POLÍCIA MILITAR: APRENDENDO COM OS ERROS.



Eduardo Veronese da Silva

Durante quase 27 (vinte e sete) anos de serviços prestados junto a Policia Militar do Estado do Espírito Santo, tenho trazido como legado um aprendizado extraído de um ditado popular que versa mais ou menos assim: "a experiência é o arquivo dos erros acumulados". Não sei o nome do autor desta máxima, mas, todas as vezes que um oficial assumia o serviço, lembrava de recitar para seus subordinados, como uma forma de advertir e alertar acerca da atividade policial a ser desenvolvida cotidianamente.
Aproveitando-se o assunto, oportuno colocar em relevo alguns acontecimentos trágicos, com o envolvimento direto de policiais militares pelo cometimento de "erros de execução" no desenvolvimento de sua missão social e constitucional, conforme prescrita no art. 144, inciso V, de nossa Carta Magna:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
[...]
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
[...]
§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. (grifo nosso)

Destaca-se que no mês de julho do ano de 2008, três ocorrências atendidas por policiais militares, resultaram na morte de pessoas indefesas e inocentes; a saber:

Rio de Janeiro, 06/07/08:
João Roberto Amorim Soares, de 3 anos de idade, morreu em conseqüência dos tiros disparados pelas armas de dois policiais militares do estado do Rio de Janeiro. Segundo eles, confundiram o carro em que estava a vitima e sua família, com o veiculo de infratores da lei, que tinham acabado de cometer um delito.

Curitiba/PR, 13/07/08:
Rafalei Ramos de Lima, de 20 anos de idade, foi morta durante uma perseguição policial, no município de Porto Amazonas, em Curitiba, no estado do Paraná. Os policiais alegaram em sua defesa, ter confundido o carro em que ela estava na companhia de um amigo (o condutor do veiculo), com o automóvel que estavam perseguindo.

Recife, 18/07/08:
Maria Eduarda de Barros, de 9 anos de idade, foi morta por tiros disparados por armas de fogo pertencentes a policiais militares. Nesta ocorrência, familiares da vitima saíram feridos. Segundo relatos da imprensa, os meliantes anunciaram um roubo num estabelecimento comercial, momento em que foi acionado a policia militar que cercou o local. Houve troca de tiros e Maria Eduarda veio a falecer.

Notam-se dos fatos destacados, que a morte do menino João Roberto e da jovem Rafaeli Ramos, se deram por circunstâncias similares, inclusive, as argumentações de defesa apresentadas pelos servidores militares estaduais, foram muito parecidas.
Nesses momentos, devemos ficar atentos para não nos deixar levar pelo alto grau de sensacionalismo empregado por boa parte da imprensa televisiva, aproveitando-se da desgraça alheia para alcançar grandes índices de audiência. Não se importando sequer com a dor e o sofrimento da família enlutada.

Nesse mês de maio, três novos casos ocorreram envolvendo ações de policiais militares, resultando na morte de pessoas indefesas, duas no Estado de São Paulo e uma no Rio de Janeiro. O pior é que estas pessoas foram mortas por agentes públicos que deveriam proteger e preservar suas vidas. É importante destacar uma particularidade entre as duas vítimas de São Paulo; ambas eram motoboy. Trabalhadores que usam suas motocicletas para garantir seu sustento e, quem sabe, de sua família. Alguns destes serviços incluem a entrega de documentos, correspondências, malotes, pizzas, fast-food, entre outros. Desta forma, interessante destacar trechos das matérias divulgadas pela imprensa:

Folha São Paulo, 24/04/10:
O secretário de Estado da Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, diz que a morte do motoboy Eduardo Luís Pinheiro dos Santos, 30 anos, ocorrida no último dia 9, foi resultado das torturas que ele sofreu de policiais militares. "Não temos dúvida alguma de que ele sofreu tortura, e que foi a tortura que levou o rapaz a óbito", afirmou.

Segundo noticiário jornalístico, os policiais militares conduziram Eduardo para o interior de uma unidade militar, localizada na Zona norte de São Paulo, onde promoveram uma sessão de espancamento na vitima. O comando da Polícia Militar do Estado de São Paulo, afastou 9 (nove) policiais de suas funções diárias, por conta da suspeita do cometimento da suposta tortura e do homicídio. Eles (policiais) alegaram que o motoboy morreu na rua e não dentro da companhia militar. As primeiras investigações e informações passadas pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) dão conta de que a versão apresentada pelos suspeitos, ou seja, de que a morte ocorreu na rua foi "montada" pelos próprios policiais.

Passa-se a destacar a outra morte ocorrida em SP, envolvendo motoboy:

Folha de São Paulo, 10/05/10:
Quatro policiais militares foram presos ontem suspeitos de terem matado o motoboy Alexandre Menezes dos Santos, 25 anos, na madrugada de sábado. Eles foram autuados em flagrante por homicídio culposo (sem intenção de matar) e estão detidos no Presídio Militar Romão Gomes, na zona norte da capital. Segundo Maria, mãe da vitima, foram cerca de 30 minutos de pontapés, socos no estômago e chutes. "No início, ele procurava reagir, depois não conseguiu mais." Os policiais só pararam quando Santos caiu, inerte.

Os policiais envolvidos nesse homicídio alegaram em sua defesa que Alexandre estava armado e trafegando na contramão de direção. Por fim, registra-se o terceiro caso de homicídio praticado por policiais militares, ressalvando que este ocorreu no Estado do Rio de Janeiro.

Entretanto, sob nossa óptica, requer uma análise mais apurada sobre os fatos e circunstâncias que envolveram a morte do morador de 47 anos, no morro do Andaraí, quando estava na laje de sua residência. E, talvez por isso, o diferencie dos outros homicídios acentuados anteriormente.

Globo.com/G1/Rio de Janeiro, 19/05/10:
Um policial do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), a tropa de elite da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, matou por engano um morador do morro do Andaraí, na Zona Norte do Rio de Janeiro. O motivo: o policial confundiu uma furadeira com uma arma. Na manhã desta quarta-feira (19), Hélio Ribeiro estava no terraço de casa, pregando uma lona com a furadeira, para proteger o pavimento da chuva. A esposa dele, Regina Ribeiro, também estava no terraço, regando as plantas.

Não resta dúvida de que houve o cometimento de um ato ilícito, conforme tipificado em nosso ordenamento jurídico, com o agravante de ter sido praticado contra uma pessoa indefesa e inocente. Necessário e importante registrar que a foto divulgada pela imprensa da furadeira usada pela vítima, em muito se assemelhava a um armamento bélico (submetralhadora), e dependendo da localização da ocorrência (periculosidade geográfica), pode ser "compreensível" a ação executada pelo militar. Profissão que exige grande carga emocional e psicológica, durante todo o transcorrer do plantão de serviço.
Nesse caso em especifico, será aberto um Procedimento Administrativo Militar (PAD), que percorrerá a esfera administrativa militar, da instituição a qual pertence o autor, para que seja dada a oportunidade de apresentar sua defesa. Desta forma, consagra-se o instituto do devido processo legal a que todo cidadão brasileiro tem direito, assegurando-lhe também o direito ao contraditório e a ampla defesa.
Art. 5º, CF: [...]
[...]
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

Logicamente, que o policial do BOPE será devidamente responsabilizado penalmente pelo crime cometido. Oportuno apresentar a lição do penalista Fernando Capez sobre o instituto em comento: "A responsabilidade penal é a aptidão do agente para ser punido por seus atos, e, nesse caso, exige três requisitos: imputabilidade, consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa" (2005, p. 307).

Corrobora com a temática em estudo, as palavras do psiquiatra Guido Arturo Palomba citado por Camila Piovezani Giovani (2005, p.15):

Quando se imputa um ato a um determinado individuo, esse indivíduo pode tornar-se responsável pelo ato. Em direito penal, para que alguém seja responsável penalmente por um determinado delito, são necessárias três condições: ter praticado o delito; à época dele ter tido entendimento do caráter criminoso de sua ação; à época ter sido livre para escolher entre praticar ou não praticar o ato.

Nota-se que a conduta adotada pelo policial nesta ocorrência, encontra-se totalmente revestida pelos requisitos citados por Capez (imputabilidade, consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa), como também, as três condições apresentadas por Palomba (ser o autor do delito, ter o entendimento da ação criminosa cometida e ter tido a liberdade para escolher entre praticar ou não praticar o ato delituoso).

No entanto, em tese, esta ação amolda-se ao delito tipificado pelo Código Penal Brasileiro (CPB), como homicídio culposo (sem intenção de matar), nos termos do art. 121, §§ 3º e 4º, verbis:

Art 121. Matar alguém:
[...]
Homicídio culposo
§ 3º - Se o homicídio é culposo:
Pena - detenção, de um a três anos.
[...]
Aumento de pena
§ 4o - No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (grifo nosso)

O CPB contempla no art. 20, matéria sobre o Erro sobre Elementos do Tipo; in verbis:

Erro sobre elementos do tipo
Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
Descriminantes putativas
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

Do parágrafo em relevo, destaca-se o instituto da culpabilidade penal que, provavelmente poderá ser atribuído ao servidor público militar. Presume-se ainda, que deva pesar em seu desfavor o fato de ser policial e pertencer a um grupo de elite da PMERJ (especializado e treinado para atuar em determinadas ocorrências ou desordens sociais, sob risco e perigo iminente). Outra circunstância que poderia ser usada contra o PM, é o fato de ser um profissional da segurança pública, ficando subentendido que seja perito em armamento bélico (treinado para usar e manusear o armamento em quaisquer situações). Nesse sentido, espera-se que todo policial tenha equilíbrio emocional/psicológico e o discernimento para saber o momento necessário e ideal para fazer uso de seu armamento bélico.
Lamentavelmente esta ocorrência soma-se a mais uma entre tantas outras que ocorrem rotineiramente, configurando em mais uma fatalidade, resultando na morte de pessoas inocentes e de forma trágica pelo erro policial. Registra-se para tanto, o relato do porta-voz do BOPE, Capitão Ivan Blaz: "O policial está transtornado psicologicamente. Eu lamento demais o fato, uma vez que o policial tem uma carreira ilibada e o fato ocorreu de forma infeliz".
Estes e outros argumentos poderão ser usados pela defesa (da vítima e do acusado) e pela promotoria de acusação (representante do Ministério Público), no transcorrer da ação processual. Portanto, embora não seja a melhor forma de se aprender uma lição, nem tampouco um comportamento a ser copiado e adotado pelos demais servidores militares, mas, constata-se que muitas vezes aprendemos com nossos erros.


EDUARDO VERONESE DA SILVA
Licenciatura em Educação Física ? UFES.
Bacharel em Direito ? FABAVI/ES.
Instrutor do Programa de Prevenção ao Uso de Drogas ? PROERD.
Subtenente da PMES.
E-mail: [email protected]

Autor: Eduardo Veronese Da Silva


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