Antíteses



 Antítese: de acordo com o dicionário Larrousse, contraste, oposição; pessoa ou coisa nitidamente oposta à outra; Idéia ou proposição que forma o segundo termo de uma antinomia ou de uma contradição de tipo dialética.
A política brasileira é composta por antíteses. Desde os primórdios da formação da nossa república, pactos e alianças de partidos de ideologias avessas configuram o cenário de nossos pleitos, na busca pelo eleitorado e pelo apoio da oposição. Desses acordos, eventualmente, resultam coligações insólitas. Algumas, saldáveis. Outras, no entanto...
 
Quando a ANL (Aliança Nacional Libertadora) foi formada para fazer frente a uma possível inclinação brasileira ao nazi-fascismo, selou-se pacto entre grupos de interesses distintos, em prol da necessidade de combater o inimigo comum. Sem loas à postura e às idéias de seus líderes, prevaleceu a coerência entre as doutrinas. Também a dúbia Frente Ampla, em 1966, reuniu esforços de ferrenhos adversários em tentativa fracassada de resistência à ditadura. Padecendo dos desacordos entre seus desafetos unidos (que previam outras as intenções de Lacerda), acabou desbaratada por Costa e Silva. Despotismo à parte, diga-se justo, uma vez que varreu as pretensões do corvo. Quando o PT assegura ao PMDB e ao PDT generosa fatia de seus principais ministérios, numa tentativa de somar apoio parlamentar necessário à aprovação de seus projetos, a questão é de ordem administrativa, e certamente não fere a aclamada ética do partido, já abalada pela adoção dos meios ilícitos – como o mensalão – para obtenção dos mesmos fins. Recentemente, a coligação PV-PSDB-PPS, denominada Frente Carioca, que lançou a pré-candidatura de Fernando Gabeira à prefeitura do Rio, tem sido o alvo das discussões. Célebre militante da esquerda revolucionária, Gabeira, que tem o currículo assentado pelo radicalismo e pela desenvoltura com que advoga determinadas campanhas (como a liberação da maconha e seu uso industrial, por exemplo), anda com suas qualidades morais postas em xeque. Como alguém com sua história pessoal – indaga-se – pode aliar-se tão explicitamente à trupe conservadora?
 
Há uma diferença, entretanto, entre as ideologias do partido e as do indivíduo (integrante do partido), que muitas vezes se confundem e se mesclam na teia dos interesses mútuos. Não é a primeira vez que Gabeira supostamente rompe com suas crenças. Integrante do MR-8 (Movimento 8 de Outubro, contra a ditadura), tendo participado do seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick e exilado de 1969 a 79, ainda no degredo principia a rever sua postura de insurreto. Admirador de Gandhi e de Martin Luther King, passa a defender a bandeira de causas ecológicas e pacifistas e funda o PV, pelo qual candidata-se, sem sucesso, ao governo do Rio e à Presidência da República. Mais tarde elege-se deputado federal, cargo que exerce até hoje, através de vitórias sucessivas. Foi acusado por seus correligionários de favorecer o adversário ao votar em benefício da privatização da telefonia e da quebra do monopólio da Petrobrás. Em 2002 apoiou o PT, com o qual rompeu no ano seguinte por discordar "de suas práticas no governo e no Congresso". Hoje, classifica como demodê o clássico embate entre tradicionais e liberais, e vê com bons olhos o capitalismo. Sua declaração à Veja, em 2005, parecia prever o desenrolar dos fatos:
"Vários mitos caíram. A ausência de um mito messiânico da classe operária permite concluir que não temos salvadores, o que é um avanço. A decadência moral em que parte da esquerda se meteu mostra que ela não é o bem absoluto. Fica demonstrado também que a direita não é o mal absoluto. Abre-se espaço para novas conformações políticas".
Gabeira sempre teve seus arrufos independentes. Sua trajetória – como a de outros estadistas – é marcada por rompimentos. Mario Sabino, ao narrar brevemente a juventude de um conhecido articulista, faz a seguinte comparação: "a diferença entre o Garrincha e o Diogo (Mainardi, a quem se refere), é que em seus dribles, o Garrincha fazia toda sorte de firula, mas sempre saía pela direita. O Diogo às vezes pode sair pela esquerda".
 
O Gabeira, depois de velho, deu de sair pela direita.
 

Autor: Daniele Barizon


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