O PROFESSOR REFLEXIVO E SUA MEDIAÇÃO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA: FORMANDO SUJEITOS CRÍTICOS



O PROFESSOR REFLEXIVO E SUA MEDIAÇÃO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA: FORMANDO SUJEITOS CRÍTICOS

Rogério Ferreira Leite

Rosicleia Giunchetti Pelucio

Este trabalho contém as premissas básicas para que o educador atinja plenamente o objetivo de proporcionar aos seus alunos uma formação adequada às exigências do século XXI. Analisa a postura que deve ser observada desde o início da sua formação, passando pela necessidade de sua constante atualização até o desenvolvimento do seu trabalho no coletivo da escola. A busca de uma forma bastante prática de traduzir esse percurso culminou com a apresentação de um trabalho rico em considerações de autores que acreditam na pessoa do professor reflexivo como elemento de ligação entre o aluno e o conhecimento, enxergam a possibilidade de transformar a escola a partir da conscientização de seus membros e também a necessidade de proporcionar ao aluno as condições indispensáveis ao seu desenvolvimento e à sua inclusão no mundo que nos foi legado pelo processo de globalização: mundo da tecnologia, da informação e do conhecimento.

INTRODUÇÃO

Quando falamos em escola, a primeira coisa que nos vem à lembrança é a figura do professor, pois cada um de nós traz em si mesmo a recordação daquela pessoa que, no decorrer da nossa vida, nos deixou na memória a sua imagem. Alguns podem trazê-la um pouco negativa por haver encontrado um professor mais intransigente ou autoritário, mas se buscarmos no decorrer de toda nossa vida escolar ou acadêmica, certamente encontraremos também aqueles que nos marcaram pela sua bondade, pela sua compreensão, por seu amor à educação.

Quando falamos do professor, nossa mente divaga e nos conduz a todos aqueles que já passaram pela nossa vida ou de quem já ouvimos falar e nos convida a fazermos uma análise sobre a forma de cada um ensinar, seus métodos, sua didática, suas manias e sua maneira de avaliar, pois sempre nos assombraram as provas e as sabatinas, a forma de se estabelecer as notas e os conceitos que determinariam a aprovação ou a reprovação.

Hoje, o conceito de professor mudou muito, ele já é visto sob um prisma diferente, é visto como educador, não mais aquele que detém a informação, mas o elemento capaz, que auxilia o aluno na construção do conhecimento. O educador é o professor reflexivo, aquele que busca seu constante aperfeiçoamento e preocupa-se com a própria formação de forma contínua, para que possa contribuir com seus alunos na descoberta de conhecimentos que os habilitem a ser autônomos e críticos. Com isso sua responsabilidade se torna maior, pois as grandes facilidades oferecidas pela tecnologia nos apresentam alunos detentores de informações atualizadas, o que nem sempre é possível ao professor, pois suas atribuições muitas vezes o impossibilitam de acessar os canais de informação disponíveis.

Apesar da disponibilidade de acesso às informações, está afeta ao professor a preparação de seus alunos para enfrentarem as mudanças que ocorrem no mundo globalizado, principalmente neste início de século, quando vislumbramos avanços extraordinários em todas as áreas, o que exige do homem sua evolução no mesmo ritmo para que possa buscar sua autonomia num espaço competitivo, onde a tônica está centrada no conhecimento e na capacidade de acompanhar as mudanças.

Como estudantes de Pedagogia, sentimo-nos provocados por essa realidade, pois nos incomodava pensar que nossos professores são preparados na Universidade e quando chegam às escolas encontram uma situação bastante diversa, com muitos alunos desmotivados e um sistema de ensino que não conta com os recursos necessários para oferecer aos estudantes todo o aparato indispensável à sua formação. Na medida em que nos instigava essa inquietação, passamos a crer na existência de uma saída que permitisse ao professor desempenhar sua função, apesar de tantos reveses. Isso nos levantou uma questão: em que medida o professor reflexivo contribui, com sua mediação, na formação de educandos preparados para os desafios do século XXI?

Iniciamos então as pesquisas bibliográficas na busca de respostas para nossas inquietações. Reunimos uma bibliografia bastante extensa e procuramos identificar os autores, cujas teorias nos satisfaziam, e selecionamos António Nóvoa, Edgar Morin, Isabel Alarcão, Moacir Gadotti, Paulo Freire, Philippe Perrenoud, Selma Garrido Pimenta e outros. Na leitura de suas obras e na ânsia de entender o conceito de professor reflexivo, chegamos ao pensamento de Donald Schön e suas noções fundamentais. Quando ele nos fala de conhecimento na ação, reflexão na ação, reflexão sobre a ação e reflexão sobre a reflexão na ação, sintetiza que a reflexibilidade é uma competência que vai proporcionar ao educador as condições exigidas para analisar, entender e aperfeiçoar seu conhecimento, contribuindo para a formação integral de seus alunos.

Estruturamos nosso trabalho a partir das definições que nos auxiliariam na construção de um caminho e, à medida que por ele nos aventuramos, fomos percebendo que as bifurcações nos conduziam por um intrincado processo que, partindo da simples definição de educação e reflexão, passava pelo desenvolvimento do professor como educador, sua prática pedagógica e sua atuação, desembocando na escola, ambiente do saber e do conhecimento, por excelência.

Percebemos, então, que ao professor não é permitido construir nada sozinho. Ele depende da escola com sua complexidade, seus antagonismos e suas contradições, para crescer.

E o crescimento do professor começa muito mais cedo. Se o professor, durante sua formação acadêmica, desenvolve o hábito de refletir sobre a própria formação, não só aquela adquirida em sala de aula, mas sua formação cotidiana, aprendida de suas pesquisas, leituras, discussões e participação em eventos e seminários sobre educação, estará formando um cabedal que irá carregar por toda a vida e que será aprimorado a cada dia, constituindo-se no diferencial exigido para que seja, de fato, um educador, um professor reflexivo.

E esse professor reflexivo traz em si a satisfação de formar e mudar, e isso não só com relação aos seus educandos, mas também referindo-se à sua própria pessoa, como ser humano que detém o conhecimento, denominado por Edgar Morin, "conhecimento pertinente", e que é capaz de multiplicá-lo através de uma relação de troca com seus pares e, principalmente, com seus alunos.

Essa relação de troca é facilitada no ambiente da escola. A diversidade ali encontrada contribui para criar, como já vimos, complexidade, antagonismos e contradições, fatores que provocam conflitos, que geram mudanças, que determinam a evolução. É nesse ambiente também que se convive com a informação e com o conhecimento e onde se pode desenvolver a alteridade. O aluno precisa enxergar nesse ambiente a oportunidade de crescer e aprender e é exatamente o professor reflexivo que vai despertar nele a curiosidade para esse fato, fazendo-o encontrar aí um convívio prazeroso e gratificante.

O professor e a escola precisam transmitir aos alunos o verdadeiro sentido do trabalho em equipe, porque um não sobrevive sem o outro e ambos não sobrevivem sem o aluno. O professor e a escola precisam ser parceiros, porque fazem parte de uma mesma comunidade na qual o aluno é o principal protagonista. A escola precisa ser reflexiva, crescer, ser ambiente propício e lugar de construção do conhecimento; o professor tem que ter sempre em mente que a escola se faz de pessoas e quando falamos em escola, a primeira coisa que nos vem à lembrança é a figura do professor, pois cada um de nós traz em si mesmo a recordação daquela pessoa que, no decorrer da nossa vida, nos deixou na memória a sua imagem...


1 REFLEXÃO E EDUCAÇÃO

O primeiro objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que outras gerações fizeram - pessoas criativas, inventivas e descobridoras.

O segundo objetivo da educação é formar mentes que possam ser críticas, possam verificar e não aceitar tudo o que lhes é oferecido. O maior perigo, hoje, é dos "slogans", opiniões coletivas, tendências de pensamento "ready-made". Temos que estar aptos a resistir, [...] a criticar, a distinguir o que está demonstrado e o que não está.

Portanto, precisamos de discípulos ativos, que aprendam cedo a encontrar as coisas por si mesmos, em parte por sua atividade espontânea e, em parte, pelo material que preparamos para eles.

 

(Jean Piaget)

1.1 O PROFESSOR REFLEXIVO

Para falar do professor reflexivo, precisamos entender que a introspecção é a única forma de proporcionar, a cada um, as condições necessárias à análise do seu próprio grau de amadurecimento e de comprometimento. Trata-se de um processo individual, único, que não se aprende na escola. Por isso, nossas Universidades buscam despertar nos alunos uma consciência crítica, analítica e reflexiva para que, depois de formados, sejam capazes de difundir, como profissionais, essa prática e estabelecer uma outra época para as novas gerações.

Reflexibilidade é uma arte que deve estar incutida no ser humano e, independente de seu querer, fazer parte da sua responsabilidade como cidadão que quer transformar o mundo. Sabemos que a educação não é o instrumento que irá modificar as coisas e proporcionar um novo modelo de mundo. É tão-somente, um recurso próprio para forjar indivíduos capazes, prontos a decidir e optar por uma nova concepção de sociedade.

Na epígrafe, Jean Piaget nos leva a parar e refletir sobre a responsabilidade do educador na preparação do material para o aprendizado do aluno. Porém, quando se fala em material, quase nunca se imagina que a preparação do próprio educador é uma prática inerente a esse conceito, pois a ele está afeta a responsabilidade de formar. E isso corresponde a proporcionar ao indivíduo a capacidade de distinguir entre o que lhe é posto à frente e aquilo que, de fato, lhe interessa.

1.2 O PENSAMENTO DE DONALD SCHÖN

Alarcão (1996), quando nos fala da "Reflexão crítica sobre o pensamento de D. Schön e os programas de formação de professores", enfatiza ser no agir profissional que Donald A. Schön, professor de Estudos Urbanos e de Educação no Massachusetts Institute of Technology, nos Estados Unidos da América, faz surgir aquilo que denominou como noções fundamentais: conhecimento na ação (knowing-in-action), reflexão na ação (reflection-in-action), reflexão sobre a ação (reflection-on-action) e reflexão sobre a reflexão na ação (reflection on reflection-in-action), noções que nos fazem olhar através de um novo prisma a competência do professor e que ela assim define:

Esta competência, que lhes permite agir no indeterminado, assenta num conhecimento tácito que nem sempre são capazes de descrever, mas que está presente na sua actuação mesmo que não tenha sido pensado previamente, é um conhecimento que é inerente e simultâneo às suas acções e completa o conhecimento que lhes vem das ciências e das técnicas que também dominam. Esta competência, em si mesma, é criativa porque traz consigo o desenvolvimento de novas formas de visualizar competências que já possuem e traduz-se na aquisição de novos saberes (p. 16).

O conhecimento na ação traduz aquele conhecimento que qualquer profissional traz em si e que, se perguntarmos a ele, não saberá descrevê-lo e, no entanto, o faz tacitamente por ser sua própria inteligência demonstrada na execução de sua ação. É algo espontâneo.

Quem realiza algo deve fazê-lo com a propriedade que o conhecimento detido sobre o assunto lhe proporciona, e é aí que identificamos a competência do autor. Quanto maior seu conhecimento, melhor será seu desempenho e, em conseqüência, os resultados alcançados estarão muito mais próximos do grau de excelência esperado. Nessa condição, nada mais é necessário além da realização do trabalho que por si só traduz toda a mestria do executor.

No momento em que há uma manifestação verbal, isso é resultado de uma reflexão. A partir daí, vamos nos deparar com duas outras noções fundamentais: a reflexão na ação que acontece quando existe uma verbalização simultânea à ação, ou seja, enquanto a ação ocorre há também uma conversação; e a reflexão sobre a ação que consiste em, primeiramente, reconstruir a ação mentalmente para em seguida refletir sobre ela e manifestar isso oralmente.

Executar a ação e de modo concomitante referir-se a ela ou, após havê-la executado, reconstruí-la para comentar sobre ela, são procedimentos que exigem uma capacidade de análise que vai além do conhecimento na ação, pelo simples fato de demandar o executar e o verbalizar, conduzindo o educador a gerar, a partir da própria ação, novas ações, criando uma seqüência de procedimentos que culminarão na próxima noção fundamental: a reflexão sobre a reflexão na ação, momento que ultrapassa os dois anteriores por se tratar de um processo que conduz à progressão do desenvolvimento e que contribui para a construção de novos conhecimentos, pois determina novas ações, auxilia a entender problemas futuros, leva a descobrir novas soluções e também a refletir sobre aquilo que foi verbalizado no momento da ação.

1.3 REFORMA E CRISE

Vivendo, na atualidade, mais um dos processos cíclicos de reforma educativa, tendo consciência das inadequações da Educação, onde a culpa é, muitas vezes, atribuída às escolas e aos professores, encontramos alguns legisladores que iniciaram um processo de controle regulador das escolas, procurando legislar sobre o que deve ser ensinado, quando e por quem; testar o que foi aprendido e arbitrar se os professores são competentes para ensinar. Essa situação acaba se transformando em um jogo entre as escolas (que são impelidas a realizar as mesmas atividades) e as autoridades (centrais e regionais) que tentam controlar o comportamento das escolas: uma clara atitude para conservar o direito de decidir.

Isso gera questões sobre as competências necessárias ao educando para se desenvolver, adquirir conhecimentos, saber fazer, e ao professor, para, com habilidade, desempenhar o seu trabalho. Essa crise conduz a um conflito entre o saber escolar e a reflexão na ação dos professores e dos alunos. As ações desenvolvidas pelo governo nas reformas educacionais sempre apresentam um sentido de educar escolas e alunos, constituindo-se de um programa básico que é imposto de forma indiscriminada tanto ao centro quanto à periferia, sem chance de qualquer revisão.

As reformas educativas constituem-se em oportunidade ímpar para reexaminar questões desse naipe, instrumento importante para uma reanálise dos procedimentos e a busca de um ponto de equilíbrio que permita estabelecer uma relação entre aquilo que ocorre na educação e os acontecimentos em outras áreas profissionais, assim definida por Donald A. Schön: "uma crise de confiança no conhecimento profissional, que desperta a busca de uma nova epistemologia na prática profissional" (apud NÓVOA, 1992).

1.4 A REFLEXÃO

Alarcão (1996) questiona se é ou não o tempo de se ser reflexivo e também induz a refletir quando define o homem atual, um homem inquieto e questionador; um homem que anseia ser capaz de dirigir os próprios destinos e os do mundo: atitudes próprias de reconquista da liberdade. Um homem que, de certo modo, quer reaprender a pensar. John Dewey (1933, apud ALARCÃO, 1996) traduziu reflexão como uma forma especializada de pensar, uma perscrutação ativa, voluntária, persistente e rigorosa daquilo em que se julga acreditar ou daquilo que habitualmente se pratica, algo que evidencia os motivos que justificam as nossas ações ou convicções e ilumina as conseqüências a que elas conduzem. Podemos aí vislumbrar a distinção entre o que é característico daquilo que se faz por fazer e o que é pensado, estruturado, refletido, na busca de um propósito racional.

Quando falamos em ser reflexivo, nunca podemos nos esquecer tratar-se de um trabalho no qual a busca dos sentimentos de verdade, de atitude, de justiça, está intimamente ligada à descoberta da autonomia do aluno, proporcionando-lhe identificar-se como sujeito, com direito a vez e a voz, o que nos leva a concluir que não só ao professor cabe ser reflexivo, mas também aos alunos. E essa é uma tarefa do professor, que deve almejar sempre fazer da sua prática um espaço permanente de reflexão através de um papel ativo na educação, não uma mera repetição de normas.

Se o professor entrevê em seus educandos o conhecimento tácito, ou seja, aquilo que é espontâneo, intuitivo, experimental, que revela o seu conhecimento adquirido no cotidiano; depois, familiarizado com esse tipo de saber, presta atenção no aluno, é curioso a seu respeito, ouve-o, irá surpreender-se com ele. Agirá como um detetive que investiga para descobrir as razões e trabalha com os resultados para atingir um fim determinado. É assim o ensino baseado na reflexão-na-ação, que tem a capacidade de individualizar. Esse processo apresenta a vantagem de poder ser desenvolvido em vários momentos dentro da prática de ensino. Agindo dessa forma, o professor se reserva a oportunidade de surpreender-se com as atitudes do aluno e, a partir daí, deve refletir sobre isso, compreender a razão de haver-se surpreendido, reformular o problema suscitado, adquirindo uma nova experiência que lhe vai permitir testar uma nova hipótese sobre o modo de pensar do aluno.

Essas considerações visam a contribuir com a construção da reflexividade, usada na filosofia contemporânea como sinônimo de consciência. A reflexão é um processo e é através dele que o indivíduo considera suas próprias ações. Assim, à medida que volta para si e examina a natureza da sua própria atividade, esse indivíduo estará construindo uma consciência crítica, ou seja, examinando sua própria constituição, seus próprios pressupostos. Essa imersão do homem na sua experiência o coloca diante de seu mundo, um mundo formado por seus valores, significados e representações, gerando a oportunidade de adquirir um conhecimento crítico de sua ação docente e proporcionando reconstruir essa ação, suas escolhas cotidianas e até mesmo reconstruir-se como pessoa, como identidade. O fato de refletir sobre a própria ação, traz ao profissional chance de confrontar-se com seu modo de pensar; com suas concepções de vida, mundo e educação; com seus desafios, medos e defesas; com suas escolhas e respectivas razões. Um processo que vai auxiliá-lo a liberar-se das amarras de sua subjetividade e analisar sua carga emocional estabelecendo compromissos com a mudança.

1.5 A EDUCAÇÃO

Não é possível fazer uma reflexão sobre o que é a educação

sem refletir sobre o próprio homem.

(Paulo Freire)

Ao falar sobre ser reflexivo, precisamos questionar a concepção do termo, fato que nos conduz a um intrincado processo, pois ao professor cabe refletir sobre o conteúdo de seu ensinamento, sobre o contexto no qual se baseia aquilo que ensina, sobre sua competência, métodos, fins e finalidades de tudo o que ensina e, de outro lado, ao aluno convém refletir sobre seu aprendizado, sobre a relevância disso na sua vida, na sua formação, no seu crescimento, sobre quanto isso acrescenta à sua formação. Não que isso vá transformar o aluno em um rebelde que rechaça o ensinamento do mestre, mas em um indivíduo capaz de pensar, discutir, criticar e contribuir para a transformação e o aprimoramento da educação e, quem sabe, um dia igualar-se ao mestre.

O fato de a classe profissional dos professores sofrer, historicamente, com o desprestígio social da profissão, a descaracterização da identidade coletiva, as dificuldades inerentes ao processo de ensino, muitas vezes serve de desestímulo e é exatamente nesses momentos que há necessidade de se sobrepujar os reveses e refletir sobre a prática docente, sobre construir e reconstruir sua identidade profissional, descobrir os contornos do caminho, criar novos caminhos, analisar ensaios e erros, incertezas e decepções, enfim, renovar-se, entusiasmar-se, ousar.

Concluindo, vamos perceber que é possível e até mesmo desejável, porém difícil, que tenhamos professores reflexivos; e essa dificuldade reside na acomodação de muitas pessoas, incapazes de saírem do conforto proporcionado pelas coisas sempre iguais. Essa postura não cria condições para que ocorram mudanças urgentes em benefício da Educação, e ainda contribui para que não haja vontade de mudar, porque isso exige adaptar-se ao novo, a adotar novas posturas que levarão à construção da autonomia, tanto do professor quanto do aluno. Muitos professores utilizam-se da desculpa de que as mudanças são tolhidas pela burocracia, mais uma prova da incompetência daqueles que estão satisfeitos com as coisas da maneira que acontecem e não se sentem dispostos a contribuir para melhorá-las, pois isso exige comprometimento, envolvimento, inovação, ou, em resumo, trabalho.

Ninguém é obrigado a se fazer reflexivo e muito menos a transformar-se. Mas agir com profissionalismo e dedicar-se com afinco à formação de indivíduos capazes, é o mínimo que se pode exigir de um profissional da área da Educação. Se cada um se sentir movido pelo desejo de melhorar e contribuir para transformar as coisas que aí estão, estará servindo de estímulo para outros e necessitará munir-se de muito entusiasmo, pois é um processo lento e constante que irá se estender por toda sua vida profissional, já que "a formação é um fazer permanente". (FREIRE, 1972, apud ALARCÃO, 1996).

Reflexão e educação são termos que suscitam o sentido de transformação, pois são características de indivíduos capazes de pensar. Pensar é existir, é ser gente, é viver num mundo real, é ter uma relação com esse mundo e interagir com ele. "Essa relação homem-realidade, homem-mundo, [...] implica a transformação do mundo..." (FREIRE, 1979, p. 17).

O professor reflexivo, como sujeito desse processo, precisa estar integrado com essa relação "homem-realidade, homem-mundo", pois a ele cabe trabalhar os indivíduos inseridos nessa relação, da qual ele também participa. Se não existe, por parte do professor, a constante preocupação com seu aprestamento, como poderá exercer plenamente sua função? Seria falta de compromisso.

Não é possível um compromisso verdadeiro com a realidade, e com os homens concretos que nela e com ela estão, se desta realidade e destes homens se tem uma consciência ingênua. Não é possível um compromisso autêntico se, àquele que se julga comprometido, a realidade se apresenta como algo dado, estático e imutável. Se este olha e percebe a realidade enclausurada em departamentos estanques. Se não a vê e não a capta como uma totalidade, cujas partes se encontram em permanente interação. Daí sua ação não poder incidir sobre as partes isoladas, pensando que assim transforma a realidade, mas sobre a totalidade. É transformando a totalidade que se transformam as partes e não o contrário. No primeiro caso, sua ação, que estaria baseada numa visão ingênua, meramente "focalista" da realidade, não poderia constituir um compromisso. (FREIRE, 1979, p. 21).

Diante desses argumentos, resta-nos primar por proporcionar aos nossos professores a oportunidade de prepararem-se, desde a sua formação acadêmica, para introjetar a reflexividade em prol do indivíduo e da sociedade.


2 A REFLEXÃO NO DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR

Existe somente uma idade para a gente ser feliz, somente uma época na vida de cada pessoa em que é possível sonhar e fazer planos e ter energia bastante para realizá-los a despeito de todas as dificuldades e obstáculos.

Uma só idade para a gente se encontrar com a vida e viver apaixonadamente e desfrutar tudo com toda a intensidade, sem medo nem culpa de sentir prazer.

Fase dourada em que a gente pode criar e recriar a vida à nossa própria imagem e semelhança e vestir-se com todas as cores e experimentar todos os sabores e entregar-se a todos os amores sem preconceito, nem pudor.

Tempo de entusiasmo e coragem em que todo desafio é mais um convite à luta que a gente enfrenta com toda disposição de tentar algo novo, de novo e de novo, e quantas vezes for preciso.

Essa idade tão fugaz na vida da gente chama-se presente e tem a duração do instante que passa.

(Mário Quintana)

2.1 FORMAR PROFISSIONAIS COMPROMETIDOS

Ensinar: um sonho. Um sonho que se sonha todos os dias e com o coração. Um sonho que não é só da gente e que não dura apenas um instante, mas que é construído no dia-a-dia e proporciona o prazer de ser feliz, sempre. Um sonho que não se sonha sozinho, pois ensinar é aprender. Paulo Freire nos fala do sonho, o sonho possível, a Educação.

Uma pergunta que eu venho fazendo de alguns anos para cá, se faz em torno do que eu chamo um lugar na educação ou na prática educativa para os sonhos possíveis. [...] Ai de nós, educadores, se deixamos de sonhar sonhos possíveis. E o que eu quero dizer com sonhar o sonho possível? Em primeiro lugar, quando eu digo sonho possível é porque há na verdade sonhos impossíveis, e o critério da possibilidade ou impossibilidade dos sonhos é um critério histórico-social e não individual.

O sonho viável exige de mim pensar diariamente a minha prática; exige de mim a descoberta, a descoberta constante dos limites da minha própria prática, que significa perceber e demarcar a existência do que eu chamo espaços livres a serem preenchidos. O sonho possível tem a ver com os limites destes espaços e estes limites são históricos". (FREIRE, in BRANDÃO, 1984, p. 99-100).

Ao professor cabe despertar no aluno a vontade de buscar seu próprio crescimento e a necessidade de superar barreiras para lançar-se ao encontro de suas aspirações; descobrir que os sonhos são construídos por nós mesmos e que sonhar está relacionado com pensar, refletir, ousar; e só sonha quem tem coragem de perseguir objetivos. Ao professor cabe estimular em si o desejo de sonhar.

Gadotti (2003, p. 19) é enfático quando afirma que

A formação do profissional da educação está diretamente relacionada com o enfoque, a perspectiva, a concepção mesma que se tem da sua formação e de suas funções atuais. Para nós, a formação continuada do professor deve ser concebida como reflexão, pesquisa, ação, descoberta, organização, fundamentação, revisão e construção teórica e não como mera aprendizagem de novas técnicas, atualização em novas receitas pedagógicas ou aprendizagem das últimas inovações tecnológicas.

Imbernón (2000, apud GADOTTI, 2003, p. 19), sobre a reflexão crítica do professor:

"... atravessa as paredes da instituição para analisar todo o tipo de interesses subjacentes à educação, à realidade social, com o objetivo concreto de obter a emancipação das pessoas".

Paulo Freire (1997, apud GADOTTI, 2003, p. 19): "na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática".

Sobre essas concepções, fundamenta-se a essência do ensinar, porque somente pode ensinar quem sabe, quem se preocupa em aprimorar o próprio conhecimento, em aperfeiçoar-se e adaptar-se às novas situações para poder ajudar na construção do conhecimento dos outros. Nesse sentido está o sonho de ensinar: abrir horizontes, extrapolar os limites da sala de aula e criar e superar e recriar expectativas. Para isso, há que se amar a profissão; somente dessa forma haverá consciência da necessidade de se preparar indivíduos para enfrentarem as agruras de um mundo em ebulição. A formação docente, hoje, é um desafio cotidiano e diante dele há necessidade de se tomar atitudes, e muitas devem partir do profissional que precisa estar permanentemente voltado para os enfoques de sua formação e de sua aprendizagem.

A formação de professores esbarra em uma série de obstáculos que, mesmo se não consideradas as causas de ordem econômica e social, contribuem sobremaneira para degradar a condição e a atuação do professorado. São problemas diretamente ligados à sua preparação, tanto no plano científico quanto no plano pedagógico, que levam o modelo vigente de formação a não atingir plenamente seus objetivos. Dentre esses problemas, citam-se os conteúdos que o professor deveria dominar para desempenhar seu papel, condição essencial para sua qualificação profissional, pois nos cursos de licenciaturas os elementos teóricos e técnicos que lhe são repassados não são enriquecidos com a prática necessária através da realização de estágios que lhe proporcionariam a possibilidade de aprender fazendo, fato que viria a enriquecer de modo contundente sua formação docente, por lhe fornecer os subsídios necessários a...

... conhecer, com o devido rigor, profundidade e criticidade, as condições histórico-sociais do processo educacional concreto em que vai atuar, o que o acaba levando a uma prática docente puramente técnica, mecânica, quando não tecnicista" (SEVERINO, 2003, p. 76).

Cabe ao professor ter consciência da necessidade de seu constante aprimoramento, cabe ao professor entender e buscar realizar o sonho de estar sempre atualizado e pronto a proporcionar a seus educandos a possibilidade de uma vida mais digna, como homens e mulheres capazes de reger a própria vida. E se alguém achar que se trata de utopia, de loucura, que lhe seja possível voltar ao "sonho possível" e com toda sabedoria que lhe foi proporcionada pela experiência de refletir sobre sua própria formação, lembrar-se de seu compromisso anônimo de educador.

Novamente Paulo Freire sintetiza a importância de sonhar. Um sonho específico para o educador, para a educadora:

Eu agora diria a nós, educadores e educadoras: ai daqueles e daquelas, entre nós, que pararem com a sua capacidade de sonhar, de inventar a sua coragem de denunciar e anunciar. Ai daqueles e daquelas que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã, o futuro, pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e com o agora, ai daqueles que em lugar desta viagem constante ao amanhã, se atrelem a um passado de exploração e de rotina. (FREIRE, in BRANDÃO, 1984, p. 101).

2.2 O PROFESSOR E OS SETE SABERES DE MORIN

Tais considerações nos conduzem aos sete saberes fundamentais propostos por Edgar Morin:

1. As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão.

Todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão. A educação do futuro deve enfrentar o problema e dupla face do erro e da ilusão. O maior erro seria subestimar o problema do erro; a maior ilusão seria subestimar o problema da ilusão. O reconhecimento do erro e da ilusão é ainda mais difícil, porque o erro e a ilusão não se reconhecem, em absoluto, como tais. (MORIN, 2000, p. 19).

2. Os princípios do conhecimento pertinente.

O conhecimento das informações ou dos dados isolados é insuficiente. É preciso situar as informações e os dados em seu contexto para que adquiram sentido. Para ter sentido, a palavra necessita do texto, que é o próprio contexto, e o texto necessita do contexto no qual se enuncia. Desse modo, a palavra "amor" muda de sentido no contexto religioso e no contexto profano, e uma declaração de amor não tem o mesmo sentido de verdade se é enunciada por um sedutor ou por um seduzido. (MORIN, 2000, p. 36).

3. Ensinar a condição humana.

A educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal, centrado na condição humana. Estamos na era planetária; uma aventura comum conduz os seres humanos, onde quer que se encontrem. Estes devem reconhecer-se em sua humanidade comum e ao mesmo tempo reconhecer a diversidade cultural inerente a tudo que é humano. (MORIN, 2000, p. 47).

4. Ensinar a identidade terrena.

Como os cidadãos do novo milênio poderiam refletir sobre seus próprios problemas e aqueles do seu tempo? É preciso que compreendam tanto a condição do mundo humano, que, ao longo da história moderna, se tornou condição da era planetária. Entramos a partir do século XVI na era planetária, e encontramo-nos desde o final do século XX na fase da mundialização, (MORIN, 2000, p. 63, grifos do autor).

5. Enfrentar as incertezas.

Os séculos precedentes sempre acreditaram em um futuro, fosse ele repetitivo ou progressivo. O século XX descobriu a perda do futuro, ou seja, sua imprevisibilidade. Esta tomada de consciência deve ser acompanhada por outra, retroativa e correlativa: a de que a história humana foi e continua a ser uma aventura desconhecida. Grande conquista da inteligência seria poder enfim se libertar da ilusão de prever o destino humano. O futuro permanece aberto e imprevisível. Com certeza, existem determinantes econômicas, sociológicas e outras ao longo da história, mas estas encontram-se em relação instável e incerta com acidentes e imprevistos numerosos, que fazem bifurcar ou desviar seu curso. (MORIN, 2000, p. 79-80).

6. Ensinar a compreensão

A situação é paradoxal sobre a nossa Terra. As interdependências multiplicaram-se. A consciência de ser solidários com a vida e a morte, de agora em diante, une os humanos uns aos outros. A comunicação triunfa, o planeta é atravessado por redes, fax, telefones celulares, modems, Internet. Entretanto, a incompreensão permanece geral. Sem dúvida, há importantes e múltiplos progressos da compreensão, mas o avanço da incompreensão parece ainda maior. (MORIN, 2000, p. 93, grifos do autor).

7. A ética do gênero humano.

Os indivíduos são mais do que produtos do processo reprodutor da espécie humana, mas o mesmo processo é produzido por indivíduos a cada geração. As interações entre indivíduos produzem a sociedade e esta retroage sobre os indivíduos. A cultura, no sentido genérico, emerge dessas interações, reúne-as e confere-lhes valor. Indivíduo/sociedade/espécie sustentam-se, pois, em sentido pleno: apóiam-se, nutrem-se e reúnem-se. (MORIN, 2000, p. 105, grifos do autor).

Sobre esses saberes, um comentário:

Parece-nos que os professores capazes de ensinar esses saberes devem, além de aderir aos valores e à filosofia subjacentes, dispor da relação com o saber, da cultura, da pedagogia e da didática sem os quais esse belo programa continuaria sendo apenas letra morta (PERRENOUD, 2002, p. 13).

Esses saberes, que Morin propõe fundamentais e que as escolas deveriam ter obrigação de ensinar, servem-nos para exemplificar a necessidade da capacitação de nossos professores para que possam, com eficiência, desempenhar o seu importante papel, tanto nas escolas, dentro das salas de aula, quanto no seu próprio desenvolvimento profissional, pois a prática reflexiva tem implicação na formulação dos objetivos que os professores devem perseguir em benefício de sua própria formação.

O processo de aprendizagem do ensino é algo que deve prosseguir durante toda a carreira do professor, principalmente em tempos de globalização, quando as informações cruzam o mundo a uma velocidade espantosa através da rede mundial de computadores. A reflexividade é, portanto, atributo indispensável ao professor que deve ter internalizadas a disposição e a capacidade de buscar, durante toda sua carreira, o aperfeiçoamento e a melhoria de seu ensino. Isso vai levá-lo a melhor reproduzir, em sua prática diária, os conteúdos apreendidos durante sua formação, desde que consciente da necessidade de aperfeiçoar sua atuação pedagógica através de uma auto-análise e da constante troca de experiência com outros educadores.

Faz-se necessário que o professor, desde a sua formação, esteja consciente de que a resolução dos problemas estará sempre baseada no saber; mas, desempenhar essa função não se limita ao domínio do saber, emerge do saber fazer. E ser professor não é algo que se aprenda, porque as competências podem ser adquiridas na vida acadêmica, aprendida em livros, absorvida até mesmo do cotidiano; porém, as habilidades necessárias ao desempenho da missão de ensinar são características que nem todos possuem e, diferente de outras habilidades, não se desenvolve.

Ao contrário de outras profissões que se baseiam em conhecimentos teóricos fundamentais, com suas raízes firmando-se numa base teórica e procedimental que pode ser desenvolvida e avaliada durante a formação do profissional, no nosso caso não há quem possa ensinar a ensinar.

2.3 A SATISFAÇÃO DE FORMAR E MUDAR

Lamentavelmente, para o caso dos professores, a recompensa monetária pelo seu trabalho os obriga a buscar outras atividades para suplementar a renda ou os tem levado a abandonar a profissão. O Estado tem procurado melhorar a qualidade do ensino através de programas de formação e aperfeiçoamento de professores, no entanto, trata-se de uma proposta ilusória, criada para baratear a formação em licenciaturas rápidas ou curtas, que servem de maquiagem para habilitar, no papel, professores que ainda não cumpriram as regras da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no tocante à formação. A educação superior deveria ser requisito para formar professores.

Os próprios professores são conscientes dessa situação e preocupam-se com ela. Gadotti (2003) realizou, no ano de 2001, entre os alunos da Licenciatura da Faculdade de Educação da USP, uma enquete onde procurou identificar na visão daqueles que se preparavam para a profissão, quais deveriam ser os saberes necessários à profissão docente. O termo "saberes" era utilizado por Paulo Freire em substituição a competências, que ele julgava associadas "à tradição utilitarista, tecnocrática, ao mundo da empresa, à economia, à competitividade (ao mundo do trabalho neoliberal), à eficiência, à racionalização, à avaliação..." (GADOTTI, 2003, p. 25). O resultado apresentado pela enquete revelou que na concepção dos alunos, o professor deveria:

ter uma concepção de educação; ter uma formação política ética, isto é, ter compromisso; respeitar as diferenças; ter uma formação continuada; ser tolerante diante de atitudes, posturas e conhecimentos diferentes; preparar-se para o erro e a incerteza; ter autonomia didático-pedagógica; ter domínio do saber específico que leciona; ser reflexivo e crítico; saber relacionar-se com os alunos; ter uma formação geral, polivalente e transversal. (GADOTTI, 2003, p. 24).

Essas considerações nos levam a concluir que isso significa fazer da profissão um projeto de vida.

Assim, o ser professor está muito adiante daquilo que se vislumbra ao início de um curso de magistério, de licenciatura ou de pedagogia, pois a educação faz parte da sobrevivência no mundo de hoje e cabe ao professor contribuir para que o sujeito não precise reinventar as coisas, mas tão-somente apropriar-se daquilo que a humanidade produziu ao longo de milênios e que se encontra à disposição para ser colhido. Ao professor cabe despertar no aluno essa consciência, pois nem sempre lhe é possível vislumbrar essa relação entre o aprendizado e o legado.

O homem é um ser inacabado, pois se não for alimentado, conduzido, atendido e ensinado desde o nascimento, sucumbe. Muitos outros animais nascem completos, não precisam da mãe para lhes ensinar, pois já nascem sabendo. Maior exemplo disso é a tartaruga, que imediatamente após seu nascimento já sabe que deve rumar para a água e lá sobrevive sem nunca saber o que é a presença da mãe.

O homem, decorridos os anos necessários aos primeiros aprendizados junto à mãe, junto à família, necessita adentrar a escola para o início da vida em sociedade, o relacionamento com estranhos, as noções que lhe nortearão a existência, e para isso, desde o início, estará entregue nas mãos do professor até que atinja o mais alto grau de aprendizado que lhe seja possível. É essa a nobre missão do professor, e para desempenhá-la a contento deverá estar conscientizado desse seu papel, papel de educador e de historiador, pois só dessa forma poderá proporcionar um ensino de qualidade. Como educador, lhe está afeta a missão de trabalhar na formação moral e intelectual do indivíduo e também na sua socialização; como historiador, desvendar e elucidar os fatos que constituíram a sociedade como ela é.

Cabe ao professor desenvolver as habilidades necessárias para desempenhar sua atribuição, e isso só será possível se houver consciência e preocupação de melhorar sempre, e para que possa fazê-lo, deverá estar permanentemente refletindo sobre sua missão, sua formação, seu aperfeiçoamento, seu compromisso com a constituição de sujeitos críticos.

2.4 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E CONTEMPORANEIDADE

Em pleno século XXI nossos alunos necessitam receber informações que contribuam para sua inserção no mundo globalizado, para que possam estar preparados a enfrentar as incertezas geradas pelas mudanças que ocorrem de forma acelerada e que proporcionam uma série de outras mudanças pela ligação que hoje encontramos nas coisas que acontecem em todos os cantos do planeta. Edgar Morin (2002) quando nos apresenta o quarto saber, fala sobre a "Incerteza do conhecimento", assim:

O conhecimento é, pois, uma aventura incerta que comporta em si mesma, permanentemente, o risco de ilusão e de erro. Entretanto, é nas certezas doutrinárias, dogmáticas e intolerantes que se encontram as piores ilusões; ao contrário, a consciência do caráter incerto do ato cognitivo constitui a oportunidade de chegar ao conhecimento pertinente, o que pede exames, verificações e convergência dos indícios; assim, nas palavras cruzadas, atinge-se a precisão para cada palavra na adequação ao mesmo tempo de sua definição e sua congruência com as outras palavras que contêm letras comuns; em seguida, a concordância geral que se estabelece entre todas as palavras constitui a verificação de conjunto que confirma a legitimidade das diferentes palavras inscritas. Mas a vida, diferentemente das palavras cruzadas, compreende espaços sem definição, espaços com falsas definições e, sobretudo, a ausência de um quadro geral fechado; é somente aí que se pode isolar um quadro e tratar os elementos classificáveis, como no quadro de Mendeleiev, que se pode alcançar certezas. Uma vez mais repetimos: o conhecimento é a navegação em um oceano de incertezas, entre arquipélagos de certezas (p. 86).

Considerações como essa nos conduzem a reafirmar a necessidade de nossos professores estarem atentos à própria formação, processo contínuo e ininterrupto que vai gerando a conscientização e despertando a responsabilidade de formar indivíduos capazes e aptos, que não se sintam alienados diante das incertezas e sejam conscientes da importância de seu papel na realidade da família, da escola, da sociedade e do mundo. Nossos professores devem perseguir incansavelmente alcançar estágios que lhe proporcionem buscar outras metas e definir novos objetivos em benefício da formação de seus alunos.

Rubem Alves, em sua "Conversa com Educadores", ilustra a necessidade de se buscar constantemente o mais elevado grau de perfeição como educador:

O estudo da gramática não faz poetas. O estudo da harmonia não faz compositores. O estudo da psicologia não faz pessoas equilibradas. O estudo das 'ciências da educação' não faz educadores. Educadores não podem ser produzidos. Educadores nascem. O que se pode fazer é ajudá-los a nascer. Para isso eu falo e escrevo: para que eles tenham coragem de nascer. Quero educar os educadores. E isso me dá grande prazer porque não existe coisa mais importante que educar. Pela educação o indivíduo se torna mais apto para viver: aprende a pensar e a resolver os problemas práticos da vida. Pela educação ele se torna mais sensível e mais rico interiormente, o que faz dele uma pessoa mais bonita, mais feliz e mais capaz de conviver com os outros. A maioria dos problemas da sociedade se resolveriam se os indivíduos tivessem aprendido a pensar. Por não saber pensar tomamos as decisões políticas que não deveríamos tomar.[1]

Que causa poderia impedir ao educador proporcionar idênticas condições ao indivíduo que está formando?

É o próprio Rubem Alves quem nos fala da diferença entre ser professor e ser educador, mostrando, numa analogia bastante didática, que o professor reflexivo é o verdadeiro educador, que busca transferir ao seu aluno muito mais que uma simples disciplina, algo que muitos podem fazer, pois inexiste a identidade de quem a ministra.

Educadores, onde estarão? Em que covas terão se escondido? Professores, há aos milhares. Mas professor é profissão, não é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão; é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança.

Profissões e vocações são como plantas. Vicejam e florescem em nichos ecológicos, naquele conjunto precário de situação que as tornam possíveis e  quem sabe?  necessárias. Destruído este "habitat", a vida vai se encolhendo, murchando, fica triste, mirra, entra para o fundo da terra até sumir. [...]

E o educador?

Que terá acontecido com ele? Existirá ainda o nicho ecológico que torna possível a sua existência? Resta-lhe algum espaço? Será que alguém lhe concede a palavra ou lhe dá ouvidos? Merecerá sobreviver? Tem alguma função social ou econômica a desempenhar? [...]

Pode ser que educadores sejam confundidos com professores, da mesma forma como se pode dizer: jequitibá e eucaliptus, não é tudo árvore, madeira? No final, não dá tudo no mesmo?

Não, não dá tudo no mesmo, porque cada árvore é a revelação de um "habitat", cada uma delas tem cidadania num mundo específico. A primeira, no mundo do mistério, a segunda no mundo da organização, das instituições, das finanças. Há árvores que têm uma personalidade  e os antigos acreditavam mesmo que possuíam uma alma. É aquela árvore, diferente de todas, que sentiu coisas que ninguém mais sentiu. Há outras que são absolutamente idênticas umas às outras, que podem ser substituídas com rapidez e sem problemas.

Eu diria que os educadores são como as velhas árvores. Possuem uma face, um nome, uma "estória" a ser contada. Habitam um mundo em que o que vale é a relação que os ligam aos alunos, sendo que cada aluno é uma "entidade" "sui generis", portador de um nome, também de uma "estória", sofrendo tristezas e alimentando esperanças. E a educação é algo pra acontecer neste espaço invisível e denso, que se estabelece a dois. Espaço artesanal.

Mas professores são habitantes de um mundo diferente, onde o "educador" pouco importa, pois o que interessa é um "crédito" cultural que o aluno adquire numa disciplina identificada por uma sigla, sendo que, para fins institucionais, nenhuma diferença faz aquele que a ministra. Por isto mesmo professores são entidades "descartáveis", da mesma forma como há canetas descartáveis, coadores de café descartáveis, copinhos plásticos de café, descartáveis.

De educadores para professores realizamos o salto de pessoa para funções. (ALVES, 1984, in: BRANDÃO, 1984, p. 16-18, grifos do autor).

A atuação do professor reflexivo é que vai determinar a autonomia do aluno, na proporção direta da sua própria autonomia, pois como agente de formação comprometido, deve buscar escrever sua história para integrá-la com a história daqueles que está formando.


3 PRÁTICA PEDAGÓGICA E ATUAÇÃO DOCENTE: AS PORTAS DA AUTONOMIA

Se você encontrar uma porta à sua frente, poderá abri-la ou não.

Se você abrir a porta, poderá ou não entrar em uma nova sala.

Para entrar, você vai ter que vencer a dúvida, o titubeio ou o medo.

Se você venceu, você deu um grande passo: nesta sala vive-se.

Mas tem um preço: são inúmeras as outras portas que

você descobre.

O grande segredo é saber quando e qual porta deve ser aberta.

A vida não é rigorosa: ela proporciona erros e acertos.

Os erros podem ser transformados em acertos, quando, com eles,

se aprende.

Não existe a segurança do acerto eterno.

A vida é generosa: a cada sala que vive, descobre-se outras tantas portas.

A vida enriquece a quem se arrisca a abrir novas portas.

Ela privilegia quem descobre seus segredos, e generosamente

oferece afortunadas portas.

Mas a vida também pode ser dura e severa: se você não ultrapassar

a porta, terá sempre a mesma porta pela frente.

É a repetição perante a criação.

É a monotonia cromática perante o arco-íris.

É a estagnação da vida.

Para a vida, as portas não são obstáculos...

São apenas diferentes passagens.

(Içami Tiba)

3.1 DA AUTONOMIA DO PROFESSOR...

Sob a ótica da educação, o processo de reforma do sistema educativo, nos últimos anos, tem apresentado propostas curriculares que enfatizam a defesa da autonomia das equipes docentes, visando determinar o que, como e quando ensinar e estabelecendo novas concepções do professor e da própria atividade docente. São aspectos que repercutem em novas estratégias para a formação de professores, comungando com afirmações das instâncias oficiais que datam do final da década de 80 do último século: "O modelo de formação proposto baseia-se numa reflexão do professorado sobre a sua prática docente, que lhe permite repensar a sua teoria implícita do ensino, os seus esquemas básicos de funcionamento e as próprias atitudes" (MEC, 1989). Esta afirmação nos apresenta uma nova faceta na formação do professor, valorizando a prática como elemento de análise e reflexão - uma formação continuada, cuja preocupação está centrada no cotidiano da sala de aula e nos problemas enfrentados pelos professores, além de denotar especial interesse pelo trabalho das equipes docentes, enfocando uma dimensão participativa, flexível, ativa e investigadora. Diante desses pressupostos, a formação do professor assume posições mais determinadas (epistemológicas, ideológicas, culturais) em relação ao ensino, ao aluno e ao próprio professor, proporcionando situações que têm favorecido a reflexão e a tomada de consciência das limitações sociais, culturais e ideológicas da profissão docente.

Garcia (1992), em seus estudos sobre a formação de professores, apresenta o resultado dos trabalhos desenvolvidos por estudiosos ingleses que identificaram diversas atitudes julgadas essenciais ao professor reflexivo e que se constituem em habilidades cognitivas e metacognitivas que, dominadas, permitem atuar de determinada forma e em determinado contexto. São atitudes que, mediante estratégias e atividades, possibilitam o desenvolvimento de um pensamento e de uma prática reflexos. Essas habilidades foram assim definidas:

a) destrezas empíricas: é a capacidade de realizar diagnósticos através da compilação de dados objetivos ou subjetivos no ambiente da sala de aula ou da escola;

b) destrezas analíticas: são necessárias para a análise dos dados e à construção da teoria;

c) destrezas avaliativas: são aquelas aprendidas com os processos normais da atividade: valoração, emissão de juízo, importância de resultados;

d) destrezas estratégicas: referem-se ao planejamento da ação e à sua implantação, de acordo com a análise realizada;

e) destrezas práticas: capacidade de relacionamento da análise com a prática para alcançar efeitos pretendidos;

f) destrezas de comunicação: desenvolvidas para melhorar a comunicação e facilitar a partilha de idéias em prol das atividades laborativas e da discussão em grupo;

g) mentalidade aberta: ausência de preconceitos, parcialidades e hábitos que limitem a mente, impedindo a consideração de novos problemas e a assunção de novas idéias e obstando relevar alternativas e reconhecer as possibilidades de erro. Essa habilidade contribui para que o indivíduo escute e respeite as diversas perspectivas, busque diversas respostas para uma mesma pergunta e reflita sobre as formas possíveis para melhorar o que já existe;

h) responsabilidade: aqui, refere-se principalmente à responsabilidade intelectual que permite considerar as conseqüências de uma atitude, assumindo-as. Assegura a integridade, a coerência, a harmonia daquilo que se defende e conduz a procurar os propósitos educativos e éticos da conduta docente, não apenas os utilitários;

i) entusiasmo: predisposição para enfrentar a atividade com curiosidade, energia, capacidade de renovação e de luta contra a rotina.

Essas atitudes, que contribuem para a formação de um professor reflexivo, irão auxiliá-lo no desenvolvimento da sua autonomia. Necessitamos de professores autônomos que possam proporcionar o mesmo caminho ao aluno, abrindo-lhe possibilidade de atender às exigências desse novo século, exigências essas das quais já falamos no capítulo anterior, constituídas, em sua essência, pelos sete saberes enunciados por Morin.

De nada adianta, porém, o professor desenvolver essas habilidades e guardá-las para si, porque o professor, como intelectual transformador, deve expressar sua tarefa nos termos do compromisso com um conteúdo muito definido: elaborar a crítica das condições de seu trabalho com uma linguagem que contribua para formar uma sociedade mais democrática e mais justa. Educar seus alunos como cidadãos críticos, ativos e comprometidos na construção de uma vida individual e pública digna de ser vivida, guiados pelos princípios de solidariedade e de esperança.

3.2 ...À AUTONOMIA DO SUJEITO

Refletindo sobre esses procedimentos, verificamos que do professor é exigida a adoção de um posicionamento que não permite questionamentos, é sua obrigação desenvolver habilidades e adotar atitudes que o farão apto a atender às exigências que o sistema impõe e, com isso, propiciar aos seus alunos um ensino de qualidade, conseqüência de sua própria preparação.

O professor deverá ser capaz de antever as exigências do futuro e preparar seus alunos para enfrentarem desafios que hoje ainda não se manifestam. Sua atuação vai desenvolver neles uma visão realista do mundo e ensiná-los a refletir sobre o próprio procedimento. Aprenderão a pensar, a agir com racionalidade, a enfrentar e a vencer adversidades, pois saberão refletir.

Sobre a reflexão, Kemmis (1985, apud NÓVOA, 1992, p. 148-149) diz:

1. A reflexão não é determinada biológica ou psicologicamente, nem é pensamento puro, antes expressa uma orientação para a ação e refere-se às relações entre pensamento e ação nas situações históricas que nos encontramos.

2. A reflexão não é uma forma individualista de trabalho mental, quer seja mecânica ou especulativa, antes pressupõe e prefigura relações sociais.

3. A reflexão não é nem independente de valores, nem neutral, antes expressa e serve interesses humanos, políticos, culturais e sociais particulares.

4. A reflexão não é indiferente nem passiva perante a ordem social, nem propaga meramente valores sociais consensuais, antes reproduz ou transforma ativamente as práticas ideológicas que estão na base da ordem social.

5. A reflexão não é um processo mecânico, nem simplesmente um exercício criativo de construção de novas idéias, antes é uma prática que exprime o nosso poder para reconstruir a vida social, ao participar na comunicação, na tomada de decisão e na ação social.

Isso reforça a premissa de que a atuação do professor é primordial para que seus alunos adquiram a autonomia de pensar por si próprios, elaborar suas conclusões, optar pelo que acreditam e decidir conscientes sobre suas preferências e sobre aquilo que julgam melhor para a sociedade.

Refletir é imergir no mundo da própria experiência e, municiado de valores, conotações, correspondências afetivas, interesses sociais, cenários políticos, integrar conhecimento acadêmico, teórico, científico ou técnico com os pensamentos genéricos de interpretação da realidade. É ser dono da própria opinião.

3.3 A PRÁTICA PEDAGÓGICA COMO INSTRUMENTO DE CONSTRUÇÃO

Outro ponto a considerar quando tratamos de reflexão ou análise da realidade são os níveis estabelecidos por alguns autores: análise da ações explícitas ou a possibilidade de se observar o que se faz (andar na sala de aula, fazer perguntas, motivar); planejamento e reflexão, que consiste em planejar o que será feito e refletir sobre o que já foi feito, destacando-se o caráter didático; e considerações éticas, o que corresponde a analisar a própria prática e sua repercussão no contexto da escola, o que desenvolve no professor uma consciência crítica sobre suas possibilidades e ações. Assim, o exercício da reflexão haverá de desenvolver no sujeito pelo menos as seguintes formas de reflexão: a introspecção, o exame, a indagação e a espontaneidade.

Cada uma dessas formas irá ceder sua contribuição por desenvolver no professor uma nova consciência, possibilitando-lhe realizar uma reflexão interiorizada, pessoal, que lhe irá permitir reconsiderar seus pensamentos e sentimentos, distanciando-o de sua faina diária. Ao mesmo tempo vão lhe proporcionar voltar-se para acontecimentos ou ações anteriores, que poderão tornar-se referência e interferir em ações futuras e o conduzirão a realizar uma investigação de sua prática e de suas estratégias, em busca do aperfeiçoamento. Também haverá um ganho em benefício do próprio ato de ensinar, mercê da melhoria de sua capacidade de improvisar, resolver problemas, tomar decisões, abordar situações de incerteza e instabilidade na sala de aula.

A atuação do professor deve servir para libertar, construir seres singulares, respeitar, buscar o desenvolvimento das potencialidades dos alunos para que se tornem indivíduos capazes, cidadãos conscientes.

O domínio sobre o comportamento e atitudes dos alunos mostra-se uma tarefa cada vez mais difícil; além disso, a diversificação dos valores, o modo de vida e as formas de pensar acarretam dúvidas e incertezas no professor, aumentando a urgente necessidade de integrar, na imagem realista da prática, a reflexão como forma de estimular o sentido de uma escola mais ativa, mais moderna, mais aberta, mais igualitária.

Ensinar significa agir rapidamente, com urgência, diante de situações complexas e mal conhecidas; reagir com grande precisão perante situações improvisadas e sair delas sem muito prejuízo.

Inúmeras são as questões que se apresentam ao professor exigindo dele uma resolução imediata, sem tempo nem meios de analisar prós e contras; noutras ocasiões o fazem hesitar, temporizar, deixar que as coisas aconteçam. Em ambos os casos ele estará decidindo. A sala de aula é um ambiente onde a solução de problemas muitas vezes não exige prazo, como é o caso das dificuldades de aprendizagem mais graves ou situações de integração.

Decisões dessa monta podem parecer provir do autoritarismo ou da rotina, mais que da estratégia refletida, porém resultam de um esquema de ação, percepção e decisão parcialmente inconsciente, que pode ser visto como aquilo que alguns sociólogos designam como "habitus": o conjunto de disposições e esquemas que formam, segundo Bourdieu (1980), uma "gramática geradora de práticas" e "é formado por rotinas, por hábitos no sentido comum da palavra, mas também por esquemas operatórios de alto nível" (PERRENOUD, 1980, p.108). Essa construção é possível quando o professor é capaz de conciliar e proporcionar a interação da experiência com a tomada de consciência, com a discussão e com o próprio envolvimento em novas situações.

Assim, o professor tem a responsabilidade de estar com permanente atenção às necessidades do aluno para que possa adaptá-lo e adequá-lo às exigências das mudanças e evoluções que ocorrem constantemente na sociedade e no mundo. Essas alterações, muitas vezes conseqüência de decisões políticas, são responsáveis pela adaptação da sociedade e do homem a novos tempos e desencadeiam uma série de outras mudanças que exigem uma nova postura, um novo perfil. O professor reflexivo, por estar em permanente evolução e atualizado com os acontecimentos, deve antecipar-se às necessidades dos educandos para prepará-los de maneira adequada, torná-los aptos para enfrentarem novos desafios e prontos a assumirem o papel de disseminadores de uma cultura que vise minimizar as diferenças e possibilitar ao homem de hoje compreender, viver e enfrentar as realidades atuais.

Para que o professor fuja do risco de limitar seu mundo de ação e reflexão à sala de aula, é necessário que avance num processo de transformação da prática pedagógica mediante a sua própria transformação como intelectual crítico, inserindo-se no mundo da escola como a instituição onde todo o processo irá se desenvolver. Um espaço que deve conhecer e entender como local onde se produz conhecimento e, na visão de Alarcão (2003, p. 38), onde se encontra ambiente propício para operar mudanças absolutamente vitais para a formação do cidadão do século XXI.
4 O PROFESSOR E A ESCOLA - COMPLEXIDADE, ANTAGONISMOS E CONTRADIÇÕES - UMA PARCERIA QUE DÁ CERTO.

Quero uma escola comunidade, dotada de pensamento e vida próprios, contextualizada na cultura local e integrada no contexto nacional e global mais abrangente. Não quero, pois, uma escola burocratizada que seja uma mera delegação ministerial. Desejo assim uma escola que conceba, projecte, actue e reflicta em vez de uma escola que apenas executa o que outros pensaram para ela. Uma escola que tenha uma ambição estratégica por oposição a uma escola que não tem visão e não sabe olhar-se no futuro. Não quero uma escola que se lamente do insucesso como um pesado e frustrante fardo a carregar, mas uma escola que questione o insucesso nas suas causas para, relativamente a elas, traçar planos de acção. Uma escola que reflicta sobre os seus próprios processos e as suas formas de actuar e funcionar. Uma escola que analise, desconstrua e refaça as suas opções e a sua acção curricular. Uma escola que saiba criar as suas próprias regras. Mas que, ciente da sua autonomia responsável, saiba prestar contas da sua actuação, justificar os seus resultados e auto-avaliar-se para definir o seu desenvolvimento. Em vez de uma escola que apenas cumpre as regras emanadas de outrem sem que ninguém avalie nada nem ninguém. Uma escola que se alimente do saber, da produção e da reflexão dos seus profissionais, os professores que, por isso mesmo, não se sentem meros assalariados. Uma escola à qual não é necessário ditar a formação requerida porque ela própria conhece as suas necessidades, cria os seus contextos de formação e integra a formação no seu desenvolvimento institucional. Uma escola onde tudo gira à volta da sua missão: educar novas gerações. Em suma, uma escola com cara, como diria Paulo Freire, e não apenas uma escola anónima.

(Isabel Alarcão)

4.1 A COMPLEXIDADE, OS ANTAGONISMOS E AS CONTRADIÇÕES

Falamos sobre o professor reflexivo, sua formação, seu trabalho, suas competências e habilidades. Cabe-nos, porém, lembrar que sua atuação se dá num contexto muito peculiar, um local no qual o professor vai encontrar a complexidade, deparar com resistências, enfrentar situações adversas e, apesar disso, desempenhar seu papel da melhor forma, para construir sujeitos críticos, autônomos e preparados a enfrentar e vencer desafios.

Apesar de todos os problemas vivenciados pelo professor na sua faina, é exatamente na escola e no convívio com essas situações que ele encontrará campo propício para o seu crescimento, o aperfeiçoamento de sua prática e o domínio daquilo que Perrenoud (2001) designou "saberes a ensinar e saberes para ensinar". Para tanto, há necessidade de o professor buscar inserir-se no cotidiano da escola, conhecendo seus problemas, auxiliando na descoberta de soluções, interferindo com o coletivo, porém, sem descuidar-se da própria formação.

Se o professor se deixar levar pela complexidade que vai encontrar na escola, certamente esmorecerá. Só lhe será possível vencer as adversidades se buscar dentro de si próprio a motivação necessária para entrever, em seus educandos, a esperança de transformação da realidade, por meio de uma formação sólida que possibilitará o questionamento e a visão necessários à implementação de mudanças.

A educação é uma profissão impossível, porque é uma profissão complexa, que obriga a enfrentar contradições irredutíveis, tanto no espírito do ator quanto nas relações sociais. Se a tarefa de ensinar fosse apenas complicada, seria suficiente, como frisa Edgar Morin, decompô-la em tarefas mais elementares, dar uma resposta ótima a cada uma delas e reunir o todo, como faz a NASA quando constrói um foguete. Entre o desabrochar do indivíduo e sua integração na sociedade, entre o desejo de igualdade e o respeito pelas diferenças, entre os interesses do professor e os do aluno, entre o projeto pessoal do professor e sua fidelidade ao mandato recebido, existe uma tensão intransponível. O professor navega à deriva ou, se preferirmos, avança como um equilibrista, sem jamais estar certo de ter encontrado um equilíbrio estável, tentando conciliar o inconciliável, como misturar água e fogo. A tensão aumenta com a incoerência ou com a hipocrisia das políticas educacionais e das práticas institucionais, mas ninguém pode livrar completamente o professor da contradição, nem dissimular de forma duradoura seus limites. Por isso, a prática é, no final das contas, um jogo entre a razão e a paixão, entre julgamento e desejo, entre interesse e desinteresse. É importante captar a natureza profunda da complexidade para não se enganar sobre a natureza das competências. (PERRENOUD, 2001, p. 22).

Este texto nos mostra, de forma bastante nítida, a complexidade com que se depara o professor no desempenho de seu ofício, principalmente diante do que é viável realizar nas condições de trabalho que lhe são proporcionadas. Assim, durante a sua prática, o professor convive com situações que vão lhe exigir procedimentos coerentes com a realidade, como alunos indisciplinados, resistentes à aprendizagem, desestimulados, não-adaptados. São competências necessárias à sua atuação e que não provêm da sua formação, mas são adquiridas no exercício diário da docência. Mesmo que fosse elaborado um programa de formação para o professor, que buscasse englobar as situações mais inusitadas e passíveis de ser enfrentadas em uma sala de aula, certamente deixariam de ser incluídas inúmeras outras. Não é possível fugir da complexidade:

... é melhor falar dela, reconhecer que faz parte do mundo e também de nossa relação com o mundo, devido, por um lado, às nossas contradições, ambivalências, instabilidades e limites pessoais e, por outro, às divergências e conflitos entre atores sobre a situação e as decisões a serem tomadas (PERRENOUD, 2001, p. 30, grifo do autor).

O autor nos propõe, ainda, algumas formas de conduta para enfrentar a complexidade:

Reconhecer a Complexidade

 

[...] Reconhecer a complexidade significa renunciar ao sonho de ver claramente e de fazer com que todos cheguem a um acordo de uma vez por todas, significa aceitar questionar constantemente os problemas e suas soluções, aceitar uma mudança periódica de paradigma, de maneira de pensar, para integrar novas perspectivas.

 

Analisar e Domesticar Juntos a Complexidade

 

Não basta reconhecer a complexidade, é preciso conhecê-la, ou seja, deixar de lado a imagem confusa de uma série de imbricações, contradições, incertezas e conflitos. O espírito não esta totalmente desprovido diante da complexidade; ele permite controlá-la parcialmente, na teoria e, de certo modo, também na prática. Assim, a tensão entre dependência e autonomia não pode ser transposta de uma vez por todas, nem na teoria nem na prática. No entanto, ela pode ser analisada e administrada para que possa ser vivida pelas pessoas e fecunda para as organizações. [...] Cada problema, cada conflito e cada crise são oportunidades para aprender a funcionar de forma conjunta.

 

Criar Instituições Capazes de Pensar de Forma Sistêmica

 

[...] Uma instituição capaz de pensar de forma sistêmica é uma instituição capaz de pensar em sua complexidade interna e em suas dependências externas, de construir uma visão de conjunto de seu funcionamento e de seu ambiente, bem como de propor linhas de ação coerentes. (PERRENOUD, 2001, p. 46  49, grifos do autor).

4.2 O PROFESSOR E A ESCOLA

A prática exige dos professores a capacidade de "... reinventar sua escola enquanto local de trabalho e reinventar a si próprios enquanto pessoas e membros de uma profissão" (Thurler, 2002, p. 89, grifos do autor). Isso nada mais é que conseqüência das exigências de suas relações com o coletivo: os alunos, os colegas e a escola, e o êxito do professor nesse contexto está diretamente ligado à sua contribuição para implementar o novo. É a mesma autora quem define isso:

Para ter êxito nessa operação difícil e delicada, hoje sabemos que é primordial que os professores não sejam mais vistos como indivíduos em formação, nem como executores, mas como autores plenos de um sistema que eles devem contribuir para transformar, no qual devem engajar-se ativamente, mobilizando o máximo de competências e fazendo o que for preciso para que possam ser construídas novas competências a curto ou médio prazo. Como parceiros tanto das autoridades políticas quanto das instâncias de pesquisa, eles se empenham coletivamente na definição de problemas, na exploração de soluções possíveis e em sua avaliação. Na medida em que eles são designados  ou se designam  como iniciadores do processo de mudança, transformam  ou mesmo sublimam  suas necessidades, seus problemas, sua nostalgia e seus objetivos pessoais, formulando projetos coletivos e investindo em sua implementação. Em contrapartida, sentem-se no direito de serem levados a sério como parceiros, aceitos em suas particularidades, sejam individuais ou coletivas (THURLER, 2002, p. 90).

Quando falamos da relação professor-escola-gestor, parece que tudo acontece como num passe de mágica e as coisas se encaixam perfeitamente, sem atritos, sem choques e sem confrontos. Se tudo acontecesse dessa forma, teríamos simplesmente a continuação de todo um sistema que impõe sua vontade e reproduz as coisas da forma como sempre foram. Não. Thurler chama isso de "caixa-preta", fazendo referência àquela parte do avião que não se destrói e que nunca se sabe o que contém até que haja um acidente e seus segredos são desvendados. Ela fala em "três fatores: pressão, ação comum e energia"; fala em "novas práticas" e em "fazer a diferença":

A "caixa-preta" da cooperação

 

Embora ela encabece a grande maioria das listas que enumeram as características das escolas eficazes, embora tenha sido designada como eixo principal de muitas reformas, a cooperação profissional dos professores continua sendo um enigma, uma espécie de 'caixa-preta'. Quando ela existe, parece contribuir para o êxito das ações pedagógicas e estruturais que os estabelecimentos escolares empreendem para melhorar os resultados de seus alunos. Quando ela não existe, não há receitas simples para instaurá-la. Dados recentes (Earl e Lee, 1998; GPR, 1999) fazem supor que a cooperação profissional nos estabelecimentos inovadores é construída em torno de três fatores: pressão, ação comum e energia. Em algumas escolas, a pressão pode fazer com que os professores sucumbam ao estresse quando não conseguem fazer frente às dissonâncias intelectuais e emocionais que são o pão de cada dia de todos os que percebem a defasagem entre os objetivos visados e as realidades cotidianas. Em outras, a combinação entre pressão e ação coletiva produz a energia necessária para explorar e instaurar de forma duradoura novas práticas, para ir ao fundo dos problemas. Finalmente, a consciência de que 'a união faz a força' e de que é possível 'fazer a diferença', procedendo com método e obstinação, impulsionará as escolas a se aventurarem ainda mais longe na espiral do desenvolvimento (THURLER, 2002, p. 95).

Vemos, dessa forma, reforçada a necessidade de que o relacionamento professor-escola aconteça em benefício da educação. Exatamente como nos diz a autora, impulsionando a escola (que é constituída por todo o corpo de educadores, pelos alunos e pela comunidade) a se aventurar ainda mais longe (diversas cabeças são capazes de planejar as melhores ações) na espiral do desenvolvimento (professores reflexivos em uma escola reflexiva vão gerar alunos reflexivos capazes de transformar a educação).

4.3 A PARCERIA QUE DÁ CERTO

A reflexividade e a formação contínua do professor vão se mostrar tanto mais eficazes quanto houve sua integração no coletivo da escola. É na prática do dia-a-dia que o professor tem a oportunidade de se atualizar junto à equipe pedagógica. A relação professor-escola-gestor gera um intercâmbio de informações que traz ganhos significativos para todas as partes. Muito embora também se fale em perdas, se as analisarmos vamos perceber que se trata dos antagonismos gerados pela complexidade e que, antes de se constituírem em perdas, representam fonte de crescimento para todos.

Parafraseando Perrenoud[2], vamos constatar que quando falamos de trabalho em equipe não estamos nos referindo somente aos professores, porque os diretores dos estabelecimentos de ensino têm a responsabilidade do seu envolvimento, bem como cada integrante da comunidade escolar. Esse tipo de procedimento modifica o funcionamento de todo o conjunto e interfere nas relações de poder.

É interessante ressaltar que as modificações geradas acontecem em dois sentidos contraditórios, pois se de um lado proporcionam algum tipo de ganho, de outro traz algum tipo de perda ao estabelecimento. Isso porque ali convivem diversos tipos de pessoas, uns torcem para que nada mude e têm muito a perder com as mudanças, ao tempo que outros estão sempre querendo revitalizar a escola e têm muito a ganhar.

Como forma de ilustração, apresentamos abaixo alguns procedimentos que são considerados perdas quando a escola tem um coletivo que é equipe:

a) a gestão de pessoal torna-se mais complicada, pois os interesses mútuos dos professores precisam ser levados em conta;

b) existe grande interferência nos procedimentos burocráticos, pois sempre haverá influência nas atribuições de classes e na elaboração de horários;

c) ficarão evidentes as separações no corpo docente, pois sempre existem aqueles que trabalham em equipe e os individualistas;

d) deverão ser administrados separadamente casos de privilégios, alterações, providências e fontes suplementares;

e) quando a equipe adota posturas inovadoras, estas podem trazer risco ao estabelecimento se forem muito audaciosas;

f) o gestor escolar deverá enfrentar uma força maior, pois a união fortalece, ao tempo que pessoas isoladas são mais frágeis;

g) as regras comuns passam a ser contestadas e a ordem tradicional passa a ser ameaçada;

h) pode ocorrer o surgimento de grupos que estabeleçam suas próprias regras e adotem uma política particular, gerando conflitos.

Da mesma forma, vamos enumerar alguns pontos considerados positivos e, como tal, ganho em favor do estabelecimento escolar pelo fato de a equipe constituir-se em fonte de renovação e dinamismo:

a) os debates ocorridos no ambiente escolar serão mais animados, novas idéias surgirão e tudo o que for tradicional passará a ser contestado em benefício de inovações que servirão de estímulo;

b) contribui para que alguns professores rompam com o individualismo, resgatando-os para o convívio do grupo;

c) facilita a organização das classes e dos ensinamentos, pelo fato de proporcionar maior flexibilidade;

d) contribui para influenciar o clima geral, criando um ambiente mais otimista, e a forma de encarar o sistema terá menos passividade;

e) problemas e crises passam a ser encarados sob uma outra ótica, proporcionando sua solução de maneira mais fácil do que quando o grupo não tem o hábito de trabalhar junto;

f) há um maior entusiasmo com relação à direção a seguir, fazendo com que as coisas avancem com mais facilidade;

g) os poderes de gestão tendem a ser descentralizados e o clima passa a ser de mais descontração e confiança.

Analisando esses pressupostos, vamos identificar que a prática adotada por alguns diretores de escola, de incentivar a criação ou a manutenção das equipes pedagógicas, encontra fulcro nessas evidências de que os aspectos positivos, considerados de ganho, superam os negativos, e que estes muitas vezes são revertidos diante do bom desempenho da equipe. Também essa prática faz com que a equipe atue de forma unida, facilitando à escola ser reflexiva: uma escola autogerida; com projeto próprio, construído com a colaboração de seus membros; que sabe para onde quer ir e se avalia durante toda a caminhada.[3]

Alguns conceitos são necessários para nos esclarecer o que vem a ser uma escola e quando podemos denominá-la reflexiva:

... utilizarei palavras de Macedo que assim define a escola: "comunidade educativa, sistema local de aprendizagem e formação: grupo constituído por alunos, professores, pais/encarregados de educação, representantes do poder autárquico, económico e social que, compartilhando um mesmo território e participando de uma herança cultural comum, constituem um todo, com características específicas e com uma dinâmica própria" (1995: 68). Partilho com a autora a concepção de escola como comunidade. Comunidade em que participam vários actores sociais que nela desempenham papéis activos, embora diversificados". ALARCÃO, 2003, P. 80-81, grifos do autor).

 

Uma escola reflexiva é uma comunidade de aprendizagem e é um local onde se produz conhecimento sobre educação. Nesta reflexão e no poder que dela retira toma consciência de que tem o dever de alertar a sociedade e as autoridades para que algumas mudanças a operar são absolutamente vitais para a formação do cidadão do século XXI". (ALARCÃO, 2003, p. 38).

 

A uma escola desse tipo tenho vindo a chamar uma escola reflexiva que defino como "organização que continuadamente se pensa em si própria, na sua missão social e na sua organização e se confronte com o desenrolar da sua actividade num processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo" (ALARCÃO, 2001b: 25). Decorre dessa definição que a escola nunca está verdadeiramente feita. Encontra-se sempre em construção, em desenvolvimento. Não se trata da construção do edifício da escola, mas da comunidade social, dinâmica que ela quer ser. (ALARCÃO, 2003, P. 83).

Mais uma vez nos deparamos com a conceituação do coletivo para designar a escola, agora a vemos como comunidade e ao refletirmos sobre o sentido desse termo, não nos ficarão dúvidas acerca da correção de seu uso para denominar o ambiente escolar. Outro fato é tratar-se de uma comunidade dinâmica, sempre em construção, pois é por ali que desfilam os atores que nela convivem e são os protagonistas dos termos da própria definição de escola reflexiva: pensar, refletir, organizar, avaliar e formar. A escola é um ambiente em que circulam conhecimento, saber, informação e seus detentores; a escola é um ambiente em que circulam indivíduos ávidos para colher os frutos dessa convivência para descobrirem competências, capacidades, valores que os tornarão prontos e aptos para escreverem a própria história.

É na escola que o professor reflexivo vai encontrar o espaço propício para semear seus conhecimentos. Se também a escola é reflexiva, tudo se completa, os interesses se coadunam e os objetivos propostos serão atingidos com muito mais eficácia, e a Educação terá alcançado o intento de formar indivíduos autônomos, capazes de pensar, de decidir, de contribuir para a construção de um mundo melhor. Indivíduos preparados para os desafios do século XXI.


CONCLUSÃO

Nossos professores, ao encerrarem sua formação acadêmica, detentores de uma teoria adquirida no intervalo de sua licenciatura, vêem-se, num repente, frente a uma realidade totalmente diversa daquela que poderiam imaginar, até mesmo porque o período de estágio, que teria a função de preencher essa lacuna, é reduzido a um número insuficiente de horas que apenas permite, quando não existem empecilhos por parte dos gestores das escolas, que se desenvolva e se aplique um projeto de pequena monta, voltado exclusivamente para uma área específica, o que não oferece uma visão global da escola, de seus problemas, de suas limitações e de seus desafios.

Trata-se de um quadro desolador que tolhe o entusiasmo do neófito, podendo conduzi-lo a uma situação de apatia e acomodação, contribuindo para a perpetuação do quadro atual que já está arraigado diante da premissa de que sempre foi assim. Esse risco será tanto menor quanto mais profissionais da educação estiverem conscientizados de que a solução do problema passa pelas suas mãos.

É nesse momento que floresce a figura do professor reflexivo, elemento que, desde o início da sua formação, questiona o quê e o porquê das coisas, inconformado pelo simples fato de não ser possível que tudo aconteça sempre da mesma maneira sem nunca haver alguém capaz de interferir nessa trajetória com o intuito de mudar, transformar, fazer novo, revolucionar e melhorar.

Esse inconformismo vai conduzi-lo por meandros que o levarão a enfrentar grandes desafios e inúmeras dificuldades, até mesmo algumas decepções, porém, se dentro de si existe o germe da reflexão, nada o fará desistir e nenhum obstáculo o impedirá de continuar em sua luta incessante na busca de novos horizontes.

O professor reflexivo, antes de tudo, é um educador e, como educador, persegue objetivos, acredita em sonhos, vence desafios e nunca desiste: tem em si a certeza de que é sua missão formar indivíduos capazes, críticos e autônomos, aptos a escreverem a própria história. E a história de cada um é a história de um povo, um povo que entende a relação do homem com o mundo e quer transformar essa relação e esse mundo, porque acredita em um mundo melhor.

O professor reflexivo busca constantemente o próprio aprimoramento, pois precisa conhecer-se. O autoconhecimento é a única forma de trabalhar a alteridade e, dessa forma, buscar descobrir, na escola, a competência necessária a desenvolver o seu trabalho em toda a sua extensão: o professor competente na escola competente.

Não nos é possível vislumbrar o que se pretende para daqui a 10 ou 20 anos na área da educação, mas é plenamente viável a opção de formar professores de acordo com a sociedade e o elemento humano que defendemos. Nossos professores, hoje, precisam contribuir para democratrizar a cultura e criar indivíduos autônomos. Assim, precisam desenvolver qualidades como: ser coerentes e confiáveis, proporcionar ao aluno a oportunidade de conversar, mostrar-se um mediador entre as diversas culturas e estimular de forma muito positiva a comunidade educativa.

O professor precisa respeitar regras, a palavra do outro, organizar uma vida democrática a partir da escola e saber tomar decisões conjuntas. Precisa, ainda, ser um intelectual, ou seja, ter uma relação com o saber e com o debate; organizar uma pedagogia construtivista, para proporcionar aos alunos condições de construir os próprios saberes; saber, ainda, administrar a heterogeneidade.

E onde irá nosso professor buscar tudo isso? Exatamente aí reside a necessidade de ele estar em constante aperfeiçoamento, uma "autoformação permanente", através de uma autocrítica que o levará a descobrir em quê e como precisa melhorar. O professor precisa gostar do que faz, aprender com a própria experiência e construir saberes nos percursos, sejam individuais ou coletivos. Um professor precisa discutir educação.

A atualização do professor deve dar-se em todos os níveis. O professor necessita ler jornais, participar de discussões políticas, entender o sentido da educação e, até mesmo, defender interesses sindicais e corporativos, porque somente os saberes práticos não satisfazem, precisam ser complementados com saberes teóricos, epistemológicos e filosóficos.

Formar sujeitos críticos, preparados para os desafios do século XXI, é uma tarefa que não permite parar para pensar. Quando trabalhamos com pessoas, não podemos nos esquecer que as mudanças ocorrem numa velocidade crescente e percorrem o mundo "on-line" através da rede mundial de computadores. A globalização é uma realidade que não tem retorno e a preparação do indivíduo para essa inserção é uma tarefa premente.

As escolas são, hoje, o ambiente propício à disseminação das condições necessárias à adaptação do homem a esse contexto e, para isso, deverão estar em constante aperfeiçoamento. A escola precisa ser reflexiva para atender a essa demanda, porém a escola é um ente que congrega uma coletividade. Se essa coletividade não estiver afinada com o conceito de escola reflexiva, todo o trabalho será em vão. Os professores, como membros dessa coletividade, precisam, eles também, entenderem essa verdade e assumirem sua parcela de responsabilidade, buscando seu constante aperfeiçoamento e seu crescimento pessoal, profissional e intelectual, porque nossos alunos não mais se contentam com respostas evasivas que não esclareçam seus questionamentos.

Há tempos, ao professor era permitido dizer ao aluno que existiam na escola duas obrigações: a do professor de ensinar e a do aluno de aprender. Hoje, nossos alunos são questionadores e, quando o fazem, estão devidamente embasados em dados atuais que muitas vezes ainda não chegaram ao conhecimento do professor. Logo, cabe ao professor entender que o conhecimento não mais é gestado na escola. Muito do que os alunos aprendem acontece fora das quatro paredes da sala de aula, cabendo ao professor tão-somente transformar informação em conhecimento pelo debate, pela problematização, pelo questionamento, pela reflexão, mas, para tanto, deverá estar devidamente preparado.

O conceito de professor reflexivo que tratamos neste trabalho, busca estimular uma meditação sobre a formação, o preparo, a atualização e o desempenho de nossos profissionais da educação que lidam diariamente com um sem-número de alunos, das mais diversas classes sociais e nos mais longínquos rincões desse Brasil e que têm sobre seus ombros a responsabilidade de formar os cidadãos que, num futuro próximo, exercerão o controle do mundo.

Ponderar os resultados do trabalho de cada professor-educador corresponde a visualizar aquilo que nos reserva o futuro, fruto de uma atividade realizada hoje, mas que exige crescimento e, principalmente, a conscientização da responsabilidade em legar à posteridade um mundo melhor.


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[1] Disponível em . 

[2]PERRENOUD, P. Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. Porto Alegre: Artmed: 2001. p. 123-125.

[3]ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003.


Autor: Rogério Ferreira Leite


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