Teoria da Imprevisão: A Relativização dos Contratos pelo Judiciário



Os contratos devem ser concebidos permeados pela boa-fé objetiva e subjetiva, o ato volitivo deve ser analisado nas condições em que foi manifestado, declarado e o momento histórico em que as obrigações foram pactuadas, pois são suscetíveis de fatores incidentais que alteram a base negocial, por motivos alheios ao acordo, que ensejam a revisão dos contratos para o efetivo restabelecimento do equilíbrio contratual e conseqüente manutenção dos acordos pactuados; pela Teoria da imprevisão: a relativização da força obrigatória dos contratos pela revisão do judiciário, por fatores supervenientes e imprevisíveis que oneram excessivamente o adimplemento da obrigação pactuada, pelo princípio da sociabilidade para manutenção da base negocial e restabelecimento do equilíbrio contratual, desta forma, o cumprimento da função econômica e social dos contratos

INTRODUÇÃO

O contrato é inserto nas relações intersubjetivas como instrumento a dar validade e eficácia às manifestações de vontade, configurando, em si mesmo, no ato volitivo das partes pactuantes. É a representação suprema das relações entre sujeitos de direitos e, como tal, deve observar os ideais de justiça e valores abarcados na sociedade em que são constituídos.

O ato volitivo deve ser permeado pelos princípios elencados nos dispositivos, constitucional e infraconstitucional.

Para alcançar essas searas de justiça distributiva devem ser analisados no contexto histórico em que as declarações de vontades foram expressas e do momento em que serão adimplidas. Para, desta maneira, constatado que houve alteração que fira sobremaneira o avençado, possam as partes se valer da jurisdição, da justiça corretiva, e readequarem as relações privadas, no instrumento pactuado, alcançando o reequilíbrio econômico do contrato.

No dizer de Darcy Bessone:

A equivalência das prestações, segundo cálculo das partes, é à base do contrato comutativo. Se acontecimentos novos a alteram além dos limites da previsão do contratante médio, o contrato se transforma em instrumento de aniquilamento de um dos contratantes, em proveito do outro. Foge, assim, à sua própria finalidade e contraria os princípios da equidade.[1]

O contrato em si tem a finalidade precípua de fazer circular riqueza na sociedade. Ora, se o acordo, por eventos supervenientes e imprevisíveis que alterarão quantitativamente e qualitativamente a convenção, restar extremo prejuízo para uma das partes com locupletamento indevido à outra não deverá prosperar por subverter a essência do instituto transmutando-o em ilícito.

O alcance e o sentido da aplicação da cláusula "rebus", a nova teoria da imprevisão, os requisitos que dão ensejo a tal instituto, como a boa-fé contratual, a vontade real expressa nas avenças, o equilíbrio econômico e a função social do contrato, são objetos da presente pesquisa.

1. O CONTRATO

1.1. CONCEITO E PRESSUPOSTOS

O contrato é espécie do qual negocio jurídico é gênero. Em apertada síntese: contrato é o acordo de duas ou mais vontades com vistas a produzir efeitos jurídicos de natureza patrimonial com eficácia obrigacional. Logo, é fonte de obrigações.

Instrumento a dar validade e eficácia às manifestações de vontade, pela livre convenção das partes, inserto nas relações intersubjetivas, configurado no ato de consenso entre das partes pactuantes com a função proeminente de fazer circular riquezas. É a demonstração jurídica suprema das relações entre sujeitos de direitos e, como tal, deve obedecer a requisitos essenciais de validade contidos nos critérios de justiça e valores abarcados na sociedade em que foram formulados.

Utilizado como meio idôneo e eficaz de fomentar a economia como mola propulsora dos negócios jurídicos, representando o interesse prático das pessoas, com intuito pecuniário, disciplinando direitos e deveres entre os particulares.

Não obstante a livre convenção das partes, os acordos são disciplinados no ordenamento jurídico com requisitos e pressupostos a serem observados, como a capacidade dos agentes em realizarem atos na esfera privada assim como a licitude do objeto contratual, sua formalidade, quando houver uma, pois como geradores de riquezas devem guardar conformidade com a ordem jurídica. Portanto, por seu cunho econômico, repercute diretamente na sociedade.

Deverá ser concebido e permeado pelos princípios basilares da boa-fé, da eticidade, sociabilidade e, especialmente, pelo princípio da operabilidade, pois devem ser avençados com escopo de poderem ser executados.

A boa-fé é a constatação de observância a regra do dever geral de não lesar a outrem, tornando os acordos claros e consistentes expressando a real vontade manifestada pelas partes, pela autonomia da vontade, que deve se coadunar com a eticidade abarcada no ordenamento jurídico que versa sobre os requisitos essenciais da formação do negocio jurídico, pois como bem assevera Antonio Jeová Santos:

É por certo desejável que o legislador deixe os contratantes o máximo de liberdade, porém isso não pode ser senão sob uma reserva: a liberdade contratual não deve atentar contra outras liberdades mais essenciais. (2002, p.55)

Em outras palavras, a manifestação da vontade não deve confrontar os fins sociais de interesse geral, deve, portanto, ser submetidas às regras impostas por lei tendo em vista o equilíbrio econômico e a função social do contrato.

Neste sentido, corrobora o doutrinador:

"Em uma sociedade organizada, o exercício de direitos subjetivos não deve sair da função a que correspondem; do contrário, seu titular os desvia de seu destino, cometendo um abuso de direito". (SANTOS, 2002, p. 102).

Dentro do princípio da autonomia da vontade com fulcro na operabilidade está inserta a possibilidade da revisão contratual pelo judiciário, para readequar o pacto, alcançando seu fim econômico e a harmonização das partes pactuante ou resolve-lo se insanável.

2. PRINCÍPIOS CLÁSSICOS DOS CONTRATOS

Os Princípios são as bases norteadoras, de quaisquer atividades: quer sejam elas no campo zeetético, na atividade do intérprete ou no campo dogmático, no ato de poder decisionista do julgador. Assim, conceitua a melhor doutrina, princípio como:

(...) mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério de sua compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a Tonica e lhe dá sentido harmônico. [2]

2.1. A Força Obrigatória Dos Contratos

A força obrigatória do contrato decorre da autonomia da vontade, esta se fundamenta na faculdade de contratar ou não de acordo com suas necessidades e conveniências em que, pelo consenso das partes com fito de garantir as relações estabelecidas, as convenções legalmente estipuladas e sem vícios no consentimento - que as eivaria de nulidade - têm força de lei entre as partes por sua força jurídica e presunção de ser justo o acordo, passando a constituir fonte formal de direito.

Tal postulado preserva o ato jurídico como definitivo quanto ao seu conteúdo que só poderá ser alterado por mútuo acordo ou se a lei expressamente o permitir.

Com efeito, quanto à estipulação negocial que pode ser firmada pela vontade de duas partes, arrazoado que de igual maneira se coloque fim a mesma, reduzindo a termo o desacordo, a mútua deliberação em não mais estar vinculados faz parte da liberdade de contratar, assim, sendo o contrato meio de seguro de dar eficácia jurídica a todas as combinações de interesse, se não houver mais interesse comum o vinculo restará infrutífero, contudo deve tal desinteresse deve ser manifesto.[3]

O Pacta sunt servanda: O acordo faz lei entre as partes, balizado pela segurança jurídica se impõe como instrumento à manutenção da vontade real expressa na avença, porém ao se interpretar as convenções pelo método puramente gramatical, se atendo apenas a literalidade da letra fria das cláusulas expressas, a depender do momento histórico ou do local onde for executado o acordo, os fins do contrato não alcançarão a vontade manifesta no mesmo do momento em que foi ultimado e, por mais das vezes, o transforma em instrumento de aniquilamento, subvertendo-o em ilícito.

Ou seja, devem-se manter as bases do negócio jurídico e as expectativas da época da celebração, para dar segurança jurídica às relações contratuais.

Sobre o princípio da força obrigatória, anota Humberto Theodoro Junior, "o contrato, em suma, obriga com força de lei, mas se curva diante do ideal de justiça que se acha implícito em qualquer ordenamento jurídico do mundo civilizado".[4] Ou seja, deve ser balizado pelos ideais de justiças abarcados na lei em respeito à ordem pública, à moral e bons costumes, pois seus efeitos interessam tanto as partes como à coletividade pelos fatores econômicos e sociais que dele derivam.

A autonomia da vontade nunca foi absoluta, pois impostos limites quanto ao conteúdo das tratativas, sua composição e as partes que poderão convencionar por não refletirem a realidade social em sua plenitude nas relações privadas, ou seja, nem tudo poderá ser objeto de acordo e nem todos podem acordar entre si, deve ser observada a licitude do objeto e a capacidade das partes ao contratar.

2.2. Flexibilização ao princípio da força obrigatória dos contratos.

A liberdade contratual, calcada no princípio da autonomia da vontade que reserva aos contratantes a liberalidade de dispor dos meios e dos modos em acordos de interesse mútuo, acobertada pela força obrigatória dos pactos avençados, gerando lei entre as partes e vinculando somente as partes acordadas, vem sofrendo flexibilizações quanto às prestações a serem adimplidas quando as mesmas se tornam insuportáveis e insustentáveis a uma das partes por eventos supervenientes ao momento da manifestação da vontade que, por sua imprevisibilidade e onerosidade excessiva, transmuta o contrato em elemento de desgosto econômico e, inegavelmente, chega a levar o devedor onerado à completa ruína por tentar cumprir o pactuado.

Desde as mais remotas civilizações, esse problema tem sido levado em conta e refletido de maneira significativa sobre o princípio da força obrigatória dos contratos, fazendo com que sua aplicação se torne flexível e harmoniosa com outro grande princípio do direito contratual  o da comutatividade, sem o qual o instituto obrigacional não atinge o equilíbrio exigido pelo ideal de justiça. Só pode, no plano do contrato, pensar em negócio justo, quando, evidentemente, se mantém a relação dentro dos padrões da comutatividade.[5]

Pela comutatividade, pressupõe se conhecida as prestações que guardam entre si uma equivalência de valores fixados segundo critério de interesse e conveniência das partes, estes geram pressupostos do negócio jurídico e base da manutenção do mesmo.

A ausência ou alteração de tais requisitos ensejam a revisão do contrato, principalmente quando da modificação por evento superveniente e imprevisível que onerar demasiadamente uma das partes que autorizará a readequação para a sua manutenção e para que o pacto possa ser cumprido através de intervenção do Estado Juiz a prestar jurisdição e por termo ao conflito.

2.2.1. Antecedentes Históricos

A cláusula rebus sic stantibus, a nova teoria da imprevisão, percebida em vários momentos históricos a partir da Idade Média, demonstra que o conteúdo das avenças sempre foi passível de modificação quando tal conteúdo sofresse alterações, por motivos alheios a vontade das partes sendo por fator superveniente ao momento da manifestação das vontades, ferindo sobremaneira o ato volitivo e subvertendo o pactuado.

Levando em consideração a cláusula da conditio causa non secuta a disciplinar que o contrato deve subsistir e ser cumprido até e como foi ultimado, que possibilita a alteração se modificada as condições da avença: contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelligentur  os contratos que têm trato sucessivo ou dependência do futuro entendem-se condicionados pela manutenção do atual estado das coisas, a aplicação da cláusula rebus, implícita em todo contrato.[6]

Tal teoria se funda na presunção da vontade das partes na obrigatoriedade do cumprimento tendo como pressuposto a inalterabilidade da situação de fato, resguardada, assim, a segurança jurídica dos pactos.

O direito na Idade Média, apesar da influência Romana, se constituiu pelo Direito Canônico, por força do poder da Igreja Católica que interpretava a Lei Divina criando padrões de condutas à regular o convívio dos homens segundo a vontade de Deus, orientando-os no sentido de justiça e da bem aventurança, esses tidos como seres sociais que devem obediência aos regramentos, tendo em vista o bem comum. Neste contexto histórico, observa-se o auge da cláusula rebus sic stantibus, protagonizada pelos filósofos católicos e os juristas canônicos.

Neste sentido disciplinou São Tomás de Aquino em sua Summa Theologica Cura Fratum Ordinis Preedecatorum: "Não mente nem peca, quem não cumpre o prometido por terem as coisas não permanecidas às mesmas do momento em que foi prometido", conceito balizado no discurso moral e jurídico do Bispo de Hipona, Santo Agostinho, que, no século IV, disciplinava:

Se ocorrer alguma coisa de maior importância que impeça a execução fiel de minha promessa eu não quis mentir, porque apenas não pude cumprir o que prometi (...) não mente aquele que promete alguma coisa e não o faz se, para isto não executar, algo sucedeu que impediu o cumprimento da promessa (...). [7]

Até meados do século XVIII, constata-se a influência da cláusula implícita, na aplicação de alguns casos práticos. Contudo, no final de tal século e início do século XIX, a cláusula entra em declínio devido ao momento histórico político da Revolução Francesa, esta fomentada pela necessidade da liberdade de comércio pela burguesia, fundada no individualismo, no formalismo e no dogma da autonomia da vontade a gerar segurança jurídica contra as limitações impostas pela Igreja Católica e ao Absolutismo Estatal da Idade Média.

O Código Napoleônico não tratou da cláusula, pelo contrário, consagrou o dogma do "pacta sunt servanda" como meio de dar segurança jurídica às relações intersubjetivas, em que o acordo faz lei entre as partes, pois o que se quer, não causa dano. Dando, desta maneira, caráter irrevogável às avenças.

Nos dizeres de Caenegem: "a filosofia do iluminismo rejeitou os velhos dogmas e tradições (especialmente religiosas) e colocou o homem e o seu bem estar no centro de suas preocupações." [8] Enfim, o centro de tudo era o indivíduo, a propriedade e a livre circulação de bens.

O liberalismo econômico conjugado a um modo de vida filosófico embasado no individualismo e de cunho voluntarista são os fatores econômicos e filosóficos que condicionam o vinculo contratual.[9]

Notadamente, o que nasceu com intento a dar segurança jurídica acaba sendo subvertidas pelo exacerbismo, restando inúmeras e insuportáveis injustiças, pelo próprio desequilíbrio econômico e social das partes contratantes.

Além disso, o mundo passa a sofrer brutais transformações em virtude das guerras, provocando desequilíbrio nos contratos de longo prazo, o que ensejou regulamentações nos ordenamentos internos de diversos países quanto à revisão dos contratos concluídos antes da guerra por terem se tornado, sua execução, demasiado onerosa. Como exemplo a famosa Lei Failliot, francesa, em que a participação do juiz era tida como obrigatória.

No Brasil, a teoria da revisão foi consagrada e adaptada por Arnoldo Medeiros da Fonseca, com o nome de teoria da imprevisão, pois diante da enorme resistência na aceitação da dita teoria, incluiu o autor, o requisito da imprevisibilidade. Assim, não bastando à ocorrência de fatores supervenientes e extraordinários que onerasse sobremaneira a uma parte, também deveria,o fato ensejador da onerosidade superveniente, ser imprevisível.

O Código Civil de 1916, não disciplinou expressamente o instituto da revisão contratual, entretanto, os princípios basilares e a interpretação sistemática extensiva dos artigos esparsos na legislação extravagante, em conformidade com todo ordenamento jurídico, restou consonância com ensinamento de Serpa Lopes em relação ao artigo 5° da LICC:

Ao juiz cabe o dever de interpretar a lei em conformidade da nova situação social em conflito com a norma de direito positivo, igual papel deve assistir-lhe quando o contrato se encontra em mesma posição. [10]

Desta maneira, se fez possível a aplicação do postulado aos casos concretos.

Desde 1920, a lei extravagante, assim como a jurisprudência brasileira têm acolhido a revisão sob fundamento de que o direito não pode ficar alheio às avenças, pois deve compor os conflitos de interesse segundo critério equitativo.

O capitalismo desenfreado somado à industrialização cada vez mais desenvolta guiou os contratantes a uma posição demasiada incomoda no início do século XX, pois se compreendeu desde logo que, se a estrutura jurídica assegurava a paridade política, não estava garantindo a paridade econômico-financeira.[11]

Diante do advento da Constituição Federal de 1988 que insere a função social da propriedade, e o Código de Defesa do Consumidor que disciplina a revisão contratual nas relações de consumo pela onerosidade excessiva, dando ensejo, assim, a inúmeros julgados em todas as esferas de direito, reconhecendo a revisão contratual com fundamento na manutenção das tratativas, na possibilidade de execução, pela readequação das prestações; seus fins econômicos e em conformidade com a sua função social, quais sejam: a fomentação à economia, a manutenção do contrato, da empresa e das relações de emprego.

Tudo isso culminou na promulgação do Código Civil de 2002, este concebido a partir de princípios como os da sociabilidade, eticidade e operabilidade ao contrario do Código de 1916 que foi construído por uma visão individualista, norteada por princípios liberais.

O que significa dizer que o direito passou ser analisado em consonância com todo ordenamento e seus fins sociais; além disso, por ser o nosso direito posto, o Novel disciplinou expressamente a revisão contratual, quando possível o reequilíbrio das prestações e até mesmo a resolução do contrato quando impossível a reestruturação, impondo seus requisitos de admissibilidade com forma prescrita em lei, nos artigos: 317 que prevê possibilidade de correção na prestação que restar desproporção manifesta a da devida em relação ao momento de execução; 478 que possibilita o pedido de resolução por onerosidade excessiva; 479 que admite a manutenção do contrato onerado excessivamente desde que o credor se ofereça a adequá-lo equitativamente; 480 em que há oportunidade de pedido de alteração de modo de execução ou redução da prestação devida a fim de evitar a onerosidade excessiva, todos do Código Civil Pátrio.

2.3. Dirigismo Contratual

O liberalismo exacerbado na liberdade de contratar, no pós Revolução Francesa, acarretou extremos prejuízos aos contratantes em todos os países que aderiram à filosofia e regramento do Código Napoleônico.

Diante do desequilíbrio econômico das partes contratantes o princípio da autonomia da vontade teve que ser parcialmente cerceada, mitigada, pois a incerteza gerada pela igualdade jurídica em detrimento da igualdade material, deixando, os economicamente mais fracos, à mercê dos grupos mais fortes, que se utilizando da autonomia da vontade subvertida em proveito próprio, para validar seus negócios abusivos, gerou inúmeras injustiças.

Insurge-se o Estado contra tal discrepância, a priori na figura do Estado-Legislador, impondo limites, requisitos e condições previamente padronizadas às contratações; num segundo momento intervindo como Estado-Juiz a modificar o convencionado pelas partes com vistas a encontrar o justo equilíbrio em dada situação; até mesmo genericamente atua o Poder Judiciário quando aplica às operações jurídicas os princípios gerais como a boa-fé, preservação da justiça comutativa, a ilidir o abuso de direito, enriquecimento ilícito em detrimento do empobrecimento sem causa com fulcro na garantia da das questões ordem pública.

Neste sentido anota José Anísio de Oliveira:

O dirigismo contratual indubitavelmente revolucionou sobremaneira os preceitos tradicionais da convenção, excedendo, por assim dizer, as suas vetustas maneiras de compleição, hospedando a interferência plena do poder público numa ordem de relações jurídicas, representada nas vontades dos cidadãos e do direito social, proporcionando ao juiz e à Administração modos de equilibrar os fatos sociais, tais como a determinação de cláusulas limitativa na observância de obrigações, a prorrogação dos prazos e a estancação imediatas de preços.[12]

O contrato passa a obedecer a sua função social, cabendo, aos contratantes, conciliar os interesses individuais com os coletivos sob pena de serem revisionados, não obstante continuarem a observar seu fim econômico em si mesmo.

Nos dizeres de Francisco Serrano Martins[13]: "O intervencionismo estatal apresentou-se como adaptação aos fenômenos econômicos e sociais da sociedade". Assim, o princípio pacta sunt servanda, o contrato faz lei entre as partes, foi cedendo lugar ao dirigismo contratual. As relações contratuais passaram a ser tuteladas pelo Estado, tentando estabelecer uma igualdade de fato entre os contratantes.

Com efeito, o dirigismo contratual se configura pelo conjunto de normas protetoras ou restritivas que se impõem às relações contratuais sob pena de nulidade.

Neste contexto jurídico está abarcada a teoria da imprevisão que em consonância com Carneiro Maia[14], "seu fundamento na aplicação está na lesão subjetiva, que o Direito não pode ficar alheio, desde que deva compor o conflito de interesse segundo critério equitativo." Em outras palavras, a readequação dos acordos, pelo judiciário, quando as partes se encontrarem em patamares dispares, ocorrendo desequilíbrio econômico, de tal sorte a tornar o cumprimento da avença insuportável a uma das partes, modificando sobremaneira a vontade inicialmente disposta.

Em suma, cabe ao Poder Judiciário, na sua função típica, dirimir conflitos, tornar os contratos totalmente executáveis em todas suas fases, dentro dos liames nele adstrito tendo em vista seu fim econômico em consonância com a realidade fática e os ditames legais, restabelecendo a segurança jurídica em prol da manutenção dos acordos e sua finalidade social.

2.4. Função Social Do Contrato

A função social do contrato está intimamente relacionada com o princípio da socialidade adotado pelo Código Civil de 2002 que reflete a prevalência dos valores coletivos aos individuais, em detrimento do sentido individualista do Código Beviláqua.

Serve precipuamente para limitar a liberdade contratual, quando esta confrontar com o interesse social, pois a aplicação da letra fria da lei, muitas vezes, acaba por causar injustiça transformando a vontade da norma, pelas particularidades do caso concreto. Ou seja, não basta à simples subsunção da norma ao caso concreto, devem ser observados os critérios de justiça, da boa-fé, da ordem pública, dos usos e costumes, para poder assim, alcançar a finalidade e a função social das normas.

Atendendo a este postulado, busca-se o equilíbrio entre as necessidades individuais avençadas e as necessidades coletivas, pois os contratos como geradores de riquezas guardam em si finalidades outras que devem, necessariamente, ser obedecidas, como sua finalidade econômica de primeiro plano, entre as partes pactuantes, e de segundo plano: a repercussão econômica na sociedade.

Ainda sim, o conteúdo dos acordos deve estar em consonância com bem estar comum, vez que podem influir no ambiente em que serão cumpridos; como exemplo a locação de um prédio em área residencial para fins de recreação noturna. Ora, tal entretenimento não se coaduna com a área em questão, pois nestas áreas devem ser respeitados os direitos de vizinhança, quais sejam: o sossego, saúde e segurança. O contrato em si seria lícito, a locação, contudo o uso, pela particularidade do caso concreto, restaria inviável.

A função social dos contratos atende ao caráter individual, quando observado em relação aos contratantes, ilidindo, por meio da tutela jurisdicional, que o contratante economicamente e, até mesmo, tecnicamente mais fraco fique a mercê dos ditames do mais forte; e ao caráter coletivo, quando ilide a produção de seus efeitos, retirando a eficácia por atentar contra a ordem pública e em alguns casos, expurgando sua validade jurídica pelos mesmos motivos.

Portanto, mister se faz a aplicação das normas gerais da probidade e boa-fé, a equidade, observada a questão de ordem pública, tendo em vista os usos e costumes e o bem estar social, aos contratos quando estes não os emanarem, expressa ou tacitamente, através do judiciário, na apreciação do caso concreto, valendo se o magistrado dos valores da solidariedade (CF, art. 3°, I), da justiça social (CF art. 170), dignidade da pessoa humana (CF, art. 1°, III), a regra geral de não lesar a outrem (CC, art. 186), a vedação ao enriquecimento ilícito (CC, art.884), e todos os demais postulados abarcados em nosso ordenamento jurídico que se fizerem necessários para garantir o direito, a função social pelo equilíbrio contratual nas especificidades do caso concreto.

Não obstante a prevalência da autonomia da vontade contratual, esta deve se adequar aos requisitos essências para sua validade assim como não pode contrariar os preceitos de ordem pública diante dos valores jurídicos, sociais, econômicos e morais, abarcados pela sociedade em que será inserta.

Neste contexto, o ensinamento do ilustre doutrinador Jeová Santos:

A função social do contrato, enfim, garante a humanização dos pactos, submetendo o direito privado a novas transformações e garantindo a estabilidade das relações contratuais, sensível ao ambiente social em que foi celebrado e está sendo executado, (...).[15]

A segurança jurídica vastamente utilizada como fundamento a validar o princípio da força obrigatória dos contratos, por entender se que a não vinculação estrita a tal postulado geraria caos pela insegurança instalada diante da possibilidade em se ver as avenças alteradas pelo judiciário, não restará prejudicada, pois pelo mesmo postulado é que se autoriza dita alteração, uma vez que está só se fará quando expressamente autorizadas em lei e, para a própria manutenção do acordo, alcançando, assim, o equilíbrio inicialmente proposto.

Ora, com efeito, que a aplicação da cláusula geral da função social dos contratos, pela revisão judicial, é o parâmetro idôneo para adequar as avenças com fulcro no reequilíbrio das prestações, quando as mesmas restarem díspares, do momento em que foram constituídas e o de sua execução, pela realidade fática e de direito do ato manifestado, para que não haja menosprezo a dignidade da pessoa humana pelo vilipêndio do indivíduo pela obrigatoriedade do cumprimento de um acordo que restou manifestamente oneroso a uma das partes.

Isto posto, pode se afirmar que a segurança jurídica dos contratos e a justiça praticada pelo ato revisional em observância a função social não se dissociam, pois todos visam os fins do direito, ou seja, coibir a realização de atos socialmente não desejados.

Assim como a análise sistemática de todo ordenamento jurídico nos leva a compreensão de que o sentido da lei veda atos que prejudiquem o interesse social, que vulnere a função social, esta para tutelar a parte menos favorecida e o interesse coletivo; destes pressupostos de validade se pode afirmar que não há atendimento a finalidade social quando: a prestação, de uma das partes, restar desproporcional ou exagerada, em comparação a sua contraprestação ou de como esta vinha sendo adimplida costumeiramente; ou ainda quando se observar vantagem exagerada a uma das partes, subvertendo ao pactuado, quebrando-se, assim, as bases subjetivas e objetivas do pacto, pois não era essa a vontade pactuada nem o resultado almejado. Portanto, passível de ser submetida ao crivo da tutela jurisdicional para a competente reestruturação das prestações com fito ao reequilíbrio obrigacional.

3. TEORIA DA IMPREVISÃO OU ONEROSIDADE EXCESSIVA

3.1. Conceito

Como bem sintetiza o Ilustre magistrado Jeová Santos:

A imprevisão é denominada sopravenienza, mas também é dito que houve a desaparição da base do negócio jurídico, em face do desequilíbrio das prestações. É a propalada cláusula rebus sic stantibus. Não importa a nomenclatura. Sempre que a parte estiver diante de contrato cujo cumprimento se tornou excessivamente gravoso por causas imprevistas e extraordinárias pode bater às portas do Poder Judiciário para reajustar o contrato e restabelecer o equilíbrio econômico que existia quando o contrato foi celebrado. [16]

Tal entendimento doutrinário alcançado pela aplicação do princípio da força obrigatória dos contratos, pois o que se almeja será o equilíbrio das prestações nos moldes em que foram ultimadas que quando alterados de maneira a gerar injustiça a qualquer das partes rompe com o convencionado e desvirtua o acordo.

O dogma encerra a idéia de fidelidade ao que foi prometido e que deve ser cumprido; a expressão rebus sic stantibus vincula as prestações ao significado manifesto no avençado mediante as circunstâncias que existiam no momento da celebração, ao resultado da somatória da prestação e contraprestação fundados no cálculo e probabilidade de lucro e perda, assim, se outro fosse o obtido, por eventos supervenientes e imprevisíveis, não seria o que efetivamente foi contratado.[17]

Neste sentido, Fornielles[18] oferece o seguinte conceito sobre imprevisão:

É a teoria que sustenta que as vontades individuais não engendram obrigações, mas as condições de se mover no terreno ordinário da previsão humana e que se um acontecimento futuro rompe o equilíbrio que deve supor ínsito em toda convenção, desaparece um dos elementos que é a força obrigatória. O contrato obriga para o previsível, não para o imprevisível.

A revisão contratual outorgada pelo Poder Legislativo e delegada ao Poder Judiciário na sua função típica, é instrumento competente bastante para dirimir conflitos em havendo modificações decorrentes de desequilíbrio gerado no campo contratual por evento superveniente e imprevisível ao momento da celebração do ato volitivo que acarrete desproporção nas prestações, tornando-as excessivamente gravosas e de difícil cumprimento pela parte onerada.

Motivada pelos princípios de direito já existentes como a boa-fé, não enriquecimento sem causa e da equidade somados a necessidade da conservação dos negócios jurídicos dentro do equilíbrio contratual a harmonizar as relações entre os pactuantes, sempre atendendo ao restabelecimento do equilíbrio que foi rompido por fatores alheios à vontade das partes, é que se funda a teoria da imprevisão.

3.2. Requisitos

Para TRABUCCHI e como se depreende do disposto no artigo 478 do Código Civil de 2002, os requisitos autorizadores da aplicação da teoria da imprevisão nos negócios jurídicos e que devem ser observados, assim dispostos:

a) o contrato deve ser de execução futura (execução diferida, continuada ou periódica);

b) após a celebração do contrato, deve ter havido a superveniência de eventos extraordinários e imprevisíveis;

c) a prestação para uma das partes deve ter se tornado excessivamente onerosa, em virtude da nova situação não prevista;

d) a relação entre as prestações, no momento da execução, deve ter se tornado desproporcional relativamente àquilo que se estabelecera no momento da conclusão do contrato.[19]

Reza a melhor doutrina que o requisito da onerosidade excessiva deva ser anormal, que gere sacrifício para parte onerada; além disso, o fato superveniente e imprevisível deve ocorrer sem participação da vítima, tem de ser alheio à parte, ou seja, ausência de culpa do obrigado, sendo certo que o onerado não pode estar em mora no que diga respeito ao cumprimento das cláusulas contratuais não atingidas pela imprevisão, demonstrando a boa-fé do devedor.

Parte da doutrina, ao analisar os requisitos autorizadores da revisão contratual, defende não haver necessidade de ser, o evento superveniente causador da onerosidade excessiva, um fato imprevisto, pois a depender das situações fáticas, há eventos mesmo que previstos podem causar o desequilíbrio contratual, acarretando a insuportabilidade de seu cumprimento por um dos contratantes, quebrando-se a comutatividade inerente aos contratos  neste sentido Villaça Azevedo.

Outra parte da doutrina não só afirma a necessidade de ser imprevisível o fato extraordinário, superveniente à manifestação de vontade, ensejador da onerosidade excessiva, mas também defende ser indispensável à ocorrência de ambos concomitantemente para que seja autorizada a revisão contratual pelo judiciário.

Além disso, o fato imprevisível e extraordinário deve guardar relação direta de causa e efeito da onerosidade excessiva na prestação a ser cumprida. Deve determinar uma importante alteração na relação originária.

Destarte, a onerosidade excessiva autorizadora da revisão contratual será aquela que advinda de fato extraordinário  fora do curso normal, o que não pactuado, além disso, imprevisível  ao tempo da celebração, tendo em vista o critério da pessoa de diligência normal, - do entendimento do homem médio.

3.3.Natureza Jurídica Da Teoria Da Imprevisão

Esta teoria é fruto de fenômenos histórico-culturais e decorrente do anseio social na busca de um mecanismo jurídico que resguardasse a boa-fé e a segurança jurídica na manutenção do equilíbrio contratual nos acordos de longa duração com prestações sucessivas ou em que o momento de sua execução se protrai no tempo.

Diante do exposto, conclui-se que a teoria da imprevisão tem natureza jurídica incidental nas relações contratuais, balizada na manutenção da base negocial pelo restabelecimento do equilíbrio das prestações nos moldes em que foram acordadas configurando, sua declaração, em pressuposto da possibilidade de revisão contratual com vistas a sanar anomalias decorrentes do evento superveniente que afetou diretamente as bases contratuais, desvirtuando-as, e que não foram previstas ou almejadas.

4. REVISÃO CONTRATUAL

Como anteriormente exposto, a revisão contratual é a possibilidade de atenuação ao princípio geral da força obrigatória dos contratos, em que ocorrendo evento imprevisível superveniente às manifestações de vontades, que alterem significativamente as bases do contrato desequilibrando sobremaneira as prestações avençadas, restando extremo prejuízo a uma das partes e locupletamento indevido a outra, será passível , quando possível, de readequação e reequilíbrio das mesmas para que possam, os contratos, serem mantidos e executados, pois se assim não o forem, os mesmos restarão resolvidos por não mais atenderem aos fins a que se ultimaram.

Muitos doutrinadores buscaram legitimar a aplicação da revisão contratual, pela teoria da imprevisão, parte deles, embasados nos requisitos subjetivos como a teoria dos pressupostos: em que as prestações devem ser consideradas dentro das situações em que o contrato foi ultimado, ou seja, a vontade contratual que não pressupôs os acontecimentos imprevisíveis que alteraram a essência do que foi avençado, portanto não se tratando o resultado obtido ser o mesmo objeto do contrato, pois os acordos possuem uma condição implícita de permanência da realidade que autoriza a supressão dos efeitos causados pela mudança fática não prevista. De tal maneira que se essa mudança pudesse ser prevista não haveria a avença.

Outros com explicações objetivas, aclamando o equilíbrio nas prestações, pelos princípios da reciprocidade ou da equivalência das condições em que, pela base do negócio jurídico, nos contratos que se perceberem desequilíbrio econômico nas prestações da do momento da estipulação até o contemporâneo ao seu cumprimento, estará autorizada a intervenção.[20]

Define-se a teoria da imprevisão como remédio jurídico destinado a sanar incidentes que venham alterar a base econômica, por isso aceitável como atenuadora da força obrigatória, pois permite revisão contratual sem ferir a autonomia da vontade por não atingir o ato volitivo e sim aos fatores supervenientes, imprevistos e extraordinários modificadores da base negocial do contrato, restaurando ao que foi efetivamente avençado.

Estes complexos doutrinários e os princípios basilares que formam a nossa sociedade elencados na Constituição Federal, além da jurisprudência recorrente em acatar a teoria da imprevisão culminaram na disposição expressa no Novel Código Civil.

Tal postulado, abarcado pelo ordenamento interno, se legitima nos conceitos de valores e justiça, da moral exigida pela boa-fé contratual e em obediência aos fins sociais do ato volitivo, e à regra geral da ordem pública, como se depreende do disposto no parágrafo único do artigo 2035 do Novel in verbis:

Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

Contudo, a revisão, que deve ser feita pelo judiciário quando as tentativas de uma composição amigável restar infrutíferas só poderá ser proposta se observados os requisitos elencados no artigo 478 do Código Civil, in verbis:

Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Não obstante o dispositivo legal supracitado discrimine expressamente à resolução do contrato, os mesmos elementos são utilizados em ação revisionais proposta pelo contratante onerado com fulcro no princípio da manutenção dos contratos pela sua finalidade econômica e sua função social.

Neste sentido segue o disposto no Enunciado 176 do Conselho de Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil:

Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do CC 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.

Depreende-se do Enunciado a necessidade da leitura e aplicação do disposto no artigo 478 do Código Civil deve ser cominada com o artigo 479 e 317 do mesmo diploma legal, respectivamente, a saber, in verbis:

A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor da prestação.

Nelson Nery Júnior citado pelo ilustre desembargador Carlos Roberto Gonçalves, bem disciplina e elucida o disposto no enunciado em tela:

O princípio da conservação dos contratos, ante a nova realidade legal, deve ser interpretado no sentido da sua manutenção e continuidade da execução, observadas as regras de equidade, do equilíbrio contratual, da boa-fé objetiva e da função social do contrato. [21]

A análise sistemática destes dispositivos com fulcro na conservação dos negócios jurídicos, para alcançar a real vontade declarada nos pactos (artigo 112 CC), seu fim econômico, são alguns dos elementos autorizadores da possibilidade da revisão judicial.

Assim, os elementos que ensejarem a revisão contratual, quando ainda possível manter a convenção, devem ser argüidos em ação própria, que será declarada por sentença, se constatados presentes os seus requisitos, a possibilidade de revisão que somente atingirá as prestações ainda não adimplidas, estas poderão ser consignadas enquanto pendente a lide em observância à boa-fé do devedor, mediante autorização judicial para tanto.[22]

Ante a positivação da possibilidade da revisão contratual pelo judiciário, surgem discussões acerca de seus requisitos e abrangência de sua aplicação, atuação dos intérpretes do direito no campo zeetético, e o posicionamento, das autoridades judiciárias, pela técnica hermenêutica, no campo dogmático, com vistas à adequação do contrato à vontade das partes.

4.1. Campo De Aplicação Da Revisão Contratual

A aplicação da revisão contratual se dará em contratos comutativos, pois exige a equivalência das prestações demonstrando a boa-fé contratual, estabelecidas às prestações e contraprestações a serem adimplidas, portanto não há que se falar em revisão contratual, pela teoria da imprevisão, em contratos aleatórios visto que a álea será o objeto fim de ditos contratos, salvo se a onerosidade excessiva for produzida por causas outras que não as da álea própria do contrato; o que se busca com a revisão contratual é restabelecer o equilíbrio das prestações nos moldes em que foram contratadas.

Portanto, quando o objeto do contrato versar sobre prestações desproporcionais ou imprecisas não haverá o que se revisionar, pois já nasceram assim como base do contrato, configurando os próprios riscos assumidos pela vontade das partes.

O contrato comutativo passível de revisão será o de execução diferida, periódica ou continuada, pela simples percepção de não haver possibilidade revisional nos de execução instantâneas, visto que estes já foram cumpridos, portanto consubstanciados na esfera do negócio jurídico perfeito, passíveis apenas de ação de anulação ou de declaração de nulidade por vícios  objetivos ou subjetivos, em que sequer terão existido por não terem validade jurídica ou lhes serão suspensos os efeitos.

Já nos contratos de execução diferida, periódica ou continuada, por ainda não adimplidos ou cumpridos em parte, deve-se preservar o equilíbrio das prestações, pela vontade avençada, da sua real finalidade econômica e função social.

Não há que se falar em caso fortuito ou força maior, uma vez que estes institutos são causas excludentes de responsabilidade da inexecução involuntária o que desobriga o devedor dos prejuízos dela advinda, pela impossibilidade, inevitável e irresistível, do adimplemento da obrigação por fatores alheios à sua vontade por fato de terceiro ou advento de ações de forças ininteligíveis; ao passo que possibilidade de revisão contratual se dá pela dificuldade do cumprimento obrigacional pela onerosidade excessiva, pelo desequilíbrio das prestações avençadas, não desobriga ou impede o onerado, apenas dificulta, mesmo que extremamente dificultoso se torne o adimplemento, não o impossibilita.

Desta maneira, a possibilidade de revisão judicial se dará em contratos comutativos de execução diferida, periódica ou continuada em que, conforme os requisitos de aplicação da cláusula rebus sic stantibus, dispostos no Novel, por motivos supervenientes à manifestação das vontades, por fatores imprevistos nas tratativas, quer por ser objeto destas, quer por cláusula de adequação expressa, e, imprevisíveis, porém, no sentido de que se previsíveis tais fatores supervenientes as partes assim não contratariam, configurada a álea extraordinária que desequilibraria sobremaneira as prestações, causando onerosidade excessiva para uma parte com extrema vantagem à outra.

Os requisitos elencados no artigo 478 do Código Civil, para restar operável a possibilidade de revisão, não devem ser interpretados restritamente, pois se assim os forem e se aplicados apenas em seu sentido literal, a teoria da imprevisão abarcada neste dispositivo legal, se constatará impraticável, pois senão vejamos: a finalidade precípua da evocação de tal postulado será a de readequar quantitativamente e qualitativamente as prestações contratuais com fulcro da manutenção e execução do contrato nos moldes em que foi ultimado, pois não há como se exigir o cumprimento de um pacto que tinha uma finalidade que acabou subvertida em outra, por motivos alheios às vontades das partes.

Além do mais, se não for possível a readequação o contrato restará resolvido por expressa disposição em lei, vez que não se verifica os pressupostos consagrados no momento da manifestação da voluntas contrahentium entre as partes.

Nota-se a necessidade de apreciação de tais requisitos à luz do caso concreto, pois a exigência na literalidade da norma, por mais das vezes, não se coaduna com sua finalidade, e não só isso, a depender do caso concreto, requer-se uma técnica interpretativa lógico-sistemática e principalmente histórica, contemporânea à manifestação de vontade expressa nos acordos, adequada ao momento da execução, para que se possa fazer correta subsunção do caso à norma para procederem, os magistrados, com equidade ante a prestação jurisdicional ao dirimirem conflitos desta natureza.

4.2. Efetivação E Efeitos Da Revisão

Observados os requisitos condicionadores para aplicação da revisão contratual, imprescindível a atuação do Estado-Juiz para a efetivação de tais pressupostos, ou seja, que não se opera de pleno direito, antes se faz necessário que a parte onerada excessivamente se valha da Tutela Jurisdicional para ver o contrato extinto ou suas prestações readequadas.

A simples constatação da superveniência causadora da onerosidade excessiva não desobriga o devedor, necessário se faz a decretação judicial, mediante sentença que declara o direito à revisão, para manutenção e execução do contrato, assim, com efeito modificativo; ou desobrigue o devedor onerado, do adimplemento, pela extinção do contrato, com efeito resolutório.

Tão pouco, poderá pleitear a revisão do contrato onerado quando encontrar-se o devedor em mora, por condicionante da boa-fé contratual; ou ainda, querer revisar o contrato depois de já cumprida a obrigação, vez que tal pleito visa a possibilidade da inexecução da prestação prometida, portanto há de ser argüida antes do adimplemento.

Cabe ao juiz, a cerca do caso concreto, decidir, quando se encontram presentes os requisitos autorizadores da revisão, se há onerosidade excessiva, bem como a existência do nexo causal entre o acontecimento extraordinário e imprevisível com a ocorrência da onerosidade excessiva, a ser declarada por sentença, com efeitos retroativos à data da citação válida, só então o contraente onerado se desobriga do cumprimento da prestação prometida e, ainda, não responderá por perdas e danos se decretado por sentença a extinção do contrato por resolução como remedium iuris ao caso concreto.

Não obstante a imprescindibilidade da atuação judicial na revisão contratual, o juiz, ao dirimir o conflito, só poderá reajustar e readequar as prestações oneradas excessivamente em virtude de evento superveniente, pois rever o contrato não é substituir arbitrariamente a vontade das partes pela judicial e sim fazer sua correta interpretação às manifestações de vontade expressas para efetivamente restabelecê-las, quando se encontrarem, de maneira injustificável, em patamares díspares por fatores supervenientes imprevistos e imprevisíveis contemporâneos à contratação, pela quebra insuportável da equivalência das prestações ou pela frustração definitiva da finalidade contratual objetiva.

5. CONCLUSÃO

Os valores éticos e morais consubstanciados na exigência do cumprimento da palavra empenhada devem se coadunar com a realidade fática do momento de sua execução, pois dadas certas circunstâncias e como nada é absoluto, a exigência do prometido, na literalidade expressa, pode se transformar em instrumento de aniquilamento.

Diante de um estabelecimento de bases negociais pela manifestação das vontades contratantes em ver seus interesses garantidos, enquanto tais bases não sofrerem alterações que as desvirtuem, assim serão exigidas, pois refletem os reais fins a que se ultimaram.

Contudo, se por fatores supervenientes a essas declarações que imprevistas por sua própria imprevisibilidade - pela inteligência média das partes contratantes - desequilibrarem as prestações avençadas de modo a transmutar o pactuado, onerando excessivamente um dos pólos ou ambos, tal acordo deverá ser revisionado para, se possível, ser restaurado o equilíbrio contratual com fulcro na manutenção das convenções e para sua fiel execução ou ser extinto por não mais atender às finalidades a que se ultimou.

Assim, pelo principio da razoabilidade com fundamento na boa-fé contratual, na equivalência das prestações tendo em vista sua finalidade econômica e a função social do contrato, o juiz em sua função jurisdicional à luz do caso concreto decidirá, com base nas provas carreadas aos autos, valendo-se do jogo hermenêutico na analise da vontade expressa no momento da celebração e a realidade fática da execução, ao se encontrarem presentes os requisitos condicionantes da possibilidade da revisão contratual, se aplicará ou não a teoria da imprevisão para sanar as anomalias decorrentes da onerosidade excessiva resultante e readequar as prestações para restabelecer o contrato nos moldes em que, efetivamente, as partes se obrigaram.

6. BIBLIOGRAFIA

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[1] BESSONE, sl, sd, apud THEODORO JUNIOR, O contrato e seus princípios, p. 151, 2001.

[2] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 1997 apud MARTINS, Francisco Serrano. A teoria da imprevisãoe a revisão contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, p.10, 2003.

[3] Anísio José DE OLIVEIRA, A teoria da imprevisão nos contratos, passim.

[4] THEODORO JUNIOR, O contrato e seus princípios, p.150, 2001.

[5] KARL LARENZ, derecho justo, sl, sd, apud THEODORO JUNIOR, ibibem, p. 151.

[6] VENOSA, Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p.415, 2001.

[7]AQUINO, São Thomas, Summa Theologica Cura Fratum Ordinis Preedecatorum, sl, sd, Apud KLANG, A teoria da imprevisão e a revisão dos contratos, p.p 14-15, 1991.

[8]Caenegem, Uma introdução histórica ao direito privado, p. 178, 2000, apud DUQUE, Bruna Lira. A revisão dos contratos e a teoria da imprevisão: uma releitura do direito contratual à luz do princípio da socialidade, p.261, 2007.

[9] SANTOS, Antonio Jeová. Função social, lesão e onerosidade excessiva, p.39, 2002.

[10] Lopes, Serpa, sl, sd,apud KLANG, Marcio, p. 43, 1991

[11] OLIVEIRA, Jose Anísio, Ibidem, p.21.

[12] OLIVEIRA, José Anísio, ibidem, p.p 25-26.

[13] MARTINS, F. Serrano, A teoria da Imprevisão e a Revisão Contratual, p.12.

[14] MAIA, Carneiro, Da cláusula Rebus sic stantibus, 1959, apud THEODORO JUNIOR, ibidem P.154, 2001.

[15] SANTOS, Antonio Jeová, ibidem, p.146.

[16]SANTOS, ibidem, p.212, 2002.

[17] Teoria da pressuposição desenvolvida por Oertmann e Larenz, por eles denominada de base do negócio jurídico por conter a boa-fé, a equidade e a proibição ao abuso de direito; esta teoria é a que melhor fundamenta a teoria da imprevisão. ( SANTOS, ibidem, p.232, 2002.)

[18] FORNIELLES, sl, sd, apud SANTOS, Jeová, ibidem, p. 212, 2002, apud, CAZEAUX eREPRESAS, Derecho de las obligaciones, p. 665, 3. ed. La Plata: Platense, 1987.

[19] TRABUCCHI, Instituzioni di Diritto Civile, pp. 727-728, 1968, apud, THEODORO JUNIOR, ibidem, p.155, 2001.

[20] VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p.414, 2001.

[21] NERY JUNIOR, Nelson, sl, sd, apud GONÇALVES, Carlos Roberto in Direito civil brasileiro, vol. III: contratos e atos unilaterais, 2006.

[22] VENOSA, Silvio de Salvo, ibidem, passim, 2001.


Autor: Patricia Martinez


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