Estilos parentais e abrigos



O termo abrigo é usado para designar instituições que abrigam crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social, ou em situação de rua. O processo de abrigamento é chamado institucionalização.

            Nos abrigos as crianças e adolescentes são cuidados por funcionários, que assumem a função de monitores ou educadores. Estes são responsáveis por suprir as necessidades básicas dos abrigados, ou seja, devem oferecer condições de alimentação, saúde, educação, higiene, afeto. Um problema é que estes funcionários trabalham em sistema de turno, dificultando o estabelecimento de vínculos e tornando as relações do cuidador com a criança, superficiais.

            A Casa Lar é um sistema de organização de instituições que abrigam crianças em situação de risco pessoal ou social, ou abandono. O objetivo é fornecer o direito às necessidades básicas de saúde, educação, lazer e afeto, através do convívio familiar substituto, ou seja, da família social. A família social é composta por um casal social, ou só pela mãe social, que deve morar na Casa Lar com as crianças.

            A principal diferença entre um abrigo e uma Casa Lar é que a organização desta última visa reproduzir um ambiente familiar, com maior contato afetivo e figuras de afeto constante. Enquanto as Casas Lares abrigam, aproximadamente, de 8 a 10 crianças, com o espaço físico o mais semelhante a uma casa convencional, os abrigos comportam um número bem maior de crianças e adolescentes, que precisam se instalar em dormitórios coletivos e usar banheiros, refeitórios, áreas de lazer, tudo coletivamente.

            Segundo Prada (2002), o cuidado a ser tomado não se refere ao tamanho do abrigo, mas ao seu funcionamento, ou seja, número reduzido de crianças por cuidador, individualização e pouca rotatividade de funcionários para possibilitar a criação de vínculos afetivos. Todas essas medidas seriam importantes para um melhor desenvolvimento das crianças e dos adolescentes abrigados.

            O abrigo deve ser um local provisório para as crianças ficarem, pois se buscam oportunidades para que as crianças voltem para as famílias de origem ou sejam encaminhadas para famílias substitutas. Outro motivo para esse caráter provisório é o preparo da criança para o desligamento da instituição e reinserção na comunidade. Entretanto, estas práticas são difíceis de serem vistas.

                  Ao ler o artigo 92 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990), que fala Das Entidades de Atendimento, percebe-se que alguns dos princípios, que os abrigos deveriam adotar, não estão sendo cumpridos. São estes os princípios: preservação dos vínculos familiares; integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem; atendimento personalizado em pequenos grupos; não desmembramento de grupos de irmãos; evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados.

            Uma característica dos abrigos é que a filosofia interna é manter a ordem e a disciplina. Nos ambientes institucionais a disciplina tem maior probabilidade de acontecer por controle coercitivo. Porém, a disciplina com excesso de coerção prejudica a criatividade e a expressão individualizada da criança.

            O controle disciplinar coercitivo e a massificação das crianças abrigadas geram um prejuízo no desenvolvimento da autonomia destas. Autonomia implica ser estimulado e ter certa independência para realizar determinadas tarefas. Um dos passos para o desenvolvimento da autonomia é a participação das crianças e adolescentes nas decisões e na construção das regras de convivência dos abrigos. Desenvolver a autonomia das crianças abrigadas é importante para que elas possam planejar e realizar uma vida fora da instituição.

            Outra característica dos abrigos é ausência de oportunidades que proporcionem as crianças à percepção acerca de si, de seus comportamentos, sentimentos e emoções, dificultando a formação do autoconceito. Devido ao fato de estar vivendo uma coletividade excessiva, passa a se ver como um eu em grupo, não se deparando com suas próprias necessidades individuais.

            Para se ter um abrigo como previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente é preciso: retratar a individualidade na rotina das crianças dentro do abrigo; as crianças devem participar das atividades ligadas à organização e higiene da casa, desenvolvendo o conceito de cooperação e pertencimento ao espaço; deve-se ter uma individualização de vestuário e objetos pessoais, promovendo a percepção de si, dos gostos e preferências, criando uma identidade para a criança; procurar incentivar a autonomia, promovendo a independência e responsabilidade dos abrigados; levar em consideração as necessidades individuais e o grau de maturidade das crianças e adolescentes; oferecer afeto e estabelecer um vínculo afetivo  entre os educadores e as crianças.

            Em estudos sobre vinculação afetiva e institucionalização, Spitz (1988) afirma que não é suficiente um ambiente com higiene e alimentação satisfatórias se não houver afeto por parte dos cuidadores. Segundo ele, crianças que vivem em instituições estão mais propensas a serem acometidas por quadros infecciosos e outras doenças.

            Para Bowlby (1988), as crianças que estão privadas da relação afetiva com uma figura de apego ficam mais susceptíveis de apresentarem distúrbios orgânicos, depressões, ausência de sentimentos, apatia, falta de controle emocional, isolamento afetivo, dificuldade para estabelecer laços de amizade, dentre outras características.

            Retomando a necessidade  de que o estabelecimento de vínculos promovidos  entre cuidador-criança não devem ser superficiais, ao contrário, deve haver uma relação saudável  entre estes, é que deve estar sendo realizado, um levantamento sobre os estilos parentais desses cuidadores.

            Os cuidadores exercem  um papel temporário , mas importante, na vida dessas crianças, de como se fossem os próprios pais e ao longo do século XX, inúmeros pesquisadores e a própria sociedade procurou desvendar a melhor forma de educar as crianças, ao mesmo tempo, em que havia uma preocupação como o tipo de desenvolvimento que diversas crianças teriam de acordo com os modelos parentais em que estavam subjugadas.

            Os modelos parentais existentes são classificados em: estilo parental negligente, estilo parental autoritativo, estilo parental permissivo e estilo parental autoritário. O estilo negligente refere-se aos modelos parentais nos quais os pais não exercem efetivamente o seu papel social de pai e ao longo do tempo a relação funcional entre pais-filhos  pode diminuir ou até mesmo sofrer extinção.

            O estilo autoritativo refere-se ao modelo parental considerado como o mais adequado à ser utilizado na relação, pois, os pais tentam direcionar o seu relacionamento baseado em diálogos e num comportamento assertivo e empático com seus filhos, não apóiam suas decisões unilateralmente, levam sempre em consideração o desejo dos filhos e deles próprios, procurando sempre um consenso geral.

            O estilo parental permissivo é aquele no qual os pais não são vistos pelos filhos como agentes punitivos ou modeladores de seus comportamentos, mas como pessoas que estão sempre prontas a realizarem seus desejos. Os pais que exercem esse tipo de modelo não exercem o poder da coerção e nem da punição na relação com seus filhos.

            O estilo autoritário, ao contrário do anterior dita, é um modelo parental nos quais os pais exercem um imenso controle sobre os filhos, eles modelam, controlam e avaliam o comportamento de seus filhos baseados em regras prontas e normalmente, de acordo com o pensamento imposto pela sociedade. Os pais com esse tipo de modelo parental utilizam-se do poder da coerção e da punição para lidar com conflitos resultantes da relação funcional entre pais-filhos.

            Portanto os estilos parentais são manifestações dos pais em direção a seus filhos que caracterizam a natureza da interação entre esses (Reppold & cols,2002,p.23). Procura-se investigar, justamente, o tipo de resultado final, que obtêm-se como conseqüência do tipo de relação envolvente entre os cuidadores e as crianças dos abrigos, já que se sabe, segundo, Darling & Steinsberg (1993) que alguns aspectos da relação entre pais-filhos são responsáveis pela constituição de um clima emocional ou favorável ou negativo.

            O tom de voz, a linguagem corpora  e mudança de humor, portanto, dos cuidadores podem afetar a formação e a constituição de um vínculo saudável entre estes e as crianças abrigadas. Por isso, a importância de estar estudando  o tipo de educação que as crianças abrigadas estão recebendo de seus educadores. Segundo Baumrind (1966), o melhor modelo parental é o estilo autoritativo, pois é um modelo nas quais os responsáveis (pais e outros que exercem influências sobre crianças, tais como cuidadores de casas-lares e abrigos) se envolvem na educação, respondendo ás necessidades que a criança tem de atenção, incentivo, auxílio, diálogo e diversão, bem como supervisionar e monitorar os comportamentos ( Weber e cols,2004).

 

 

Referências bibliográficas:

 

Bowlby J. (1988). Cuidados Maternos e Saúde Mental. 2º ed. São Paulo: Martins Fontes.

 

Darling, N. & Steinberg, L.(1993). Parenting style as context: An integrative model. Psychological Bulletin, 113, 487-496.

 

Estatuto da Criança e do Adolescente  Lei Federal nº 8069, 13/07/1990.

 

Prada, C. G. (2002). A família, o abrigo e o futuro: Análise de relatos de crianças que vivem em instituições. Dissertação de Mestrado não publicada, Curso de Pós-Graduação em Psicologia da Infância e da Adolescência, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, PR.

 

Reppold, C.T., Pacheco, J., Bardagi, M. & Hultz, C.S. (2002). Prevenção de problemas de comportamento e desenvolvimento de competências psicossociais em crianças e adolescentes: Uma análise das práticas educativas e dos estilos parentais. Em  C.S. Hutz (Org.), Situações de risco e vulnerabilidade na infância e adolescência: Aspectos teóricos e estratégias de intervenção.(pp.9-51). São Paulo: Casa do Psicólogo.

 

Spitz, R.A. (1988). O primeiro ano de vida: um estudo psicanalítico do desenvolvimento normal e anormal das relações objetais. 5º ed. São Paulo: Martins Fontes.

 

Weber, L.N.D., Prado, P.M., Viezzer, A.P. et al. Identificação de estilos parentais: o ponto de vista dos pais e dos filhos. Psicol. Refl. Crit., 2004, vol 17.no.03, pp.323-331


Autor: Cíntia Vilani


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