Sobre o ensino de português na escola



POSSENTI, Sírio. Sobre o ensino de português na escola. In: GERALDI, J. W. (org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1987. pp. 32-38.

Sobre o ensino de português na escola

Texto resenhado por Fernando Maria de Jesus Oliveira, quando aluno do Curso de Especialização em Avaliação Educacional em Língua Portuguesa - UFPE.

Muito se tem discutido sobre o atual panorama ineficaz do trato pedagógico do português, e as novas tendências apontadas pela Linguística Textual aparecem como uma visão outra e de resgate de melhores resultados. É sob essas perspectivas que Sírio Possenti discorre, nesse texto, acerca de princípios, tidos por ele como díspares, destinados mais à reflexão do que à ampliação de conhecimentos a respeito do ensino da nossa língua. Para ele, o conhecimento técnico não é o fundamental para o professor da língua materna, sendo, porém, fonte de práticas que resultem em excelência na práxis do mesmo. Na atualidade, a melhoria almejada é vivenciada apenas nos resultados apresentados por pesquisadores e/ou especialistas, todavia para o autor necessita-se de uma revolução, visto que um conhecimento científico da linguagem "exige rupturas com princípios que fundamentam o tipo de saber anteriormente aceito", portanto, coloca como princípio maior a mudança de concepção de língua e de ensino de língua na escola, sugerindo que se seus princípios forem postos em prática representarão mudança e se forem verdadeiros e aplicados resultarão em melhoria do ensino.
O primeiro princípio defende a criação de condições para que o português padrão ? objetivo de ensino da escola ? seja aprendido, posto que essa variedade apresenta diversos valores, inclusive o de não veicular apenas uma ideologia: não se ensinar ou não se exigir o domínio do dialeto padrão por usuários de dialetos não-padrões reside no preconceito de que o padrão é difícil de aprender, o que não é verdade, pois todos os falantes são capazes de fazê-lo, visto que aprenderam o não-padrão, e não existem diferentes graus de complexidade entre os dialetos. Para Possenti, as razões do não-aprendizado do padrão devem-se em maior parte a valores sociais dominantes e em menor escala a estratégias escolares questionáveis, e ainda, "não ensinar o padrão equivale a tirar o português das escolas".
Outro princípio defende que o sucesso de um projeto de ensino de língua depende da existência de uma concepção clara de criança e de língua: observando-se crianças no uso da fala, pode-se comprovar o sucesso das mesmas no aprendizado das normas necessárias ao domínio dessa modalidade de uso da língua; tendo as línguas como sistemas complexos, as crianças não são incapazes, já que aprendem as mesmas. A falta de clareza dessas concepções consistirá na manutenção da reprovação, das salas especiais, e no fracasso de nossos projetos.
Seguem-se três princípios relacionados ao saber linguístico, a saber: as estruturas linguísticas, a aquisição da fala e as variações linguísticas. O primeiro trata todas as línguas ? e também os dialetos ? como estruturas de igual complexidade, não havendo, portanto, línguas simples e complexas, primitivas e desenvolvidas: essas ideias são frutos de preconceito, que atribuem valores diferenciados pela sociedade a cada dialeto e respectivo usuário típico; ou de ignorância, visto que existe abundante bibliografia que relega tais teorias. O segundo princípio aponta para a capacidade dos falantes de dialetos desvalorizados em aprenderem os dialetos valorizados, reforçando o princípio anterior quanto à complexidade das línguas (e dialetos): assim, os alunos ao chegarem à escola falando, demonstram que conhecem uma estrutura complexa. O terceiro princípio considera que, condicionadas por fatores internos ou sociais, ou por ambos simultaneamente, as línguas variam, refletindo a variedade social e fornecendo meios de constituição de identidade social.
O próximo princípio refere-se às formas arcaicas em que o autor reforça a dinâmica da língua: para ele, não se deve desperdiçar tempo com formas e usos com que os alunos têm pouco ? ou nenhum! ? contato, até nos textos mais correntes, e as quais a maioria não aprende. Segundo Possenti, "não se trata de preconceito contra o domínio de formas mais ?escorreitas?, mas de não haver preconceito conta o domínio e a utilização da linguagem mais ?informal???, que hoje se faz correta através da fala e da escrita das pessoas cultas do país. O autor propõe a escrita dos jornais ou dos textos científicos, em detrimento da literatura antiga, como padrão ideal de língua a ser ensinado na escola.
O princípio a seguir trata dos erros e nos remete a uma comparação entre o que é igual e/ou diferente na fala de pessoas diferentes de um determinado país, a qual nos revelaria mais semelhanças que diferenças ? o autor propõe, inclusive, que tal comparação pode ter como universo um grupo qualquer de alunos. O autor coloca, ainda, que análises mais profícuas revelam que há mais acertos do que erros por parte dos alunos (usuários) e que, sendo os últimos hipóteses significativas, são em número maior do que os tipos de erros. Conclusão: há menos infrações às regras.
No tocante aos procedimentos pedagógicos, o autor segue o princípio de que "o domínio de uma língua é o resultado de práticas efetivas, significativas, contextualizadas" e que as crianças aprenderiam mais sendo corrigidas ao utilizarem formas não-aceitas: reprovação, humilhação ou quaisquer outras sanções são contestadas como proceder pedagógico.
Com relação ao que precisa ser ensinado, o autor coloca o princípio de que um programa anual, para qualquer turma, deve ter por base um levantamento do que falta ser atingido e/ou corrigido: através de uma análise deve-se verificar o que não se sabe ou o que se erra em relação ao padrão; selecionam-se tópicos importantes para serem trabalhados mais que outros; faz-se mister considerar o fator tempo, já que implica em interação social ? e linguística ? mais complexa para o aluno que cresce. É sugerido que um projeto de leitura aproxime mais o aluno da língua escrita, em que são usadas as formas padrão que devem ser aprendidas por ele.
O último princípio abordado por Possenti relaciona-se ao ensino das nomenclaturas. Para ele, é satisfatoriamente possível dominar o conhecimento de uma língua sem o conhecimento dos termos técnicos sob os quais a mesma é analisada. Isso é provado pelo fato de haver línguas faladas à revelia de gramáticas codificadas e ensinadas; além disso, os gramáticos se baseiam em consultas a escritos e não vice-versa. Não se deve deduzir desse fatos o abandono da gramática, porém o caráter reflexivo sobre a língua, usual entre os falantes, que a mesma propõe.
Enfim, por se tratar de uma proposta de reflexão acerca do ensino da nossa língua, o texto de Possenti apresenta um caráter circular de congruências e divergências com relação tanto ao ensino tradicional da língua quanto às suas novas concepções. É válido ressaltar-se também o cunho prático do discurso do autor a partir das sugestões práticas dadas pelo mesmo.




Autor: Fernando Maria De Jesus Oliveira


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