Direito dos usuários de transporte aéreo.



TRANSPORTE AÉREO
Novos Direitos do passageiro.

O desenvolvimento econômico do país contribuiu para fomentar a atividade turística nacional e internacional, o que, por consequência, aumentou o número de usuários do transporte aéreo em especial nos períodos de férias (dezembro, janeiro e julho).
Embora esses sejam os períodos mais conturbados para o tráfego aéreo em razão do aumento do volume de passageiros as falhas na prestação do serviço, atrasos e cancelamentos são frequentemente noticiados, e causam transtornos, por vezes irreparáveis, aos usuários que ficam a mercê do poderio das empresas de transporte aéreo, submetidos a longas esperas, informações desencontradas, falta de atendimento satisfatório e tratamento condizente com sua classe de ?consumidor?.
Com vistas a evitar que o consumidor seja alvo desse tipo se situação vexatória que, por muitas vezes causa prejuízos financeiros, ao trabalho e ao sagrado direito às férias, além de submetê-lo a tratamento indigno, a legislação brasileira vem se adequando para, cada vez mais, proteger os interesses dos usuários desse tipo de transporte.
A Resolução 141 da Agência Nacional de Aviação Civil ? ANAC, que passará a vigorar em meados de junho de 2010 traz em seu bojo obrigações que serão impostas às companhias aéreas para o melhor atendimento e tratamento dos passageiros.

1. O QUE É A ANAC?

ANAC é a sigla para ?Agência Nacional de Aviação Civil?, e trata-se de uma agência reguladora. Nas palavras de Maria Sylvia Zanella di Pietro:

"Agência reguladora, em sentido amplo, seria, no direito brasileiro, qualquer órgão da Administração Direta ou entidade da Administração Indireta com função de regular a matéria específica que lhe está afeta. Se for entidade da Administração indireta, ela estará sujeita ao princípio da especialidade, [...] significando que cada qual exerce e é especializada na matéria que lhe foi atribuída por lei".

O Brasil possui várias agências reguladoras como, por exemplo, a de vigilância sanitária (ANVISA), de saúde (ANS), do petróleo (ANP), de telecomunicações (ANATEL), energia elétrica (ANEEL), de águas (ANA), e a própria Agência Nacional de Aviação Civil ? ANAC, criada pela lei 11.182/05, e que desempenha a função de regulação do transporte aéreo, um serviço público do Estado, cuja prestação se dá através da concessão às empresas especializadas.
Essa agência reguladora dita normas a serem acatadas pelas empresas de transporte aéreo e o não cumprimento de suas resoluções acarreta infração administrativa perante a Agência Nacional que pode impor multas entre outras formas de sanção, além de gerar ao consumidor o direito de ser indenizado pelos danos materiais e morais que venha a sofrer em razão da má prestação do serviço por parte das companhias aéreas.

2. EXTRAVIO DE BAGAGEM.

A companhia aérea tem a obrigação de indenizar o consumidor (usuário) do transporte aéreo em caso de extravio de bagagem ou carga. Trata-se de responsabilidade de reparação total, abrangendo os danos materiais e morais.
Como se trata de relação de consumo aplica-se o Código de Defesa do Consumidor que não prevê limitação para o valor da indenização, diferentemente do que ocorre com a "Convenção de Varsóvia" e com o Código Brasileiro de Aeronáutica.
A indenização pelo extravio da bagagem comporta, além da indenização pelo dano material (perda de roupas, objetos pessoais, presentes), o dano moral, em razão dos percalços pelos quais o indivíduo irá passar para adquirir roupas emergenciais ou pela perda de um presente de casamento, por exemplo.
Contudo, com relação ao extravio de bagagem em voos internacionais contendo valores monetários, não basta a simples alegação da perda, é necessária a sua comprovação. Pelas Regras da Receita Federal o limite pecuniário isento de declaração é de R$ 10.000,00 (dez mil reais), seja em espécie (nacional ou estrangeira convertida) ou cheques de viagem. Acima desse valor é necessária a declaração perante a Receita Federal em formulário próprio.
Caso o passageiro tenha os valores financeiros extraviados e não possua o comprovante da Receita, o valor da indenização, nesse quesito, poderá ser limitado pelo juiz.

3. DAS PRÁTICAS ABUSIVAS: OVERBOOKING, ATRASO E CANCELAMENTO DE VOO.

O overbooking é a prática das empresas aéreas de vender passagens em número superior ao de assentos da aeronave (ANAC, IAC 2203-0399), como forma de preencher ao máximo a capacidade de passageiros e, assim, evitar prejuízos causados pelo consumo de combustível e gastos com tripulação em voos quase vazios.
Os bilhetes a mais são calculados pela média de passageiros no show (passageiros confirmados que não comparecem ao embarque). Entretanto, com o comparecimento de grande parte dos passageiros regulares somado àqueles que compraram bilhetes do overbooking, acaba por gerar a preterição de alguns passageiros em prol de outros, quando, em realidade, todos teriam o igual direito de embarcar naquele determinado voo.
Trata-se de uma prática abusiva que causa transtorno ao passageiro que havia se programado para viajar naquele momento, em virtude de atrasar seu embarque e, consequentemente a sua agenda. Não é uma prática correta, e sua ocorrência enseja o dano moral e, em alguns casos dano material como, apor exemplo, a perda de oportunidade profissional comprovada.
O atraso nos voos, em si, não é uma prática considerável abusiva pois o transporte aéreo obedece a vários fatores, sendo as condições climáticas determinantes para autorização de pousos e decolagens. Contudo, as ações da empresa enquanto os passageiros aguardam abertura do embarque podem configurar abusos como, por exemplo, deixar de oferecer acomodações, alimentação, prestar informações adequadas sobre o retorno do serviço a situação de normalidade etc.
Ao cancelamento de voo, aplica-se o mesmo entendimento. Se o cancelamento se dá em razão de péssimas condições climáticas não há dever de indenizar, pois deve prevalecer a segurança, mas ainda assim subsiste a obrigação de prestar assistência material ao passageiro. Contudo, se o cancelamento se dá por problemas com a aeronave por culpa da empresa, ou por não atingir um número mínimo de passageiros a companhia tem por obrigação acomodar esses passageiros em outros voos, e o não cumprimento dessas regras acarreta o dever indenizatório.

4. DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR EM CASO DE OVERBOOKING, ATRASO E/OU CANCELAMENTO.

A Agência Nacional de Aviação Civil ? ANAC, por meio da Resolução 141, de 9 de março de 2010 dá novas regras sobre os procedimentos a serem adotados, a partir de junho, pelas empresas de transporte aéreo nos casos de overbooking ? também chamado de ?preterição de passageiro?, atraso e cancelamento de voo, que passarão a vigorar em meados do mês de junho de 2010.

? No caso de preterição de passageiro (artigos 10 a 13):

Passageiro preterido é todo aquele que tem o bilhete marcado ou que já confirmou a presença e que efetivamente compareceu ao embarque, mas foi impedido de ocupar seu assento na aeronave em razão de esgotamento dos lugares. Entretanto, caso esse passageiro aceite voluntariamente ser acomodado em outro voo, não se configura a preterição, reservando-se esse termo ao passageiro que deixa de embarcar por esgotamento da lotação, e que não manifesta sua aceitação da situação.
O passageiro tem direito a obter por escrito a razão pela qual não foi acomodado no voo para o qual estava agendado.
Ao passageiro que não consegue embarcar pela razão do overbooking a companhia aérea deve oferecer uma das seguintes opções: (i) reacomodação em outro voo da mesma companhia no primeiro horário disponível ou em voo de outra companhia, em horário conveniente ao passageiro e sem lhe impor qualquer ônus; (ii) o reembolso integral ou de trecho não utilizado, ou seja, restituir ao passageiro o correspondente ao valor do trecho de viagem que o passageiro não percorreu com aquela companhia; ou (iii) realização do serviço por outra modalidade de transporte, se aceita pelo passageiro.

? Do atraso no voo (artigos 2 a 6):

O consumidor tem direito de ser informado sobre atraso do voo, bem como a sua razão e a previsão de partida atualizada, ou seja, sempre que houver modificação da previsão há necessidade de informar novamente o consumidor, inclusive por escrito, se solicitado.
A previsão de atraso para embarque e decolagem que supere 4 (quatro) horas dá ao passageiro o direito de ser: reacomodado em voo próprio ou de terceiro, da mesma forma que no overbooking, o reembolso integral da passagem não utilizada, incluídas as tarifas.
No caso de atraso na redecolagem (escala/conexão) por mais de 4 (quatro) horas aplicam-se as mesmas regras do overbooking, mencionadas anteriormente.

? Do cancelamento do voo (artigos 7 a 9):

Cabe a empresa de transporte aéreo informar o passageiro do cancelamento com 72 (setenta e duas) horas, ou seja, 3 (três) dias de antecedência do horário da partida, inclusive por escrito, se o passageiro assim o desejar.
Aqui também se aplicam as mesmas regras de reacomodação, reembolso e cumprimento do trajeto por outro meio de transporte informadas no tópico sobre o overbooking.
Entretanto, além das obrigações mencionadas, cabe concomitantemente à companhia aérea oferecer, em caso de preterição, atrasou ou cancelamento, "assistência material" ao passageiro da seguinte forma:
Se o passageiro tiver de aguardar por 1 (uma) hora ou mais ? até o limite de 2 horas, a companhia deve disponibilizar acesso a meios de comunicação: telefonia e internet, por exemplo.
Caso a espera supere 2 (horas) ? até o limite de 4 horas, deve ser providenciada alimentação adequada aos passageiros, e se o atraso superar 4 (quatro) horas deve-se fornecer acomodação em local adequado, ou serviço de hospedagem.
Entendemos que se a espera supera as 4 horas, o passageiro tem direito a acesso aos meios de comunicação e alimentação previstos posto que englobados no horário maior, tratando-se de obrigações cumulativas à empresa, e não alternativas.
Cabe ressaltar que a Resolução isenta a companhia aérea de oferecer o serviço de hospedagem ao passageiro que resida na cidade onde aguarda o embarque. Entretanto, da análise do dispositivo nos permite interpretar que a empresa não se isenta das demais responsabilidades (acesso aos meios de comunicação e alimentação).
A Resolução 141 da ANAC foi publicada em 15 de março de 2010, e passa a vigorar a partir de 90 (noventa) dias após a publicação, ou seja, as providências determinadas nessa Resolução, por parte das companhias aéreas, serão obrigatórias a partir de 13 de junho de 2010.
Entretanto, até essa data, o passageiro, na sua qualidade de consumidor tem o direito de ser bem tratado e bem informado, pois o Código de Defesa do Consumidor garante o acesso a "informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços" (art. 6, inciso III).

5. DO PROCESSO JUDICIAL.

A existência do processo administrativo não obsta o início do processo judicial e vice-versa. Ao passageiro ofendido no seu direito como consumidor cabe recorrer ao judiciário para pleitear indenização pelos danos materiais e morais eventualmente sofridos bem como apresentar reclamação contra a companhia aérea perante a ANAC.
O cidadão pode optar pelo procedimento comum (sumário ou ordinário) ou pela forma dos Juizados Especiais ? inclusive o dos aeroportos ? que abarcam as causas cujo valor não exceda 40 (quarenta) salários mínimos (Lei 9.099/95, art. 3º, inciso I), observando que nas causas até 20 salários mínimos não é necessário o acompanhamento por um advogado (Lei 9.099/95, artigo 9º), entretanto as companhias aéreas sempre se apresentam na figura do preposto acompanhado de um profissional da área jurídica, razão pela qual o consumidor que comparece desacompanhado de advogado tem direito a nomeação de um procurador ad hoc.
É importante que, caso a companhia aérea se recuse a fornecer as informações por escrito, o passageiro efetive a reclamação junto a ANAC. Também é necessário que o passageiro que tiver de arcar com as despesas com estadia e alimentação guarde os comprovantes para depois requerer a indenização e reembolso em juízo. Se for possível fotografe a situação e anote os telefones de outros passageiros que estão submetidos à mesma situação, para que sirvam de eventuais testemunhas em processo judicial, ou para que em conjunto promovam uma ação indenizatória.

Érika Taucci Magalhães é advogada nas áreas cível, consumidor, família e sucessões, e especialista em Direito Administrativo, militante em São Paulo.

Autor: Érika Taucci Magalhães


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