Cultura, Tradição E Terapias Populares: Um Desafio Para Os Profissionais De Saúde



INTRODUÇÃO

A compreensão do conceito saúde-enfermidade é fundamental para a prática de todas as profissões na área de saúde. Tanto a saúde quanto a doença são estados relativos e as próprias palavras têm significados discrepantes para diferentes pessoas. Assim, cada indivíduo possui seus próprios padrões para avaliar seu estado de saúde e utiliza-se de mecanismos de enfrentamento diferentes para lidar com suas enfermidades. Segundo Gramsci¹ (1991), os conhecimentos, valores e práticas dos seguimentos populares refletem uma cultura própria, em que se encontram valores tradicionais atualizados e componentes da sua história de vida, marcados pelo lugar que ocupam no mundo do trabalho e relações sociais. Desse modo, esses indivíduos valem-se de uma medicina ancestral para resolver seus problemas de saúde, mantendo incorporados em seu patrimônio cultural procedimentos médicos que lembram aqueles adotados por nossos antepassados mais próximos e com os quais convivemos e aprendemos. Na sucessão das gerações, tais procedimentos vão sendo repetidos concomitante se adequam às realidades históricas com as quais estão convivendo (CAMARGO², 2001).

Para Potter³ (2002, p. 31), a forma como um paciente vê o seu nível de saúde atual depende das atitudes que tem em relação à saúde, valores, conceitos e percepção do bem-estar físico, emocional, intelectual, social e espiritual, portanto,considerando que um dos papéis imprescindíveis dosprofissionais de saúde é ajudar o paciente a satisfazer suas necessidades humanas básicas e assim alcançar um completo estado de bem-estar, faz-se necessário para estes profissionais saber determinar a partir de qual momento a pessoa saudável torna-se doente e estar ciente de como os membros de outros grupos culturais podem pensar e agir.

Para tanto, ao prestar uma assistência holística e qualificada, os profissionais devem considerar todos os pacientes como indivíduos, porque cada um é único. Entretanto, assim como estes são afetados de várias maneiras pela educação familiar, experiências pessoais e fatores genéticos e biológicos, também são influenciados pela cultura na qual cresceram e vivem (POTTER³, 2002). De acordo com Taylor4 (1992), a cultura de um indivíduo é um dos fatores mais importantes para determinação de suas crenças e comportamentos quanto à saúde.

Herzlich5 (1991) afirma que a valorização desse universo cultural e de suas especificidades é fundamental para a promoção da saúde, pois possibilita identificar/compreender e considerar, no encaminhamento de práticas profissionais, elementos dinamizadores da realidade vivida – de conformação, recusa e reelaboração de construções historicamente oficializadas no campo da saúde.

Diante do exposto conhecer como os grupos populares vêem e lidam com os seus problemas de saúde, identificar quais as principais crenças populares empregadas na cura de doenças, averiguar qual o conhecimento dos profissionais de saúde que atuam no Programa de Saúde da Família (PSF) sobre terapias populares e qual a conduta destes profissionais de saúde diante dessas crenças que muitas vezes podem estar arraigadas na comunidade, constituem-se, pois, nos objetivos desse estudo.

A realização dessa pesquisa possibilitará ao profissional de saúde uma maior compreensão sobre como pensam os grupos populares a respeito da saúde e da doença, facilitando a estes profissionais promover ações de saúde mais específicas e efetivas, que ajudem os pacientes a reorganizar ou adaptar seu estilo de vida, visando padrões de cuidados novos, diferentes ou mais benéficos concomitante os valores e as crenças individuais são respeitados.

Visa-se conhecer as principais terapias populares de uma comunidade e a conduta dos profissionais de saúde do Programa de Saúde da Família (PSF) mediante a utilização dessas terapias.

METODOLOGIA

Para a realização dessa pesquisa foi adotada a abordagem quantiqualitativa, uma vez que permitia uma melhor compreensão do problema estudado e uma natureza descritiva,que de acordo com Cervo; Bervian6 (1996),trata da descrição das características, propriedades ou relações existentes na comunidade pesquisada, buscando conhecer diversas situações e relações que ocorrem na vida social, política e demais aspectos do comportamento humano, tanto do indivíduo tomado isoladamente, como de grupos ou comunidades mais complexos.

Participaram dessa pesquisa, quatro (4) profissionais de saúde e 35% da população que vive em uma comunidade em expansão localizada na zona rural do município de Barra dos Coqueiros, Sergipe, perfazendo um total de 45 domicílios, já que se trata de uma pesquisa também de cunho quantitativo. Os participantes desse estudo foram, de preferência, as matriarcas dos domicílios estudados por serem estas as principais responsáveis pelo cuidado familiar. Segundo Chrisman (1977) apud Helman7 (2003), na família, as mulheres são as principais provedoras dos serviços de saúde, normalmente as mães ou as avós, que diagnosticam a maior parte das enfermidades comuns e as tratam com os materiais disponíveis.A coleta dos dados foi feita a partir de um formulário de entrevista e de entrevista semi-estruturada. A análise e divulgação dos dados foram autorizadas pelos entrevistados.

Na interpretação dos dados qualitativos, fez-se uso da análise de conteúdo que, segundo Bardin8 (1997), é um conjunto de técnicas de análise de comunicação que visa obter, através de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos das mensagens, indicadores que tornem possível a interferência de conhecimentos relacionados às condições de produção/recepção destas mensagens. Os dados quantitativos foram analisados através de um tratamento estatístico, para facilitar seu arranjo, análise e compreensão, de acordo com as orientações de Lakatos; Marconi9 (2001). Os resultados foram apresentados em tabelas e gráficos em forma de percentual.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Conceito de Saúde e Doença / Procura pelo Serviço de Saúde

Verificou-se que 45% (20) responderam que saúde é não estar doente, 33% (15), atribuíram tal conceito a ausência de dor, 16% (7), relataram ser está bem fisicamente, biologicamente e espiritualmente, 4% (2), correlacionaram saúde a conseguir desempenhar as atividades cotidianas e 2% (1), disse que ter saúde é ter paz.

Percebe-se que apenas 16% da amostra detêm o conceito de saúde adequado que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) apud Potter³ (2002, p. 30) é "um estado de bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de enfermidade" como a maior parte da amostra respondeu. A atual legislação brasileira ampliou a definição de saúde, considerando-a resultado de vários fatores determinantes e condicionantes, como alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer, acesso a bens e serviços essenciais. Ao serem indagados sobre quando se consideram doentes, 58% da amostra (26) afirmaram ser no momento em que estão com alguma dor, 18% (8), relataram que é quando não conseguem desempenhar as atividades cotidianas, 16% (7), correlacionaram doença à presença de alguma patologia, 6% (3), referiram ser quando estão com alguma anormalidade física, biológica ou espiritual e 2% (1) disse ser quando lhe falta paz.Desse modo, somente 6% da amostra (3) possui um entendimento sobre doença equivalente ao que a literatura define, ou seja, "um estado anormal no qual as funções físicas, intelectuais, emocionais, socioculturais ou espirituais estão diminuídas ou prejudicadas quando comparadas com o estado anterior" (POTTER³, 2002, p.43), enquanto que 74% (33)correlacionou-o meramente a ausência de dor ou alguma patologia.

De acordo com Boruchovich; Souza e Schall10 (1991), conceituar doença não é simplesmente saber defini-la. Implica, pois, na possibilidade de compreender sua história, suas conseqüências e, sobretudo, seus complexos determinantes, muitas vezes reduzidos pelo contexto educacional, às simples interações agente etiológico-hospedeiro. Torna-se, portanto, imprescindível que os profissionais de saúde conheçam o conceito de saúde/doença dos usuários, possibilitando-lhes traçar ações de saúde efetivas e que atendem as necessidades reais de cada cliente.

Com relação à procura pelo Serviço de Saúde, 45% da amostra (20) afirmaram que só o procuram quando não conseguem resolver o problema de saúde em casa, 24% (11), relataram ir à Unidade Básica de Saúde (UBS) quando estão com alguma patologia que não conhecem, 20% (9), disseram que procuram pelo Serviço todas as vezes que estão doentes, 9% (4), quando estão com alguma dor muito forte e 2% (1) afirmou nunca procurar pelo Serviço de saúde.

Vale ressaltar que 74% da amostra (33) correlacionaram o entendimento de doença à presença de dor ou patologia, portanto, pode-se afirmar que 89% dos entrevistados só vão ao Serviço de saúde tardiamente. Segundo Potter³ (2003), os pobres e a classe trabalhadora tendem a não priorizar as condições de pouca gravidade, procurando ajuda médica apenas num estágio relativamente avançado. Como a maior parte da população estudada pertence à classe baixa, justificam-se os achados.

Principais Terapias Populares, aquisição de tais conhecimentos e a eficácia do tratamento

Medidas Populares

A análise dos dados colhidos junto à população que participou deste estudo permitiu-se identificar que, na satisfação das necessidades no campo saúde-doença, a amostra se utiliza de um conjunto variado de recursos e estratégias em saúde. Tais recursos incluem o uso de medidas populares como as receitas caseiras, as práticas médico-religiosas, evidenciada, em especial, pela crença nos benzedores, a auto-medicação e, por fim, a utilização dos serviços de saúde.

Constatou-se que 98% da amostra (44) utilizam alguma receita caseira na tentativa de curar doenças, valendo-se de uma variedade bastante ampla de elementos naturais vegetais (folhas, cascas, raízes de plantas variadas), através de um conjunto de meios e processos "terapêuticos" como banhos, bebidas, cozimentos e aplicações à pele. Desses, 73% (32) afirmaram que aprenderam tais receitas com as mães; 9% (4) com os idosos; 11% (5), relataram ter auto-aprendido as receitas e 7% (3) citaram outros meios de aprendizado. Nenhum entrevistado relatou ter sido orientado por um profissional de saúde.

Os achados corroboram com Figueiredo11 (2005), quando afirma que as práticas populares perpassam gerações e transcendem etnias, raças e classes sociais. Segundo o autor, trata-se de um recurso autêntico do saber popular, tradicionalmente utilizado no seio familiar e socializado nas relações de vizinhança.

Pode-se verificar que 84% da amostra (37) afirmaram que os resultados encontrados são satisfatórios, 14% (6) disseram que as receitas caseiras resolvem em parte o problema de saúde e 2% (1), relatou que as receitas não resolvem, mas que mesmo assim as utilizam. Quando indagados se deixariam de utilizar as receitas caseiras em virtude da proibição do seu uso por algum profissional saúde, 89% (39) afirmaram que continuariam utilizando-as sem que eles soubessem e 11% (5) relataram que deixariam de utilizá-las, caso o médico mandasse. Os achados podem ser corroborados nas falas seguintes:

"Continuaria usando, porque se não fizer bem que mal não faz." (Anador)

"Oxe, eu usava. Mal faz é remédio de farmácia e a gente toma!" (Alecrim)

"Eu deixava, porque eles deve saber mais que nóis, né. Eles estudaram..." (Eucalipto)

Notou-se, assim, que a medicina caseira mantém-se aliada a valores tradicionais, a partir do momento em que é legitimada pelos entrevistados, ao colocarem as práticas caseiras em uma posição superior às médico-científicas, recusando-se a terem seus conhecimentos desvalorizados.

Práticas Médico-Religiosas

Outra terapia popular empregada na cura de doenças é a reza. Nesta pesquisa, 96% da amostra (43) afirmaram acreditar na cura através da fé. Para Minayo12 (1988), a religiosidade presente no campo saúde-doença tem raízes históricas profundas, manifesta pelos vários grupos sociais de modo renovado, sobretudo no espaço urbano.

Como pode ser evidenciado no Gráfico 2, 80% dos entrevistados (36) afirmaram já terem se tratado com algum benzedor. Dos 20% (9) que relataram nunca terem tido contato com rezadeiras, 33% (3) disseram que acreditam nos mesmos.

Esse alto índice pode ser justificado através da fala de Helman7 (2003, p. 77), quando afirma que os curandeiros explicam a falta de doença em termos culturais mais amplos, mais familiares – envolvendo os aspectos social, psicológico e espiritual da vida dos pacientes - enquanto os médicos concentram-se principalmente na doença física e nos patógenos ou nos comportamentos que supostamente causam doenças.

Pode-se reconhecer através dos depoimentos que, na busca de proteção e cura, as práticas médico-religiosas são utilizadas majoritariamente quando a medicina não apresenta resultados (47% da amostra – 17). Entretanto, 36% da amostra (13) a elegeu como rotina sempre que a doença estivesse presente; 17% dos entrevistados (6) afirmaram só procurar pelas práticas religiosas quando o problema de saúde é de cunho espiritual e, portanto, não poderia ser resolvido por um profissional de saúde. Vale ressaltar que cinco (5) entrevistadas relataram não acreditar mais em benzedores, devido à religião atual (Evangélica), mas afirmaram já terem se tratado com um deles. Esses achados podem ser evidenciados através das falas dos atores sociais abaixo:

"O rezador tem poder que o médico não tem. Sempre eu procuro ele." (Babosa)

"Depende do caso: se for vento caído, mau-olhado, essas coisa assim, eu vou primeiro pro benzedor." (Melissa)

"Só vou quando o médico num dá jeito, né minha fia. Nóis tem que procurar outras coisa pra ficar boa, né!" (Anador)

Segundo Minayo12 (1988), a religiosidade e sua interligação com as questões de saúde-doença também são vistas como parte da cultura tradicional dos grupos populares, ligada à sua visão acerca do homem e seu destino.

Auto-Medicação

A auto-medicação foi outro recurso utilizado pela população estudada para o tratamento de doenças. Pode verificar que 78% da amostra (35) afirmaram autotratar-se com remédios industrializados, embora somente nos casos considerados pelos usuários como "besteiras", rotineiros ou "fáceis de resolver" como cefaléias, febre e gripe.

Segundo Mandu; Silva13 (1998) a população busca uma resposta mais rápida e imediata para seus problemas de saúde, coerentemente com a visão normativa de recomposição imediata de seus corpos para o trabalho, em que o uso de remédios alopáticos é percebido como mais apropriado.

Quando interrogados sobre quem os orientou a usar as medicações obtiveram-se as seguintes respostas: 31% da amostra (12) relataram não terem sido orientada por ninguém, 34% (12) afirmaram terem sido aconselhados por amigos, 17% (6) referiram ter sido o balconista de farmácia o direcionador da medicação e 9% (3), afirmaram ter aprendido com um familiar. Os outros entrevistados (9% - 3) citaram a televisão e "o mundo" como respostas ou disseram ter sido orientados por mais de uma das alternativas referidas anteriormente.
A auto-medicação é justificada, de acordo com Mandu; Silva13(1998), pelo favorecimento de conhecimentos adquiridos em situações anteriores ou por intermédio da propaganda, influenciados pela medicalização em saúde. O uso desse recurso, assim como os demais, também se revela alternativo a situações em que os serviços não correspondem às necessidades e demandas da amostra, já que o Serviço de Saúde em que estão inseridos os entrevistados só funciona quinzenalmente.

Principais Receitas Caseiras x Efeitos Colaterais

Foi constatado que 98% da amostra utilizam receitas caseiras no tratamento de doenças; desses, 100% fazem uso de ervas medicinais. As ervas mais utilizadas pela amostra foram a cidreira (Lippia alba), o sambaicaitá (Hyptis pectinata), o capim-santo (Cymbopogon citratus), o boldo (Peumus boldus), a aroeira (Lithraea brasiliens), a malva-branca (Althaea officinalis), o barbateman (Stryphnodendron sp), o hortelã (Mentha spicata), o quebra-pedra (Phyllanthus amarus) e lambedores, entre oitenta e duas (82) receitas envolvendo as plantas medicinais. Foram citados também como receitas caseiras o uso de água sanitária, leite materno, urina, gelo, açúcar, alho (Allium sativum), cebola (Allium cepa) e sal como pode-se perceber nas falas abaixo:

"Você pega a aroeira pela manhã, esfrega no corpo pra curar problema de pele." (Sambacaitá)

"Pega uma colherzinha de chá com leite de peito e bota no ouvido: a dor passa e desinflama." (Barbateman)

"Pra dordói (Conjuntivite) você pega e manda a pessoa urinar e coloca no olho de manhã."(Malva)

"Pega o côco, esquenta o caco e tira um óleo de dentro e coloca no dente. Destrói o dente, mas passa a dor." (Mastruz)

Pode-se averiguar que as ervas são utilizadas de modo indiscriminado no tratamento de inflamações, gripes, conjuntivites, problemas dentários, renais e cardiológicos, anemia, hipertensão, diabetes, hemorragias, câncer entre outras patologias, perfazendo um total de trinta e três (33) enfermidades citadas. Observou-se que não há um parâmetro para definir dosagens e muitas vezes os entrevistados não sabiam informar para que serviam as ervas que estavam utilizando.

Segundo Albuquerque; Andrade (2004) apud Mota14 (2005), as pessoas precisam tomar conhecimento de que mesmo sendo um medicamento natural, as plantas podem causar problemas de saúde se forem usadas de maneira errada. Algumas plantas, quando tomadas em doses altas ou quando utilizadas por muito tempo, podem causar irritação gástrica, hemorragias graves, convulsões, vômitos, lesões nos rins e muitos outros problemas. Assim, só devem ser usadas com muito conhecimento ou sob orientação de um profissional de saúde qualificado.

Relato dos Profissionais de Saúde

A análise dos relatos dos profissionais de saúde revelou que há um desconhecimento acerca do conceito de terapia popular, atribuindo-lho definição igual ao de medicina popular. A amostra relatou ter conhecimento de que a população faz uso de terapias populares, embora só tenham enumerado o sambacaitá (Hyptis pectinata), a malva-branca (Althaea officinalis), a cavalinha (Equisetum arvense) e lambedores como receitas ou não souberam informar quais as terapias mais freqüentes.

Ao serem interrogados sobre qual a conduta empregada diante da utilização das receitas caseiras pelo usuário, três (3) entrevistados relataram fazer orientação da população sobre qual a maneira correta de utilizá-las e um disse que apenas não os critica, entretanto, três (3) profissionais consideraram o tratamento convencional como indispensável.

"A gente orienta a parte daqui, mas contanto que eles continuem a usar a medicação prescrita, não tem problema." (Romã)

"A gente tenta orientar o certo, né (tratamento convencional), mas é difícil porque eles já crêem nisso, mas a gente tenta orientar o que é correto." (Gengibre)

Figueiredo11 (2005) cita que para o profissional de saúde sustentar a sua prática baseada no cuidar através das plantas, a saída está na educação em saúde, levando-se em consideração o modo de viver individual e coletivo das pessoas, respeitando suas práticas de vida.

Três (3) profissionais afirmaram que acreditam na cura através da fé, atribuindo-lha valor importante para a cura. Dois entrevistados (2) referiram não acreditar em benzedores e/ou raizeiros e um (1) disse acreditar parcialmente, afirmando serem "bem intencionados". No entanto, todos os profissionais relataram não proibir os usuários da procura por curandeiros, fator considerado imprescindível para a continuidade do tratamento, pois 80% dos usuários afirmaram já terem se tratado com um benzedor.

"É o que cura, a fé é o que cura. Se você tá fazendo uma coisa que você acredita, você se enche de ânimo, até a sua imunologia cresce através disso. Se você não acredita, você cai no desânimo e tá fadado a se frustrar, porque não vai dar resultado." (Orégano)

"Eu não acredito não. Mas, bom, cada um tem sua crença. Se recebe aquela reza como uma cura com fé, deve curar. Eu nunca desaconselhei não." (Gengibre)

Entendendo as crenças do paciente, o profissional evita a esteriotipia e o etnocentrismo que, segundo Potter³ (2003) podem afetar adversamente a assistência, pois o profissional que demonstra qualquer uma dessas posturas não considera o paciente como um indivíduo, não podendo oferecer uma assistência holística individualizada.

Quando questionados se apoiariam a utilização de remédios caseiros por algum usuário, dois (2) entrevistados afirmaram apoiar o uso em alguns casos, um relatou não só apoiar como disse crer nesse recurso e um disse não influenciar na decisão dos usuários por desconhecer o emprego correto das ervas. Todos os profissionais afirmaram não ter existido nenhum usuário que se negou a fazer o tratamento convencional em virtude do uso de terapias populares, achado justificado pelo fato de que 89% dos usuários entrevistados relataram continuar usando as terapias mesmo sem o consentimento e/ou conhecimento dos profissionais de saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os conceitos de saúde/doença da população foram elucidados, sendo constatado que apenas 16% da amostra definem saúde adequadamente de acordo com a Organização Mundial de Saúde e 74% dos entrevistados correlacionaram a definição de doença meramente a presença de dor ou de alguma patologia, verificando-se que 89% dos mesmos só procuram o Serviço de Saúde tardiamente. Assim, foram identificados os mecanismos de enfrentamento utilizados pela população representados pelas receitas caseiras, pelas práticas médico-religiosas e pela auto-medicação.

            Enumeraram-se as principais crenças populares utilizadas na solução de problemas de saúde, evidenciando-se que 98% da amostra utilizam alguma receita caseira, em especial, à base de ervas medicinais, 96%, acreditam na cura através da fé e 80%, têm credibilidade nos benzedores, além da auto-medicação, prática comum para 78% da amostra.

Observou-se que os profissionais de saúde possuem conhecimentos ínfimos a respeito das terapias populares, confundindo-as com a medicina popular de cunho científico e de interesse para as ciências farmacêuticas. Os profissionais mostraram-se receptivos às terapias populares, já que as confundiram com a medicina popular, empregando-as em seu cotidiano. No entanto, 75% deles consideraram imprescindível o tratamento convencional.

Identificou-se, a partir dos relatos, que 75% dos profissionais apoiaram o uso das terapias em alguns casos, 25%, relataram não só apoiar como afirmaram crer nesse recurso e 25%, referiram não influenciar na decisão dos usuários por desconhecer o emprego correto das ervas.

Pode-se perceber que o uso das terapias populares é algo arraigado na comunidade estudada por fazer parte da cultura da região, tornando-se um desafio para os profissionais de saúde a identificação, aperfeiçoamento e/ou adequação dessas técnicas a fim de utilizá-las como coadjuvantes à "medicina oficial".

Desse modo, acredita-se que, assim como Figueiredo11 (2003) relata, o conhecimento científico deve ser capaz de integrar, na assistência à saúde, outras manifestações de saber como forma de ampliar o conhecimento para além da dimensão biológica e em torno de outros recursos que hoje estão sendo objeto de reflexão crítica. Tem-se que considerar o caráter de manifestação ideológica quanto à aceitação do cliente a determinadas formas não convencionais de tratamento, ou seja, o direito do usuário de reivindicar para si, independente de classe social, crenças, valores, hábitos etc, meios similares que satisfaçam suas expectativas de cuidado.

Para tanto, os profissionais de saúde devem estar livres de pré-conceitos com relação às terapias alternativas como a medicina popular, procurando conhecê-las e acrescê-las em seus conhecimentos, assim como respeitar a crença dos usuários nos benzedores, pois se ambos resistem até hoje é porque seus mecanismos de cura ainda resolvem problemas e atendem às necessidades da população.


Autor: Aline Almeida


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