Leitura e análise do poema: ''Há metafísica bastante em não pensar em nada, segundo a Metafísica''



Lourival Pereira Júnior
Orientador
Professor Mestre em Filosofia/UESC

Solineide Maria de Oliveira
Estudante na Disciplina
Problemas Metafísicos/UESC


O nada a que o poeta se refere, diria respeito às questões universais do "sentido" de estar no mundo. Viabilizaria o começo dos questionamentos que seguem: explicações sobre a essência das coisas, a relação que há entre ambas, entre ambas e o ser, entre tudo isso e Deus e, disso tudo com o Universo. Dessa maneira, o título do poema diria que existe metafísica em tudo o que se diz ser nada; e que nada seria qualquer coisa, alguma coisa.
Fernando Pessoa alarga seu pensamento e caminha por vias dos rebuscamentos inquietantes e inquietos, a exemplo de assunto tão íntimo para a Filosofia: o pensar: O que penso eu do mundo?/Sei lá o que penso do mundo!/Se eu adoecesse pensaria nisso. Diríamos que esta seja uma postura típica de poeta, já que o coração dos poetas "é janela aberta para o nada" . E o coração pensa?
Aliás, o que é pensar? Segundo a Filosofia, pensar num problema filosófico não seria obter ao cabo uma resposta. Seria, antes, burilar, analisar, resgatar, refutar para, enfim, lançar outra possível justificação para tal problema. Pois que pensar, a todos é possível, mas fazer uma viagem desse tipo, provavelmente não, ou, de outra maneira, não estará filosofando.
O verso anterior sugere não ser o único que implicaria nas questões do pensar. Durante todo o poema, tal problema é recordado, chamado, mexido, misturado às sensações da insatisfação de uma resposta que se aproxime de uma resposta satisfatória. Esta postura poética de Pessoa revela uma labuta muito parecida com a do Filósofo, quando está a se desdobrar no despertar para outra justificação de um problema filosófico.
Fernando Pessoa, em seu heterônimo Álvaro de Campos, explora tais questionamentos, em Tabacaria, poema de 1928, tais temas ocorrem de maneira semelhante: Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,(...). Tal verso, e o verso antes deste mencionado, do poema Há metafísica bastante em não pensar em nada, indicariam serem irmãos.
Seriam dois momentos onde o poeta trata de sugerir-se e ao leitor, que a morte ou o momento perto dela, traria ao ser, uma abrupta pressa em se encontrar, encontrar respostas essenciais que o homem passaria a vida a fazê-las a si mesmo. Seria a correria, diante da morte, em descobrir respostas para as angústias essenciais.
Voltemos ao poema sugerido para análise: Há metafísica bastante em não pensar em nada. Já que entre outras coisas a Metafísica procuraria pelo sentido das coisas e elucidação sobre a essência dos seres e se há um princípio para tudo, Pessoa abarca tudo isso em seu trabalho e inclui a questão de Deus:
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma/E sobre a criação do Mundo? Deus, no poema, não implica no "Deus Pai Todo Poderoso" que as religiões professam e sim, numa força que faz parte da natureza, ou melhor, que é a própria natureza.
Em Heidegger, "Filosofia é Metafísica. Esta pensa o ente em sua totalidade ? o mundo ? o homem, Deus ? sob o ponto de vista do ser, sob o ponto de vista da recíproca imbricação do ser". (HEIDEGGER, 1979: p. 71). Não suporia Fernando Pessoa, se movimentar em tal acepção?
Assim, Deus não interferiria em nada, nem nos destinos dos homens, nem nas intenções destes, nem na ideia que teriam sobre Deus: Que idéia tenho eu das cousas?Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? Ele seria parte de tudo, estaria em tudo, existiria em tudo.
Em seguida, Fernando Pessoa recorda um apontamento do filósofo Sócrates, naquela célebre frase: Só sei que nada sei, quando responde a si e a seus outros: Não sei. Este não saber, não estar ciente de nada, recorda a humildade; ele é humilde quando se diz ignorante a tudo isso e, prossegue o poema, sugerindo que Metafísica para ele estaria muito mais na capacidade de não pensar, apenas fechar os olhos/E não pensar.
Diria também que há Metafísica em correr as cortinas/Da minha janela (mas ela não tem cortinas). Por essa trilha seguindo, sugeriríamos que Metafísica para tal escritor, também seria o desnudar das coisas já desvestidas. Não se sabe, no entanto, quais coisas seriam: todas as coisas?
Transcender é passar além de; exceder; elevar-se. Poderia o poeta, estar a se esforçar nesse sentido: desejando ir além do que vê com os olhos impudicos, ir além do que sente esse corpo banal, avançar além do mundo imediato da coisificação que, infelizmente, as palavras podem ocasionar.
Este é o poeta Fernando Pessoa, aquele que buscaria ser dono de olhos de ver e, que, para tal, faria justamente o oposto que se faz quando se quer enxergar, o poeta fecha os olhos para ver e responde de si para si e para outrem que, sobre essas coisas difíceis, essas questões difíceis, seriam necessário fechar os olhos/E não pensar.
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!/ O único mistério é haver quem pense no mistério. Recordando Tabacaria (1928), há um verso que se refere ao mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres. Para que pensar no mistério das coisas, se "todas as coisas tem o seu mistério, e a poesia é o mistério de todas as coisas."
O cerrar os olhos a que o poeta se refere, parece um conselho, que poderíamos traduzir assim: é preciso estar de olhos bem fechados para ver o que são as coisas etéreas, pois Quem está ao sol e fecha os olhos,/Começa a não saber o que é o sol/ E a pensar muitas cousas cheias de calor./ Mas abre os olhos e vê o sol. Vê o sol porque transcende?
Talvez, pois quem transcende, sugere que já não pode pensar em nada, e nem precisaria, porque teria ido além do universo do pensamento: Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos/ De todos os filósofos e de todos os poetas./A luz do sol não sabe o que faz/ E por isso não erra e é comum e boa.E se a Metafísica é o saber acerca do diáfano das coisas, nada mais apropriado do que ter olhos de dar passagem e não, de se apropriar do que se vê.
Quando o poeta escreve que a luz do sol não está ciente do que faz, afirmaria que não pensar seria estar cônscio do que se faz. Parece que este poeta sabe que se chegasse a responder sobre este problema, teria o compromisso de deixar a resposta para uma inquietação de outro poeta: "por que o sol é tão amigo do caminho do deserto"? Fernando Pessoa sugere possuir uma consciência que não assevera não cobra, não pesa. No entanto, decorre no poema inteiro, questionando, asseverando, cobrando nem tanto, mas sopesando a tudo.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? Ou, em outras palavras, sugeriríamos que este questionamento gostaria de julgar o seguinte: aquelas árvores, ora, são árvores e basta. Existem e cumprem a função de árvore. Não precisam pensar em crescer, amadurecer, dar frutos; em cumprir as estações até, que um dia, por qualquer circunstância, venham a morrer. Elas estão ali e cumprem a função de serem verdes e copadas e de terem ramos/E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
Disso, dessa vivência-existência tão pura, quanto perfeita, é que se pode perguntar: Mas que melhor metafísica que a delas,/ Que é a de não saber para que vivem/ Nem saber que o não sabem?
Eis que aparece outra vez, a questão do não saber. Não saber, e, por isso mesmo, talvez, saber melhor. Ou, de outra maneira, apenas ser, sem o saber. Que seria, em hipótese, para o escritor, a melhor forma de ser real.
"Constituição íntima das cousas".../ "Sentido íntimo do Universo".../ Estando entre aspas, seria uma citação? Quer isolar a frase? Quer chamar atenção para o sério problema da "Constituição íntima das cousas"...? E as reticências diriam o quê? O que será que o poeta não disse, não escreveu? Omitira o que pensava, intimamente, sobre o que seria "o Sentido íntimo do Universo"? Confiaria em tal Sentido? Parece que não, pois continua a sentença com o agravante verso: Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
O que é falso e o que é verdadeiro. Este poeta poderia ser filósofo, pois, labuta com tais inquietações como se fosse um: argumenta e se dirige aos questionamentos que irrompe para si e para seus leitores, como se estivesse numa tribuna. Ou como se lentamente e de lá para cá, se movimentasse, feito como nos idos tempos gregos, ao pé de alguma árvore, entre filósofos e seus discípulos. Mas a poesia é arte, e a Filosofia?
A Filosofia abarca homens que não se contentam com o comum, o trivial, o corriqueiro. Ela necessita de entes que busquem a verdade como se fossem meninos curiosos, ávidos por respostas inéditas. Diz-se que Filósofo é aquele que ama a sabedoria, que respeita o saber, que tem afeto pelo conhecimento, e, isto não seria arte? Sim, seria arte. Consegue-se então, assim, uma aproximação razoável entre este poeta e o Filósofo, pois que "toda arte, (...), é na sua essência poesia" (HEIDEGGER, 1990: p.58)
O que diferenciaria o poeta do Filósofo, talvez, seja o descompromisso em provar, em acertar o rumo das ideias de outrem com o dele. Ao poeta não caberia direcionar quem o lê com assertivas exatas, porque "quando o poeta diz: ?Meta?, pode estar querendo dizer o inatingível" . O que dizer de um poeta que busca sentidos na falta de sentido íntimo das coisas? Por que pensar no sentido íntimo das cousas?!
O poeta se abespinha com tal inquietude humana, e, poderia aconselhar a todos que ouvissem estrelas. "Ora, direis ouvir estrelas"? Sim os poetas solicitam que as ouçam, pois, talvez somente elas pudessem responder agitações que não deixam um mar de respostas possíveis. E acaba por responder o seguinte: O único sentido íntimo das cousas/ É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Sentido não seria uma questão de análise racional, mas transcendental, metafísica, além das respostas rasas que todos os seres comuns costumam dar ao sentido íntimo das coisas. Outro poeta disse que a impaciência em não sentir não deveria ser levada muito a sério e indica "que o que a gente sente, sente, ainda que não se tente, afetará". Pode-se pensar que quando Fernando Pessoa chega ao ponto de escrever: Não acredito em Deus porque nunca o vi, seria para dizer que debater sim, responder? Não se sabe; deixe-se apenas ser afetado.
Lisboeta e discreto, tal escritor não estaria querendo lançar ofensas aos religiosos, mas debater com os Filósofos e chamar os homens comuns, para a discussão de um tema antigo. Antigo sim, resoluto não. Lembre-se, porém, que o poeta não é obrigado a resolver, não quer determinar, deseja o mínimo no máximo, por causa disso "na lata do poeta tudo nada cabe". Isto é talvez ridículo aos ouvidos de quem, por não saber o que é olhar para as cousas, não compreende quem fala delas com o modo de falar que reparar para elas ensina.
O que seria olhar para as coisas? Fernando Pessoa nos daria uma pista ou estaria, ao contrário, dificultando o caminho dos achamentos? Olhar para as coisas, de maneira efetiva, seria fechar os olhos e enxergar com o coração? Ouvir, mas com os ouvidos cerrados para o os ruídos do mundo real?
Mas se Deus é as flores e as árvores, e os montes e sol e o luar então acredito nele, então acredito nele a toda a hora, e a minha vida é toda uma oração e uma missa, e uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos. Para Pessoa é possível que se tenha encontrado outra justificação, pelo menos para o problema de Deus, pois que "o cérebro só consegue pensar por comparações e contrastes".
Resolvido, então, que se Deus é as árvores e as flores/ E os montes e o luar e o sol: Para que lhe chamo eu Deus? Ele o chamará de flores e árvores e montes e sol e luar; Porque, se ele se fez, para eu o ver, Sol e luar e flores e árvores e montes, Se ele me aparece como sendo árvores e montes E luar e sol e flores, É que ele quer que eu o conheça Como árvores e montes e flores e luar e sol. E por isso eu obedeço-lhe.
Talvez seja essa uma das maiores importâncias da existência da poesia, porque nosso cérebro só consegue pensar por comparações e contrastes, e a poesia fala através do seu silêncio, ela continua a conservar o silêncio ao mesmo tempo em que evoca algo . Supõe-se que tal movimento, se compara ao movimento deste poema do poeta português e universal Fernando Antônio Nogueira Pessoa:
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

Este eu lírico pessoniano e suas perguntas e sua Transcendência e suas réplicas possíveis, recorda ele mesmo, noutro trecho do mesmo poema O Guardador de Rebanhos, quando registrou: Amar é a primeira inocência, e toda a inocência é não pensar... Alberto Caero parece confuso, mas não. Ele apenas quereria dizer que é tudo simples, as coisas são como são e a vida é como se apresenta, não existiria falso, nem verdadeiro: necessário, apenas, senti-las. Por causa disso seria possível acontecer de caminhar com Deus, e pensando-o e ouvindo-o dessa maneira, andando com Ele a toda hora.
Supõe-se que a Poesia e a Filosofia são duas criaturas irresolutas; a primeira, mais do que a segunda. Mas o irresolutismo da poesia, nada tem a ver com falta de sentido, muito ao contrário. Pois que o sujeito lírico "tem um coração deserto, imenso e assustador", que busca por elucidações. No entanto, consegue "pulsar tranqüilo no papel sem poesia". Ou seja, se a nova justificação não aparecer, depois de depurado debruçamento sobre determinado problema, o poeta descansa no silêncio de uma folha em branco. Para o Filósofo, a coisa se dá de maneira diferente, pois a nova justificação de um problema a que se propôs contestar é a sua glória, o seu travesseiro de dormir uma noite, com traquilidade.
Poesia e Filosofia, razão e emoção, Metafísica e a metafísica de Fernando Pessoa. Numa rasa explanação do poema sobre o qual se propôs discutir, o que se pode ser lançado, titubeando, é que se meter com a Metafísica de qualquer espécie é uma responsabilidade para iniciados. Contudo, pensamos que conseguimos aos menos arrastar o pensamento nas bordas dos de Fernando Pessoa e sua filosofia, a caminho de triscar os conceitos Filosóficos.






Referências

Obras citadas:

MARANHÃO, José Luis de Souza. O QUE É MORTE. São Paulo: Editora Brasiliense, 1998.

LELOUP, Jean-Yves. A arte da atenção. Campinas: Editora Verus, 2002.

NERUDA, Pablo. Livro das perguntas. Porto Alegre: Editora L&PM, 2007.

Obras estudadas:

ARISTOTELES. Metafisica. Edicion trilingue por Valentin Garcia Yebra. Editorial Gredos. Madrid, 1970 (2ª. ed. 1987).

BORGES, José Ferreira. Coleção: Textos Fundamentais da Filosofia. Areal Editores, 2005.

Sites consultados:

http://www.suapesquisa.com/o_que_e/metafisica.htm. visitado em 19/03/2010 ás 14h26min.
http://kartei.blogspot.com/. Visitado em 17/04/2010 às 20h20min.
http://www.ufrgs.br/bioetica/morteamv.htm. Visitado em 19/03/2010 às 14h18min.
Autor: Solineide Maria Oliveira


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