BAFÔMETRO - E a presunção de inocência???



Em 05 de outubro de 1988, os representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, promulgaram, sob a proteção divina, a denominada Constituição "Cidadã". Em decorrência de sua rigidez, a referida Constituição de 1988 encontra-se no ápice do ordenamento jurídico, estando em posição de superioridade em relação às demais normas jurídicas do País. Serve, portanto, de parâmetro para a elaboração de todas as espécies normativas, devendo estas respeitar o comando constitucional, sob pena de incorrer-se em vício de inconstitucionalidade.

Em outras palavras, o princípio da supremacia constitucional exige que todas as leis brasileiras estejam de acordo com o texto magno vigente, pois qualquer incompatibilidade dará ensejo à declaração de inconstitucionalidade da respectiva espécie normativa, obrigando a retirada desta do ordenamento jurídico.

O art. 5º, inc. LVII, da Carta Magna de 88, estatui que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Vislumbra-se, pois, o denominado princípio da presunção de inocência, segundo o qual, enquanto não definitivamente condenado, o réu é presumidamente inocente.

À vista disso, tem-se que enquanto não houver coisa julgada, ninguém poderá ter seu nome lançado no "rol de culpados".

Logicamente, a presunção de inocência perdurará enquanto não for derrubada ? o que poderá ocorrer por meio de um decreto condenatório transitado em julgado, em face do qual não caiba mais recurso.

A certeza de culpa ocorrerá somente com o trânsito em julgado, fato que legitimará a inserção do nome do condenado no "rol de culpados".

Enquanto não sobrevier a coisa julgada, cabe à acusação afastar a presunção de inocência, ou seja, provar que, de fato, o réu ou acusado é culpado dos fatos que lhe foram imputados. Conforme reza o art. 156 do Código de Processo Penal, "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer (...)". O Estado, portanto, tem que provar a culpa do réu ou acusado, e não este comprovar a sua inocência.

Dentro de um devido processo legal, cabe à acusação produzir todos os meios probatórios possíveis, lícitos e legítimos visando a demonstrar a veracidade dos fatos e a culpabilidade do acusado. Ou seja, o réu não tem que provar a sua inocência, visto que, inadvertidamente, poderá, até mesmo, produzir prova contra si mesmo ? o que certamente lhe trará enormes prejuízos.
Registre-se, o réu defende-se dos fatos que são imputados, mas isso não significa dizer que deva provar obrigatoriamente a sua inocência, embora seja indispensável, em regra, sua defesa por meio de advogado ou defensor público.

No intuito de defender-se dos fatos que lhe são imputados, é óbvio que réu ou acusado não produzirá prova contra si mesmo, tampouco poderá ser compelido a instruir prova contra si.

A submissão ao bafômetro faz com que, eventualmente, o condutor do veículo automotor produza prova contra si mesmo ? eximindo o Estado do ônus de provar.

O art. 277 da Lei n. 11.705/2008, estabelece que "todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado".

O § 2º do art. 277 da referida lei reza que a infração prevista no art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro "poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor".

Tanto a lei antiga n. 11.275/2006 quanto a Lei n. 11.705/2008, assentam que o condutor do veículo, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool, será submetido a testes de alcoolemia ? o que afronta o princípio da presunção de inocência.

Atualmente, para piorar, conforme prevê a Lei n. 11.705/2008, qualquer "agente de trânsito", mediante obtenção de provas em direito admitidas, tem competência legal para aferir eventual embriaguez ao volante.

Ora, sem desmerecer os agentes de trânsito, mas eles não têm técnica e preparo suficiente para atestar a embriaguez de quem quer que seja.

A "dignidade da pessoa humana", como fundamento da República (CF, art. 1º, III), não permite que possa haver constrangimento na colheita de provas, tampouco agasalha a auto-incriminação.

É mister lembrar que num confronto entre o interesse público e o interesse particular, deve prevalecer o primeiro, desde que respeitados os direitos e as garantias fundamentais, que são limites ao poder do Estado.
O fato de se permitir que um agente público, sem qualificação médica, ateste a condição de embriaguez de um condutor de veículo automotor, afronta a privacidade, a intimidade, a liberdade e intangibilidade do corpo da pessoa humana. O ato deixa de ser discricionário e passa a ser arbitrário.

Enfim, a Constituição Federal, que contempla o princípio do estado de inocência e diversos direitos e garantias fundamentais, é o diploma reitor de todo arcabouço jurídico material e processual. Sendo assim, a norma infraconstitucional (lei, por exemplo) deve ser interpretada de acordo com o ordenamento constitucional (CF), e não vice-versa.

Infelizmente, as autoridades legisladoras esquecem-se da imprescendível "lição de casa" e o bê-a-bá do Direito é preterido não raras vezes em desfavor da pessoa humana, que é, incontestavelmente, a razão de ser do Estado brasileiro. Fazer o quê. "É esperar pra ver!". Rezemos...

É isso...

Autor: Nourmirio Bittencourt Tesseroli Filho


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