Maquiavel e sua Herança




Thâmara Karoline Correia[1]
Resumo:
O mundo feudal do séc XIV entra em colapso e uma nova ideologia de Estado é proposta a sociedade como uma "saída de emergência" para os problemas políticos e econômicos que vieram á tona.Surge a concepção do Estado Moderno.O absolutismo, a centralização do poder, a soberania de um único homem, e principalmente a o impactante separação entre o Estado e a Igreja, são conceitos elaborados por um filosofo italiano chamado Nicolau Maquiavel.Os conceitos referidos baseiam suas ideologias, que conseguiram ultrapassar séculos e tornaram-se praticas na vida política do mundo moderno.
Palavras chave: Concepções, desligamento, política, ideologias, atualidade.

1. Introdução
Esse trabalho prioriza o conhecimento profundo sobre as idéias de Maquiavel e um possível entendimento de suas ideologias aplicadas ao mundo atual.A pesquisa também enfatiza a busca de fontes para o entendimento de um contexto histórico/contemporâneo relacionado com o tema proposto.
Perceber qual a herança dos pensamentos do autor para um Estado no séc XXI, o que o diferenciou dos demais pensadores de sua época, o porque da sua busca por inovações políticas.

2. Esboço Histórico
A época cultural em que nascem os anseios políticos e novas ideologias de Maquiavel, está situada em um conceito histórico de importância relevante para entendermos o cerne das idéias do autor.
Antes da idéia do Estado Moderno vir á tona, o mundo estava engajado em um sistema feudal da idade média.O sistema partilhava o poder político entre diversos senhores feudais.Portanto não havia um poder centralizador; absoluto.
Contudo, emerge das cidades medievais, um núcleo fortificado denominado burgo, nascem os burgueses; um grupo basicamente constituído de artesões e comerciantes.Com o aumento e o progresso do comercio, os burgueses começam a criar forças, e se torna livre dos laços feudais.A partir desse marco, uma serie de fatores[2] influenciou a crise no sistema, e os burgueses e camponeses se uniram contra a exploração da nobreza feudal - que decaiu em uma notável crise econômica e política.
Surge a partir desse evento, a necessidade de haver um fortalecimento na autoridade de apenas um soberano, um indivíduo que detivesse o poder consigo de maneira absoluta, cria-se o Estado Moderno.
O Estado Moderno baseou suas ideologias em oposição a duas ideologias embalsamadas na idade Média: o regionalismo político e o universalismo religioso[3].No entanto, o soberano tinha o poder de fazer valer única e exclusivamente a sua vontade perante os seus súditos.Além do mais, o Estado moderno desenvolveu uma serie de fatores que antes não existiam, para afirmar e garantir o poder político absoluto: burocracia administrativa; força militar; leis e justiça unificadas;
sistema tributário; idioma nacional.
Essa consolidação do Estado Moderno (XVI a XVIII), ficou conhecida como Absolutismo Monárquico, e nessa época muitos pensadores formularam teses para tentar explicar a teoria do Estado Absolutista, dentre eles, o venerável Nicolau Maquiavel.







3. Ideologia de Nicolau Maquiavel


Nicolau Maquiavel (1469-1527), diplomata italiano "é considerado o percussor da teoria política do Estado Moderno" COTRIM, Gilberto; O pensador pregou a formação de um Estado forte, soberano e dotado de poder absoluto, pois acreditava que o poder deveria estar centralizado e não difundido.Afirmou também a autonomia do Estado em relação à igreja; dizia que o primeiro não deveria sucumbir aos ditames estabelecidos pela segunda, os laços políticos e econômicos deveriam ser cortados.Porém, Maquiavel não deixou de enfatizar o importante papel da religião na sociedade republicana no que diz respeito à educação: "Não pode haver maior indício da ruína de uma província do que o desprezo pelo culto divino" (Discorsi, I, 12: 95).
O pensador, por sua vez, estabelece o Estado como sendo algo que gerencia os problemas e não os resolve; mostra a utopia do ideal e revela a realidade vivida na época:

"Como é meu intento escrever sobre coisa útil para os que se interessarem, pareceu-me mais conveniente procurar a verdade efetiva das coisas, do que pelo que delas se possa imaginar (...)".

"Muitos imaginaram repúblicas e principados que nunca foram vistos nem conhecidos realmente".
NICOLAU, Maquiavel.
A veracidade dos fatos, o conceito de estado e política secularizados, a maneira como deveria agir um governante explicita em uma de suas mais famosa obra O Príncipe[4], era evidenciada em suas teses, e isso muitas das vezes chocavam os indivíduos que advinham de um pensamento totalmente diferente do que lhes é apresentado por Maquiavel.Até então prevalecia a idéia de que "O homem buscava a vida em sociedade, o bem viver como algo natural" [5] ·, todavia, em contrapartida o pensador afirma que "os homens tendem (...) à divisão e à desunião".
Para ele, o conflito que existe entre os homens é o que fundamenta a ação política, e assim como Estado e política ligam-se, sem poder desvincula-los.

"Tudo é capaz de unir os homens e de subtraí-los ao temor que eles se inspiram mutuamente é, portanto, um bem; a política é sua prática, pois se trata de uma arte cujo objetivo é garantir 'para sempre a tranqüilidade do Estado e a felicidade das pessoas".(SPITZ, 2003, p126)
Mas por serem ligados, isso não significa que sejam a mesma coisa.Estado é um conjunto de regras e instituições que consegue gerenciar conflitos e manter a ordem na sociedade por tempo indeterminado.

"Estado é um poder político que se exerce sobre um território e um conjunto demográfico (isto é, população ou um povo); e o Estado é a maior organização política que a humanidade conhece".GRUPPI, Luciano (Tudo começou com Maquiavel, p7).
Já a política é "a arte de governar os povos", Aristóteles.Um instrumento do Estado para tornar possível um governo que faça referencia a ordem e ao progresso na pratica.
Entretanto, dentre todos os conceitos evidenciados, um dos que mais merece destaque é o corte das relações políticas e econômicas do Estado e da Igreja, pois sua repercussão na atualidade faz continuarem vivas as ideologias de um autor do séc XV.




Para Maquiavel a igreja pode ser um valioso instrumento se usado com cautela;

"Os Príncipes e as Republicas que querem impedir a corrupção do estado devem, sobretudo, manter sem alterações os ritos religiosos e o respeito que os Inspiram", livro primeiro dos Discursos.
Porém, segundo ele, a excessiva participação dessa instituição nos assuntos que dizem respeito ao Estado, traz corrupção da sociedade, a divisão política e a descentralização do poder.

"(...) A religião decaiu muito. Temos a prova mais marcante dessa decadência no fato de que os povos mais próximos da Igreja Romana, a capital de nossa região, são justamente os menos religiosos. Se examinássemos o espírito primitivo da religião, observando como a pratica atual dela se afasta, concluiríamos, sem duvidas, que chegamos ao momento de sua ruína e do seu castigo" MAQUIAVEL, 2000a, p 62."

"Parece que este modo de viver tornou o mundo fraco, deixando-o entregue aos celerados, que se sentem à vontade para manipulá-lo, vendo que os homens - para alcançarem o paraíso - estão mais dispostos a suportar os seus golpes do que se vingarem deles" (1992 - Discorsi, II, 2: 149-150)

È por isso que o filósofo se opõe à participação nas decisões a serem tomadas pelo Estado






4.Relação autor X atualidade
Nesse mundo contemporâneo não se pode citar a Igreja como autônoma, e nem ligada -entrelaçada diretamente com o Estado; em questões políticas.A única coisa que os liga é na questão moral e de proteção divina:

"Preâmbulo:Nós os representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade (...), promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL."


Porém, isso nada faz menção ao capital ou a maneira política da Nação.
A tese da "Separação de Igreja e Estado" [6], teve Maquiavel como seu precursor. Confere-se ai uma doutrina de Lacismo[7] que trouxe grande repercussão na maneira como é situada a política moderna principalmente no ocidente.
Para deixar claro que a tese de Maquiavel continua viva nos dias atuais, eis algumas notas que tratam de assuntos vistos de forma contraditória entre Estado e Igreja, no que diz respeitos a ditames estabelecidos pelos poderes estatais, e que primeiro (estado) exerce força maior de consentimento:

"Vejamos agora a encíclica do Papa Paulo VI, Humanae Vitae (HV), publicada em 1968. Nela o Papa escreve que todo ato conjugal deve permanecer aberto à transmissão da vida" (HV 11). Aqui o Papa ensina que o aborto está total e absolutamente excluído como método de controle da natalidade, assim como também a esterilização e todo tipo de anticoncepcionais e usos antinaturais do ato conjugal.
(...) Igualmente fica excluída toda ação que torne impossível a procriação quer seja antes do ato conjugal, durante o ato ou no desenvolvimento de suas conseqüências naturais, Papa Paulo VI, (HV 14)." [8]
Segundo ditames da Igreja Católica, os métodos de anticoncepcionais são vistos como fora dos regimentos instituídos pela mesma, porém em nada afeta a comercialização licita -segundo os regimentos do Estado - de tais medicamentos.
E as noticias decorrentes nos meio de comunicação, apontam cidadão com concepções religiosas, a favor de atos Estatais e contra aos discernimentos religiosos.

"Em fevereiro de 2005, uma pesquisa do Ibope revelou que 85% dos católicos defendem que as decisões do Legislativo e do Judiciário devem ser baseadas na diversidade de opiniões, e não em idéias religiosas. O mesmo levantamento mostrou que 93% dos católicos acham que o serviço de saúde deve atender às mulheres que têm problemas acarretados por aborto. 97% defendem que o governo promova o uso de preservativos para combater a Aids e 86% são favoráveis ao uso de contraceptivos". [9]
Nas grandes potencias, como os E.U.A, a idéia de separação também é evidenciada pela mídia:

"Uma 'pequena' maioria dos norte-americanos, incluindo mais conservadores e republicanos do que antes, apóia a separação entre religião e política, segundo pesquisa divulgada na quinta-feira. O levantamento surge num momento em que o democrata Barack Obama e o republicano John McCain disputam ativamente o eleitorado religioso para a eleição presidencial de 4 de novembro" [10]
E, por sua vez, no Brasil, a questão do corte de laços políticos também ganha espaço no ordenamento jurídico:

"No Brasil, a separação entre a Igreja e o Estado foi efetivada em 7 de janeiro de 1.890, pelo Decreto nº 119-A, e constitucionalmente consagrada desde a Constituição de 1.891. Até 1.890, o catolicismo era a religião oficial do Estado e as demais religiões eram proibidas, em decorrência da norma do art. 5o da Constituição de 1.824. O catolicismo era subvencionado pelo Estado e gozava de enormes privilégios.."[11]
Fica explicita de maneira clara e objetiva, que os regulamentos da Igreja hoje não influenciam -em geral- a maneira do pensamento político moderno, tampouco interferem nos procedimentos e fazem valer as suas ideologias; ela não prevalece sobre o poder estatal.





5. Considerações Finais


Acredita-se que fica evidente a contribuição da teoria do rompimento das relações políticas entre a Igreja e o Estado;
portanto, a essa teoria que se faz forte e presente na atualidade, deve-se todo prestigio ao ilustre filosofo francês Nicolau Maquiavel, que mesmo criticado por muitos na sua época e em tempos atuais, redigiu suas idéias que repercutiram na sociedade humana e atravessaram séculos até chegar um mundo moderno.Suas concepções são de grande valia e de grande relevância no pensamento político atual.







6. Referências Bibliográficas


GRUPPI,Luciano,Tudo começou com Maquiavel
COTRIM,Gilberto, História para o ensino médio - Brasil e Geral
FERREIRA,João Vicente, A política em Maquiavel - Filosofia ensino médio


Endereços de pesquisa online:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2320
http://g1.globo.com
http://br.geocities.com/discursus/moderna/1debate.html
http://www.scribd.com/doc/6832149/Maquiavel



[1] Acadêmica do 1ª Período do curso de Direito - Faculdades Guarapuava

[2] No final do séc XIII, as terras para boa produção tornaram-se raras, o que ocasionou uma crise econômica baseada na queda da produtividade.Quanto á questão da crise política, pode-se inserir a diversidade de lutas da cristandade, porém desencadeou-se uma luta entre os próprios cristãos.Diversas cidades foram saqueadas e devastadas.A desordem, nas cidades e nos meios de produção ocasionou uma crise no abastecimento de alimentos, e também no comercio da Europa Ocidental.

[3] "Por parte da igreja Católica, que impunha a autoridade do papa sobre os diversos reinos da cristandade Européia ocidental".COTRIM, Gilberto.

[4] Obra clássica de Nicolau Maquiavel.Mais conhecido como um manual de intrusões para governantes.Nela estava contida a maneira exata como deveria se portar um Príncipe em relação aos seus súditos para alcançar o tão almejado prestigio.Até os dias de hoje, a obra é vista como livro de cabeçalho para muitos que atuam nos meios políticos da sociedade.

[5] Pensamento proferido por Aristóteles e os pesadores greco-cristãos

[6] Frase que foi dita anos depois de Maquiavel em uma carta de Thomas Jefferson redigida aos Batistas Danbury, e tal documento referia -se á Primeira Emenda da Constituição Federal dos EUA.

[7] Uma doutrina filosófica que defende e promove a separação do Estado das igrejas e comunidades religiosas, assim como a neutralidade do Estado em matéria religiosa. Não deve ser confundida com o ateísmo de Estado.

[8] Por Padre Matthew Habiger OSB, Ph.D.
Site O Catolico

[9] Nota divulgada em endereço online do Instituto Terramar

[10] Noticia divulgada em endereço online www.yahoo.com.br

[11] Por Fernando Machado da Silva Limaadvogado, corretor de imóveis, jornalista, professor de Direito Constitucional da UNAMA, assessor de procurador no Ministério Público do Estado do Pará.
Autor: Thâmara Correia


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