Quem é você?



Quem é você?

Quem é você que passa pela vida e nada vê?
Que conversa com ninguém e sem esperar por resposta alguma, prossegue falando e falando e falando... E fala do nada e fala do tudo, embaralha, desembaralha... Será que ouve a resposta que não vem ou você mesmo a responde sem saber que é você... Que roupa é essa que já faz parte de seu corpo, tanto tempo a colocou? Essa roupa, que está tão impregnada de você... É a sua pele... Tem o seu cheiro. O seu "mau cheiro" para o mundo que você não vê... E não o vê.
Seu cabelo por cortar, sua barba por fazer... É assim que se esconde de ninguém? Seu olhar apagado, sem brilho, sem vida, não olha, perpassa... Será que vê? E se vê... Vê o quê? O nada? O tudo?
Você, que carrega sua vida numa sacola encardida... Onde tem tudo e tem nada... Tem restos de vida e tem nada a viver... Tem restos de nada que você sempre será.
Você se excluiu da vida ou foi a vida que se excluiu de você?
De onde vem seu alimento?Será que você come a fome para que ela se vá? Será?
O dinheiro queima em suas mãos, que não mais sabe o que fazer com ele... Não o reconhece como valor de troca... Afinal, todas as portas se fecharam para você...
Pobre ninguém que já foi alguém um dia. Teve nome, sobrenome...
Habitou o ventre materno... Foi alimentado pelos seios da mãe. Teve o aconchego de braços que o embalaram e dormiu ouvindo cantigas de ninar, "Nana nenê... Que a cuca vem pegar..." Será que a cuca veio pega-lo? Será?
Criança que já foi um dia, que brincou de "pelada, mana mula, bola de gude...", que brigou, bateu e apanhou... Mas viveu... Conviveu... Sobreviveu... Sobreviveu?
Já viu o mundo como todos o vêm, que o sentiu bonito, que já acordou com os pingos de chuva batendo na janela de seu quarto, ouviu passarinhos cantando, já viu a beleza do azul do céu, as estrelas no firmamento, sentiu o gosto da água a saciar a sede, já viu crianças brincando, brigando e chorando por tudo e por nada. Já passou pela vida, trilhou talvez os caminhos que escolheu... Por que mudou de rumo?... Ou será mudaram o rumo de você?... Que permitiu ou não percebeu que a decisão de sua vida só cabe a você e a ninguém mais. O outro pode querer... Mas daí a poder...
Como foi que se desfragmentou... Desobrigou-se de tudo... Como foi que você foi em frente e deixou de olhar para trás, vivendo o nada. Como foi?
Sequer a companhia amiga de um cão a acompanhá-lo... Está alheio a tudo... Vive num mundo só seu. Vive?
De longe eu o olho. A sua imagem está presente em meu pensamento. Está tatuada em mim. Preciso falar com você. Necessário se faz que entre nós aja uma aproximação. Quero deixar de supor. De imaginar Isso me incomoda. Vou tentar quantas vezes forem necessárias... Mas eu vou conseguir... Olhos nos olhos. Espero....
Os dias vão se passando... Eu o vejo sempre no mesmo lugar... Tenho receio que se vá. Prometo então a mim mesma que não passa de amanhã. Não posso e não devo mais esperar, meu irmão.
O dia amanhece, os raios de sol entram pelas frestas da janela do meu quarto, a chamar-me. Saio da cama na certeza de encontrá-lo e me aproximar de você. Aos poucos, como quem não quer nada, mas tudo querendo.
Lá está você... Será hoje... Não posso mais esperar... Não quero.
Então caminho ao seu encontro, lentamente... Com o coração batendo forte, como a dar-me forças.
Paro ao seu lado e fico observando. Aproximo-me um pouco mais e você se afasta, como não a sentir o humano em mim e não sentir o humano em você. Realmente não é nada agradável o odor que emana de você. Sua aparência causa repugnância. Mas eu vim ao encontro do meu irmão... Então sublimo e fico. Dispo-me de mim e me penso igual a você e o sou. Parecemos-nos. Fomos feitos à imagem e semelhança do Pai... Então?
O tempo vai passando... Eu o olho... E em pensamento o chamo, "olha pra mim, estou aqui, temos o mesmo Pai, somos irmãos".
Aí sim, ao perceber-me como igual, olha-me... Perpassa-me, mas já é um sinal... Um bom sinal. E é só. Nada mais. Vira-se então para o lado e continua falando... Com quem não sei... Para ele, com alguém ou com ninguém. Só ele sabe. Prossegue em seus "afazeres", enquanto fico ali... A esperar, pacientemente.
Passam-se os minutos, passam-se as horas e aí..., Resolvo ir embora. Digo até logo e não tenho resposta alguma... A mim não importa, eu o disse.
O primeiro de muitos passos foi dado.
No dia seguinte, lá estou eu de novo. E no outro e no outro e no outro...
Até que um dia, sinto seus olhos em mim e baixinho, a resposta ao meu bom dia. E mais nada e nada mais. Mas foi o bastante para encher-me de esperança. "Nós nos encontramos repetidamente em mil disfarces nos caminhos da vida." Jung
Todo o restante do tempo que ali fiquei, permanecemos calados. Falar não mais era preciso. Eu o sentia e respeitava seu silêncio. A distância entre nós era a imposta por ele, que ditava as "regras". Percebi então que a estranha no ninho era eu e não ele...
Passa dia, passa noite até que um dia... Até que um dia fui encontrá-lo e não mais o vi. O dia, que tinha amanhecido cinzento, tristonho, prenunciava essa partida. Ele não estava mais lá. Só estava o seu gorro de lã a me esperar... Ele tinha ido embora... O meu irmão.
Fiquei ali mais um tempo e fui embora levando seu gorro comigo. Fui sem olhar para trás, e em meu coração a imagem daquele, que por pouco tempo, muito pouco, num simples bom dia, retornou à vida e dela saiu sem dizer adeus...
Ou talvez o tenha dito deixando seu gorro ali, para que eu o pegasse ou não. Mas eu o peguei... Afinal, acabamos por nos entender, apesar de nunca ter perguntado nada, estar próxima a ele a mim bastou. "Descobri que eu tinha cada vez menos o que dizer, até que finalmente, fiquei em silêncio, e comecei a prestar atenção. Descobri no silêncio, a voz de Deus." (Kierkergaard)
Amém Pai.

Heloisa Pereira de Paula dos Reis

Autor: Heloisa Pereira De Paula Dos Reis


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