DIREITO DA FAMÍLIA, DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE



DIREITO DA FAMÍLIA, DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Ana Laura Felisbino
Mariane Guimarães Santos
Reginaldo Ferreira


RESUMO

O presente trabalho destaca-se, assim, a importância de abordar as diferentes composições de famílias a partir de uma compreensão de que o artigo 226 da CF/88 é enumerativo e não estabelece hierarquia entre as entidades familiares existentes. Essa compreensão se relaciona de maneira mais adequada ao que pode ser observado, contemporaneamente, nas práticas sociais das famílias brasileiras.

1. Introdução


Surge no ordenamento Jurídico um principio que representa a evolução tão esperada do Direito de Família, que lança um novo olhar sobre as questões relacionada á família, procurando difundir no direito brasileiro a idéia de que não se deve, nem se podem ignorar as profundas modificações culturais e cientificas ocorridas na sociedade.
O princípio da afetividade compreende, sobretudo, essa evolução do direito. Tornando-se um instituto aplicável a todas as formas de manifestação da família, abrangidas ou não pela legislação codificada.
Ao se refletir acerca da atribuição de direito ás famílias brasileiras, é importante conhecer e compreender quais famílias estão sendo identificadas como pertencentes ao ordenamento jurídico pátrio, e quais não estão. A definição de estruturas familiares, que analisa a família a partir da sua composição, pode ser realizada com a leitura do artigo 226 da Constituição Federal promulgada em 1998 (CF/88). Tal artigo constitucional é interpretado diferentemente pelos operadores do direito, sendo que algumas vezes as interpretações são antagônicas. Esse fato demonstra, em poucos termos, como se atribui, nas decisões administrativas e judiciais, status diferenciado ás famílias que buscam programas de políticas sociais, como o Programa da Saúde da Família, por exemplo, ou mesmo procuram o Poder Judiciário para resolver conflitos. A forma de ver e de entender as famílias no direito pode constituir-se como justificativa essencial para os próprios operadores estudá-las, na medida em que envolve noções de pertencimento a uma entidade familiar e de reconhecimento pessoal e, especialmente social. Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é identificar a melhor interpretação do artigo 226 da Constituição Federal de 1988. Baseado nos aspectos; jurídicos e sociológicos, ou seja, sob a visão normativa do direito ou sociológica, baseada no afeto. Também se as normas elencadas são taxativas ou exemplificativas.

2. FAMILIA COMO PRESCREVE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 226, prevê que a família e base da sociedade, tendo o Estado o dever de prove-la especial proteção. Além de estabelecer o Carter civil e gratuito do casamento (§ 1°), a efetividade civil ao casamento religioso (§ 2°), a igualdade dos direitos e dos deveres aos homens e ás mulheres na sociedade conjugal (§ 5°), a possibilidade de dissolução do casamento civil pela separação judicial e pelo divórcio (§ 6°), a livre decisão do planejamento famílias (§ 4°) pelo casal, fundada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (§ 7°), e a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, a fim de criar mecanismo para coibir a violência no âmbito das relações intrafamiliares (§ 8°), encontra-se no referido artigo, a previsão de como se estrutura uma família.
O Código Civil de 2002 define, no seu artigo 1.565, § 2°, que "o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas", ou seja, o planejamento familiar é o direito que toda pessoa tem à informação, à assistência especializada e ao acesso aos recursos que permitam optar livre e conscientemente por ter ou não ter filhos. "O número, o espaçamento entre eles e a escolha do método anticoncepcional mais adequado são opções que toda mulher deve ter o direito de escolher de forma livre e por meio da informação, sem discriminação, coerção ou violência". Tal planejamento, como bem define o conceito, leva em conta o livre poder de decidir, o que se diferencia, estruturalmente, de "controle de natalidade". A título de ilustração, há, na literatura científica, algumas discussões acerca da implantação dos programas de planejamento familiar oferecidos pelo Ministério da Saúde, da participação feminina e masculina no planejamento familiar, e dos direitos reprodutivos. Acredita-se que tal princípio deveria ser designado como princípio da parentalidade responsável, tendo em vista que paternidade refere-se somente ao pai, sendo definido como "qualidade ou condição de pai", Já parentalidade refere-se tanto ao pai quanto à mãe, fato esse que conflitaria com a igualdade entre os homens e as mulheres e com as suas obrigações identificas para como a sociedade conjugal e a criação dos filhos, conforme previsto no artigo 226, § 5° da CF/ 1988. Cabe salientar que tal princípio esta permeado por concepções de paternidade, maternidade, filiação. Diferentes são os estudos sobre tais concepções ligadas a parentalidade responsável.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1° - O casamento é civil e gratuita celebração.
§ 2° - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3° - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4° - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada pro qualquer dos pais e seus descendentes.
A partir da leitura do artigo constitucional, a doutrina e a jurisprudência pátrias divergem e suas interpretações. Tal como aponta lobo (2007), existem duas teses conflitantes quando se analisa o artigo de acordo com os critérios de hierarquização e atribuição de direitos para famílias, (ou entidades familiares).
Nesse sentido, uma primeira corrente estabelece que a família e a união formada por homem e mulher sob o regime do casamento; e a entidade familiar é a união do homem e mulher, em regime de unia estável com regras definidas infraconstitucionalmente, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. O constituinte distingue família de entidade familiar, podendo-se abstrair daí que por família entende-se a celular maior da sociedade; e por entidade familiar, a reunião de um genitor com seus filhos, em relação estranha ao casamento. Além das diferentes expressões empregas "família e entidade familiar"- o argumento se refere, ainda, ao exposto na parte final do § 3° do artigo 226. "devendo a lei facilitar a sua (união estável) conversão em casamento."
A essa orientação, não se opõe a norma do par.3° do artigo 226: "devendo a lei facilitar a sua (união estável) conversão em casamento."
A essa orientação, não se opõe a norma do par.3° do art. 226 da constituição de 1988, que, alem de haver entrada em vigor após o óbito do instituidor, coloca, em plano inferior ao do casamento, a chamada união estável, tanto que deve a lei facilitar a conversão desta naquele. Prescrição ou preclusão do direito da viúva não configuradas. Preterição, também não caracterizada, da garantia constitucional da ampla defesa da pessoa do impetrante. Este entendimento implica em uma aceitação constitucional prevalecente da construção da família, primeiramente, pelo casamento, para então - posteriormente prestar o atendimento às entidades familiares elencadas, quais sejam, a união estável e a monoparentalidade. Tal fato, segundo essa corrente, objetiva algumas conseqüências em relação à promoção e a conferencia de direitos a essas estruturas, devendo as entidades receber uma tutela jurídica limitada, enquanto a primeira é merecedora de uma atenção mais direta pelo Estado.
Entretanto, a primeira tese é inconsistente em relação à subordinação da união estável ao casamento na medida em que o §3° do artigo 226 da CF/88 não impõe qualquer requisito que demonstre a diferenciação quanto à validade ou à eficácia da união estável e do casamento. Quando da escrita do artigo, os constituintes referiram que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, o que não significa obrigar tal conversão e, tampouco, ensejar uma leitura baseada na hierarquização. Ademais, o atendimento à união estável deve ser completo, não podendo o legislador infraconstitucional estabelecer dificuldade ou requisitos onerosos para ser concebida a união estável, "pois facilitar não significa dificultar outra.
Para a segunda tese ? a igualdade entre as entidades familiares ? é assegurada, pela leitura das disposições constitucionais, em observância aos princípios da igualdade e da liberdade, os quais são baseados no princípio da dignidade humana. Assim, a tese II, da igualdade dos tipos de entidades, consulta melhor o conjunto das disposições constitucionais. Além do principio da igualdade das entidades, como decorrência natural do pluralismo reconhecido pela Constituição, há de se ter presente o princípio da liberdade de escolha, como concretização do macro principio da dignidade da pessoa humana. Consulta da dignidade da pessoa humana a liberdade de escolher e constituir a entidade familiar que melhor corresponda à sua realização existencial. Não pode o legislador definir qual a melhor e mais adequada. Entretanto, como bem refere alguns juristas, essa tese é permeada pelo entendimento de que figuram o mundo jurídico apenas as entidades familiares previstas no artigo 226 da CF/88. Dessa forma, o rol de famílias descrito seria taxativo. Em outros termos, apenas poderiam receber a tutela jurídica como "verdadeiras" famílias: o casamento, a união estável (ambos formados por homem e mulher) e a monoparentalidade.
Por tais razoes, é reconhecida a equiparação da união estável ao casamento. Ressaltam-se alguns autores que tal entendimento, embora demonstre um avanço, ainda não é suficiente. Para estes, as entidades familiares previstas nesse artigo são enumerativas, sendo permitida a inclusão de outras quando da leitura da Carta Magna, o que seria feito através do critério de interpretação constitucional. Portanto, "a exclusão não está na Constituição, mas na interpretação. Dessa forma, faz-se necessário compreender como se verifica a utilização dos princípios constitucionais no conceito jurídico de família, em especial o princípio da dignidade humana e da afetividade. Além disso, é importante verificar a existência e a validação, pela ciência jurídica, de outras entidades familiares, sob o aspecto sociológico principalmente o (afeto).

3. ASPECTOS SOCIOLÓGICOS

A doutrina jurídica e a jurisprudência pátrias têm identificado que, a fim de solucionar as lacunas quanto à falta de previsão legal para as entidades familiares, bem como para definir que se trata de um rol enumerativo o previsto no artigo 226 da CF/88, o ordenamento jurídico tem seu vetor de unidade e coerências no princípio da dignidade humana, prescrito no artigo 1°, III da Carta Magna.
Torna-se imperioso reconhecer que existe uma unidade sistemática relativamente aos direitos fundamentais no constitucionalismo aberto da pós-modernidade, tendo como substrato o valor primordial da dignidade da pessoa humana, na medida em que se destina especificamente a definir e garantir a posição do homem concreto na sociedade política.
Entretanto, especialmente a partir da matriz jusnaturalista, a noção jurídica de pessoa foi proclamada nas declarações de cunho político das grandes revoluções do século XVIII, tornando-se parte elementar do constitucionalismo moderno do Estado e da construção de uma teoria política liberal torna-se preponderante, proposta a debater sobre a democracia e a criação de princípios que consideram o homem como portador de direitos individuais e inalienáveis, entre eles, o princípio da dignidade humana. Assim, tal Estado baseia-se na fundamentação de direitos naturais, através da instituição de um ente artificial, a qual tem como finalidade a defesa da liberdade e da representação políticas (Bóbbio, 1999. A partir da construção por meio do processo de racionalização do Estado liberal, é possível encontrar as raízes do princípio da dignidade humana no movimento constitucionalista moderno, não obstante os outros princípios constitucionais que tratam sobre a inviolabilidade de direitos fundamentais de toda e qualquer pessoa, individualmente, os quais são prescritos no artigo 5° da CF/88 ou não restam expressos, mas se depreende da leitura da Cata Magna, como o principio da afetividade. A dignidade da pessoa humana: concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberada e individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

4. PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

O princípio da afetividade é o responsável pela constituição de novas teses jurídicas que abarcam situações sociais, mas que, não foram legalizadas, pela inércia do legislador.
Diferentemente do princípio da dignidade humana, descrito no artigo 1°, III da CF/88, o princípio da afetividade não resta disciplinado no ordenamento jurídico brasileiro. Por tal motivo, pode ser verificado como um princípio não expresso, tendo, como razão de sua existência, validação e efetivação, o espírito do sistema, por meio do uso de interpretação sistemática.
Esse espírito do sistema pode ser encontrado na descrição de algumas normas, nas quais a afetividade consta como base e identifica o princípio da afetividade nos artigos constitucionais 227, § 6°, o qual disciplina a igualdade entre os filhos, independentemente da sua origem, 227, §§ 5° e 6°, que coloca a adoção no plano de igualdade de direitos; 226, §§ 3° e 4°, o qual trata da união estável e da monoparentalidade como entidades familiares, colocando de igualdade ao casamento; 226, §§ 3° e 6°, que permite a dissolução do casamento e da união estável entre o casal quando a afetividade desaparecer, Estes princípios da afetividade estão positivados nos seguintes artigos do Código Civil 2002: artigo 1.584, § único, trata da definição da guarda do filho na separação dos pais; artigo 1.511, estabelece comunhão plena de vida no casamento; 1593 admite outra origem à filiação além do parentesco natural e civil; 1596, consagra a igualdade na filiação; 1604, fixa a irrevogabilidade da perfilhação. Igualmente, pode-se encontrar algumas decisões que se baseiam na afetividade, tais como; Apelação Cível. Ação de regularização de Filiação.
Autor com pais biológicos que o registraram. Reconhecimento da paternidade, maternidade, sócio-afetiva relativamente aos pais de criação. Possibilidade jurídica do pedido. Embora estabelecida à filiação sócio-afetiva pretendida relativamente aos alegados pais de criação não sendo juridicamente impossível o seu pedido porque a verdadeira filiação, na mais moderna tendência do direito internacional, só pode vingar no terreno da afetividade.
Assim, "o principio norteador do direito das famílias é o principio da afetividade", em confluência com a dignidade da pessoa humana. Ele pode ser entendido, em poucos termos, como o fator preponderante que, observado nas relações interpessoais, possibilita, por constituir uma causa originária, a formação de uma família. É necessário ressaltar que esses dois princípios estão em consonância com o principio da igualdade, o qual é tratado, no direito de família, quando da equivalência dos direitos atribuídos às diferentes entidades familiares, e o da liberdade, em especial quanto à liberdade de escolha para a formação e a construção das relações familiares.

5. CONCLUSÃO

O Direito de Família em sombra de dúvida vem passando por transformações significativas no que se refere à sua proteção. Essas transformações acompanham o desenvolvimento da sociedade, que, em virtude da quebra de paradigmas no que se refere à família, constroem um novo conceito daquilo que se entende como entidade familiar.
É possível observar na sociedade a formação de famílias que não acompanham a estrutura tradicional, significa dizer que esse fato social também merece ser tutelado, por exemplo, relações homoafetivas, mas sim, deve-se levar em conta que acima de tudo, quando se trata de relações que tenham um laço familiar, o afeto deve ser lançado com principal direcionamento no que se refere à tutela jurisdicional.
A utilização dos princípios da dignidade humana, da afetividade, da igualdade em relação ás famílias e da liberdade no plano da escolha das relações familiares, os quais se constituem como princípio geral do direito pode ser identificado em algumas decisões judiciais. Além disso, a observância da afetividade como base da construção de quaisquer relações familiares permite a aplicação da analogia e d questão sociológica em todas as espécies de constituição de famílias, não presentes no artigo constitucional.
É importante observar que, no contexto social brasileiro, podem ser identificadas diferentes composições familiares. Como exemplos podem ser citados: casamento sem ou com filhos; união estável com ou sem filhos; união de pessoas com impedimentos legais para casar, com ou sem filhos; pai ou mãe com filhos; união homossexual com ou sem filhos; união de parentes e pessoas que convivem em interdependência afetiva (como grupo de irmãos); casais com filhos de criação (adoção à brasileira ou simplesmente cuidado afetivo de crianças, em que não há uma definição pelo Poder Judiciário); pessoas sem laços de parentesco que convivem em caráter permanente, com laços de afetividade e sem finalidade sexual ou econômica.












FONTES PESQUISADAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo Saraiva 2008.
BRASIL. Lei n° 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. São Paulo: Manole, 2005.
BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. 10° ed. Brasília: UnB, 1999.
CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2ª ed.
LÔBO, Paulo, Direito Civil-Família. 1° Ed. Saraiva, 2007.
GONNÇALVES, CARLOS ROBERTO ? Direito Civil Brasileiro ? Direito de Família ? 4° Ed. ? vol. 6 ? Ed. Saraiva 2007

Autor: Ana Laura Felisbino


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