ANÁLISE CRÍTICA DO PROCESSO ELEITORAL PARA GESTORES ESCOLARES



INTRODUÇÃO
"VOCÊ PARTICIPA E A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO MELHORA. VOTE POR UMA ESCOLA VIVA". (Slogan da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, para divulgar as eleições de gestores escolares).

Esse artigo é o resultado das observações realizadas pelos autores, no período de novembro de 2008 a março de 2009, sobre o processo de eleição para gestores das escolas públicas estaduais na Bahia. E, tem como principal objetivo descrever criticamente os eventos que medraram com a homologação do pleito e a análise de subseqüentes mudanças que podem engendrar no sistema da educacional do Estado.
Por questão logística, para facilitar as visitas foram escolhidas 04 (quatro) unidades de ensino, vinculadas à rede estadual, todos localizados nas proximidades da UNEB: Colégio Estadual Ministro Aliomar Baleeiro, localizado na Rua Saturno S/N, Pernambués fundado em 13 de abril de 1971; o Colégio Estadual Bento Gonçalves situado na Rua Melo Morais Filho, no bairro da Fazenda Grande do Retiro; o Colégio Polivalente do Cabula localizado na Rua Silveira Martins S/N, Cabula; e o Colégio Estadual Francisco da Conceição Menezes localizado na Rua Silveira Martins, Cabula, fundado em 5 de Abril de 1997 na gestão do Governador Paulo Ganem Souto.
O primeiro passo, para consolidar o processo eletivo para os gestores das escolas estaduais na Bahia teve início em 18 de setembro de 2008, quando o governador do Estado da Bahia assinou o Decreto 11.218, que deu origem ao Edital n.o7, que instituiu as eleições diretas para gestor escolar da rede estadual, e, naquela oportunidade, foi definido que o pleito seria realizado no dia 17 de dezembro em todas as 1.681 escolas da rede estadual da Bahia. Também ficou estabelecido que os professores para se habilitarem ao processo, deveriam se inscrever em um processo de certificação através de ensino modalidade à distância, promovido em ambientes virtuais de aprendizagem (AVA).
Atendendo estas condições iniciais, foram submetidos ainda a duas avaliações: uma na metodologia processual, com peso de 25%, considerando a participação nos fóruns virtuais, com a elaboração do Plano de Gestão; e outra através de prova objetiva, com peso de 75% do coeficiente de rendimento.
Encerrado em 22 de dezembro, o processo eleitoral, apontou que dos 13.640 professores inscritos no curso de gestão, apenas 8.368 realizaram a prova, Desse total, apenas 5.668 foram aprovados e habilitados a concorrer às eleições.
Para descrever os eventos que se seguiram à homologação do pleito para a eleição de gestores e discutir as possíveis mudanças nas relações dentro e fora das unidades de ensino, este trabalho foi construído em cinco eixos principais, além deste capítulo introdutório, a saber: (a) tendência à composição de chapa única x disputa como elemento motivador; (b) perfil do gestor x participação da comunidade escolar; (c) características da escola x participação da comunidade escolar; e (d) normatização e desenvolvimento do processo.
O último momento do artigo, dedicado às considerações finais, é dada atenção especial às possíveis mudanças no âmbito do pedagógico, das interrelações com a comunidade escolar interna e externa, bem como à inovação da gestão escolar e o surgimento de novos arranjos organizacionais.

1 TENDÊNCIA À COMPOSIÇÃO DE CHAPA ÚNICA X DISPUTA COMO ELEMENTO MOTIVADOR

Desde 2003, para dirigir uma escola pública estadual, o diretor precisa se inscrever no processo de qualificação da Secretaria Estadual de Educação e Cultura (SEC), para obter a certificação. Este processo é realizado a cada quatro anos.
Apesar deste avanço na formação de gestores, ainda ocorre a nomeação de diretores na maioria das escolas públicas no país, o que sempre foi motivo de polêmica, por ser considerado cargo de confiança, situação contestada por professores, funcionários, órgãos representativos e políticos, conscientes da importância deste cargo para a consolidação da democracia, pois as unidades escolares são as instâncias públicas mais próximas do cotidiano das pessoas.
No entanto, na maioria das cidades e estados ainda não se chegou a um acordo definitivo sobre como deve ocorrer o preenchimento desses cargos, apesar da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9.394/96, em dois momentos enfatizar a gestão democrática:

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino.
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

A eleição do gestor escolar, portanto, é uma lacuna na agenda democrática da LDB. E o rompimento com esta situação se deu a partir do estabelecimento de critérios pelo atual governo do Estado da Bahia, a partir da publicação do Decreto 11.218/2008, que instituiu além das eleições diretas para gestor escolar da rede estadual, a criação de um Curso de Gestão Escolar para capacitar os pretendentes ao cargo, como também assegurou a participação de funcionários, alunos e seus responsáveis no processo de escolha.
Além do aparato legal a SEC cuidou de divulgar nos meios de comunicação, distribuição de panfletos e banners nas escolas da rede, comunicando a medida e conclamando à participação todos os envolvidos no processo: gestores, pais, alunos, professores e funcionários.
Não obstante, esse empenho propagandístico, sobre as eleições para escolha de diretores da rede estadual de ensino, a votação funcionou como um referendo. "Isso porque, das 999 escolas onde as urnas estão montadas, 74,7% têm candidato único. Em apenas 253 colégios há duas ou mais chapas inscritas". (JORNAL "A TARDE", 16/12/2008).
Enquanto em uma das escolas a candidata sentia a falta de mais uma chapa para que a comunidade pudesse "[...] comparar as propostas e optar pela permanência ou não da gestão atual". Em outra UE, a justificativa para a existência de apenas uma chapa foi "uma construção consensual".

[...] Isso devido a dois fatores: os demais aprovados no curso de formação para gestores não queriam assumir novas responsabilidades e ao temor da atual gestora em entregar a unidade escolar à outra pessoa que talvez não tivesse comprometimento com a realidade da instituição. (Grifos nossos) (CANDIDATA ELEITA)

No primeiro olhar, pode-se buscar a razão para este fenômeno na passividade política dos professores, e, até mesmo no desejo de permanência da gestão anterior para não criar atrito com os colegas da direção.
Esta passividade, segundo Dallari (1984), se dá por várias razões, e, mais especificamente por que está tirando algum tipo de vantagem da situação vigente, sem se dar conta que sua atitude oferece sustentação a um modelo excludente.
No entanto, para o caso específico das eleições para gestores, outras considerações devem ser elencadas para ampliar a compreensão acerca da significativa quantidade de chapas únicas apresentadas para o processo eleitoral.
Uma das justificativas está relacionada ao curto período (de 17 de setembro a 17 de dezembro) que incluem todas as etapas do processo: o curso de formação de gestores, a avaliação, formação de chapas, elaboração de propostas (plano), e a campanha.
Diretamente ligada ao governo, duas razões de fundamental importância macularam a imagem do PT, como alternativa dos professores ao governo do estado para a tão sonhada democracia.
A primeira delas foi, logo ao assumir indicar gestores para as escolas, e, mesmo nos casos em que a comunidade documentou o desejo de permanência dos que ali se encontravam não foi atendida .
Estabelecida essa cisma, foi deflagrado um processo de greve da categoria, ainda no início do governo, sob a alegação de reivindicação salarial e pauta extensa, que incluía a eleição de gestores, em especial na negociação por aumento dos salários, promessa de campanha do então candidato ao governo. A greve se arrastou por mais de um mês, frustrando as expectativas do sindicato e da categoria, que esperava as mudanças prometidas.
Frustrados em dois momentos, pode-se considerar que a eleição de gestores não gerou expectativas de mudanças por boa parte dos professores. E, em entrevista realizada em uma das unidades, durante o processo de construção das chapas para o sufrágio eleitoral, os candidatos quando argüidos acerca de expectativas por mudanças no sistema educacional, a partir da eleição, informaram que "tudo vai continuar igual".

Poderemos dar continuidade ao nosso trabalho; como já estou no jogo [...] Colocar a escola no lugar que ela deveria estar aos olhos da SEC. Mas sinceramente não acredito que mude [...] tudo vai continuar igual. (CANDIDATA ELEITA).

Caso a chapa seja eleita, teremos dificuldades na comunicação com os professores, por que eles não se envolvem em ações na escola. Aí fica difícil a mudança, podendo ficar tudo igual.
(CANDIDATA NÃO-ELEITA).

Desta forma, esta situação, não pode ser vista exclusivamente como uma possibilidade dos professores continuarem se beneficiando da situação vigente na unidade de ensino, mas também como um protesto silencioso, contra os antecedentes históricos imediatamente anteriores à convocação para a eleição de gestores das escolas públicas estaduais.
Por outro lado, nas unidades de ensino, onde aconteceu a formação de duas ou mais chapas, a campanha foi acirrada. A competição pela busca do poder foi a principal motivação. Em uma das unidades acompanhadas, quase houve violência física entre as concorrentes ao cargo de direção.
Durante o curso, através da estratégia AVA, a discussão entre alunos chamou atenção, notadamente o texto de uma participante que destacava como provável fator de competição entre as chapas as divergências pessoais e ideológicas, no interior das escolas, entre professores e gestores, o que motivaria a formação de chapas de oposição.
Mas o que realmente motiva a disputa pelo poder? Para responder a esta pergunta, recorreu-se à seguinte assertiva de Bonavides (2000, p. 48), que considera o fenômeno do poder, como "competições de grupos e indivíduos para lograr influxo sobre a formação da vontade oficial ou apoderar-se dos instrumentos [...] de decisão".
Sobre este fenômeno, Elias (2001), considera a competição pelo poder, como uma substituição do individual pela repercussão no plano coletivo e a interdependência que são estabelecidas em toda a extensão social de sua abrangência, passando a configurar como autoridade, que em sua plenitude capacita para resoluções de problemas e estabelecerem ordenamentos, unindo forças à sua volta.
Desta forma, pode-se perceber o princípio que anima a busca pelo cargo de diretor e vice-diretor: o poder.

2 PERFIL DO GESTOR X PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE ESCOLAR

O capitalismo e as relações sociais dele oriundas se consolidam pelo aperfeiçoamento dos mecanismos de controle, inclusive as formas burocráticas de organização, tanto na esfera privada quanto na pública.
É nesta esteira de desenvolvimento que evolui a esfera pública e os processos democratizantes das nações ampliam significativamente a estrutura das organizações; e, num país mais afeito às intervenções que o planejamento participativo, ações democráticas se constituem como divisor de águas.
De acordo com Bresser-Pereira (1981), o processo civilizador do Brasil é marcado pelo intervencionismo do Estado centralizador, que tem nos tecnoburocratas os seus principais agentes. E esclarece:

O Estado, à medida que é controlado mais diretamente por tecnoburocratas [...] passa a ter certa condição de autonomia, certa possibilidade de agir de acordo com os interesses da própria classe tecnoburocrata [...] interessados em participar efetivamente do poder, não mais como meros assessores, mas agora como associados, o que é um pouco diferente. (BRESSER-PEREIRA, 1981, 91).

Cabe observar que Tecnoburocracia não foi uma invenção brasileira, ao contrário, é considerada um fenômeno universal como tentativa incipiente de formar as primeiras gerências no Estado, mas, no caso específico do Brasil, persiste em vários setores, inclusive na educação pública, na qual os gestores, em boa parte dos estados, são indicados por interesses políticos partidários.
Essa tecnoburocracia acadêmica pode ser verificada nas UE?s, no período de observação do processo que antecedeu às eleições, quando se constatou a existência de instrumentos didáticos que poderiam ser utilizados e se encontravam desativados, como a biblioteca e a sala de informática, ambos sem qualquer uso pela preocupação da gestão quanto à possibilidade dos alunos danificarem livros e equipamentos respectivamente; por razão semelhante o laboratório de ciências não era utilizado.
Como num passe de mágica o plano de ação apresentado e aprovado pelas chapas destas UE?s contempla atividades para aqueles ambientes, ao "ressuscitar" o laboratório de informática quando, se propõe a utilizar os equipamentos e recursos ali existentes para "desenvolver estratégias para o estudo de língua estrangeira".
Embora aprovado pela SEC, observa-se que é um "tratado" tautológico à compatibilização com o mercado e às expectativas neoliberais, pois os verbos designados para o alcance das metas são permeados de grande subjetividade: incentivar, proporcionar, orientar, propor, redimensionar, oferecer etc.
Esses verbos, por seu turno, podem ser utilizados com a melhor das intenções democráticas. No entanto é questionável o paradigma da gestão a partir do perfil dos gestores, dirigentes em momento anterior ao pleito, pois a fala dos mesmos pode deixar alguma evidência, quando em entrevista foram questionados, sobre a sua condição para permanecer no cargo:
Para dar continuidade ao meu trabalho. Pois já estou no jogo. Colocar esta escola onde ela deveria estar aos olhos da Secretaria de Educação. (CANDIDATA ELEITA)

Como presidente do colegiado e por gostar de participar da tomada de decisões, pela insatisfação e desejo de mudança, tenho vontade de fazer algo para transformar. O medo da mudança fez com que a oposição perdesse muito. (CANDIDATA NÃO-ELEITA).

A resposta da chapa vencedora é no mínimo contraditória e permite duas observações: a) no primeiro mandato, teve a oportunidade de execução e revelou-se inoperante; e b) nem sempre as motivações políticas na escolha de um gestor guardam relação com as avaliações específicas do eleitor no tocante a posição de seus representantes.
Das quatro unidades observadas, em apenas uma houve mais de uma chapa inscrita. As demais, ou por consenso ou por passividade, seguiram a tendência de chapa única. E na que ocorreu disputa, se deu de forma acirrada para as eleições, mais como resultado de antagonismos anteriores ao pleito, do que por divergências de opiniões e propostas.
Na comunidade do entorno, houve uma intensa participação, principalmente porque uma das concorrentes tem influência político-partidária e usou dos mecanismos, comuns às práticas, como a utilização de carro de som, distribuição de "santinhos", comunidade virtual na rede de computadores, reuniões em associações de moradores e discursos inflamados, chegando inclusive à tentativa de agressão entre as chapas oponentes.
De acordo com alunos entrevistados

[...] a Chapa usou camisas durante a campanha enquanto que a chapa opositora não podia, só utilizou no dia da eleição. Houve várias mentiras como a promessa de merenda escolar para o ensino médio, entre outras. (ALUNO).

[...] a campanha deveria ser justa, pois a chapa 2 exigiu o debate que só poderia ocorrer sábado ou domingo, entretanto não houve. (ALUNO).

E, no dia da eleição o clima na parte externa do portão da escola estava como dia de eleição de partidos políticos tradicionais, havia um grupo de jovens tocando e cantando pagode, a rua cheia de papel de "boca de urna", duas funcionárias da escola fazendo campanha para a chapa que venceu, com "[...] medo de perder o emprego", como afiançou.

3 CARACTERÍSTICAS DA ESCOLA X PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE ESCOLAR

As quatro escolas observadas são de médio, grande porte ou de porte especial, com funcionamento nos três turnos. Apesar do número expressivo de alunos oriundos, em sua maioria, do próprio bairro (território) da Unidade de Ensino (UE), a maioria das escolas prefere ficar alheia ao projeto Escola Aberta e/ou outro(s) evento(s) comunitário(s). Abrem suas portas ocasionalmente para poucas entidades que desejam realizar algum tipo de evento em seu espaço físico.
Essa relação de distanciamento, dentro do mesmo território, é contraditória justamente quando a gestora, mantida no cargo, reconhece os enfrentamentos de problemas como violência, drogas e outras tantas carências sociais, que constantemente os estudantes estão sujeitos.
Contudo, analisando o Plano de Ação (item 20) das chapas vitoriosas puderam ser encontradas várias propostas de encaminhamento tendo como um dos motes de seu projeto de campanha a busca de "parcerias com entidades públicas e privadas, para o desenvolvimento de atividades sócio-culturais para a comunidade escolar e local".
O desencontro entre o discurso e a prática traz para o espaço escolar, especialmente, quebras nas relações de confiança tratos/acordos tão necessários à cooperação, responsabilidade e o compromisso com a construção de atitudes e posturas no processo educativo.
Não se sabe ao certo como a gestora conduzirá a aproximação com a comunidade, visto que previamente houve negação da relação ou, quando houve permissão, esta foi incipiente. A gestora não esclarece como fará esta parceria. Resta somente o exercício de reflexão frente às promessas de campanha.
É evidente que a práxis escolar nas UE?s não incorporam as especificidades político-culturais dos territórios em que estão inseridas, especialmente porque as promessas contidas no Plano de Ação, aprovado pela SEC, contém estratégias que poderiam ser utilizadas em momentos anteriores e vale ressaltar que não foram feitas.
O que motivou essa mudança de postura dos componentes, que integravam a gestão, quando da elaboração do Plano de Ação? Uma tomada de consciência instantânea?
A resposta a esta atitude paradoxal entre o dito e o feito, faz parte dos rituais da política brasileira, a qual Durkheim nos estudos de rituais descreve como "meios pelos quais o grupo social se reafirma periodicamente". (DURKHEIM, 1996, p. 422).
Nesse processo de reafirmação, as chapas não tiveram preocupação de preparar a comunidade escolar para a eleição de gestores. Tanto os estudantes quanto os funcionários e, principalmente os responsáveis estavam alheios aos fios condutores deste processo.
Esta situação foi constatada através das entrevistas realizadas com a comunidade escolar e a fala de uma das concorrentes ao cargo de diretora que afirmou não concordar com o período em que SEC, determinou para o processo de eleição e "[...] caso a outra chapa vença não vai ter experiência suficiente para exercer o período de matricula [...] e arrematou que "[...] não queria nem saber [...].

O tempo da campanha de quatro meses foi insuficiente, houve agressividade entre os componentes da chapa, os alunos estão indecisos. (DIRETORA DA COMISSÃO ELEITORAL).

Foi observada a falta de interesse da maioria do alunado em função da ausência de informações e esclarecimentos a cerca do processo eleitoral. Grande parte dos alunos do turno noturno desconhecia a composição das chapas (formada exclusivamente por professores do diurno), as propostas, quem poderiam participar e de que forma, assim como as responsabilidades e o poder de decidir que estavam em suas mãos.
Ao entrevistar alunos, foi verificada a falta de preparação acerca do processo eleitoral, o que motivou um desinteresse e ausência de perspectiva de mudanças. Para um dos estudantes entrevistado, esse processo não é importante porque "[...] não muda nada e tudo permanecerá do jeito que está". Outros dois ainda chegaram a apontar alguma possibilidade de mudanças, todavia observa-se a falta de entusiasmo até nos mais otimistas.
Na UE onde houve disputa entre chapas, a estratégia adotada foi a de acusações mútuas, o que descarta o comprometimento dos candidatos para com o seu eleitorado. E isto pôde ser constatado no momento em que houve a demanda do debate, gerado pelo corpo discente, o qual não aconteceu. O debate seria o momento da exposição das propostas das chapas em que os candidatos mostrariam seus planos de campanha dando a comunidade escolar a oportunidade de conhecer tais propostas, de questionar e, por fim, decidir.
No campo dos aspectos negativos por parte da organização da Secretaria de Educação, a data para as eleições coincidiu com diversos eventos de natureza acadêmica como provas, entrega de resultado, véspera de férias e outros que culminariam com o fim do ano letivo, o que acarretou grande tumulto e desorganização no momento das eleições.

4 NORMATIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO

O Decreto 11.218/2008, que determinou processo da eleição de gestores das 1.681 escolas estaduais da Bahia, destaca em seu artigo 1.o, parágrafos e incisos que a "investidura nos cargos" eletivos, ocorrerá após aprovação no Curso de Gestão Escolar e posterior processo seletivo realizado pela respectiva unidade escolar, com o devido estímulo de participação da comunidade escolar, considerada no artigo 2.o, formada, pelos estudantes regularmente matriculados (maiores de 14 anos), os pais ou responsáveis, professores, coordenadores e demais servidores públicos em exercício na UE.
Ficou definido ainda, no artigo 3.o, como pré-requisito para as inscrições no processo seletivo, além de ter formação superior em grau de licenciatura plena, possuir experiência mínima de 02 (dois) anos na rede pública ou privada, ser servidor, ocupante de cargo da carreira de professor ou de coordenador pedagógico do Magistério Público Estadual, ter obtido a aprovação no Curso de Gestão Escolar e ter o Plano de Gestão Escolar validado pela instituição formadora, dentre outros.
Na mesma oportunidade, foi divulgado também o Edital n.o 7, que tornou público a abertura de inscrições para o "Curso de Gestão Escolar e para o Processo Seletivo a ser realizado em unidades escolares da Rede Pública Estadual de Ensino". Cujo objetivo principal tem por foco "contribuir no desenvolvimento das competências básicas para o exercício efetivo das funções de Diretor e de Vice-Diretor, para sua atuação nas unidades escolares da rede estadual de ensino".Com uma oferta de vagas prevista para 12.000 inscritos, ficou definido também que o período de inscrição se daria entre os dias 19 a 24 de setembro de 2008.
O método de operacionalização definido no Edital, para o curso foi a modalidade à distância, pelo ambiente virtual de aprendizagem (AVA), distribuído em 6 (seis) módulos de estudos e carga horária de 120 horas.
O processo de avaliação também constante do Edital se deu duas formas:
a) Prova Objetiva, com peso de 75% do coeficiente de rendimento, constando de questões de múltipla escolha, na modalidade presencial, a ser realizada, nos campi da Universidade do Estado da Bahia - UNEB;
b) De forma processual, com peso de 25% do coeficiente do rendimento, considerando a participação nos fóruns virtuais, acesso ao ambiente AVA e a elaboração do Plano de Gestão.
E a certificação foi expedida pela UNEB, para os profissionais que obtiveram no processo de avaliação, o mínimo de 70% de aproveitamento do curso.
Um mês após, a cerimônia na Escola Parque, em 17 de outubro de 2008 e do lançamento do Edital, foi divulgado através da Portaria N.º 12.712/08, o Regulamento do Processo Seletivo Interno de candidatos aos cargos de Diretor e de Vice-Diretor de Unidades Escolares da Rede Pública Estadual de Ensino, elaborado pela Comissão Seletiva Central.
Teve início, assim, o atendimento a uma das principais reivindicações de estudantes e professores, a de eleger diretores e vice-diretores, que até o momento eram cargos indicados pelo governo, podendo participar da escolha professores e servidores da unidade escolar, pais e alunos com idade acima de 14 anos. Ficou definido ainda que os votos fossem depositados em urnas tradicionais, em cédulas de papel.
O período de inscrições de acordo com a Portaria 12.712/08 ficou assim estabelecido:
Art. 1º - As inscrições do Processo Seletivo Interno para os candidatos aos cargos de Diretor e de Vice-Diretor serão realizadas exclusivamente nas unidades escolares da Rede Pública Estadual de Ensino, nos dias 21, 22, 24 e 25/11/2008.
§ 1º - As inscrições dos candidatos serão organizadas em chapas, compostas por um candidato ao cargo de Diretor e por candidatos ao cargo de Vice-Diretor e homologadas em 28/11/2008 [...].

Ficou definido ainda, no artigo 1.o e seus parágrafos subseqüentes, que "[...] Nenhum candidato poderá compor chapa, simultaneamente, em duas ou mais unidades escolares [...] § 3º Será acatada a inscrição de candidato ao cargo de Diretor sem os respectivos candidatos ao cargo de Vice-Diretor [...] É vedada a candidatura isolada ao cargo de Vice-Diretor."
Esta Portaria faz alusão ainda em seus capítulos subseqüentes quanto às competências: da comissão seletiva central; da diretoria regional de educação, da comissão seletiva escolar, da propaganda e publicidade, da votação, da mesa receptora; da apuração; da mesa apuradora; e do resultado.
O resultado de todo este processo foi apresentado no site da SEC em 22/12, anunciando que dos 13.640 professores inscritos no curso de gestão, apenas 8.368 realizaram a prova, pré-requisito indispensável para habilitar os candidatos para participação no processo seletivo. Desse montante, somente 5.668 foram aprovados, e se tornaram aptos a concorrer às eleições.
Consta ainda que, em informação veiculada por (SOMBRA, 2009), a respeito do número de chapas inscritas no processo eletivo, das 999 escolas onde as urnas foram montadas, em apenas 253 colégios houve duas ou mais chapas inscritas. Um dado a se considerar, já que o índice de chapas únicas que concorreram, 74,7% apresentaram candidato único, o que suscita maior análise.
Esta tendência à formação de chapa única, de acordo com Paro (1996), na escolha de gestores da educação, se dá principalmente, porque

[...] a eleição do dirigente acaba, em grande medida, significando não a escolha de um líder para a coordenação do esforço humano coletivo na escola, mas muito mais como uma oportunidade de jogar sobre os ombros do diretor toda a responsabilidade que envolve a prática escolar. (PARO, 1996, p. 381-382)

A falta de tradição democrática, no entanto, pode ser um dos principais motivadores, visto que a inexistência de condições para implantar mecanismos de participação e do próprio exercício democrático, acaba por ofuscar, mesmo em longo prazo, a perspectiva de responsabilidade sobre as ações de políticas sociais, como uma via de mão dupla.
A síntese do processo da normatização e desenvolvimento do processo eletivo exposto acima foi elaborada para melhor conhecer e compreender o percurso da SEC na organização e cumprimento do pleito. E ainda, justificar e validar a fala dos diferentes participantes do processo eletivo.
Explorado o caminho trilhado pela SEC, no aspecto da organização do pleito, concluiu-se que este foi trilhado a passos largos, ou seja, de forma acelerada resultando em implicações significativas para o processo.
Notou-se, sobretudo, que os eventos fomentados pela Secretaria de Educação, especialmente, as datas para entrega de atividades do curso de gestores, inscrição de chapas, campanhas e eleição coincidiram com diversos eventos de natureza acadêmica como provas, entrega de resultado, véspera de férias e outros, o que acarretou grande tumulto e desorganização no momento das eleições.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo eleitoral para gestores escolares da rede pública estadual na Bahia é o resultado do aprendizado que medrou nas raízes da falência de um modelo autoritário. Com a adoção das eleições democráticas para gestores das escolas públicas estaduais rompe-se o modelo organizacional em sua cadeia de relações hierárquicas verticalizadas e possibilita o surgimento de uma articulação horizontal de redes, ou centros múltiplos de poder.
Este artigo atinge seus objetivos ao destacar que a tendência à composição de chapa única, solapa a disputa como elemento motivador. Isto é compreensível, especialmente pelo desconhecimento da concepção de postura democrática. A democracia como desejo é geral, principalmente no plano do discurso. A sua construção prática pode ser comparada ao devoto que ora pelo milagre, e, quando este chega esquece e descuida das mazelas motivadoras da promessa.
Esta percepção e práxis vão influenciar no perfil do gestor e o que este compreende como participação da comunidade escolar. A opção da maioria das UE?s, foi a de promover o referendo, mesmo que esta postura engesse a possibilidade de mudanças e comprometa o papel do conflito dialético que fortalece a democracia.
Mesmo na UE, que promoveu a disputa entre duas chapas, a participação da comunidade escolar, foi compulsória no caso dos funcionários, especialmente dentre os terceirizados, pelo medo de perder o emprego. Os alunos embora tenham participado, vislumbraram a "festa da democracia" e foram negligenciados do debate esclarecedor das idéias e propostas.
O processo de normatização e desenvolvimento do processo que culminou com a eleição, deu início a um novo arranjo organizacional, e, de acordo com Bruno (1997) podem emanar diretrizes de um novo ordenamento sistêmico de regras, que substitui a decisão pessoal e apegada a um único critério, passando a vigorar um modelo decisional coletivamente construído para ser validado.
E, a tomada de decisão, a partir desses centros de articulação, ensejados por múltiplos critérios para o processo decisório estratégico, planejado, horizontalmente construído, acaba por despersonalizar o poder e manter o equilíbrio em níveis local e institucional.
Deste novo momento, a partir do exposto no trabalho e da fala dos entrevistados, pode-se considerar a possibilidade de algumas mudanças, especialmente pela compreensão de responsabilidade da gestão nos níveis: (a) pedagógico; (b) nas interrelações no contexto das unidades de ensino com a comunidade, com os professores, com os alunos, pessoal de apoio e com os pais (gestão de pessoas); (c) nas interrelações com a DIREC/SEC (gestão de processos).

a) Pedagógico

Existem expectativas positivas para a inclusão dos sujeitos no cenário político pedagógico da educação, a partir da mobilização dos educadores, nas diversas práticas escolares, que permitam o aluno como protagonista do processo educativo.
Tal mobilização depende da capacidade da nova gestão de constituir na organização, arranjos horizontais numa nova matriz de relações autônomas, fomentando alternativas de participação e representação política.

b) Nas interrelações no contexto das unidades de ensino

No que diz respeito ao comparecimento de alunos e pais, para o primeiro ato de escolha de dirigentes, em parcela significativa das unidades escolares, percebe-se o desejo da quebra das relações efetivas de poder, que deram sustentação a uma escola discriminadora e reprodutora das desigualdades sociais.
Este sentimento de pertença, demonstrado e aguçado na participação do processo eleitoral, pode ser uma motivação para minimizar as divergências e contradições nestas instituições e criar uma tensão positiva, para constituir entre os atores envolvidos uma expectativa na construção de trabalho coletivo, e manutenção de uma gestão descentralizada e autônoma, sustentada por um sistema de redes de apoio, horizontal, que possibilite a condução democrática da gestão escolar.
Um dos pontos críticos de mudança, no entanto, diz respeito à motivação junto aos professores, no que diz respeito às questões salariais. Isto porque, não vislumbram a perspectiva de melhorias na remuneração, e, portanto consideram que não são ouvidos em suas reivindicações, podendo questionar esta democracia assentada sobre as desigualdades sócio-econômicas da categoria, obstruindo efetivamente a instauração da democracia real.
A escola, na medida em que envolve a comunidade na gestão, contribui com a própria organização da sociedade civil e o efeito da gestão participativa da escola pode repercutir na organização da sociedade fora da escola, em especial na formação do sujeito social como membro decisório do cotidiano administrativo da escola como "ator aluno"

c) Nas interrelações com a DIREC/SEC.

A legitimidade assegurada pela eleição, amplia a expectativa da necessidade de aproximar as distâncias entre as UEs e a SEC, de forma que haja maior comunicação nesses espaços e se viabilize práticas democráticas no Sistema Educacional Baiano.
Os paradigmas da sociedade em rede demonstram o efeito dialético da globalização no fortalecimento das identidades locais. A escola na medida em que participa da formação do sujeito social, organiza, fortalece e constrói a identidade social local.
Assim, o processo de mudanças no Sistema Educacional da Bahia, está na sua gênese e o seu sucesso está intimamente associado à postura dos gestores eleitos, que ainda vivenciam "dilema prático": serem "burocratas", cumpridores das ordens emanadas do topo da hierarquia estatal, ou "delegados" representantes da comunidade escolar.
A alternativa a este drama é reforçar a atuação dos colegiados escolares e expor a burocracia da área educacional e a necessidade de mobilização para atingir objetivos e metas promotoras da qualidade da educação. Isto é o resultado do aprendizado, que medrou nas raízes da falência de um modelo autoritário. Este autoritarismo surgiu e foi sustentado numa rede interpessoal, que privilegiava os interesses privados de uma minoria, mantida pelas organizações públicas.
Com a adoção das eleições democráticas para gestores das escolas públicas estaduais, rompe-se o modelo e sua cadeia de relações hierárquicas, possibilitando o surgimento de uma articulação entre centros múltiplos de poder, onde segundo Bruno (1997), podem emanar diretrizes e um novo ordenamento sistêmico de regras, que substitui a decisão pessoal e apegada a um único critério.
E, a tomada de decisão, a partir dos centros de articulação, passa a ensejar múltiplos critérios, o que poderá, no futuro redimensionar o papel do colegiado escolar no contexto do processo decisório estratégico, planejado, horizontalmente construído, e acabe por despersonalizar o poder e manter o equilíbrio em níveis local e institucional.

REFERÊNCIAS
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 2000.
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A sociedade estatal e a tecnoburocracia. São Paulo: Brasiliense, 1981.
BRUNO, Lúcia. Poder e administração no capitalismo contemporâneo. In: OLIVIERA, Dalila Andrade. (org.) Gestão democrática da educação. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 15-45.
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Autor: José Tadeu Neris Mendes


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