Cobrança Ilegal de Esgotamento Sanitário pela CEDAE



PARECER




SISTEMA DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO; INEXISTÊNCIA; COBRANÇA PELA CONCESSIONÁRIA; ILEGALIDADE; PREÇO PÚBLICO, TARIFA; TUTELA ANTECIPADA, CABIMENTO; PERÍCIA TÉCNICA, NECESSIDADE; REPETIÇÃO DE INDÉBITO; APLICAÇÃO DO CDC; REPETIÇÃO EM DOBRO; PRAZO PRESCRICIONAL.

De: André M. Andrade
Para:


RELATÓRIO


Trata-se de questão na qual incide cobrança de tarifa de esgotamento sanitário por parte da CEDAE - Companhia Estadual e Águas e Esgotos - sem a devida prestação do serviço.

Neste parecer, analisaremos o caso de forma detalhada, sendo demonstrada a ilegalidade da cobrança face à inexistência da prestação do serviço pela concessionária.

Colacionaremos ainda os entendimentos relacionados ao tema, quais as melhores abordagens e as chances de sucesso na demanda, bem como os custos a ela inerentes.


FUNDAMENTAÇÃO


1. DA NATUREZA JURÍDICA DA COBRANÇA

A jurisprudência é pacifica no sentido de que o serviço esgotamento sanitário é remunerado através de tarifa e assim, tem efetivamente de ser prestado a fim de que se possa efetuar a sua cobrança. Razão pela qual resta cristalina a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, já que tarifa não apresenta natureza tributária (artigos 3º, 2º parágrafo e 6º, inciso X).
Lei 8.987/95 - Art. 9o - A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato.
RE 77162 / SP - SÃO PAULO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. LEITÃO DE ABREU
JulgamEnto: 24/05/1977 Órgão Julgador: Segunda Turma

Preço público. Essa a natureza jurídica da tarifa cobrada pelo fornecimento de água. Não incidência, na hipótese, da Lei 4.591/64, artigo 11, porquanto aí se estabelece regra a observar para efeito tributário, não para efeito de preço público. Recurso extraordinário não conhecido.

2. DA ILEGALIDADE DA COBRANÇA

De forma concisa, sendo o serviço remunerado por tarifa, torna-se imprescindível a contraprestação, em geral por empresa concessionária ou permissionária de serviço público.

Depreende-se, portanto, que inexistindo a prestação do serviço de esgotamento sanitário, figura-se ilegal a cobrança.

Os Tribunais têm entendido dessa forma:

ADMINISTRATIVO. TAXA DE ESGOTO. TARIFA COBRADA INDEVIDAMENTE. INEXISTÊNCIA DE REDE COLETORA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. PRECEDENTES.

1. A norma do parágrafo único do art. 42 do CDC tem o nítido objetivo de conferir à devolução em dobro função pedagógica e inibidora de condutas lesivas ao consumidor.
2. Constatada, por perícia, a inexistência de rede de esgotamento sanitário, a repetição em dobro dos pagamentos efetuados a título de tarifa de esgoto é medida que se impõe.

TJ/RJ
DES. MONICA TOLLEDO DE OLIVEIRA - Julgamento: 02/02/2010 - QUARTA CAMARA CIVEL

Apelação Cível. Tarifa de Esgoto. CEDAE. Ação declaratória de inexistência de débito c/c repetição em dobro. Imóvel situado na Barra da Tijuca. Ausência de prestação de serviço. Sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para declarar a inexistência do débito e determinar a restituição dos valores pagos na forma simples, limitados aos últimos 10 anos. Apelação da CEDAE alegando a existência da prestação de serviço, a legalidade da cobrança e a incidência da prescrição do CDC. Natureza jurídica de preço público, não se tratando de cobrança de taxa. Inexistência de prestação de serviço por meio de tratamento do esgoto sanitário. Laudo pericial que demonstrou inexistir qualquer recolhimento do esgoto pela CEDAE, mas sim existência de fossa séptica. Ilegalidade das cobranças a título de tarifa de esgoto se não houve a efetiva prestação de serviço.


3. DA TARIFAÇÃO PROGRESSIVA RELACIONADA AO CONSUMO DE ÁGUA
A tarifa de consumo de água pode ser diferenciada em razão do volume consumido e, nesse sentido, é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto à sua aplicação.
A Lei n. 8.987, de1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no artigo 175 da Constituição Federal, manteve a permissão da prática de preços escalonados. Diz seu artigo 13 que "as tarifas poderão ser diferenciadas em função das características técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento aos distintos segmentos de usuários". Além disso, a jurisprudência é nesse sentido.
RECURSO ESPECIAL Nº 856.516 - RJ (2006D0078586-6)
ADMINISTRATIVO. TARIFA DE ÁGUA E COLETA DE ESGOTO.
(...) 3. A tarifa de consumo de água pode ser cobrada de forma progressiva. Precedentes: REsp 485.842DRS. Recurso provido.

Súmula nº 82, do TJ/RJ
E legitima a cobrança de tarifa diferenciada ou progressiva no fornecimento de água, por se tratar de preço publico.

De tal forma que não convém pleitear abusividade na cobrança de tarifa diferenciada.

4. DA NECESSIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA

Conforme resultado de pesquisa jurisprudencial junto ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e junto ao Superior Tribunal de Justiça, mostrou ser imprescindível a realização de perícia técnica, visto que somente através dela poderemos demonstrar a má-fé da CEDAE ao cobrar por um serviço não prestado.

APELAÇÃO CÍVEL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. TARIFA DE ESGOTO. UNIDADES RESIDENCIAIS. SERVIÇO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO DE BARRA MANSA - SAAE-BM. CERCEAMENTO DE DEFESA. A questão posta não é unicamente de direito, não comportando julgamento antecipado da lide. Necessária a realização de perícia, sob pena de afronta à garantia da ampla defesa insculpida na constituição federal. Apelação a que se dá provimento, para anular a sentença e determinar a remessa dos autos à primeira instância para realização de perícia técnica.

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.ESGOTO SANITÁRIO. PRETENSÃO DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE DA COBRANÇA DA TARIFA. PROVA PERICIAL. SERVIÇO NÃO PRESTADO E QUE DEVE COMPREENDER A COLETA, CONDUÇÃO, TRATAMENTO E DESTINAÇÃO FINAL.
A contraprestação pecuniária pelo serviço prestado pela concessionária só pode ser exigida dos usuários se e quando o serviço contratado for efetivamente fornecido por inteiro, de forma adequada e eficiente, cumprindo o fim social da concessão. O que dá ensejo à remuneração é a prestação do serviço e não os custos da sua manutenção, os quais são ônus daquele que se propõe a prestá-lo. Demonstrado pela perícia que o serviço de coleta e tratamento de esgoto não é prestado na rua onde reside o autor, ilegal é a cobrança da tarifa do respectivo serviço. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Recurso manifestamente improcedente. Negativa de seguimento, com fulcro no art. 557 do Código de Processo Civil.

0114886-97.2006.8.19.0001 (2009.001.61942) - APELACAO - 2ª
DES. ALEXANDRE CAMARA - Julgamento: 11/11/2009 - SEGUNDA CAMARA CIVEL
Direito do Consumidor. Demanda reparatória cumulada com revisão de cálculo de consumo. Sentença citra petita. Impossibilidade de aplicação do art. 515, §3º do CPC. Necessidade de realização de perícia técnica, visando à aferição da prestação efetiva ou potencial do serviço de esgoto sanitário, imprescindível para o deslinde da causa. Recurso desprovido.



5. DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA - POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DA COBRANÇA DA TARIFA DE ESGOTO SANITÁRIO

Há possibilidade de pedir ao juízo que a cobrança da tarifa de esgotamento sanitário seja suspensa até sentença definitiva de mérito. Se deferida a tutela, na conta mensal apresentada pela CEDAE deverá apenas incidir a cobrança do fornecimento de água, sob pena de multa ante seu descumprimento.

Convém destacar, no entanto, que é necessária total convicção da inexistência da rede de esgotos, pois se constatada sua existência, os valores suspensos através da tutela antecipada deverão ser pagos ao final do processo e seu montante será significativo.

Ressalte-se ainda que a antecipação da tutela não subsiste inequívoca, visto o magistrado poder entender pela inexistência dos seus pressupostos. Digamos que seu deferimento seja uma possibilidade, não uma certeza.

Por derradeiro, a decisão mais equilibrada seria pedir a suspensão da cobrança da parcela relativa ao esgoto sanitário através da tutela antecipada que, em sendo deferida, não excluiria do condomínio a obrigação de mensalmente consignar o valor correspondente em conta judicial, como forma de garantir seu pagamento no caso de eventual improcedência do pedido; sendo favorável a decisão, tais valores serão restituídos.

6. DO PEDIDO DE REPETIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE

Como já salientado, os valores cobrados no fornecimento de água e esgoto têm caráter de tarifa pública, o que possibilita a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, em especial no art. 42, parágrafo único:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

No entanto, é mister salientar a existência de decisões do TJ/RJ nas quais o pedido de repetição em dobro foi indeferido, em razão de súmula nº 85 do próprio Tribunal, cujo teor declara ser "incabível a devolução em dobro pelo fornecedor e pela concessionária, se a cobrança por eles realizada estiver prevista em regulamento, havendo repetição simples do indébito."

Não devemos descartar a hipótese do pagamento em dobro, mais é preciso cautela. Uma vez provado que não se trata de "engano justificável" (parágrafo único, do art. 42), ou seja, configurada a má-fé da CEDAE por cobrar algo indevido de que o sabia, aplica-se a responsabilização da concessionária de forma objetiva, cabendo então a repetição em dobro daquilo indevidamente pago.

A tese defensiva utilizada pela CEDAE para desqualificar o pagamento em dobro é no sentido de tratar-se de engano justificável. Quando não combatida, é aceita pelos Tribunais e a repetição é na forma simples.

"PROCESSUAL CIVIL". ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE ESGOTO. RELAÇÃO DE CONSUMO. VIOLAÇÃO DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DA TARIFA INDEVIDAMENTE COBRADA PELA CONCESSIONÁRIA. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.

1. Não é razoável falar em engano justificável, pois a agravante, mesmo sabendo que o condomínio não usufruía do serviço público de esgoto, cobrou a tarifa de modo dissimulado na fatura de água.
2. Caracterizada a cobrança abusiva, é devida a repetição de indébito em dobro ao consumidor (CDC, art. 42, parágrafo único)."

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO". RECURSO ESPECIAL. TARIFA DE ESGOTO. RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS PAGAS ANTES DA PROPOSITURA DA AÇÃO. ART. 173 DO CTN. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42 DO CDC.

(...) No que toca à apontada ofensa ao art. 42, parágrafo único, do CDC, esta Corte já apreciou casos análogos, nos quais restou assentada a obrigatoriedade de a CEDAE restituir, em dobro, o valor indevidamente cobrado, uma vez que não configura engano justificável a cobrança de taxa de esgoto em local onde o serviço não é prestado."


Nossa tese será sempre no que for mais vantajoso, a saber, repetição em dobro, mas na hipótese de não acolhimento da nossa pretensão, é certo que qualquer valor pago indevidamente será restituído, mesmo que de forma simples, com a devida correção monetária.

7. DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA REAVER OS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE

De fato, uma vez condenada a restituir os valores pagos indevidamente, a CEDAE o fará a partir de uma data específica, por ser inviável economicamente sua restituição desde o início da suposta prestação do serviço, daí a necessidade de saber a abrangência do pedido a ser formulado e qual diploma legal a ser aplicado.

O vetusto Código Civil contemplava a prescrição vintenária, a saber, vinte anos, prevista no art. 177; o Novo diploma, passando a vigorar em 2002, contempla a prescrição decenal, ou seja, dez anos, conforme art. 205; e por fim, o Código Tributário Nacional ? CTN - contempla a prescrição qüinqüenal.

O entendimento no TJ/RJ, na primeira instância, é a aplicação da prescrição qüinqüenal, mas boa parte destas decisões é reformada pelos Tribunais em sede de apelação, aplicando-se o art. 205 do Código Civil, passando a incidir a restituição sobre os últimos dez anos, contados, em geral, da data da propositura da ação.

CC/02 - Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

0136622-74.2006.8.19.0001 (2009.001.42414) - APELACAO - 2ª
CEDAE - CONDOMÍNIO TARIFA DE ESGOTO - COBRANÇA INDEVIDA - AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - REPETIÇÃO DE INDÉBITO.Rebela-se a Companhia-Apelante requerendo a ocorrência da prescrição em três anos de acordo com o disposto nos incisos IV e V do parágrafo 3° do artigo 206 do Código Civil.- Em que pese a Sentença ter determinado a aplicação da prescrição qüinqüenal, a hipótese é de cobrança indevida e de restituição do indébito, aplicando-se pois ao caso o art. 205 do novo Código Civil que estabelece a prescrição decenal.


8. DA ESTIMATIVA DA DURAÇÃO DE TODO O PROCESSO

Lamentavelmente, não há como precisar qual o tempo até que uma sentença definitiva seja proferida, mas percebemos através de processos análogos que o trâmite não será dos mais céleres, pois vejamos:

? a CEDAE inevitavelmente utilizará de todos os recursos, tanto no TJ/RJ, como no STJ;
? há necessidade de prova pericial técnica, demandando tempo para sua elaboração;
? a própria complexidade do processo e a quantidade de informações trazidas podem impactar no resultado.

No entanto, um acompanhamento mais diligente permitirá acelerar seu trâmite.

9. DA ESTIMATIVA DE CUSTOS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

A natureza da ação comporta determinados gastos, que dependerão em especial do valor da causa e da sua complexidade. Exemplificando: sobre o valor da causa são calculadas custas processuais; há o acompanhamento constante do processo; há exigência de realização de perícia técnica; as fases recursais que certamente serão enfrentadas; cópias, diligências, dentre outros.

Salientamos que a remuneração do corpo jurídico se dará da seguinte forma: 1) contrato com regularidade mensal para acompanhamento processual, cujo valor será acordado com a direção do condomínio e que será levado à assembléia extraordinária para sua aprovação; 2) honorários advocatícios que incidirão sobre o valor da condenação no montante de vinte por cento.

Por oportuno, planilha com estimativa de gastos demonstrará com mais precisão os os valores a que nos referimos.
CONCLUSÃO

Resta cristalina que a tarifação sobre esgotamento sanitário, quando não prestado o serviço, é abusiva e ilegal, exigindo propositura de ação no intuito de 1) ver declarada pelo Poder Judiciário tal ilegalidade, 2) abster a CEDAE de efetuar cobranças futuras dessa natureza, 3) reaver os valores pagos, seja de forma simples ou em dobro pelo maior período possível.

Parece-nos ser factível, viável e necessária a propositura da ação, sendo razoável considerar que um provimento favorável será dado.

No cenário mais otimista, há boas perspectivas em serem concedidas a tutela antecipada e a repetição em dobro dos valores, pelo prazo de dez anos.

Não acreditamos que a demanda poderá ser julgada no seu todo improcedente, haja vista a inexistência de rede de esgotos, conforme declarado pela Sra. Síndica e membros do conselho. Ratificamos que somente após apresentação do laudo pericial teremos prova conclusiva e concreta capaz de convencer o juízo da ilegalidade da cobrança.

Em decisão menos favorável haverá a repetição dos valores pagos indevidamente, na forma simples, pelo período de cinco anos a contar da propositura da ação.

É o parecer.

Autor: Andre Machado Andrade


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