Pernas, para que te quero?



Pernas, para que te quero?     

           

            Renato, nosso vizinho, era um sujeito circunspecto. Morava sozinho numa casa branca, com aberturas marrom.  Tudo que se sabia a seu respeito é que era jornalista e trabalhava no periódico mais importante da cidade. Todas as manhãs entrava em seu automóvel, saindo pontualmente de casa às oito horas, só retornando tarde da noite. Sempre bem vestido, usava ternos, cujas cores variavam entre o preto e o marinho. Cumprimentava a todos, cavalheirescamente, mas sempre sério.

            Eu tinha uma curiosidade muito grande em conhecer detalhes de sua vida, assim como toda vizinhança. Ninguém sabia se era solteiro, casado ou separado. Nada fazia supor que fosse homossexual. Várias vezes pensei: por que sentia tanta atração por ele? Nem bonito era. Talvez fosse o mistério que o cercava que mobilizava minhas fantasias. Em momentos diferentes, tentei me aproximar dele, mas não houve receptividade. Mostrava-me sedutora aos seus olhos. Usava uma mini saia que deixava minhas pernas à mostra. Sabia que era o que eu tinha de mais atraente. Cantadas, recebia diariamente. Não dava a mínima importância. Só me interessava por Renato. Tudo em vão. Ele continuava impassível em seus rituais.

            Resolvi então, escrever-lhe poemas. .Deixei-os em sua caixa de correspondência, assinado: sua vizinha. Nada aconteceu. Desiludida, joguei a última cartada: fiz um texto romântico, declarando meu amor. Desta vez, com assinatura e telefone. Encaminhei assim o que havia escrito. Esperei ansiosa pela resposta, que veio por telegrama: achei muito bonito. E, assinou seu nome. Não entendi o que significava a mensagem.

            No dia seguinte ao defrontar-me com ele, na saída para o trabalho, nem olhou para mim. Pegou o carro e saiu. Nestas alturas dos acontecimentos, não existe amor próprio que resista a tanta indiferença. Escrevi-lhe novamente, pedindo desculpas por haver mandado o texto, tachando de infantil e impulsiva a minha atitude. Pedi-lhe que esquecesse o que eu lhe enviara.Passei a noite acordada, esperando amanhecer para poder encontrá-lo. Sai de casa, na hora habitual, em que ele aparecia. Aguardei um bom tempo, torcendo para que surgisse logo. Quando percebi, já eram nove horas. Fiquei preocupada. Estaria doente? Olhei para a casa e só então percebi que ela estava completamente fechada, sem carro na garagem.. Perguntei aos vizinhos se sabiam o que havia ocorrido. Ninguém tinha a mínima idéia. Liguei para o jornal. A resposta que recebi foi: o jornalista Renato não trabalha mais aqui. Ontem mesmo despediu-se dos colegas, não dizendo a ninguém para onde iria.

            Sua casa foi logo vendida por intermédio de uma imobiliária. Nunca mais se soube do Renato. Segundo uma amiga, que era cunhada de um jornalista, era voz corrente na redação onde trabalhava que ele fugira do assédio de uma vizinha insistente, que lhe tirava toda concentração, mudando de cidade. Passei bons anos de minha vida, esperando revê-lo. Sumido ficou. Senti-me culpada por ter atrapalhado a vida metódica daquele homem. Ao mesmo tempo, me considerei uma legítima idiota, desperdiçando tantos anos na fantasia de um sonho impossível. O pior é que fiquei solteirona e ranzinza. Agora estou velha, cheia de rugas e flácida demais para botar uma mini saia e mostrar minhas pernas, cheias de celulite, que já não fazem mais a alegria de ninguém.

 

Themis

           

 

 

 

 

 

 

 

 


Autor: Themis Groisman Lopes


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