Mundo dos homens: Cegueira; Mundo de mulher: dar a luz; Analfabetismo feminino no Brasil e no DF
1 - Introdução:
Esta pesquisa teve inicio a partir do desejo de analisar como se dá a construção do processo de ensino-aprendizagem de uma senhora que está sendo alfabetizada em sua própria residência sendo realizada através de um estudo de caso. Também registrados o seu desenvolvimento de aprendizagem, observamos quais as dificuldades na aquisição da leitura e escrita e refletir sobre a prática de alfabetização de uma senhora de 89 anos.
A pesquisa foi realizada através da observação do ensino-aprendizagem desta senhora em processo de alfabetização realizado no seu próprio lar que se localiza na Candangolândia, onde mora com sua filha e neto, mas que estava em Brasília há apenas 3 anos, contudo sua filha a trouxe para que ela morasse aqui no Distrito Federal (DF) porque ela estava doente e um pouco sozinha e as filhas todas moram no DF.
A senhora X não queria freqüentar uma escola ou classe de alfabetização por vergonha, daí alfabetizadora se propôs a tentar alfabetizá-la em sua própria residência afirmando que não tinha experiência, mas que iria realizar este desafio com a ajuda da alfabetizada que tinha o sonho (desejo) de poder ler a Bíblia já que era evangélica.
Então a alfabetizaçãoàs vezes torna-se algo que está ainda um pouco distante para muitos que não podem e/ou não têm condições de freqüentarem uma escola, ou até mesmo ter acesso a um ensino de qualidade e significado para essa pessoa, porque por mais que hoje em dia tenham oportunidades de aprenderem a ler e escrever muitas vezes a maior barreira é o próprio aluno que traz traumas durante o período em que teve algum contato ou pelo alfabetizador que não teve a paciência causando um bloqueio na aprendizagem que por conseqüência tornou-se o medo de freqüentar uma classe ou escola de alfabetização e acabar sendo ridicularizada pelos outros principalmente por causa de sua idade.
2 - A alfabetização no Brasil um longo processo que dura séculos
No Brasil o problema da educação tem sido levado sem nenhuma importância em relação ao analfabetismo de adultos apesar das transformações ainda é muito alto o índice de analfabetismo brasileiro e se verificarmos em números absolutos os dados serão alarmantes, pois é como se só crescessem e não fosse feito nada para diminuir ou sanar o que nos mostra que só houve um decréscimo em percentual porque na verdade a população não parou de crescer. Estes dados foram coletados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2009) em relação ao mapa de analfabetismo no Brasil onde demonstra que apesar dos números percentuais terem decaído não houve nenhuma solução e muitas vezes o governo se interessa apenas pelos dados numéricos que não são reais em quantidade que torna - se exorbitante.
A realidade brasileira tem demonstrado que a população anual feminina é das atingidas em termos de escolarização. Os dados do IBGE (2005) mostraram que 75% da população feminina encontra-se em estado de alta exploração social, e logo com alto índice de analfabetismo. Por que desde os tempos primitivos a função da mulher era de cuidar das tarefas domesticas e filhos e a função do homem era de sustentar da família.
De acordo com Gouveia (1970), Demo (2005), Ribeiro (2000) e Aranha (2006) a educação feminina por meados do final do século XIX as mulheres que optaram pelo magistério ainda estavam focadas na família deixando sua condição de cidadão para cuidar do lar, pois o magistério era algo exclusivamente do público masculino, porque o homem é quem exercia a função de professor e através da inserção da mulher no mercado de trabalho as mulheres acabaram conquistando espaços que antes era exclusivamente masculino.
Rocha e Ponczek (2008) referindo-se a uma pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV) em 2009, afirma que em relação ao acréscimo do salário existe um percentual 9,3% em relação aos que continuam analfabetos, já entre homens e mulheres há uma diferença significativa e quando a idade aumenta a diferença aumenta ainda mais já que as mulheres podem ter um aumento de até 25% no seu salário e os homens chegam a apenas 15%. Entretanto o maior número de analfabetos está entre as mulheres e Minardi (2008) confirma que a mulher teve um papel muito importante na luta social contra a desigualdade, pois mesmo que estas lutas foram lideradas por homens a participação das mulheres foi fundamental porque onde havia uma mulher seja na classe operária, seja na classe dominante elas tentavam contribuir de alguma forma.
Olinto e Olinto (2000) e Batista e Cacciamali (2009) afirmam que para a mulher se torna mais limitada sua participação na sociedade tanto na política como no mercado de trabalho porque para ela ter o salário igual ao do homem terá em média 3 empregos e acaba tendo um acumulo de funções (esposa, trabalhadora, mãe, dona de casa e etc.) isso faz com que seja mais complexo para a mulher do que para o homem.
Essa situação de analfabetismo no Brasil deveria ter sido resolvida já que vivemos num país cheio de riquezas, mas com pessoas miseráveis que não tiveram a oportunidade de ter um futuro diferente em virtude de sua situação econômica onde a educação deveria ser a prioridade. Onde apesar de muitos viverem num mesmo país há uma exclusão social no mundo dos alfabetizados que aquele que não possui esse requisito fica sua vida inteira a margem da sociedade que para eles é um mundo desconhecido e estranho.
No próximo tópico iremos discutir sobre a alfabetização de adultos e o seu desenvolvimento no decorrer dos anos.
3 - Alfabetização de Adultos uma ação difícil de ser executada, mas não impossivel
O processo de alfabetização de adultos é muitas vezes oneroso no sentido do alfabetizador ser mais cauteloso em seus comentários, pois quando um adulto procura voltar à escola e/ou busca aprender é porque ele percebeu o quanto à falta de leitura e escrita prejudicou bastante. Com isso o que deve ser considerado é que além de ser alfabetizado será necessário ensinar a pronúncia das palavras de maneira correta mesmo na linguagem coloquial e a bagagem que este aluno traz é muito grande porque passou a maior parte de sua vida fora da escola e até a sua musculatura acaba se tornando rígida. Porque não se pode desprezar a cultura e o conhecimento do aluno pelo fato de ele não ter sido alfabetizado, pois Freire (1987) afirma que há uma troca de conhecimento e não é algo pronto e acabado.
Para a UNESCO a educação é algo primordial para a ampliação e crescimento econômico do país de uma forma geral (UNESCO apud FERNANDES, 2004. P 32). Constatamos então que vários autores como Freire (1996), Soares (2004), Souza e Ramos (2004) concordam em relação à importância de ter um ensino focado na sua qualidade e qualificação dos seus profissionais para que realmente o Brasil proporcione algo melhor aos seus habitantes em relação à educação que é à base de um país.
Muitas pesquisas já foram realizadas como a da FGV em 2008, a do INEP, a da UNESCO com o intuito de provar que a alfabetização melhora e dá a oportunidade de crescimento sócio-econômico-cultural torna à vida do individuo mais fácil e suas qualificações promove a sua entrada e permanência no mercado de trabalho. Verificamos que essas pesquisas mostram dados reais da situação em que o Brasil encontra-se atualmente.
Para Freire (1987), Demo (2003) e Shor e Freire (1986) aprendizagem se tornar significativa quando está associada com a vida diária do individuo e que o professor independente do país (Primeiro ou Terceiro Mundo) em que está tem medos e desafios, contudo isso não pode ser uma barreira para que cesse os seus sonhos e se conforme com a situação em que está à educação.
A respeito desse tema, Souza e Ramos (2004) comentam que:
"Os analfabetos são os mais pobres entre os pobres, e o fato mais dramático é que essa falência coincide com o mapa das desigualdades sociais, étnicas e também de gênero, já que muito mais da metade dos iletrados são mulheres. O dia Internacional da Alfabetização, 8 de setembro, é celebrado todos os anos pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura UNESCO, desde 1967, e sempre traz muitos questionamentos sobre o que pode ser feito para inverter a situação da alfabetização." (SOUZA e RAMOS, 2004. p 32).
Verificamos então que mesmo em diferentes épocas ou lugares não há desistência de lutar pela mudança e transformação da educação daqueles que não tiveram liberdade de escolher se teriam ou não a oportunidade de aprender a ler e escrever, mas que por sua condição social foram obrigados muitas vezes a abrir mão de um sonho. (Demo, 2005)
Percebe-se no país que o analfabetismo é um problema social onde é de conhecimento político e público, mas que existem programas no qual não resolve a situação é algo provisório servindo apenas para aquele momento e não soluciona o problema em pleno século XXI vemos pessoas neste estado deplorável onde sua sobrevivência fica restrita e torna-se até mesmo um dependente para que possa andar livremente, por não saber codificar e decodificar.
A Educação Básica tem sofrido algumas mudanças mesmo a passos lentos, entretanto na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), por exemplo, Jannuzzi (1979) foi criado na ditadura o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização) onde buscava preparar mão-de-obra para o mercado trabalho, cidadãos inconscientes, por serem analfabetos eram considerados incapazes, outro programa foi à educação profissionalizante que tinha o mesmo objetivo. Um dos programas que surgiu foi a Alfabetização Solidária (ALFASOL) onde quem desejar ter uma turma de alfabetização basta fazer o curso de formação (capacitação) e ganharia uma "ajuda" de custo para alfabetizar em aproximadamente 10 meses com duração de 10 horas semanais de aulas, porém a pessoa que desejava deveria formar sua turma de mais de 15 alunos para receber essa "ajuda".
Conforme Fernandes (2004) e Soares (2004) o conceito de alfabetização tem sofrido várias mudanças nas últimas décadas, que podem ir da variação do enfoque a função que lhe atribuíram onde uns falam EJA e outros dizem Alfabetização de Adultos. Isso também nos mostra que mão tem um foco certo e que muda em relação ao pensador e a sua abordagem.
Na realidade muitos que foram ditos alfabetizados na realidade são analfabetos funcionais que conhecem as letras e os números (codificar), entretanto não compreende o que está lendo (decodificar), nem consegue fazer pequenas operações tornando ineficaz sua aprendizagem já que o mínimo o individuo não consegue fazer. Para Ribeiro (1997) e Ferraro (2002) oanalfabeto é aquele que não sabe codificar, decodificar e fazer operações simples é mera repetição e que as taxas de analfabetismo são realizadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e PNADs (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio) que a educação não tem qualidade dos sensos e descreve sobre a primeira edição do "O capital" no qual Max fazia uma comparação da estatística social da Alemanha com a Inglaterra que foi divulgado em 1867. Verificamos que no Brasil o primeiro senso ocorreu em 1872 que fazia crítica a educação que já era visto na Alemanha.
Percebemos que na realidade para os que são detentores do poder (classe dominante) é melhor que a população seja inconsciente para ser desinformada e manipulada politicamente sem opinar e "atrapalhar" as ordens da classe dominante detentora do poder público.
Conforme Ribeiro (1997) e Freire (1992), o analfabeto muitas vezes não é apenas pela falta de acesso a educação, mas também pela falta de prática que torna o individuo alienado ao ponto de retroceder ma aprendizagem que foi descontextualizada tornando-se analfabeto funcional e em relação à política do Brasil um operário disse não votar no Lula pelo fato dele ser operário, que por ironia é o atual presidente já reeleito (um dos mais populares). Isso nos mostra que mesmo uma pessoa sendo alfabetizada muitas vezes continua na posição de oprimido socialmente, pois não acredita que pode mudar a sociedade através de seu voto.
Com isso notamos que a alfabetização e o analfabetismo não são opostos entre si, mas que o ensinoe a estagnaçãoem relação ao desenvolvimento de uma aprendizagem significativa dependerá do que está ao seu redor em relação ao ambiente onde ocorre a aprendizagem, se há algum estimulo negativo ou positivo para que haja um desenvolvimento.
Entretanto Soares (2004) e Freire (1987) afirmam que na alfabetização não basta apenas codificar e decodificar, mas que aprendizagem seja significativa e prática diária onde o professor (coordenador) não é o detentor do conhecimento. Portanto a aprendizagem é algo que pode libertar o oprimido de sua atual situação em que se encontra através da pedagogia libertadora se assim lhe for concedido está oportunidade.
Verificamos que as obras de Freire como: a Pedagogia do Oprimido, Pedagogia da Esperança, Pedagogia da Autonomia e Educação como prática de liberdadeestão sempre focando na qualidade da educação onde Freire (1987) através de sua experiência criou uma forma de ensinar e transformar a educação de adultos que não é uma técnica pedagógica, mas que atinge o principal objetivo de ter uma educação de qualidade, para formar cidadãos conscientes com participação na sociedade. Transformando o ensino, diminuindo a desigualdade social e esquadrinhando uma melhoria na qualidade de vida para que todos tenham oportunidades de crescimento no âmbito social e profissional.
No Brasil há vários artigos, livros, pesquisas e leis que são unânimes em afirmar que todos devem ter uma educação tanto qualitativa como quantitativa. Na busca pelo desenvolvimento do Brasil ao elevar sua classificação de subdesenvolvido, por ser um país vasto e repleto de riquezas naturais dentre elas a mais importante a água, mas para isso ocorrer será necessário que seja cumprido o que diz a Constituição Brasileira em relação à educação.
A Constituição em seu artigo 205 preceitua que "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno conhecimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Isto demonstra que não há um limite de idade para ser alfabetizado e dar continuidade aos estudos, por isso além de se oportunizar a educação é necessária que seja de qualidade, pois só assim teremos cidadãos conscientes de seus deveres e direitos. Demo (2005) critica esta situação e centra especialmente seus estudos sobre a questão da mulher, da mulher pobre, que além de carente materialmente, também dentro dessa sociedade dividida e classes, chega até mesmo a perder sua cidadania.
Para Brandão (1985) e Freire (2005) o professor (educador) não só ensina, mas também aprende com o aluno e que o método (Paulo Freire) está voltado para a política de forma que o educando seja consciente e ativo na sociedade. O método possui as palavras geradoras que provem da realidade do aluno onde estuda as famílias e debate sobre o assunto para que reflita, questione e seja consciente de seus direitos e deveres, portanto o método não está pronto e acabado como uma fórmula, servindo, entretanto como base. Uns dos principais focos de Freire são a inclusão e socialização, pois todos podem e devem aprender através de condições favoráveis e o aprendizado é mútuo através das sílabas com comparação e a partir dessas sílabas formam outras palavras, pois o conhecimento é construído pelo aluno e professor. Muitos podem ter a liberdade de ter uma vida melhor e menos segregada, sem tantas limitações, pois foram proporcionadas as oportunidades de mudar sua vida para melhor.
Mortatti (2000), Frade (2003) dizem que apesar das cartilhas terem sido abolidas do ensino, alguns professores ainda utilizam para elaborar seu plano de aula e não existe um único método que serve para todos, mas que sendo o método analítico (processo de palavração e sentenciação - inicia com o complexo e vai para o simples, ou seja, de textos para frases e por fim palavras.) ou sintético (simples para o complexo elementos menores para as maiores alfabético, fonético e silábico) é necessário que o ensino tenha sentido para o alfabetizado proporcionando uma aprendizagem de boa qualidade e significativa.
Constatamos entãoque o método de Paulo Freire era a direção para uma aprendizagem significativa onde o professor e o aluno traz sua bagagem para erigir o conhecimento baseado na sua realidade e experiência de vida.
O método de Paulo Freire na realidade não é uma fórmula onde é necessário seguir alguns passos para que o alfabetizado venha adquiri o conhecimento, mas que é um método eclético onde se usa o tradicional de forma contextualizada para que haja a construção do conhecimento através da mediação do professor que também ira considerar o conhecimento prévio desses alunos e sua cultura.
Podemos afirmar que não é fácil fazer diferente, já que o método tradicionalé bem mais fácil com menos exigência não abrirá a consciência e sim tornará o individuo alienado onde poderá ser manipulado e se tornará sem opinião própria por falta de conhecimento (esclarecimento) da realidade que o cerca.
Atualmente a educação tem sido encarada com descaso isso demonstra que os dias de hoje não estão muito diferentes de antigamente. Então podemos confirmar o que Freire e Shor (1986) falam a respeito do professor em relação a sua profissão já que tem mais pontos negativos do que positivos mesmo da rede pública, porque se o educador não seguir as normas ele corre o risco de perder ou ser remanejado para outro local, ou seja, será punido por não se enquadrar no sistema.
Contudoaprendemos agir de forma mais sútil para não chamar tanto a atenção fazendo um trabalho diferenciado em sala de aula onde possibilitará uma educação de qualidade. Por que se continuarmos considerando os alunos apenas como receptores do conhecimento, a qualidade permanecera em segundo plano, e continuaremos vendo o absurdo de ter alunos do nível superior que não conseguem codificar e decodificar o que estão lendo por causa de sua deficiência durante o processo de alfabetização que foi precário.
O principal objetivo de ter uma educação de qualidade e forma cidadãos conscientes de seus direitos e que possam exercer a cidadania de forma consciente, não votando em políticos por causa de benefícios e sim por querer um Brasil melhor e justo para todos.
Percebemos que para se ter mudança terá que ultrapassar as barreiras que surgem, mas que isso não pode fazer com que nos paralise e através da persistência vamos mudar a história da educação brasileira como Freire que jamais desistiu de mudar a sociedade.
Em Freire (1996) podemos compreender o que realmente tem sido um grande problema em relação ao ensino desqualificado e descontextualizado, já que não existe professor sem aluno e que a prática faz com que as experiências sejam ricas e que se soubermos aproveitar bem isso será algo que verdadeiramente poderá mudar está nação. O professor não será o opressor desse aluno e sim o seu instrutor que mostrar a direção para a liberdade de se questionar o que é transmitido para o aluno fazendo com que ele tenha sua própria opinião e saiba se expressar quando não concorda com algo. Não digo para fazer baderna ou algazarras e sim que seja consciente de como manifestar sua idéia de forma clara e com objetivos bem fundamentados e não apenas por gostar ou não de algo ou alguém.
4 - Uma experiência de vida: alfabetizar e ser alfabetizado
No primeiro dia de aula percebemos que a alfabetizadora estava um pouco insegura, ela passou a conversa sobre o que a senhora sabia ou conhecia do alfabeto. Ao mostrar as letras para a alfabetizada, a professora notou que ela já tinha conhecimento de quatro letras o "M, N, S e Z", mas que também reconhecia a primeira letra do seu nome "A", desde que fosse maiúscula e sabia escrever e ler seu nome, mas na realidade era decorado.
Na aula seguinte a alfabetizadora levou alguns desenhos e pediu que a alfabetizada pintasse, ela começou a pintar e não ficou muito tempo, pois dizia: "Minha filha vamos logo fazer o dever porque isso é perda de tempo". Com o passar do tempo a alfabetizadora passou a ter cuidado ao pronunciar as palavras para que a alfabetizada falasse corretamente.
Durante a aula foi observado que a aluna estaria se desenvolvendo tanto na escrita como na fala, pois já conseguia identificar as letras e quando a alfabetizadora pediu que escrevesse alguma palavra ela sempre estava preocupada quais as letras deveria colocar e se estava correta à escrita. Dizia está certa minha filha.
Mesmo no início das aulas ela reconhecia apenas umas cinco letras, conforme foi tendo aulas em sua própria residência foi conhecendo as outras letras, mas geralmente relatava que não sabia mesmo reconhecendo algumas. Então percebemos que além da leitura e escrita, ela necessitava de motivação continuamente, pois aparentava sentir-se incapaz de aprender algo.
Apesar de ter aulas individuais, seu desenvolvimento foi grande só que ao questiona-lá porque não quis freqüentar as aulas numa escola percebemos que é pelo fato de sua idade estar avançada e o receio dos outros, mesmo sendo adultos zombarem dela.
Após vários encontros detecta-se que o desenvolvimento da alfabetizada estava acontecendo, mas em passos lentos e um dia a senhora relatou que: "Deus já me deu outras oportunidades de aprender. Eu não posso perder essa também". Isso foi interessante, pois para ela era como se essa oportunidade fosse sua última chance de realizar o seu sonho. Verificamos que muitas pessoas têm sonhos que dependem de dinheiro, contudo o sonho dessa senhora era algo que para quem já sabe lê é algo normal e o seu sonho para os outros é algo fácil, entretanto para ela que teve pouco acesso foi o bastante para deixar marcas, que ela levará pelo resto de sua vida.
Nota-se um grande esforço e uma enorme vontade de aprender por parte da alfabetizada. Muitas vezes diziam que seus netos ou filhos prometiam, mas que nunca a ensinaram ao falar parecia decepcionada, porquanto apesar de ter o desejo de aprender, o medo de ser discriminada a impediu de freqüentar uma classe de alfabetização.
A princípio verificamos que o processo de alfabetização parecia estar caminhando bem, só que na realidade a alfabetizadora estava aplicando a teoria que estava vendo na faculdade só que fazia como se fosse uma criança e quando notou que a coordenação motora fina (não estava conseguindo escrever) da senhora não estava bem desenvolvida foi tentar fazê-la desenhar ou pintar, mas a senhora não tinha paciência e achava que aquilo era perda de tempo. Também ela não teve está experiência de desenhar ou freqüentar uma escola para descobrir que não se aprende apenas ler e escrever, mas que desenvolve ao mesmo tempo o cognitivo, psicomotor e afetivo do aluno durante o período em que está na escola. Ela achava que deveria aprender a escrever da mesma forma que os seus netos aprenderam quando eram crianças e freqüentavam o ensino regular, só que os ambientes de aprendizagem eram diferentes.
Entretanto a senhora e alfabetizadora tiveram mais algumas dificuldades, pois muitas vezes a alfabetizadora pela falta de experiência acabava fazendo da forma que foi ensinada, ou seja, o tradicional e como se ela fosse uma criança, a falta de recursos porque a as aulas acontecia no seu quarto ou sala onde não tinha cadeira, mesa e nenhum quadro e ainda a casa estava em reforma, demonstrando assim um local inapropriado. E outra grande barreira foi trabalhar a auto-estima da senhora que relatava não saber nada e a sua visão já estava comprometida.
A alfabetizadora que estava cursando faculdade de Pedagogia e teve uma disciplina chamada de Educação de Jovens de Adultos (EJA) que ajudou ampliar o seu conhecimento e perceber que um adulto não aprende da mesma forma que uma criança. Daí ela pode verificar por que muitas vezes a senhora não se desenvolvia e que na realidade estava apenas decorando, não havia uma aprendizagem significativa e mais, uma barreira que surgiu, foi o fato de os filhos e netos tentarem ajudar utilizando novamente o método tradicional, percebe-se que a alfabetizadora ficava sem jeito de falar e os seus familiares acharem que ela agora que estava fazendo faculdade sentia-se superior a eles e queria ser a detentora da verdade.
A alfabetizadora passou a buscar com sua professora da disciplina de Educação de Jovens e Adultos (EJA) como deveria realizar este processo ajudando a senhora a ser alfabetizada. Ao compartilhar sua experiência como professora da EJA proporcionando uma aprendizagem voltada para sua idade de forma contextualizada baseada no Método Paulo Freire.
A forma de ensino utilizada pela alfabetizadora foi de acordo com as idéias de Paulo Freire que consiste nas palavras geradoras que têm sentido para a aluna, tornando a aprendizagem significativa. Uma das maiores dificuldades que percebeu-se neste processo foi que a alfabetizada conseguisse segurar o lápis, pois sua mão estava muito dura e ela expressava que a estava perdendo tempo porque ela não se achava capaz. Então a alfabetizadora em todo tempo foi motivada a não desistir.
Durante as aulas a senhora geralmente ficava conversando sobre sua vida particular com a alfabetizadora e acabava às vezes contando coisas que aconteceram no seu passado familiar e escolar ao ponto de se emocionar com algumas lembranças. Foi muito divertido quando a professora perguntou para ela se em "jabuti" tinha "F" e ela respondeu que sim. Depois quando a alfabetizadora retornou na palavra jabuti "ela pensou um pouco e disse tem Filhote de jabuti tem F".Foi muito engraçado e a professora disse para ela a senhora está muito esperta, está vendo como eu digo que a senhora vai conseguir e riram juntas. Para nós o raciocínio dela foi muito interessante e até surpreendente.
Podemos perceber que como a alfabetizadora tinha um bom relacionamento com a senhora, ela sentia-se bem à vontade e com isso às vezes a aula acabava sendo um momento de desabafo e aconselhamento onde em várias vezes a filha dela dizia "Mamãe não é hora de falar e sim de estudar" e falava para a professora "tem que falar se não vão ficar ai a tarde toda com ela porque a mamãe não para de falar".O relacionamento das duas, alfabetizadora e alfabetizada, era algo como amigas onde a aluna sentia-se à vontade nas aulas. A aula acontecia no período da tarde por causa da visão da alfabetizada que já estava um pouco prejudicada e que no período matutino para a senhora era muito cedo porque ela tomava remédios que causavam muito sono e havia dias que mesmo a tarde a aluna ainda estava com muito sono.
Com isso a alfabetizadora às vezes tinha que mudar a metodologia e ir falando ou perguntando ao invés de tentar escrever ou visualizar através de livros que os próprios netos deram para que ela utilizasse, para aprender a ler escrever conforme o método tradicional.
Teve alguns momentos que foram muito difíceis já que quando a alfabetizadora estava preparada para dar sua aula ao chegar à casa da senhora ela estava reclamando que não tinha conseguido dormir a noite, estava sentido dor no corpo e uma vez relatou que ao tentar arrumar seu quarto subiu num banco de madeira e sua coluna estralou daí a alfabetizadora mandava que ela se deitasse e foi lendo ou fazendo perguntas sobre o conteúdo que seria visto naquele dia.
Foi feito questionários para os alfabetizadores de adultos e uma entrevista informal com a alfabetizada. Nos questionários que foi obtido respostas a maioria dos alfabetizadores têm o Ensino Superior e também estavam atuando na área, todos já atuaram em outras modalidades de ensino. Observamos que em sua maioria, eles participaram ou estão participando de programas de alfabetização de adultos.
Na pergunta em relação o que motivou alfabetizar adultos em boa parte foi à vontade de ajudar as pessoas a sanarem as falta de saber ler e escrever e a troca de experiência entre alfabetizador e alfabetizado. As respostas foram um pouco diferentes, mas tinham o mesmo objetivo de alfabetizar, isso é algo muito bom se cada um fizesse sua parte e compartilhar com o próximo o mundo seria diferente e menos egoísta.
A experiência que mais marcou foi algo relacionado com o aprendizado o aluno, contudo apenas um disse ser o curso de formação para alfabetização e essa pessoa que possui apenas o Ensino Médio, só que isso não é ruim, mas a sua escrita tem vários erros ortográficos. Quem pode ajudar muitas vezes não quer e aquele que possui alguma dificuldade quer. O que fazer?
Na entrevista realizada com a alfabetizada, ela declarou nunca ter freqüentado uma escola antes, pois seus pais a ensinavam em casa com gritos e surras e relatou que sua mãe abandonou a família quando ala ainda era criança. O pai achava que ao aprender ler e escrever ela e as irmãs iriam arrumar namorados e escrever "cartinhas". Ela disse quer estudar, mas pelo fato de trabalhar em casa de família não a deixaram e só saiu para casar aos 19 anos com um homem mais velho que já tinha 13 filhos e era viúvo. Podemos imaginar o quanto essa senhora sofreu por ver seu sonho adiado.
A.R. de 89 anos disse que "quando sua esposa a estava ensinando ela se distraiu e quando ele gritou eu bloqueei as letras já estavam entrando na minha cabeça", depois ficou viúva e foi criar os filhos em outro lugar e trabalhando na roça com o filho mais velho. Ela teve 11 e mais 3 abortos do esposo que morreu quando ela estava grávida da caçula.
Observamos que a alfabetizada ainda não alcançou seu objetivo, pois reconhece as letras, mas ainda não sabe junta-las e já tem o desejo de tirar a carteira de motorista após aprender ler e escrever. Foi muito gratificante esta experiência de alfabetização, contudo não foi concluída.
5 - Considerações Finais - Um sonho no mundo da leitura pode ser realidade amanhã(Criar um título para as Considerações Finais) Francisco
Notamos então que para muitos o que pode ser simples e insignificante é um tesouro valioso e comessa senhora podemos aprender a valorizar as pequenas coisas, porque senão soubéssemos ler e escrever provavelmente estaríamos à margem da sociedade e excluídos sem ter a oportunidade de ter uma vida melhor. Para ela o fato de aprender não vai mudar o seu passado sofrido e cheio de privações, mas de hoje em diante ela poderá tomar suas decisões conscientes e sem estar tão vulnerável e dependente dos outros.
Foi difícil observar este processo, pois muitas vezes os encontros tiveram que ser adiados porquanto sua filha tinha que sair, outra vez a senhora viajou e ficou um mês fora e notamos que a alfabetizadora estava preocupada se a alfabetizada não iria esquecer já que não estava praticando e sendo acompanhada, mas para sua surpresa ao regressar, ela recordava de tudo e demonstrava esse tempo em que passou fora serviu para descansar sua mente para aprender com mais facilidade.
Então tivemos que parar por algum tempo as observações que na realidade contribui para que seu aprendizado desenvolve-se com uma melhor qualidade, foi muito bom quando vimos à alfabetizada começando a reconhecer as letras apesar do tempo que passou longe, podemos perceber a alegria da alfabetizadora ao confirmar que seu trabalho não foi em vão. Infelizmente ela ainda não lê, mas distingue todas as letras e estava estágio de transição em formar as sílabas, e reconhece alguns sons principalmente às vogais sabemos que ao realizar este sonho será algo extraordinário porque já se falou em alfabetização de adultos, mas nada tão voltado para o público feminino isso é uma grande satisfação poder contribuir para a educação do nosso país.
Tivemos algumas dificuldades em relação aos questionários, pois foram entregues 6, recebidos apenas 4 porque um a pessoa que pegou passou 2 semanas e ao procurá-la, ela disse que não sabia onde havia guardado e a outra não conseguiu encontrá-la. Outro fato inesperado é que o casal de alfabetizador que havia pegado os questionários, o marido foi assaltado e os ladrões levaram tudo que ele tinha. Quando foram procurados eles informaram do ocorrido e receberam outros questionários que foram respondidos no dia seguinte.
Apesar dessas dificuldades o trabalho obteve sucesso em relação ao objetivo da pesquisa realizada, mas o Brasil de hoje ainda tem pessoas leigas alfabetizando.
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Autor: Jose Francisco De Sousa
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