Azarado Nem Um Pouquinho



Bentão arranjou namorada. Meio passada da idade, mas dava ainda para uma boa meia sola. Um dia resolve conhecer a família da bichinha. Arreia seu melhor cavalo, calça bota e espora, põe o 38 na cintura e se manda estrada a fora. Três léguas. Chega já com o sol baixo, a tempo de assistir ao futuro sogro tirar o leitinho da tarde das últimas vaquinhas magrelas.

Bentão conheceu o povo e, meio sem graça, fica por ali olhando uma coisa ou outra e até capiscando de trivela as belas pernas da cunhada. Sem assunto e sem o que fazer, resolve que tem que ir embora. É muito longe, pode chover, mãe vai ficar preocupada, tem compromisso amanhã cedo e outros babados de desculpa. O sogro e a sogra não concordam. Não querem perder um genro com tanta facilidade.

- Não senhor! Sem jantá ocê num vai!...

Envergonhado e a contragosto, mesmo com fome, aceita o convite. A sogra prepara, aliás, já vinha preparando um senhor jantar. Põe à mesa, além da toalha de crochê mais chique que tinha, umas louças das mais bonitas acompanhadas de muita faca, muita colher e garfo de montão. Apetrechos com os quais Bentão não tinha muita intimidade. Ao ir pra mesa, ele nem sabia onde botar as mãos, de tão sem jeito. Mas assim que o sogro começa com seus papos de vacas e bois e cavalos e roça e pescarias e diabo a quatro, o Bentão fica mais animado e chega até a dar um bom desfalque no comestível. Bom mesmo Bentão achou aqueles catocos de suã. Nunca os comeera tão gostosos. Pena que tinham mais osso que carne. E aquele miolinho!... Ah! Aquele miolinho!... Bentão não resistiu. Num instante em que ninguém olhava, resolve enfiar o dedo mínimo no buraco do osso para retirar o tutano, coisa de que ele gostava demais da conta, desde menino. Só que o dedo engastaiou no buraco do osso. Antes que alguém visse sua situação melindrosa, ele enfia a mão debaixo da mesa, esperando melhor oportunidade e continua a corresponder ao prosório usando uma só mão para comilança e bebelança.

Foi aí que apareceu o leão, cachorro grandão e muito chegado num osso de suã. O danado do bicho foi logo se enfiando debaixo da mesa antes que Bentão o visse e tomasse algum providenciamento. Leão, sem nem pensar muito, abocanha aquele osso disponível entre as pernas do visitante e se propõe a sair correndo. Só que o dedo do Bentão tava ainda no meio do osso, bem preso, já meio inchado. O baque foi tão grande que o moço foi sendo puxado na marra. E aí sua espora garrou na toalha de crochê e ele foi arrastando tudo, derrubando pratos de louça com todos os acompanhamentos. Sogro, sogra e filhas assistem embasbacados à saída repentina do pretendente. Leão quase come junto com o osso um pedaço do dedo do rapaz.

Você pensa que terminaram as desgraças do Bentão? Escuta só. Com mais vergonha ainda e puto da vida ante tamanha desfeita, resolve ir embora sem se despedir de ninguém. Mas, assim que vai montar no cavalo, com pressa e sem nenhum cuidado, o revólver se prende em não sei o quê e escapa um tiro dos mais potentes. Cavalo se assusta tanto que sai em desabalada correria deixando Bentão caído de quatro no meio da fedentina de estrume e urina das vacas. Todo melecado. O homem não teve outra solução. Saiu correndo atrás do cavalo, cuspindo fogo pelas ventas e nunca mais botou os pés por aquelas bandas.

Autor: Eurico de Andrade


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