Aplicação Prática Da Teoria Da Imputação Objetiva



INTRODUÇÃO

O menino G.O.G., de 1 ano e 4 meses, morreu nesta quinta-feira após ter sido esquecido, segundo a polícia, pelo pai dentro do carro.

De acordo com policiais do 6º Distrito Policial de Guarulhos, onde o caso foi registrado, o pai do menino, Ricardo Lessa Garcia, teria dito em depoimento que, depois de deixar a mulher no trabalho, voltou para casa e dormiu.

Segundo a polícia, ele só foi se dar conta de que tinha esquecido o filho no carro cinco horas depois.

Quebra de rotina - Ricardo afirmou ainda que o que teria provocado o esquecimento foi a quebra de rotina: todas as manhãs, ele a mulher e o filho saíam de casa cedo de carro.

Ele deixava a criança em uma creche, a mulher no trabalho dela e ia para o próprio trabalho. Nesta quinta-feira, ele entrou de férias e a criança ficaria com ele, e não na creche.

Eles acordaram e, como de costume, os três saíram de carro. Ele deixou a mulher no trabalho e retornou para casa, um edifício situado no bairro do Macedo, próximo ao paço municipal.

Dormir - Ele esqueceu a criança no carro e subiu para o apartamento. Ainda segundo a polícia, ele disse sentir muita dor de cabeça e foi dormir.
Por volta do meio-dia, ele acordou e ligou para a mulher, que perguntou pelo filho. Foi quando ele lembrou da criança e correu para o estacionamento. Quando chegou, o menino estava desacordado.

A criança, desacordada, foi encaminhada para o pronto-socorro do Bom Clima. O menino estava com parada cardiorrespiratória, não resistiu e morreu.
O pai da criança foi denunciado pelo Ministério Publico do Estado de São Paulo por homicídio culposo. A instituição decidiu não oferecer ao acusado o benefício da suspensão condicional do processo. Com isso, o biólogo pode ser condenado a 3 anos de detenção.
(Notícia extraída do endereço eletrônico do site globo.com: http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL21216-5605,00.html)

Tendo como pano de fundo o texto acima, o presente trabalho pretende analisar o caso sob o enfoque da teoria da imputação objetiva, levando em consideração os fatores e elementos por ela propostos, resumidamente, a verificação do tipo penal com fundamento no desvalor (objetivo) da ação – a criação de um risco juridicamente desaprovado - e no desvalor do resultado – a realização do risco e, com base nela, chegar-se a uma eventual solução seria atribuída ao ocorrido, discutindo sobre sua aplicabilidade e aceitabilidade no sistema penal adotado no Brasil.

Inicialmente, cumpre ressaltar a dificuldade em tratar de um assunto tão nebuloso como a teoria da imputação objetiva, tendo em vista que nem as inúmeras publicações a respeito do tema conseguiram clarear seus fundamentos, sempre permeada de dúvidas e incertezas. Tal fato, a par de ser deveras instigador – posto que estimula a aprofundar no estudo da ciência do direito penal, em especial da teoria do delito, sempre alvo de discussões calorosas entre nossos doutrinadores - acaba por causar insegurança naqueles que sobre ela discorrem, motivo pelo qual, desde já peço escusas pela possível ausência de um posicionamento mais seguro em relação ao debate proposto no presente trabalho.

1. DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

Impulsionada após a Segunda Guerra Mundial, pelo alemão Claus Roxin, a teoria da imputação objetiva – que por muitos nem mesmo é tida como uma teoria, mas meramente um apanhado de princípios e regras elaborados para cumprir a função de delimitar e corrigir o nexo de causalidade (GOMES, Luiz Flávio, 2006, p. 119) - nada mais fez do que complementar a teoria do delito, limitada, à época do causalismo, apenas ao desvalor do resultado, e no finalismo, ao desvalor meramente subjetivo da ação, consistente na finalidade (dolo ou culpa). Em prefácio da obra de Luís Greco, o afamado autor Juarez Tavares ressalta que na teoria da imputação objetiva, a questão da responsabilidade no âmbito do injusto deve estar assentada sob dois focos de orientação: o desvalor da ação e o desvalor do resultado. Continua dizendo que a teoria, com isso, pretende reconquistar, sob nova ótica, aquilo que estava perdido na teoria do delito: de um lado, na teoria causal, que só se ocupava do desvalor do resultado; de outro, na teoria finalista, que, embora tivesse como referência o desvalor da ação, o tomava no sentido puramente subjetivo, chegando a alguns extremos, a assentá-lo, exclusivamente, na finalidade da conduta.
A teoria da imputação objetiva procurou deslocar o foco de atenção, antes direcionado ao tipo subjetivo e à finalidade da conduta, para o tipo objetivo, consistente numa causação objetivamente típica, composta de duas idéias básicas: a criação de um risco juridicamente desaprovado e a realização deste risco no resultado.

Nas didáticas palavras de Luís Greco:
A teoria da imputação objetiva complementa ambas as dimensões de desvalor com novos aspectos. O desvalor da ação, até agora subjetivo, mera finalidade, ganha uma face objetiva: a criação de um risco juridicamente proibido. Somente ações intoleravelmente perigosas são desvaloradas pelo direito. Também o desvalor do resultado é enriquecido: nem toda causação de lesão a bem jurídico referida a uma finalidade é desvalorada; apenas o será a causação em que se realize o risco juridicamente proibido.

E, em seguida, conclui: "Ou seja, a imputação objetiva acrescenta ao injusto um desvalor objetivo da ação (a criação de um risco juridicamente desaprovado) e dá ao desvalor do resultado uma nova dimensão (realização do risco juridicamente desaprovado)".
Lançadas as premissas iniciais da teoria, passa-se à análise de seus subconceitos – ressaltando que o objetivo do presente artigo não é aprofundar em questões densas acerca da teoria, mas apenas a de ter uma visão geral dela - para, ao final, tentar alcançar o intento proposto.

2. DA CRIAÇÃO DE UM RISCO

Para se aferir sobre a desaprovação de um risco, antes de qualquer coisa, há de se comprovar se este efetivamente ocorreu e, em um segundo momento, descobrir se sua produção é vedada pelo ordenamento jurídico.
Ao exigir que a ação produzida seja perigosa, a teoria prestigia a finalidade precípua do direito penal, qual seja, a proteção do bem jurídico, com fundamento no princípio da proporcionalidade, que orienta o estudo da criação do risco. Pois "somente as ações perigosas para um bem jurídico podem ser proibidas, porque tudo o mais seria uma intervenção inútil na liberdade dos cidadãos".
Para afirmar que um risco foi criado, a teoria propõe a utilização da idéia da prognose póstuma objetiva.

2.1 PROGNOSE PÓSTUMA OBJETIVA
Consiste a prognose póstuma objetiva num juízo formulado de uma perspectiva inicial (ex ante) da ação, levando em consideração os dados que o sujeito tinha conhecimento no momento da prática da conduta. É objetiva porque parte dos dados conhecidos por um observador objetivo, por ela chamado de "homem prudente". É póstuma porque realizada após a ocorrência do fato, pelo juiz. Ou seja, "a ação será perigosa ou criadora de risco, se o juiz, levando em conta os fatos conhecidos por um homem prudente no momento da prática da ação, diria que esta gera uma possibilidade real de lesão a determinado bem jurídico".
O clássico exemplo utilizado pela doutrina (GRECO, 2007, p. 27) para demonstrar a utilidade da prognose é o caso de um sujeito que manda uma criança em uma viagem de avião, com o intuito de que o avião caia e a criança morra. Para a prognose póstuma, a ação do sujeito não é perigosa, posto que um homem prudente não pode supor que uma viagem de avião gere o perigo concreto de morte de seus passageiros. Ainda que, efetivamente, o intento do sujeito se concretize, ou seja, ocorra um acidente aéreo e a criança morra, não pode ser a ele atribuída a autoria do "homicídio".
A doutrina fala, ainda, no aspecto negativo da criação do risco, quando ocorre; i) risco juridicamente irrelevante e ii) diminuição do risco. São hipóteses em que, se verificadas, afastam o risco da ação produzida pelo sujeito, por isso, podem ser chamadas de excludentes da criação do risco.

3. DA DESAPROVAÇÃO JURÍDICA DO RISCO CRIADO

Segundo ensina Luís Greco:
A doutrina costuma apontar como o fundamento da necessidade de uma desaprovação jurídica do risco criado, uma ponderação entre o interesse de proteção de bens jurídicos, que tende a proibir toda ação perigosa, e o interesse geral de liberdade, que se opõe a tais proibições.
Para o autor, existem dois fundamentos para que um risco seja permitido. O primeiro deles é o núcleo de liberdade de cada cidadão, que lhe garante uma ainda que reduzida esfera de total autonomia em relação a qualquer ingerência estatal, independentemente das conseqüências da utilização desta liberdade , o segundo é a ponderação entre interesse de proteção de bens jurídicos e interesse geral de liberdade.
São apontados como critérios determinantes para a concretização de um risco juridicamente desaprovado: I) a existência de normas de segurança; II) a violação do princípio da confiança e, por fim, III) o comportamento contrário ao modelo geral de homem prudente.
Falaremos resumidamente sobre referidos critérios, nos limitando a aprofundar somente naqueles que interessam para o presente trabalho.

3.1 EXISTÊNCIA DE NORMAS DE SEGURANÇA
Normas de segurança são aquelas normas regulamentares de certas atividades, tidas como perigosas. São normas não jurídicas, mas que orientam o exame da desaprovação jurídica da conduta. Podem ser citadas como exemplo as normas de trânsito (obrigação o uso de cinto de segurança, limite de velocidade), posto que quando desrespeitadas podem significar o aumento do risco que a norma de segurança pretende evitar.

3.2 PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
Consiste confiança depositada na outra pessoa, afirmando que ninguém, ao agir, precisa preocupar-se com a possibilidade de que outra pessoa possa se comportar erradamente e com isso concorrer para a produção de um resultado indesejável.

3.3 HOMEM PRUDENTE
Pode ser objeto de análise pelo juiz, quando ultrapassada as premissas anteriores. Aqui, a conduta perigosa se apresenta à figura do sujeito (homem prudente) que, ainda assim, opta por praticá-la.
Ao definir os aspectos do que seja homem prudente, Luís Greco assevera primeiramente, o de que a idéia de homem prudente não aparece apenas no momento de avaliar uma ação cujo caráter proibido ou permitido nem normas técnicas, nem o princípio da confiança conseguiram determinar. Para o autor, pelo contrário, esta figura está presente também quando tecemos tais considerações, porque, por ex., não seria prudente confiar numa norma técnica manifestamente formulada para servir a interesses escusos, e tampouco seria prudente confiar em que uma criança que joga futebol na rua não se lançará diante do automóvel. Em segundo lugar, e talvez seja esta a causa da primeira observação que acabo de fazer, há um estreito contato entre a idéia do homem prudente e a da ponderação de interesses, segundo fundamento da desaprovação jurídica de um risco. Porque, em princípio, homem prudente é aquele que pondera de modo acertado. Em terceiro lugar, e, em decorrência das duas observações agora feitas, é óbvio que seria de todo inadequado abandonar a figura do homem prudente e substituí-la pela do autor concreto, como propõem alguns autores. Isso significaria, por exemplo, individualizar até mesmo o princípio a confiança – o que seria absurdo, vez que ele depende de uma certa standartização – e além disso, atritaria com a prognose póstuma objetiva, que já na criação de um risco se valeu da figura do homem prudente. O quarto aspecto é que, da mesma forma que deixamos conhecimentos especiais influírem no juízo de criação de um perigo, também devemos deixar conhecimentos e capacidades especiais influírem na desaprovação do perigo criado.
Como se nota, a importância da figura do homem prudente ultrapassa os institutos supra discorridos. Ela se refere à necessidade de que as exigências de cuidado formuladas pelo direito não vão além do que aquilo que é de fato praticado por pessoas consideradas prudentes.
Por outro lado, a desaprovação da conduta poderia ser excluída se se fizessem presentes: i) o risco permitido; ii) contribuição para a autocolocação em perigo e iii) contribuições socialmente neutras. São chamadas de excludentes da desaprovação do risco. No entanto, deixo de tecer comentários sobre elas por não interessarem, neste momento, para o desenvolvimento do raciocínio do presente estudo.

4. DO DESVALOR DO RESULTADO: A REALIZAÇÃO DO RISCO

Como dito nas primeiras linhas do trabalho, a teoria da imputação objetiva se fundamenta no desvalor da ação e no desvalor do resultado, sobre o primeiro aspecto já se discorreu nos tópicos acima, passa-se agora à análise do desvalor do resultado.
Nesta parte, investiga-se a realização do risco e sua crucial importância para que o autor possa responder pelo delito consumado. A doutrina busca fundamentar o desvalor do resultando, valendo-se, novamente, da finalidade principal do Direito Penal: a idéia de proteção de bens jurídicos e a prevenção geral negativa.
Conforme assevera o autor Luís Greco:
(...) se a ação proibida de fato desemboca numa lesão, o autor terá feito justamente aquilo que o Direito Penal queria impedir, o que justifica um desvalor do resultado adicional ao desvalor da ação. Se a ação proibida que atinge a sua meta, a lesão ao bem jurídico, recebesse tratamento idêntico ao da mera ação proibida, o direito estaria manifestando que ele pune pela mera desobediência. (...) o Direito Penal pune ações humanas. O desvalor do resultado existe apenas em relação a um determinado desvalor da ação, porque a proteção dos bens jurídicos que o Direito Penal almeja é uma proteção contra ações.
Para o referido autor, a importância da realização do risco reside justamente no fato de que se o resultado ocorrer por razões que não guardem qualquer relação com os motivos que levaram à proibição da conduta, não haverá desvalor do resultado, porque estará quebrada a íntima conexão que deve existir entre ele e o desvalor da ação. Em tais casos, afirma ele, apenas existiria uma "tentativa culposa" em concurso formal com uma causação permitida do resultado.
Podem ser apontados como critérios utilizados para configurar a realização do risco: i) o nexo do fim de proteção da norma; ii) o nexo do aumento do risco e iii) o nexo de adequação (segundo um juízo de previsibilidade).

4.1 DO NEXO DO FIM DE PROTECÃO DA NORMA
Chamado de aspecto positivo da realização do risco, o fim de proteção da norma pode ser definido como a finalidade que carrega certa norma proibitiva, de evitar que certo bem jurídico seja violado, de certa maneira. Disso se extrai que se o bem jurídico tutelado não for afetado, mas em seu lugar for atingido outro, ou, ainda que tenha sido afetado, o foi por causa diversa daquela que a norma proibitiva procurava evitar, o que se realizou no resultado não foi o risco que se estava a analisar.
Destaca-se porém, que referido critério deve ser utilizado com parcimônia pelo intérprete, servindo mais como mero conceito formal, a orientar o raciocínio desenvolvido na teoria da imputação objetiva, do que propriamente, "fórmula mágica" para detectar a realização do risco.
De forma esclarecedora, GRECO traz um exemplo em que o fim de proteção da norma é usado de forma errônea por autores consagrados, trata-se do caso utilizado por Damásio de Jesus:
(...) dois homens levavam, de automóvel, uma menor embriagada a um motel na Rodovia Presidente Dutra. No trajeto, ela quis desvencilhar-se deles. Ao pararem o carro, ela fugiu, eles a perseguiram, ela tentou atravessar a autopista, mas acabou sendo atropelada por um caminhão, que a matou. A solução dada pelo autor foi no sentido de que os dois homens não são puníveis pela morte, porque o 'resultado não se encontrava no âmbito de proteção das normas referentes aos bens jurídicos que pretendiam afetar (liberdade de locomoção, liberdade sexual e etc.).

Para o GRECO a solução seria outra,
(...) pois o fato de que haja uma coação moral irresistível, que exclui a responsabilidade da vítima e legitima a proibição de forçá-la a cruzar a autopista, também por motivos de proteção da vida e da integridade física, sem falar na sua embriaguez e em ser ela menor, fica completamente esquecido, com a apressada alusão ao critério do fim de proteção da norma.
A aplicação do fim de proteção da norma encontra respaldo na prognose póstuma objetiva.
Pode ser citado com exemplo clássico o de um motorista que dirige seu veículo em velocidade acima da permitida durante certo tempo, em momento que dirige dentro dos limites permitidos, atropela um pedestre desatento que tentara atravessar a avenida. Em perícia realizada posteriormente, fica provado que se o sujeito estivesse respeitado o limite velocidade naquele momento inicial, não estaria na avenida no instante em que o pedestre, desavisadamente decidiu atravessá-la e, dessa maneira, o atropelamento não teria ocorrido.
Ao ser aplicado o nexo do fim de proteção da norma, afasta-se a responsabilidade do motorista, porque a finalidade da norma proibitiva se limita a evitar acidentes enquanto o motorista se encontra em velocidade acima da permitida e não em momento futuro (do contrário, estaria realizando um serviço de futurologia, diga-se de passagem, totalmente descabido).
Conclusão importante é extraída do exemplo citado:
Sob este aspecto, a conduta sequer pode-se dizer criadora de um risco, porque a prognose póstuma objetiva não apontaria que a ação de ultrapassar os limites de velocidade gere possibilidade real de matar alguém em momento posterior, em que já se dirige respeitando esses limites. A ação seria perigosa e proibida apenas em relação aos bens jurídicos das pessoas que se encontrassem nas adjacências do veículo no momento da violação da norma de cuidado. O bem jurídico atingido não foi aquele que a proibição da norma visava proteger, e sim um outro.

4.2 NEXO DO AUMENTO DO RISCO
A teoria do aumento do risco, criada por Roxin prega não ser necessário que o comportamento hipotético conforme ao direito evitasse o resultado, mas apenas que ele o tornasse menos provável. Para ela, se o comportamento proibido implicar um risco mais elevado em relação ao comportamento correto, se o comportamento proibido piorar a situação do bem jurídico retirando-lhe chances de sobrevivência, ter-se-á de imputar o resultado ao autor.

4.3 NEXO DE ADEQUAÇÃO
Também chamado de previsibilidade do resultado - para diferenciar da "previsibilidade da ação" que é a prognose póstuma objetiva - o nexo de adequação leva em conta as circunstâncias cognoscíveis apenas ex post. Porém, a importância desta previsibilidade, aferida no resultado é minorada – e às vezes até negada pela doutrina.
Conforme assevera GRECO "(...) o que interessa , portanto, é perguntar se o que efetivamente ocorreu foi aquilo que a norma almejava prevenir, se as considerações que legitimam a proibição do comportamento são válidas também em face do que efetivamente ocorreu", e conclui o autor afirmando ser mais aconselhável não trabalhar com o requisito autônomo "previsibilidade" no âmbito da realização do risco.
Postos todos os elementos utilizados pela teoria da imputação objetiva para a caracterização da prática do delito, passo agora a aplicar o que foi dito acima na interpretação do caso trazido a estudo.

5. DA IMPUTAÇÃO DO CRIME

Conforme versa o texto transcrito, em meados do ano de 2007 a imprensa noticiou a trágica morte de um bebê de um ano e quatro meses, esquecido por seu pai dentro do carro por mais de cinco horas. A causa da morte foi parada cardiorrespiratória.
O membro do Ministério Público denunciou o pai da criança, com fundamento na teoria finalista do delito, como incurso no parágrafo terceiro do artigo 11 do Código Penal brasileiro (homicídio culposo).
São elementos do crime culposos, que devem ser conjugados de maneira a configurar a sua prática: I) conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva; II) inobservância do dever objetivo de cuidado (negligência, imprudência ou imperícia); III) resultado lesivo não querido, tampouco assumido pelo agente; IV) nexo de causalidade entre a conduta do agente que deixa de observar o seu dever de cuidado e o resultado dela advindo; V) previsibilidade, e VI) tipicidade.
O pai da criança foi tranquilamente acusado de crime culposo, tendo entendido o membro do Ministério Público ter sua conduta se adequado perfeitamente aos requisitos acima descritos. No entanto, se analisado sob componentes da imputação objetiva a solução talvez fosse outra.
Conforme declarado acima, a intenção do presente artigo é ignorar a imputação tradicional utilizada no caso e analisá-lo sob o enfoque da teoria da imputação objetiva, para ao final concluir se a solução ao caso seria aceitável pelo sistema brasileiro.
Como ponto de partida deve-se analisar qual foi efetivamente a conduta praticada pelo pai, para, num segundo momento, afirmar se houve a criação ou não de um risco e, finalmente, se esse risco é juridicamente desaprovado.
Sabendo que o Direito Penal pune somente aquelas ações que se mostrem perigosas, devemos analisar se a conduta do pai mostrou-se perigosa ou não para o direito, o que fazemos com base na prognose póstuma objetiva.
Observando quais os dados conhecidos pelo sujeito no momento da prática da ação – e comparando com a conduta de um homem prudente – temos: todas as manhãs a família saía de carro, o pai deixava a criança na creche, a esposa no trabalho e em seguida ia trabalhar. Até aqui a conduta está perfeitamente normal sob os olhos de um homem prudente.
Acontece que naquele dia em especial, o sujeito entrou de férias do trabalho e alterou sua rotina, deixando de proceder como fazia todos os dias. Saiu de manhã com a família, não deixou o filho na creche, deixou a esposa no trabalho e retornou para casa. Desceu do carro e subiu para o apartamento, não se dando conta que a criança permanecia no banco traseiro do carro, provavelmente ainda dormindo.
Analisando a conduta do pai pela prognose póstuma objetiva pergunta-se: levando em conta os fatos conhecidos por um homem prudente no momento da prática da ação, poderia ser dito que esta gera uma possibilidade real de lesão a determinado bem jurídico? Ou seja, o ato de conduzir a família como fazia todos os dias, retornar para casa e subir para o apartamento, poderia provocar o esquecimento do filho no carro e sua conseqüente morte por parada cardiorrespiratória? Obviamente que não.
Aos olhos de um observador objetivo situado no momento da prática da ação, a conduta praticada pelo pai não gera a real possibilidade de dano ao bem jurídico vida.
Na teoria da imputação objetiva, a verificação do tipo penal se dá com a construção de um raciocínio que tem como ponto de partida a criação de um risco, após, a constatação de que este risco é juridicamente desaprovado pelo Direito Penal (desvalor da ação) e, em seguida, se provado que houve a realização do resultado, este foi provocado pelo risco da ação (desvalor do resultado).
Já de início, com a prognose póstuma, a imputação do pai já estaria afastada, não se permitindo falar que a conduta por ele praticada se mostrou perigosa a ponto de ser proibida pelo Direito Penal.
No entanto, passa-se à análise dos demais aspectos da teoria do desvalor da ação – que é o que nos interessa - para que não restem dúvidas de que a solução seria exatamente esta.
Afirmamos acima que somente as ações perigosas estão proibidas, no entanto, nem todas as ações consideradas perigosas são desaprovadas pelo direito. Para aferir se determinada ação é perigosa e proibida, o direito recorre ao princípio da proporcionalidade, que prega a ponderação entre o interesse de proteção de bens jurídicos, que tende proibir toda ação perigosa e o interesse geral de liberdade do cidadão, que se opõe a tais proibições.
E, ainda, para concretizar o risco juridicamente desaprovado, podem ser utilizados certos parâmetros extraídos dos delitos culposos, pertinentes à "violação do dever de cuidado", quais sejam: i) a existência de norma de segurança; ii) a violação do princípio da confiança e iii) o comportamento contrário ao standart geral do homem prudente.
No caso proposto, interessa-nos trabalhar com o terceiro dos parâmetros, ou seja, o comportamento contrário ao modelo geral de homem prudente. Discorrendo sobre o assunto é a orientação dada por GRECO:
(...) quando nem a existência de normas técnicas, nem o princípio da confiança puderem servir de orientação para o juiz, propõe a doutrina que ele recorra à figura do homem prudente, o velho conhecido de que nos valemos já no momento de fundamentar a criação do risco.

A figura do homem prudente é destacada pela doutrina justamente para servir proteção, impedindo que o juiz puna alguém por não se ater a parâmetros de conduta que nem os mais prudentes respeitam.
Aplicado ao caso em exame, mesmo uma pessoa considerada prudente, poderia não escapar do risco de esquecer um filho no carro ao descer, tendo em vista fatores externos que alteraram a sua consciência, como, por exemplo, a mudança brusca de rotina, o estresse a que estava submetido – tanto que foi necessário o pedido de férias das atividades laborativas.
Todas estas questões devem ser apreciadas pelo magistrado ao analisar um caso tão delicado como o proposto, para que não incorra em erro na hora de atribuir a responsabilidade do pai pelo homicídio do próprio filho.

6. CONCLUSÃO

Por todo o exposto, é de se concluir, em apertada síntese, que a imputação do crime de homicídio culposo não vence os parâmetros utilizados pela teoria da imputação objetiva, em primeiro lugar por não ser sua ação considerada causadora de um risco, com base na prognose póstuma objetiva e, em segundo lugar, considerando hipoteticamente ultrapassada aquela, não seria considerada causadora de um risco de morte por parada cardiorrespiratória, em virtude de seu comportamento não ser contrário ao modelo geral de homem prudente.
Infelizmente, a teoria ainda tem uma aplicação tímida no sistema penal brasileiro, mas aos poucos nossos juízes e tribunais estão cedendo aos tentadores parâmetros de aferição da teoria do delito, com é caso de algumas decisões jurisprudenciais colacionadas em anexo.














REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, vol. 1;
GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito, 2. ed. rev. atual. e ampl. – Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2006;
GRECO, Luiz. Um panorama da teoria da imputação objetiva, Lúmen Iuris, 2007, Rio de Janeiro;
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, 5. ed., Editora Impetus, Rio de Janeiro, 2005;
MIRABETE, Júlio Frabbini. Manual de Direito Penal. ed. São Paulo: Atlas, 2005;
TAVARES, Juarez. Teorias do delito: variações e tendências. São Paulo: RT, 1980.





















ANEXOS
JULGADOS EXTRAÍDOS DO SITE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS (WWW.TJMG.GOV.BR)

Número do processo: 1.0701.04.070527-2/001(1)
Relator: HÉLCIO VALENTIM
Relator do Acordão: HÉLCIO VALENTIM
Data do Julgamento: 12/06/2007
Data da Publicação: 01/08/2007
Inteiro Teor:
EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL - HOMICÍDIO CULPOSO - RECURSO DA ASSISTÊNCIA DA ACUSAÇÃO - CARÁTER SUPLETIVO - NÃO-CONHECIMENTO EM FACE DA EXISTÊNCIA DE APELO MINISTERIAL - RESPONSABILIDADE DE ORGANIZADORES DE FESTA POR INCIDENTE QUE RESULTA NA ELETROCUSSÃO DA VÍTIMA - RESPONSABILIDADE PESSOAL E SUBJETIVA - AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO PESSOAL DE DEVER DE CUIDADO ESPECÍFICO - CONTRATAÇÃO DE PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS PARA CUIDAR DA PARTE ELÉTRICA - PRÁTICA DE CONDUTAS NEGLIGENTES QUE NÃO SE VINCULAM AO RESULTADO OCORRIDO - AUSÊNCIA DE NEXO DE DETERMINAÇÃO - ABSOLVIÇÃO - IMPERATIVIDADE - ENGENHEIRO ELÉTRICO E ELETRICISTA QUE CUIDAVAM DAS INSTALAÇÕES ELÉTRICAS DO CLUBE, AOS QUAIS SE IMPUTA IMPERÍCIA - AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE A DESCARGA ELÉTRICA TENHA TIDO ORIGEM NAS FIAÇÕES INSTALADAS PELOS ALUDIDOS PROFISSIONAIS - SUPOSTA NEGLIGÊNCIA NA FISCALIZAÇÃO DE INSTALAÇÕES LEVADAS A CABO POR OUTROS PROFISSIONAIS - FATO NÃO NARRADO NA INICIAL - IMPOSSIBILIDADE PROCESSUAL DE CONDENAÇÃO - AUSÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE CONFERIR SERVIÇO ALHEIO, EXECUTADO POR PROFISSIONAL QUALIFICADO - PRINCÍPIO DA CONFIANÇA - ABOLVIÇÃO DECRETADA - RESPONSÁVEL PELA SEGURANÇA DO CLUBE - AUSÊNCIA DA ASSUNÇÃO DA POSIÇÃO DE GARANTIDOR EM RELAÇÃO ESPECÍFICA AO FATO OCORRIDO - AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À SUA CONTRIBUIÇÃO NO RESULTADO-MORTE - ABSOLVIÇÃO MANTIDA - RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO - RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. Existindo apelo do Parquet pugnando pela reforma, in totum, da sentença absolutória, não pode ser conhecido o recurso da assistência do Ministério Público, de caráter supletivo, por ausência de interesse, devendo as razões eventualmente apresentadas pelo assistente passar a instruir o recurso ministerial. Recurso do assistente da acusação não conhecido. O Direito Penal só trabalha com hipóteses de responsabilização pessoal e subjetiva, não se podendo falar em imputação de homicídio culposo por eletrocussão a organizador de festa que contratou profissionais capacitados para o exclusivo fim de cuidarem das instalações elétricas do evento. Ainda que o agente tenha praticado uma série de condutas negligentes e imprudentes, não se pode imputar-lhe penalmente resultado que não apresente vinculação direta com o comportamento descuidado, por ausência do chamado nexo de determinação, indispensável à configuração do delito culposo. Se a denúncia imputa ao engenheiro elétrico e ao eletricista do clube a má instalação de refrigeradores, dando-a como causa da descarga elétrica que atingiu a vítima, mas não logra êxito em provar esse fato, a absolvição é medida que se impõe, não se podendo responsabilizar penalmente qualquer um deles pela negligência na fiscalização de instalações realizadas por terceiros, se tal fato não consta da peça de intróito. Não há falar em negligência na conduta de quem deixa de fiscalizar serviço alheio, desde que executado por profissional qualificado e especificamente contratado para tal fim, tendo em vista que, nessa hipótese, aplica-se o princípio da confiança. Se alguém é contratado para, exercendo função de segurança/vigilante, assegurar a paz e a ordem ao longo da realização de uma festa, não se coloca na posição de garante em relação ao salvamento de pessoas envolvidas em acidentes, não sendo aplicável, à hipótese, o art. 13, §2º, b, do Código Penal. Se não se logra êxito em provar que o responsável pela segurança foi quem, diretamente ou dando ordem a seus empregados, interrompeu a manobra de pronto-salvamento à vítima, não se lhe pode imputar tal fato, sobretudo se tampouco existem provas seguras de que esse fato constitui concausa eficiente da morte da vítima. Recurso defensivo provido. Recurso ministerial improvido. V.v.p: PENAL - HOMICÍDIO CULPOSO - CONDENAÇÃO - NEXO DE CAUSA E EFEITO ENTRE A OMISSÃO DOS AGENTES E A MORTE DA VÍTIMA - ARTIGOS 13 E 18, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL - PRIMEIRO APELO PROVIDO PARCIALMENTE E TERCEIRO APELO IMPROVIDO. Existindo o nexo de causa e efeito entre a ação/omissão dos acusados e a morte da vítima, respondem aqueles pelo evento danoso. Suposto eletricista que não comprova possuir a capacitação técnica exigida pelas normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho, reponsável pela instalação elétrica do evento, que acarretou a eletrocução e morte da vítima, responde pelo fato, na forma culposa, na modalidade imperícia. Engenheiro elétrico que não supervisiona as instalações elétricas do clube pelas quais é responsável, e existindo a previsibilidade de resultado lesivo delas advindo, responde por sua omissão, na forma culposa, nas modalidades imprudência e imperícia.
APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0701.04.070527-2/001 - COMARCA DE UBERABA - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS PRIMEIRO(A)(S), ASSISTENTE MINISTÉRIO PÚBLICO SEGUNDO(A)(S), NILSON LUIS GONCALVES DA SILVA TERCEIRO(A)(S) - APELADO(A)(S): NILSON LUIS GONCALVES DA SILVA, MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS, ASSISTENTE MINISTÉRIO PÚBLICO, LUIZ AUGUSTO CIPRIANI COELHO, JOSE EDSON SILVANO, FRANCISCO NASARENO GONCALVES, FERNANDO ALVES PIMENTA, MARCELO AUGUSTO TEODORO DE ANDRADE, GILBERTO RIBEIRO DE LIMA MAIORINO - RELATOR: EXMO. SR. DES. HÉLCIO VALENTIM
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM CONHECER DOS PRIMEIRO E TERCEIRO RECURSOS E NÃO CONHECER DO SEGUNDO, À UNANIMIDADE. NO MÉRITO, NEGAR PROVIMENTO AO PRIMEIRO APELO, VENCIDO PARCIALMENTE O DESEMBARGADOR REVISOR, E DAR PROVIMENTO AO TERCEIRO, VENCIDO O DESEMBARGADOR REVISOR.
Belo Horizonte, 12 de junho de 2007.
DES. HÉLCIO VALENTIM - Relator

Número do processo: 2.0000.00.364972-1/000(1)
Relator: ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS
Relator do Acordão: Não informado
Data do Julgamento: 06/08/2002
Data da Publicação: 17/08/2002
Inteiro Teor:
E M E N T A: ACIDENTE DE TRÂNSITO - HOMICÍDIO CULPOSO - TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA - APLICABILIDADE - AUTOCOLOCAÇÃO DA VÍTIMA NA SITUAÇÃO DE RISCO - INEXISTÊNCIA DE CAUSALIDADE NORMATIVA - ABSOLVIÇÃO.
Estando o agente transportando pessoas na carroceria do caminhão, com a permissão da Justiça Eleitoral, no qual foram instalados bancos para que os eleitores viajassem assentados, tendo a vítima com o veículo em movimento se levantado para fazer "xixi" na traseira do caminhão, vindo a perder o equilíbrio e cair e a falecer em razão da queda, o comportamento desta é que determinou a ocorrência do resultado lesivo, já que espontaneamente favoreceu o incremento da situação de risco, com a qual o condutor do caminhão em nada contribuiu. Logo, não há como lhe debitar o fatídico resultado, pela simples relação naturalística entre a condução do caminhão, e o resultado fatal.
Recurso ministerial improvido.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal Nº 364.972-1 da Comarca de MANGA, sendo Apelante (s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS e Apelado (a) (os) (as): RONDERSON ALVES XAVIER,
ACORDA, em Turma, a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, NEGAR PROVIMENTO.
Presidiu o julgamento o Juiz ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO (2º Vogal) e dele participaram os Juízes ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS (Relator) e ERONY DA SILVA (1º Vogal).
O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora.
Belo Horizonte, 6 de agosto de 2002.
JUIZ ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS


Número do processo: 1.0024.01.042560-1/001(1)
Relator: ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO
Data do Julgamento: 30/05/2006
Data da Publicação: 07/07/2006
Ementa:
APELAÇÃO - HOMICÍDIO CULPOSO -AUSÊNCIA DO DEVER DE CUIDADO OBJETIVO - NÃO COMPROVAÇÃO - PRESUNÇÃO EM PREJUÍZO DO RÉU - INADMISSIBILIDADE - IMPREVISIBILIDADE - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA - IMPUTAÇÃO OBJETIVA - PRINCÍPIO DA CONFIANÇA - AÇÕES A PRÓPRIO RISCO - ABSOLVIÇÃO DECRETADA. A circunstância do réu, motorista de ônibus, não ter conseguido desviar do veículo que, à sua frente, pára completamente o automóvel, em uma via de trânsito rápido e intenso, mesmo guardando a devida distância e dentro da velocidade permitida para o local, não pode conduzir à presunção de que o acusado agiu com desatenção, sendo imprescindível a presença de elementos probatórios concretos do atuar sem o dever de cuidado objetivo. A culpa exclusiva da vítima que, atravessando em local impróprio, surpreende os condutores de veículos, ensejando freadas bruscas que causam colisão e o atropelamento do próprio ofendido, afasta a configuração da culpa, seja pela ausência de imprudência, seja pela imprevisibilidade. Não cria um risco juridicamente desaprovado aquele que, confiando na obediência à legislação de trânsito por parte de pedestres e demais condutores, é surpreendido pelo comportamento da vítima de atravessar em local proibido, determinando o sinistro, visto que a conduta do agente foi guiada pelo princípio da confiança que caracteriza a atuação dentro do risco permitido. Não se imputa objetivamente um resultado ao agente quando há uma criação de nova relação de risco por parte da vítima ao violar seus deveres de proteção própria.
Súmula: DERAM PROVIMENTO.



Número do processo: 2.0000.00.438534-0/000(1)
Relator: ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO
Data do Julgamento: 08/06/2004
Data da Publicação: 26/06/2004
Ementa:
APELAÇÃO - HOMICÍDIO CULPOSO - IMPRUDÊNCIA DO APELANTE COMPROVADA - IMPOSSIBILIDADE DE DIMINUIÇÃO DAS PENAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA - REFORMATIO IN MELLIUS - POSSIBILIDADE - CO-AUTORIA EM CRIME CULPOSO - IMPOSSIBILIDADE - CRIME OMISSIVO IMPRÓPRIO - AUSÊNCIA DE IMPUTAÇÃO DA POSIÇÃO DE GARANTE - CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA - IMPUTAÇÃO OBJETIVA - PRINCÍPIO DA CONFIANÇA - AÇÕES A PRÓPRIO RISCO - ABSOLVIÇÃO DO CO-RÉU NÃO-APELANTE I - Age com manifesta imprudência, o motorista que dirige seu veículo, ciente de que o freio não está funcionando direito, acabando por atropelar a pedestre exatamente pela ausência de frenagem do automotor. II - Não é possível acolher, em sede recursal, pedido de diminuição do prazo da prestação de serviços comunitários, porquanto, por determinação legal, deve tal sanção ter a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída e, tão-pouco, da pena de prestação pecuniária fixada quase no mínimo legal, ou seja, dois salários mínimos, em que pese a gravidade do dano causado, isto é, a morte da ofendida. III - É amplamente admitida no nosso ordenamento jurídico, a reformatio in mellius, podendo ser absolvido o co-réu que não apelou da condenação. IV - Adotada a teoria dos delitos de infração de dever, não se admite a participação ou a co-autoria em crimes culposos, devendo os concorrentes responderem por crimes autônomos. V - Imputada ao acusado, a prática de crime comissivo por omissão, é imperioso que seja apontada na denúncia ou na sentença a posição de garantidor, sob pena de ser considerada carente de fundamentação a decisão condenatória. VI - Não cria um risco juridicamente desaprovado, aquele que empresta um carro a terceira pessoa, com a observação de que seja consertado o freio do carro antes de transitar com o mesmo, aplicando-se, em tal hipótese, o princípio da confiança, ou seja, o acusado confiou que o motorista iria corrigir o defeito do automóvel antes de colocá-lo em circu
lação, estando dentro do risco permitido, pois aquele que se comporta adequadamente pode confiar que os demais também o façam, excetuando-se as hipóteses em que existam motivos para se desconfiar que determinada pessoa irá desobedecer as normas de conduta. VII - Quando o réu empresta o veículo, determinando que se repare o problema no freio, mas o motorista, co-réu, não o faz, preferindo se arriscar e a terceiros, este criou um perigo juridicamente reprovado, porém, em âmbito individual, que não pode ser oponível a outras pessoas. VIII - Negar provimento ao recurso e, em reformatio in mellius, absolver o co-réu não-apelante.
Súmula: "Negaram provimento e, de ofício, absolveram o co-réu Antino Alves Pereira."


Autor: Isabella Silva Campos Rezende Cunha


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