O município e o prefeito na nova ordem constitucional



A nova ordem constitucional: o município e o prefeito

Riberti de Almeida Felisbino
Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos. Foi professor e pesquisador da Fundação Universidade do Tocantins e atualmente é pesquisador associado à Universidade Estadual Paulista, campus Araraquara-SP. Endereço eletrônico: [email protected].

Resumo: O texto discute o município e chefe do poder Executivo local, o prefeito, sob a égide da Lege Majore (Constituição Federal) promulgada em 05 de outubro de 1988, inaugurando o que os cientistas sociais chamaram de nova República.

A organização e o funcionamento dos governos municipais ensejam o florescimento do espírito público, a vocação para a vida política (Silva, 1995, p. 30).
O prefeito não é um mero funcionário, mas o representante eleito pela população local para gerir os negócios municipais (Serra, 1997, p. 28).
Os municípios brasileiros, desde 1824 até 1988, passaram por um processo de readaptação política, administrativa e econômica de suas instituições. A posição atual dos municípios é bem diversa da que ocuparam nos arranjos constitucionais anteriores. Comparado com o do período de 1946 a 1964, a autonomia municipal no atual regime democrático passou a ser exercida de direito e de fato nas administrações locais.
Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil era constituído pela união dos Estados, do Distrito Federal e dos territórios. Os municípios não eram qualificados como membros da Federação. A Carta Magna de 1988 representou um marco no processo de descentralização política no Brasil, ao reconhecer os municípios como entes da Federação e ao atribuir-lhes maiores competências. No primeiro artigo da atual Constituição Federal pode-se observar o desejo dos constituintes com relação à formação da nação brasileira: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...)" (Constituição Federal, 1988, art. 1). Essa formação estabeleceu a competência de cada uma das esferas governamentais, que também estabelece o que lhes é vedado: os artigos 21 e 22 enumeram as matérias de competência exclusiva da União, enquanto o artigo 23 destaca as matérias de competência comum da União, Estados, municípios e Distrito Federal.
O mais importante do atual desenho constitucional, no que diz respeito ao processo de autonomia dos municípios, está no artigo 29: "O município reger-se-á por Lei Orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará" (CF, 1988, art. 29). Observa-se que esse artigo coloca os municípios, em relação a sua autonomia, em posição privilegiada aos demais entes da Federação, pois não estão mais subordinados a qualquer autoridade estadual ou federal no desempenho de suas atribuições exclusivas. Cabe aos municípios, dentro de suas competências privativas, "legislar sobre assuntos de interesse local" (Constituição Federal, 1988, art. 30, inc. I), em substituição à tradicional expressão ?peculiar interesse?, que acompanhava todas as Constituições Federais republicanas anteriores.
O atual arranjo constitucional conferiu "(...) aos Estados e municípios ampla autonomia para legislar e arrecadar tributos próprios e para orçar, gerir, despender e fiscalizar seus recursos, além de reformatar tributos e descentralizar receitas" (PNUD, 1996, p. 57).
Abrúcio e Franzese (2007) reconhecem que os entes da Federação obtiveram maior autonomia política, administrativa e financeira. Arretche (2002) também vê que a "(...) descentralização fiscal da Constituição de 1988 alteraram profundamente as base de autoridade dos governos locais" (p. 29). Em resumo, a partir da promulgação da Carta Magna de 1988, o poder político-econômico no Brasil foi descentralizado. Isto significa dizer que os governantes dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios passaram a ter mais liberdade na distribuição dos recursos públicos para promover políticas públicas coerentes e eficientes.
Com tal importância e dando destaque ao município, os principais membros da elite local - os vereadores e o prefeito - ganharam relevância no jogo político, seja na esfera estadual ou federal, pois eles constituem peças fundamentais no gerenciamento das principais instituições que conduzem o município e, principalmente, nas disputas das eleições gerais, sobretudo na eleição do governador.
Em relação ao prefeito, ele é o porta-voz natural dos interesses e das reivindicações do município frente à Câmara Municipal, às outras esferas de governo e aos atores capazes de contribuírem para o desenvolvimento do município. Não é segredo para os estudiosos da política e também é reconhecido pelos demais atores que o prefeito, em especial o chefe do poder Executivo da capital, tem uma forte influência no cenário político local. É por isto que, nas eleições gerais, ele é procurado pelos demais atores que estão em campanha eleitoral, pois ele pode ser um forte aliado nas disputas políticas entre os diversos grupos locais.
O prefeito, em simetria aos chefes dos Executivos dos governos federal e estadual, exerce as funções política, executiva e administrativa. Todas essas funções têm sua importância na relação com os demais poder da República, organizações partidárias, movimentos sociais etc, mas a função política se destaca das demais devido a sua relevância nas atividades do prefeito. Dentre as funções políticas, cabe ao chefe do poder Executivo municipal apresentar projetos de leis à Câmara Municipal, sancionar, promulgar, fazer publicar e vetar as leis, convocar extraordinariamente os vereadores, quando necessário, e representar o município em todas as circunstâncias.
Considerando o acima exposto, pode-se indagar: Por que determinados candidatos são selecionados para exercer o cargo eletivo mais importante do município? A literatura sobre elites ressalta que parte da resposta pode ser encontrada nas características sociopolíticas dos candidatos. Os atributos sociais e políticos que circundam a vida dos postulantes a qualquer cargo eletivo são fundamentais para o estudo das elites. Noutras palavras, as características - por exemplo, família, sexo, faixa etária, formação escolar, ocupação profissional, naturalidade, local de residência, patrimônio, gasto com campanha etc - são relevantes porque elas podem ajudar a construir um perfil sociopolítico dos membros pertencentes às elites. Também o estudo das características sociopolíticas pode indicar quais predominaram na disputa eleitoral, ou seja, quais atributos podem indicar os filtros que circundam o processo seletivo dos integrantes do distinto grupo político.

Referências bibliográficas

ABRÚCIO, Fernando. L. e FRANZESE, Cibele (2007). "Federalismo e políticas públicas: o impacto das relações intergovernamentais no Brasil". Em ARAÚJO, Maria de Fátima e BEIRA, Lígia (orgs.). Tópicos de economia paulista para gestores públicos, SP, Fundap.
ARRETCHE, Marta (2002). "Relações federativas nas políticas públicas", Campinas, Revista Educação & Sociedade, vol. 23, n° 80.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (1988).
SILVA, Benedicto (1995). Teoria das funções municipais. Textos de administração Municipal, RJ, 2, IBAM, 2º Edição.
SERRA, José (1997). O novo município. Brasília, Senado Federal.

Página web consultada

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento: http://www.undp.org/ ou http://www.pnud.org.br/home/.
Autor: Riberti De Almeida Felisbino


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