eu digo a elas? Geralmente digo que, ao invés de terem orado contra a vontade de Deus, teriam galgado mais êxito se tivessem procurado um psicólogo para sanar o seu grave problema de ansiedade e inconstância emocional. Distúrbios da vontade humana originam ansiedade, desespero, neurastenia e/ou psicastenia e outras doenças psicossomáticas. E isso não é fé. A fé que gera doença não é fé espiritualmente verdadeira. Fé verdadeira proporciona saúde, tranqüilidade de espírito e estabilidade psicoemocional.
Ser cheio do Espírito é uma coisa que todo membro do corpo de Cristo almeja. Como o senhor interpreta essa evidência da fé cristã?
Não é barulho, não é frenetismo comportamental, não é agir feito um doidinho de paletó e gravata, azucrinando as pessoas com meras antipatias evangelicalizadas. Ser cheio do Espírito é ter maturidade e clareza nas atitudes espirituais. É amar a Deus com o coração focado no próximo (lembrando que este próximo é que é o reino de Deus). É ter uma fé consciente, e também consistente, e ainda realizar o trabalho cristão com olhar voltado para a comunidade que está lá fora: nos bares, nas sarjetas, nos hospitais, nos prostíbulos, nos sinais de trânsito, nos presídios e nos matagais. Ser cheio do Espírito é estar capacitado com coragem, inteligência e bravura para transformar o mundo. E tudo isto só é possível mediante uma vida cristã equilibrada, com conhecimento, fidelidade, honestidade, transparência perante Deus e ações efetivas. Acho que isto diz quase tudo.
No seu livro e, também, nas suas pregações, o senhor defende que manter comunhão com os irmãos é fator preponderante para o avivamento espiritual em nossos dias. Por quê?
Sem este princípio da justiça de Deus a igreja não é corpo de Cristo. É mera religião. Uma das minhas áreas de estudo e atuação é a sociologia. E aqui eu vou colocar o meu ponto de vista mirando o fato de que o problema da falta de "comunhão", nas relações entre grupos sociais, não é só um problema da igreja. É um problema que já subiu ao nível sociológico, é, portanto, um problema do mundo. Eu diria que a falta de "comunhão" descamba o todo da "coisa" para outros problemas, sendo um deles a violência. Valorizar a comunhão no contexto de grupos sociais não é sonhar com a implantação de um paraíso na terra, mas é compreender o princípio de unidade ensinado por Jesus que leva as pessoas a conviverem em harmonia e paz social, preservando o respeito, a ligação, o trato, a semelhança, o contato e o vínculo fraternais entre as pessoas, os grupos e as nações. Por isso esse princípio, pregado por Jesus, é um princípio universal. E aí eu digo que a compreensão do seu significado, por parte da comunidade cristã, implica uma reflexão em torno da sua gênesis. Veja bem: a história do problema relacional é o problema da história da comunhão que acaba por repercutir na unidade do corpo de Cristo. Entende-se, então, que o princípio de que qualquer estrutura relacional, para ser melhor compreendida a comunhão entre irmãos, perpassa pelo contexto de uma construção imediatamente englobante. A igreja que não tem unidade e comunhão perde a sua força na ação de vencer o mundo tenebroso. Comunhão, portanto, é o poder da igreja porque é ela que promove a unidade do Corpo de Cristo. Sem comunhão não há unidade, e sem unidade não há poder. E a igreja precisa de poder para transformar aquilo que está errado. Ela precisa de poder para avançar além da evangelização, e, desta forma, impactar o mundo com palavra e ações.
O senhor está falando de um cristão ativo que não é dependente demais de líderes e pastores?
Ser um cristão ativo tem seu preço, mas é isto que nos mantém seguros como cidadãos do Reino. Em várias situações do Novo Testamento, Jesus versa a respeito. Na parábola do bom samaritano, ele faz entender que ser cidadão verdadeiro no mundo não representa necessariamente a figura do religioso impecável, mas alguém que se dispõe a cuidar do próximo. Na história do pequeno Zaqueu, o Mestre Jesus Cristo nos ensina que um homem amado por Deus pode ser um simples canalha cobrador de impostos, desonesto, que de repente se interessou por buscar conhecer e aprender com alguém que prega sobre justiça a uma multidão de injustos e injustiçados. Já numa rápida conversa com certo jovem rico, religioso "perfeito", ele mostra, com clareza, que o caminho do reino de Deus está longe do ato de cumprir regras e obedecer a ordenanças religiosas. Hoje, nas igrejas, a gente fica triste em ver cristãos fazendo filas para entrar em gabinetes pastorais afim de se aconselharem com pastores. E nós, pastores, ficamos horas a fio ouvindo lamúrias de gente que não quer aprender a crescer em Cristo. Com todo respeito ao aconselhando, muitas são histórias tão bobinhas que dá até pena. Não quero dizer com isso que o pastor não deva aconselhar. O aconselhamento é necessário. Claro! E não somente necessário como é, também, um ministério específico. E tem gente que realmente precisa. E como precisa! Mas está na hora dos crentes brasileiros lerem alguma coisa, literatura, estudarem a Bíblia e amadurecerem na fé. Tem crente que enfrenta uma fila enorme só para perguntar ao pastor se, na semana da santa ceia, é pecado fazer sexo com o seu cônjuge. Eu até brinquei, certa vez, com uma irmã que me consultou querendo saber se era pecado "transar com o seu marido na semana da ceia". Eu disse a ela: "oh, irmã!, se o marido for seu, pode até, na hora do orgasmo, falar em línguas espirituais ou profetizar, se quiser". Não tive a intenção de subestimar a simplicidade daquela irmã, muito menos ironizá-la. Mas é que ela já tinha mais de vinte anos de evangélica. Ora, uma pessoa com todo esse tempo de fé já deveria ter aprendido, pelo menos, que sexo, se for no casamento, não é pecado em tempo algum.
Hoje, o número de pessoas fora do corpo de Cristo é muito grande. Alguém que aceitou a Cristo, passou algum tempo na igreja e, depois, se afastou por completo. Diz-se até que a igreja tem uma porta de entrada e outra de saída. A que se deve a isso? Para o senhor, o que é "não desistir jamais"?
Não desistir jamais é ser vencedor e autêntico. Desistir do caminho da fé é não ter adquirido ainda a identidade cristã autêntica. É não ter nascido de novo, da água e do Espírito. É não ter ainda conhecido o Senhor Jesus. Muitos dos meus amigos que se desviaram da fé em Jesus não sabem responder sequer o que significa a salvação, nem o que é a cruz. A maioria acha que ser salvo é cumprir mandamentos e doutrinas da denominação, ignorando totalmente a graça de Deus. E boa parte deles saiu da igreja decepcionado por não conseguir cumprir a doutrina da denominação. Ora, se salvação fosse cumprir ordenanças legalistas, a Lei de Moisés nos teria bastado. Jesus não precisaria ter vindo. Não teria nenhum sentido ele ter vindo ao mundo. É preciso entender que Jesus só veio ao mundo exatamente porque nós, humanos, não conseguimos cumprir o menor dos mandamentos. Quem não tropeçava em um mandamento, tropeçava em outro. E assim não era válido, haja vista que tinha-se de cumprir toda a Lei. Com a vinda do Cristo, a Lei foi cumprida por Ele e esse dilema do homem acabou. Agora o homem tem acesso livre a Deus por meio de Jesus. Um cristão legalista vai desistir da fé sem muita demora. Ele vai se cansar, cheio de decepções, porque está querendo competir com a graça de Deus. E com Deus não se compete. Esse negócio de querer ser como o próprio Deus não funciona. É mera presunção. Exibicionismo e orgulho humano. Jesus se sacrificou exatamente para que não tenhamos nenhum sacrifício. Será que é tão difícil entender isto?
Autor: Battista Soarez
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