Como a possibilidade de conhecermos a verdade absoluta é considerada nas filosofias de René Descartes e de Thomas Kuhn?



Enquanto Descartes estava sob a direção de seus preceptores se questionava sobre a validade, ou veracidade do que até então lhe estava sendo ensinado. Tanto que assim que pôde se desvencilhar dos mesmos, ele deixou completamente o estudo das letras e se pôs a buscar, por si próprio, como ele mesmo afirma, o que poderia ser tido como uma verdade incontestável. Nesse ínterim, sendo acometido por uma revelação, ou iluminação intelectual, Descartes chegou à base de toda sua produção intelectual, a qual seria, segundo ele, o alicerce de uma ciência maravilhosa.

Em sua obra O Discurso do método ele expõe a tese do Cogito, onde a razão é priorizada em detrimento dos sentidos, sendo esta a fonte de todo conhecimento seguro, e que por sua vez poderia ser tida como a verdade absoluta. Com isso, Descarte inaugura a nova ciência moderna, a que prometia responder com absoluta certeza a todos os questionamentos da humanidade.

Pautada em uma reflexão matemática sobre tudo, a tese de Descartes propunha a racionalidade das idéias, principalmente quanto à demonstração das mesmas, conferindo-lhes valor na medida em que pudessem se impor como valores referenciais por sua universalidade, que por sua vez poderiam dar segurança ao se buscar a verdade.

E eu sempre tive um enorme desejo de aprender a diferenciar o verdadeiro do falso, para ver claramente minhas ações e caminhar com segurança nesta vida. (...) e, dessa maneira, pouco a pouco, livrei-me de muitos enganos que ofuscam a nossa razão e nos tornar menos capazes de ouvir a razão. (DESCARTES, P.5)

 

Dessa forma, observamos aqui que a principal ferramenta proposta por Descartes para se chegar à verdade era o princípio da dúvida, engendrada por um processo argumentativo muito bem elaborado, rejeitando tudo o que pudesse gerar qualquer dúvida, fazendo o processo inverso na busca da verdade universal, que poderia sim ser passível de análise por qualquer pessoa. Mesmo porque, tal conhecimento já havia sido previamente testado até a última instância possível, separando o verdadeiro do falso.

Descartes chega a tamanha radicalidade em sua dúvida que chega a se questionar até mesmo quanto a veracidade da matemática, base de sua tese, sobre se realmente haveria algo em que se pudesse acreditar com total certeza.

            Por fim, o filósofo chega à sua maior sentença, Penso, logo existo, verdade que acreditava estar imune a qualquer sombra de dúvida, se bem que é possível se duvidar até mesmo sobre o fato de se estar realmente pensando.

            Nesse caminho de investigação sobre a verdade temos ainda a contribuição de Tomas Kuhn, que ofereceu outra abordagem sobre o assunto. Acreditava ele que o ser humano está inserido em diferentes tipos e níveis de cultura, assim como as comunidades científicas, que por sua especificidade estão intimamente ligadas, cada qual a um paradigma específico, o que compromete definitivamente sua visão sobre o mundo e a realidade encontrada na natureza. De forma que, seus conceitos, fórmulas matemáticas, emoções, metáforas e imagens não passam de uma interpretação particular sobre um fato, impedindo a obtenção de uma verdade definitiva e absoluta sobre qualquer investigação.

            Outro argumento que reforça sua teoria é o fato de que o progresso científico demanda a superação de uma tese sobre outra, configurando uma sucessão de probabilidades que evidenciam o aspecto unidirecional e irreversível da ciência.  Concomitantemente a isso, observa-se que o desenvolvimento científico não se configura em um processo gradual em direção à verdade absoluta, pois não está em correspondência direta com a natureza, mas, como dissemos, são interpretações paradigmáticas e particulares da natureza.

 

O trabalho da ciência normal, comparado à resolução de um quebra-cabeças, é o de articular, limpar, aperfeiçoar, elaborar o paradigma vigente. Tudo é feito para manter o paradigma, que se apresenta nesse momento como inatingível. Se algo errado, não previsto pela teoria, acontece (anomalia), a comunidade científica responsabilizará o cientista ou seu procedimento pelo erro, jamais as teorias ou a metodologia do paradigma. (LIMA, 2010,p.53)

 

            Assim, segundo Kuhn deveria se abandonar a concepção de verdade absoluta, pois esta não passa de uma especulação redundante sobre a verdade. Adotando ao invés dessa uma postura um tanto relativista, dando maior importância a princípios como o de identidade e o de não contradição.

            Em suma, filósofo ressalta que os paradigmas enfraquecem a idéia de verdade absoluta, sendo ela mesma de difícil comparação quando referenciada a eles. Não existe verdade, mas várias verdades, tantas quantas abordagens científicas existirem com seus conceitos próprios, ou seja, os cientistas caminham assim para uma compreensão cada vez maior do que é o mundo em-si-mesmo, mas isso não quer dizer que seja possível se chegar à verdade última sobre ele.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DESCARTES, R.  Discurso do Método, Traduzido por Enrico Corvisieri, Membros do grupo de discussão Acrópolis, Versão Eletrônica.

 

DESCARTES, R.  Discurso do Método, Coleção os Pensadores, Vol. 15, Traduzido dor J. Guinsburg e Bento Prado Junior, Editora Abriu Cultural, 1999.

 

VAZ, Alex  O Racionalismo  Idéias Claras e Distintas; Penso, Logo Existo, Portal Impacto, 2008.

 

KUHN, T.  A Estrutura das Revoluções Científicas  Editora Perspectiva, Tradução Beatriz Viana Boeira e Nelson Boeira, 9ª Edição, São Paulo, 2009.

 

LIMA, J.  GUIA DE ESTUDOS DA FILOSOFIA, Karl Popper e Thomas Kuhn: uma introdução à filosofia da ciência contemporânea (p. 49 a 54), UMESP, São Bernardo do Campo, 2010.


Autor: Paul Dala Rosa


Artigos Relacionados


A Estrutura Das Revoluções Cientificas.

Reneé Descartes E Paul K. Moser: Divergências Conceituais Sobre A Justificação Do Conhecimento.

René Descartes

O Método Cartesiano Na Construção Do Eu Racional

O Pensamento De René Descartes.

Relativismo Epistemológico

Racionalismo Clássico