Percepção Dos Alunos De Educação Física Da Uesb, Sobre A Questão Da Inserção Do Negro No Futebol



Início do Futebol no Brasil.

No seu início no Brasil (final do século XIX) esta modalidade estava ligada a uma prática elitizada, na qual, os indivíduos usufruíam dessa atividade de forma que se identificassem com as classes abastardas européias que trouxeram esta prática. Conforme afirma Normando (2003), o football - tanto quanto os demais esportes trazidos por migrantes de boa estirpe do velho mundo -, enquadrou-se nos anseios elitistas de transformar as cidades brasileiras segundo representações das metrópoles européias. Dessa forma, para as pessoas que estavam entre as camadas mais pobres da sociedade, principalmente os negros que sofriam o preconceito racial, essa atividade era algo muito distante.

Portanto, este esporte era uma forma das elites se colocarem no padrão do novo homem, adaptado ao modelo de sociedade burguesa, de forma que isso servisse sem duvida para a manutenção do status quo. Era um mecanismo de "eugenização" social, no qual só as pessoas com "classe" podiam estar filiadas aos clubes ou fazerem parte de campeonatos não-institucionalizados. No entanto, apropriação do futebol amador pela sociedade foi rápida de modo que as pessoas precisavam apenas de um espaço e um objeto que deslizasse para realizar o jogo. Segundo Gonçalves e Custódio,

Crianças e adultos começaram a bater bola ao ar livre, nas ruas, campinhos de terra e onde quer que fosse possível. A simplicidade das dezessete regras do futebol facilitava a popularização do novo esporte. A bola podia ser feita com um maço de folhas de jornal enfiadas numa meia feminina, de jornal amarrado com barbante, ou simplesmente tomava-se uma laranja, uma lata velha amassada ou uma tampinha de cerveja como representação do objeto de desejo descrito nas regras do jogo.(2007).

Assim, segundo RIGO,

Com o passar do tempo e o crescimento rápido do futebol junto à população pobre, alguns pequenos clubes, apesar de continuarem sendo hegemonizados pela cultura inglesa, começaram a aceitar a presença de negros e operários em suas equipes, como foi o caso do The Bangu Athletic Club, do Rio Cricket, do Paysandú, do Guanabara. (1947 apud Filho,1996, p.56).

Percebe-se que aos poucos os pequenos clubes começaram a abrir espaço para que todas as pessoas pudessem participar independente de sua condição social. No entanto, para os grandes clubes isso não significou o fim da discriminação, pois o mesmo autor afirma que:

apesar de alguns mulatos, negros, ou brancos pobres terem sido aceitos em determinados times grandes, isso não significou o fim da discriminação. Esses jogadores eram casos isolados e não ofereciam nenhuma ameaça à supremacia branca, típica daquele momento. (1947 apud Filho,1996, p.57).

A questão do preconceito sócio-racial era tão intensa que para um individuo negro pudesse jogar em um time grande deveria não haver nenhum jogador branco no banco de reservas. O repórter Rodrigo Cunha faz uma referência interessante quando em uma de suas publicações conta a história de um jogador do fluminense que utiliza de um artifício para poder ser aceito pelo clube e pelos torcedores. Segundo ele, o jogador negro, Carlos Alberto, que havia sido transferido do América para o Fluminense em 1914, com receio dos aristocráticos do clube, teria tentado disfarçar a cor da pele com pó de arroz em uma partida realizada justamente no aniversário da abolição, 13 de maio. Durante o jogo, o suor o teria traído e a torcida gritaria da arquibancada: "pó-de-arroz!".

Desse modo percebe-se que no início do século XX a questão do preconceito racial ainda era muito latente. Essa situação refletia de maneira constante nos esportes, principalmente no futebol que passou a ser a modalidade mais visada e desejada pela população. No entanto, contrariando a elite esportiva daquele período, o Vasco da Gama (que desde essa época era um dos grandes times do Rio de Janeiro) lutava pela inserção do negro, dos trabalhadores e dos remadores nessa prática esportiva. Esse fato foi efetivado com a eleição em 1904 de um negro como presidente do clube causando assim muita polêmica. Segundo dos Santos,

Já em 1904, o clube cruzmaltino elege um negro como seu presidente configurando uma audaciosa atitude, bem como um caminho perigoso a ser seguido para aquele início de século por um clube de remo. Sendo primeiro negro a presidir um clube esportivo carioca, Cândido José de Araújo assume e não decepciona. Este pionerismo colocou o Vasco da Gama como vanguarda do movimento contra o racismo no futebol carioca. (Dos Santos, sd.).

Esse foi um dos grandes passos para a legalização do pobre e do negro no football. Com muitas lutas e dificuldades e sem dúvida com muita pressão dos grandes clubes, o Vasco ainda foi mais ousado, sendo Campeão Carioca no ano de 1923, com um time composto por negros e mulatos. Como afirma o autor : "O ano de 1923 marca o início de uma nova era no futebol brasileiro. A partir desse momento, a supremacia branca não mais iria reinar facilmente." (RIGO, 1947 apud Filho,1996, p.56). A partir desse momento muitos jogadores mostraram que raça não é questão de superioridade, mas de diversidade de movimentos, de estilos e da própria arte.

Um "chute" na discriminação racial.

Essa modalidade evoluiu de uma prática elitizada para uma prática mais popular consagrando diversos negros como heróis e reis dessa modalidade. Trazendo para o futebol brasileiro a raça, a ginga e a arte, fazendo dessa nação um referencial nesse esporte. Assim não só mais nos clubes, mas na própria representação nacional da seleção brasileira de futebol o negro passou a estar presente. Assim, Gonçalves e Custódio afirmam;

Na copa do mundo de 1958, disputada na Suécia, o Brasil se sagrou campeão mundial pela primeira vez, contando com a arte de atletas negros e mulatos como Pelé, Garrincha, Didi e Djalma Santos. A partir desta conquista o Brasil passou a ser conhecido como o país do futebol arte, que simbolizava a ginga, o drible e a técnica refinada dos nossos jogadores. O futebol arte, produto da miscigenação afro-brasileira, nos fez pentacampeões mundiais. (2007).

Hoje a própria nação brasileira reconhece um negro como o rei do futebol brasileiro e também como um dos maiores goleadores do mundo, o rei Pelé. Mostrando que este esporte apesar de ter raízes européias consagrou-se no Brasil pela diversidade dos povos, da cultura, da ginga e da arte, fruto da heterogeneidade dos jogadores que com as suas características particulares enriqueceram essa modalidade. De forma que até o pó de arroz utilizado pelo jogador Carlos Alberto hoje é referencia da torcida do Fluminense que sempre nos inícios das partidas soltam fogos e jogam o pó de arroz para cima.

Se fizermos uma análise mais aprofundada perceberemos que os grandes nomes do futebol contemporâneo como Romário, Ronaldo, Ronaldinho entre outros são de origem humilde e também são negros ou pardos. Mostrando dessa forma que aos poucos esta prática foi ganhando um delineamento mais democrático, possibilitando às pessoas se unirem num mesmo sentimento de torcida por um time ou de forma mais abrangente pela própria seleção brasileira de futebol.

Análise dos dados.

Conforme foi falado anteriormente foi aplicado um questionário a 40 alunos de Educação Física de forma aleatória, de modo que dos alunos que responderam temos os seguintes dados: 25% são do I semestre, 12,5% do III semestre, 20% do V semestre e 42,5% do VII semestre.

Levando em consideração a questão do sexo, os alunos que responderam o questionário 72,5% são do sexo masculino e 27,5% do sexo feminino.

Quando questionados em relação ao esporte mais popular do Brasil 95% dos graduandos afirmaram ser o futebol a modalidade mais popular, apenas 5% responderam que seria voleibol.

Percebe-se que a grande maioria reconhece o futebol como esporte mais praticado pela população brasileira.

A segunda pergunta tinha como objetivo verificar em média quantos alunos sabiam como se deu a inserção do negro no futebol. De acordo com os dados levantados 67,5% afirmaram não conhecer a iniciação e legalização do negro no futebol, apenas 32,5% afirmaram ter conhecimento sobre o assunto.

Pode-se analisar que em sua grande maioria, os alunos do curso desconhecem a história do negro no futebol.

Quando perguntados se consideram a prática do futebol uma prática democrática, tivemos os seguintes dados: 55% consideram o futebol uma prática democrática e acessível a todos, 45% dos alunos que responderam o questionário, acreditam que o futebol não é democrático.

Percebe-se que há quase um empate técnico entre os alunos sobre a democracia no futebol, isso pode ser devido ao fato de muitos considerarem o jogo, e outros o esporte institucionalizado. Outro fator que pode ser relevante para o entendimento das respostas é questão das habilidades particulares, na qual geralmente o melhor jogador é mais aceito do que outro.

Procuramos verificar a percepção dos alunos em relação à condição social do jogador de futebol brasileiro ao iniciar sua carreira. Sobre estes questionamentos, obtivemos os seguintes dados: 77,5% acreditam que a maioria dos jogadores em sua iniciação no esporte era de origem humilde e 22,5% acham que não.

Desse modo podemos perceber que em sua maioria os alunos do curso acreditam que os jogadores de futebol são oriundos de famílias pobres.

Em relação à importância da miscigenação e da heterogeneidade jogadores do futebol brasileiro contemporâneo, 92,5% dos que responderam o questionário acreditam que esse fato enriquece essa modalidade, sendo que apenas 7,5% acham que esse fato é indiferente.

Pode-se analisar que os alunos em sua maioria percebem a importância da mescla de raças e da individualidade de cada jogador na riqueza do futebol brasileiro.

Quando partimos para a questão do racismo no futebol contemporâneo foram obtidas as seguintes respostas: 65% dos alunos acreditam que existem muitos casos de preconceito racial, 22,5% acreditam que há poucos casos e 12,5% acham que não existe mais racismo no futebol.

Percebe-se que a maioria dos alunos vê a questão do racismo como algo muito presente no futebol.

Uma situação que apresentaria esse preconceito de forma explicita é uma reportagem extraída da Folha on-line de São Paulo, narrando uma situação de desrespeito a um jogador negro do São Paulo chamado Grafite. Segundo a reportagem,

No Pacaembu, Grafite volta a sofrer com ato racista. O atacante são-paulino Grafite, autor de um gol na vitória da seleção brasileira por 3 a 0 no amistoso contra a Guatemala, disputado na noite de quarta-feira, no Pacaembu, voltou a ser vítima de racismo. Durante o jogo de ontem, uma banana com as inscrições "Grafite macaco" foi atirada ao gramado do estádio. A pessoa que atirou a banana não foi identificada. (Folha On Line. São Paulo, 28 de abril de 2005).

Portanto, apesar dos avanços e do enriquecimento do futebol com a presença do negro, do mulato e do pobre, fazendo do futebol uma paixão nacional ainda é possível perceber muitos casos de discriminação e preconceito no Brasil ligados à questão da raça. Sendo necessário medidas disciplinares mais severas e uma mudança do pensamento social sobre estas questões.

Considerações Finais.

Percebe-se que sem dúvida alguma o futebol foi sendo democratizado com a presença cada vez mais marcante do negro e do pobre nos campos, de forma que a própria prática do futebol foi enriquecida com a diversidade dos movimentos, das características e da ginga. No entanto, é importante não perder de vista que a conquistas desses espaços ocorre por meio de muita luta.

Sendo importante perceber que além da inclusão é necessária uma mudança da concepção social para que o estigma e o preconceito venham ser cada vez mais diminuídos não somente no futebol, mas também nos diversos esportes e diferentes camadas da esfera social. Portanto, é de extrema relevância que os alunos do curso de Educação Física conheçam a história do negro no futebol de forma que possa superar a questão do preconceito em suas práticas, valorizando assim a luta dessas pessoas que tornaram o futebol além de uma paixão nacional uma potência entre as modalidades esportivas.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CUNHA, Rodrigo. Com Ciência: Revista Eletrônica de Jornalismo Científico. Disponível em: < http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=16&id=150 >. Acesso em: 19/01/2008 às 17h25min.

 

CUSTÓDIO, Adolfo Martins; GONÇALVES, Guillermo de Ávila. A bola nos pés: um instrumento para a construção da identidade social e para a afirmação e inclusão do negro no Brasil. Disponível em: < http://profguillermo.50webs.com/Arquivos/artigos/cientificos/A_bola_nos_pes.pdf>. Acesso em: 21/01/2008 às 19h30min.

DOS SANTOS, Ricardo Pinto. Uma breve história social do Esporte no Rio de Janeiro. Disponível em: < http://www.cafyd.com/HistDeporte/htm/pdf/4-14.pdf >. Acesso em: 22/01/2008 às 19h36min.

FOLHA ON LINE. São Paulo, 28 de abril de 2005.Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/esporte/ult92u88671.shtml. Acesso em: 22 de janeiro (de 2008).

NORMANDO, Tarcísio Serpa. O Futebol como Objeto de Investigação Acadêmica. Revista Digital - Buenos Aires – Ed. 8 - n° 58 - Março de 2003. Disponível em: < http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=16&id=150 >. Acesso em: 21/01/2008 às 20h.

RIGO, L. 2007 Aug 19. FILHO, Mario: O negro no foot-ball brasileiro. Rio de Janeiro, 1947. Movimento [Online] 3:4. Disponível: < http://www.seer.ufrgs.br/index.php/Movimento/article/view/2211/930> . Acesso em 20/01/2008 às 20h.


Autor: Adriano Correia


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