Termo De Ajustamento De Conduta E Efetividade Na Tutela Dos Direitos Transindividuais



TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

1. Introdução

A Procuradora Regional da República Geisa de Assis Rodrigues indica como antecedente do ajuste de conduta o parágrafo único do artigo 55 da Lei dos Juizados de Pequenas Causas (7.244/84), que dispunha: "Valerá como título executivo o acordo celebrado pelas partes, por instrumento escrito, referendado pelo órgão competente do Ministério Público". Tal dispositivo foi precursor da possibilidade de atuação extrajudicial do Ministério Público gerar um título executivo extrajudicial.
Para a Procuradora Regional da República, o referido dispositivo
"permitiu que se imaginasse uma nova amplitude para a atuação do Ministério Público. De outro modo, influenciou sobremaneira o legislador de processo, estando hoje prevista não só na Lei de Juizados Especiais norma de mesmo conteúdo, como também no elenco de títulos executivos extrajudiciais do artigo 585, inciso II, do CPC. E essa é uma contribuição muito relevante quando vige no nosso sistema o princípio da tipicidade dos títulos executivos, cabendo a convergência da manifestação da vontade dos figurantes, para criar a cláusula executiva".

Em momento posterior, mas com a mesma intenção de se aperfeiçoar a tutela dos direitos transindividuais, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069/89) admitiu que, em matéria de defesa de interesses metaindividuais de crianças e adolescentes, os órgãos públicos legitimados pudessem tomar dos interessados o compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, com eficácia de título executivo extrajudicial.
A mesma iniciativa foi adotada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei 8.078/90), cujo artigo 113 introduziu um § 6º ao artigo 5º da Lei de Ação Civil Pública (7.347/85), passando a admitir que, para a defesa de qualquer interesse transindividual (difuso, coletivo ou individual homogêneo) os órgãos públicos legitimados para a Ação Civil Pública pudessem tomar dos interessados o compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações e com eficácia de título executivo extrajudicial.
Com a referida alteração promovida pelo Código de Defesa do Consumidor, possibilitou-se um maior acesso à Justiça para a defesa dos direitos não somente dos consumidores, mas de qualquer pessoa, promovendo, assim, uma tutela mais adequada aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
O termo de ajustamento de conduta constitui-se como uma solução extrajudicial de conflitos que envolvam direitos transindividuais, realizada pelos órgãos públicos legitimados para a Ação Civil Pública – especialmente pelo Ministério Público – possibilitando a composição de conflitos referentes a direitos indisponíveis em momento anterior ao ajuizamento de um processo judicial, posto que sua celebração ocorre normalmente no curso de um inquérito civil, conforme anteriormente visto no segundo capítulo do presente trabalho.
Novamente coadunando com o entendimento da Procuradora Regional da República, é inegável que a atuação do Ministério Público, especialmente no inquérito civil previsto na Lei 7.347/85, demonstrou a possibilidade de se solucionar o conflito sem a necessidade de provocar a máquina jurisdicional, pois que, nas palavras da autora:
"muitas vezes, a mera instauração do inquérito civil público (sic) resulta na solução do conflito, ou por que a conduta lesiva nem se inicia, ou por que os seus efeitos maléficos são plenamente reparados, tornando ausente o interesse jurídico de se propor ação judicial. Assim, o exercício do inquérito civil público contribuiu para a conformação normativa do instituto ao demonstrar a potencialidade da solução extrajudicial para a composição desses conflitos".

Partamos agora para uma análise da natureza do instituto que dá titulo ao presente trabalho.

2. Natureza Jurídica

Importante esclarecer que não assiste razão àqueles que afirmam ter sido vetado o § 6º do artigo 5º da Lei de Ação Civil Pública, no que tange à possibilidade dos legitimados da ação civil pública tomarem dos interessados o compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais. O que houve foi o veto presidencial realizado apenas sobre o § 3º do artigo 83 e sobre o parágrafo único do artigo 92, ambos do Código de Defesa do Consumidor.
O artigo 82, §3º, do CDC, vetado pelo então Presidente da República Fernando Collor de Melo, tinha conteúdo idêntico à redação dada ao artigo 5º, § 6º, da LACP, acrescentado pelo artigo 113 do mesmo CDC, dispondo que "Os órgãos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial".
O Presidente também vetou, na oportunidade, o parágrafo único do artigo 92 do CDC, aprovado pelo Congresso Nacional nos seguintes termos" Aplica-se à ação prevista no artigo anterior" – a ação de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos. Pois bem, embora tenham sido vetados expressamente os referidos artigos, o artigo 133, do CDC, não foi vetado (frise-se o veto não foi motivado e expresso, inadmitido, portanto).
Nesse sentido, apesar das razões expostas ao veto do parágrafo único do artigo 92 estar afirmando que se vetava o § 6º do artigo 5º da LACP (acrescentado pelo artigo 113 do CDC) na medida em que este último seria decorrência do dispositivo constante do §3º do artigo 82 (como visto, vetado) na mensagem do veto presidencial, não há, de maneira nenhuma, veto expresso ao artigo 113 do CDC.
Não nos deteremos numa análise pormenorizada deste assunto haja vista estar a questão plenamente superada pela doutrina pátria, no sentido de ser o compromisso de ajustamento de conduta, hoje, instrumento amplamente difundido e utilizado pelos órgãos públicos legitimados, especialmente pelo Ministério Público.
Compreendido isso, passa-se à análise de uma questão bastante controvertida na doutrina que diz respeito à natureza jurídica do ajustamento de conduta.
Autores de alto gabarito como Hugo Nigro Mazzilli, Rodolfo de Camargo Mancuso, Edis Milaré, Nelson Nery Jr, dentre outros, afirmam ser o termo de ajustamento uma espécie de transação, não nos moldes tradicionais do direito civil, mas uma transação especial, tendo em vista a indisponibilidade característica dos direitos transindividuais e, ainda, considerando a grande variedade existente de legitimados para a sua celebração, bem como de titulares do direito material objeto do termo.
Para tais autores, a natureza transacional do termo é limitada somente aos aspectos secundários, ou seja, relativos às condições de tempo, modo e lugar de sua celebração, e jamais em relação ao direito material em si.
Ressaltam, pois, a impossibilidade de renúncia, disposição ou concessão do direito transindividual, sendo admitida apenas a flexibilização das condições de seu atendimento (tempo, modo e lugar).
Em outra direção estão aqueles que afirmam ser o termo um ato jurídico diverso, alguns afirmando que consistiria num ato jurídico unilateral e outros aduzindo ser um negócio jurídico bilateral.
Para autores como Paulo César Pinheiro Carneiro e José dos Santos Carvalho Filho, seria o instituto um ato jurídico unilateral, nas palavras desse último: "ato jurídico pelo qual a pessoa, reconhecendo implicitamente que sua conduta ofende interesse difuso ou coletivo, assume o compromisso de eliminar a ofensa através da adequação de seu comportamento às exigências legais", acrescentando, ainda, "que a natureza do instituto é, pois, de ato jurídico unilateral quanto à manifestação volitiva, e bilateral somente quanto à formalização, eis que nele intervém o órgão público e o promitente".
Já na opinião de GEISA RODRIGUES, trata-se o termo de ajuste de conduta de um negócio jurídico bilateral, por meio do qual o Poder Público e o obrigado manifestam a vontade em efetivar a sua celebração e, inobstante estarem seus efeitos, seu campo de atuação e sua eficácia executiva previstos na lei, essa declaração de vontade vincula os pactuantes aos efeitos expressos no ajuste.
A doutrina define o ato jurídico como a simples manifestação de vontade, sem conteúdo negocial, que determina a produção de efeitos previstos na lei. Em obra de autoria de Pablo Stolze e Pamplona Filho, os autores aduzem que:
"nesse tipo de ato não existe propriamente uma declaração de vontade manifestada com o propósito de atingir, dentro do campo da autonomia privada, os efeitos jurídicos pretendidos pelo agente (como no negócio jurídico), mas sim um simples comportamento humano deflagrador de efeitos previamente estabelecidos por lei".
A natureza do ajuste de conduta como sendo um ato jurídico unilateral se baseia no fato de representar o compromisso um ato unilateral de reconhecimento da prática de uma conduta ofensiva a direito transindividual e de comprometimento à adequação de tal conduta aos ditames legais (uma obrigação legal a cumprir).
Já para os que aduzem ser o ajuste de conduta uma espécie de negócio jurídico – e, como dito, GEISA RODRIGUES se encontra entre eles, a manifestação de vontade para a sua celebração torna específica a forma de incidência da norma no caso concreto, vinculando os pactuantes aos efeitos expressos no ajuste.
Feitas tais considerações, deve-se ressaltar a dificuldade em se enquadrar o ajuste de conduta em uma ou em outra categoria concebida pelo direito civil clássico, de caráter privado com nítido cunho patrimonial, para estabelecer a natureza jurídica de um instituto novo, não aplicado a tais tipos de relações, mas sim àquelas relativas a conflitos de massa - que envolvem considerável parcela da sociedade.
O propósito do presente trabalho é expor os diferentes entendimentos acerca da natureza do instituto sem, no entanto, adotar uma posição estanque em relação ao tema, uma vez que a situação híbrida do termo de ajustamento não permite que ele seja enquadrado em uma ou outra categoria de forma única.
Por isso devemos nos ater ao que realmente interessa em nosso estudo, que é a efetividade prática do termo de ajuste de conduta e a sua importância na garantia da efetividade dos direitos transindividuais.
No tópico seguinte, será dada ênfase nos princípios que regulam a aplicação do de ajuste de conduta.

3. Princípios Informadores do Termo de Ajustamento de Conduta

Como todo instituto jurídico, o compromisso de ajustamento de conduta é regido por princípios jurídicos que podem, por vezes, ser informadores de sua aplicação.
Em sua obra, e de forma primorosa, a autora Geisa de Assis Rodrigues dedica um espaço exclusivo para tratar da relação existente entre o ajustamento de conduta e alguns princípios jurídicos, destacando aqueles norteadores da aplicação do instituto.
O trabalho da Procuradora Regional da República representa uma importante contribuição para a compreensão da matéria, afora a qualidade do estudo desenvolvido, não foi encontrada sistematização semelhante em outra obra doutrinária sobre o tema. Por esse motivo, peço vênia para utilizar constantemente os ensinamentos da autora ao tratar dos princípios aplicáveis ao compromisso de ajustamento de conduta que farei a seguir.

3.1. Princípio do acesso à Justiça

A questão do acesso à justiça é matéria de primeira ordem no direito pátrio, haja vista as mudanças de paradigma por que vem passando o processo civil brasileiro, de cunho eminentemente individualista, que se vê obrigado a se adequar aos novos conflitos de massa da sociedade.
O termo de ajustamento de conduta, servindo como um meio alternativo para a solução de conflitos que envolvam direitos transindividuais, integra a terceira onda de acesso à Justiça, funcionando de modo complementar à Jurisdição na busca pela efetividade dos direitos que visa tutelar, por meio da solução negociada pré-processual.
Outro não é o efeito da utilização do instrumento senão a ampliação do acesso à Justiça - ou "acesso à ordem jurídica justa" - na defesa de direitos tão caros à comunidade como os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Em sua obra a Procuradora Regional da República ressalta que mesmo diante de todas as suas vantagens, o compromisso "só estará atendendo plenamente ao seu valor se for um meio econômico, breve e justo de solução de direito transindividual, pois, caso contrário, a promessa nele inserida de aumentar o acesso à justiça estará frustrada".
E acrescenta: "Por isso não se deve criar um excessivo formalismo para a celebração do ajuste que o tornaria mais dispendioso e demorado, nem criar óbices que limitem a sua operosidade imediata".
Continua a autora:
"Nem se admite, ainda, que a aplicação desse instituto importe de forma alguma em limitação do acesso à justiça de direito transindividual, ou de direito individual. Sendo, em verdade, esta a sua medida de justiça. Posto que no compromisso de ajuste de conduta não pode haver qualquer tipo de renúncia ao direito objeto do ajuste, nem qualquer tipo de concessão sobre o efetivo atendimento do direito. Em termos práticos, essa medida de justiça será aferida quando o ajuste de conduta propiciar que se obtenha uma proteção mais efetiva ou, pelo menos, idêntica ao que se obteria em juízo".

3.2. Princípio da proporcionalidade

Ao se falar em acesso à Justiça pelo termo de ajustamento de conduta, deve-se sempre levar em conta a noção de proporcionalidade, de modo que a fixação de prazos e condições do ajuste sejam os mais adequados possíveis para a proteção do direito transindividual violado, ao mesmo tempo seja o menos gravoso para aquele que praticou a conduta lesiva ao direito.
Na formulação do compromisso as partes devem ficar atentas a essa ponderação para que o termo não resulte numa afronta ao acesso à Justiça, quer seja por deixar de fixar cláusulas que efetivamente garantam a proteção do direito, quer seja por extrapolar os limites legais ao estabelecer condições excessivamente onerosas ou ofensivas aos demais direitos protegidos pelo sistema.
A autora GEISA RODRIGUES traz à baila um exemplo que ilustra de maneira bastante clara a importância de tais considerações, como o caso de um ajuste de conduta que visa evitar a implantação de um empreendimento potencialmente lesivo ao meio ambiente, restando evidenciado que se a indústria utilizar um determinado equipamento anti-poluição (exemplo, um filtro de ar) não há risco da lesão ambiental, deve o ajuste privilegiar essa hipótese, ao invés de insistir na inviabilidade total do empreendimento. Caso entenda excessivamente lesivo a direito seu, basta o empresário não se submeter a um ajuste que considere muito oneroso.
O problema, segundo a autora, é que se os órgãos legitimados não levarem muito em consideração essa importante dimensão do acesso à Justiça, pode levar a uma menor efetividade da norma que preconiza o ajustamento de conduta e, conseqüentemente, de todos os fins a que a mesma se destina.

3.3. Princípio da tutela preventiva

Na celebração de um termo de ajustamento, deve-se levar em conta também o princípio da tutela preventiva do direito que, na dicção de GEISA RODRIGUES, consiste no fato de que "sempre que possível o sistema jurídico deve evitar a ocorrência de atos ilícitos e dos danos", não servindo o sistema de ressarcimento pecuniário para a proteção adequada de direitos transindividuais, haja vista não servir o equivalente pecuniário para corresponder plenamente à reparação do dano, mas apenas para mitigar os efeitos perversos da violação do direito e coibir a impunidade daqueles que o violaram.
O afamado autor Luiz Guilherme Marinoni aduz que: "Trata-se da tutela preventiva, a única capaz de impedir que os direitos não patrimoniais sejam transformados em pecúnia, através de uma inconcebível expropriação de direitos fundamentais para a vida humana".
Outra vez invocando os exemplos práticos dados pela Procuradora Regional , que demonstra em sua obra situações em que, muitas vezes, a única alternativa de tutela do direito transindividual teria sido a prevenção, invoca-se o caso de um ecossistema inundado por uma barragem feita sem estudo de impacto ambiental; ou um monumento histórico que teve suas importantes características irremediavelmente alteradas; as pessoas que faleceram por que não foi observada a lista única de transplante de órgãos; as pessoas que foram contaminadas pelo vírus HIV por falha no processo de distribuição de bolsas de sangue, dentre vários outros.
A Procuradora Regional, em outra passagem, se vale das magistrais lições de Marinoni, para tratar da tese acerca da existência de uma tutela inibitória genérica em nosso direito, cuja matriz se encontra no artigo 5°, inciso XXXV, da CF/88, que prevê a inafastabilidade da jurisdição no caso de ameaça a lesão de direito.
Segundo Marinoni, essa tutela inibitória, visa prevenir o ilícito, culminando por apresentar-se como uma tutela anterior à sua prática, e não como uma tutela voltada para o passado, como uma tradicional tutela ressarcitória. Deve ser compreendida como uma tutela contra a probabilidade do dano, mas sim como uma tutela contra o perigo da prática, da continuação ou da repetição do ilícito, compreendido como ato contrário ao direito que prescinde da configuração do dano.
E ainda, a singularidade da tutela inibitória é realizar em toda a sua plenitude a função da prevenção do ilícito, justamente porque tal tutela não está vinculada à ocorrência do dano, nem necessariamente à probabilidade de sua ocorrência.
Após discorrer sobre os ensinamentos do mestre Marinoni, e deixando clara a ressalva de que a teoria defendida por ele é dirigida à tutela judicial, Geisa observa que o compromisso de ajustamento pode ser qualificado como uma verdadeira modalidade de tutela inibitória, uma vez que se parte do pressuposto de que a tutela dos direitos se dá tanto através dos mecanismos jurisdicionais quanto através de formas extrajudiciais de solução de conflitos, servindo como um importante veículo para se evitar a prática de atos ilícitos, ou a continuidade de sua ocorrência, haja ou não um dano configurado ao direito transindividual. Assim, tal como a tutela inibitória judicial o ajuste estabelece como deve ser a conduta do obrigado daí por diante em relação à observância daquele direito.
Nas palavras de Marinoni:
"... a tutela inibitória só se aperfeiçoa quando a exigência do cumprimento do dever de evitar o ilícito ou o dano está vinculada à possibilidade de fixação de uma medida coercitiva que desestimule o devedor à prática ou reiteração do ilícito. A fixação da multa como medida de pressão psicológica na formação da vontade do devedor é fundamental para o melhor desempenho da função preventiva do ajuste".

3.4. Princípio da tutela específica

Conforme anteriormente ventilado, a utilização do sistema de ressarcimento pecuniário não se presta à tutela dos direitos transindividuais, direitos de cunho marcadamente indisponível e não patrimonial, por isso, o ajuste deve privilegiar a tutela específica dos direitos, uma vez que o compromisso busca sempre recuperar a situação anterior à prática do ilícito ou do dano ao direito transindividual.
GEISA RODRIGUES define tutela específica como sendo "o conjunto de remédios e providências tendentes a proporcionar àquele que será beneficiado com o cumprimento da prestação o preciso resultado prático atingível por meio do adimplemento". E ressalta que, conquanto se possa falar em tutela específica nas obrigações pecuniárias, a questão existe principalmente para as obrigações não pecuniárias de fazer e de não fazer.
A natureza própria dos direitos transindividuais, não patrimoniais e indisponíveis, como são os direito ao meio ambiente saudável e limpo, o direito à conservação do patrimônio histórico, turístico e paisagístico, o direito à saúde pública de qualidade, quando tutelados por meio de um compromisso de ajuste de conduta que determine por exemplo, o dever de preservar o patrimônio histórico de uma região, o dever de exercer de forma adequada o serviço de vigilância sanitária sobre o comércio de medicamentos, não admite que se opte por um equivalente pecuniário, até mesmo por que não se tratam de obrigações pecuniárias, sendo impraticável sua conversão em dinheiro.
A única tutela plenamente satisfatória a esses deveres jurídicos para com a comunidade é a tutela específica, haja vista que o ressarcimento do equivalente em dinheiro não fornece uma resposta razoável. Por isso também é medida de acesso à justiça a preocupação com a tutela específica.
Como bem assevera a autora , é por essa importante dimensão que o ajustamento de conduta pode ter na tutela específica que as obrigações nele contidas devem ser certas, determinadas e líquidas e, ainda, deve-se levar em conta na celebração do ajuste esse importante princípio da tutela específica para que haja a satisfação plena dos direitos transindividuais envolvidos.

3.5. Princípio da solução negociada da norma

O termo de ajustamento de conduta é marcado preponderantemente pela existência de negociação entre as partes envolvidas (legitimado para celebrá-lo e violador da norma). Essa característica faz com que ele represente, em muitos casos, uma solução mais adequada para determinados tipos de conflitos nos quais devem ser ponderados vários interesses, principalmente porque nele pode-se vivenciar, com mais desenvoltura, a negociação entre as partes.
Seguindo a lição da autora GEISA RODRIGUES , a informalidade presente na possibilidade de negociação é altamente compatível com a construção da forma mais efetiva de proteção dos direitos transindividuais, posto que a inexistência de um rito padronizado permite que a condução da negociação possa levar em conta as particularidades do caso concreto, o que se revela muito mais desafiador quando se trata de processo judicial, a despeito de todo o esforço para torná-lo palco no qual seja possível a negociação.
O termo se encontra numa posição intermediária entre a completa informalidade para a solução de conflitos e a via jurisdicional tradicionalmente burocratizada.
É bastante relevante essa possibilidade aberta pelo compromisso de uma maior ponderação entre os interesses em jogo para se chegar à melhor solução para as partes - frise-se, é claro, que aqui não está se falando em disposição do direito, em momento algum o legitimado pode dispor do direito material a ser tutelado, cabendo apenas a flexibilização quanto às condições de tempo, lugar e modo de cumprimento das obrigações enfeixadas pelo compromisso. O resultado dessa solução negociada deve ser idêntico ao que seria obtido pela via judicial.
GEISA RODRIGUES fala que o compromisso de ajustamento pode ser compreendido como integrante de uma nova engenharia jurídica, que "dedica um espaço todo especial a promover o desdobramento lógico-formal das normas legislativas e procedimentais já estabelecidos, mas desdobram construtivamente ao normatizar situações específicas e inéditas".
A autora continua sua explicação citando o exemplo de um termo de ajuste que determine que o sindicato dos donos de farmácia elabore uma cartilha em conjunto com a Secretaria Estadual de Saúde, orientando o consumidor sobre seus direitos na aquisição dos remédios e orientando os futuros donos de farmácia sobre as responsabilidades. Tal característica mostra-se como sendo um interessante desdobramento da norma que regulamenta o funcionamento desses estabelecimentos, construído a partir da negociação.

4. Objeto do Termo de Ajuste de Conduta

O ajuste de conduta tem como objeto a conformação às exigências legais da lei vigente ao momento da ocorrência da ameaça ou violação do direito transindividual. O rol dos comportamentos lesivos a tais direitos que podem ser alvo do ajuste é bastante amplo.
Para melhor exemplificar tais comportamentos, podem ser citadas as seguintes condutas violadoras de direitos transindividuais:
DIFUSOS a) veiculação de propaganda enganosa e abusiva veiculada por meio de televisão, rádio, jornais, revistas, painéis publicitários; b) poluição do ar atmosférico por uma indústria, ou derramamento de óleo, contaminando o curso de água de determinada região; c) falsificação de produtos farmacêuticos por laboratórios químicos inescrupulosos; d) destruição do patrimônio artístico, estético, histórico, turístico ou paisagístico; e) cláusulas abusivas inseridas em contratos de adesão; f) colocação no mercado de produtos com vício de qualidade ou quantidade; g) construção de um shopping center, trazendo dificuldades para o trânsito local; h) instalação de uma casa noturna em um bairro residencial, perturbando o sossego de pessoas indeterminadas; i) queima da cana-de-açúcar (produzindo não só o impacto ambiental, como a perturbação à saúde das pessoas).
COLETIVOS (stricto sensu) a) aumento ilegal das prestações de um consórcio (o aumento não será mais ou menos igual para um ou outro consorciado); b) a ilegalidade do aumento abusivo de mensalidades escolares, relativamente aos alunos já matriculados; c) o aumento abusivo das mensalidades dos planos de saúde, relativamente aos contratantes que já firmaram o contrato; d) aumento abusivo das mensalidades de um clube esportivo (os associados são ligados ao clube por uma relação jurídica-base); e) o dano causado a acionistas de uma mesma sociedade ou a membros de uma associação de classe.
INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS a) defeito de fabricação em mesmo lote de carros (a ligação entre os compradores, pessoas jurídicas, não decorre de uma relação jurídica mas do fato de terem adquirido o mesmo produto com defeito de série); b) o caso da explosão do shopping de Osasco, em que inúmeras vítimas sofreram danos; c) danos sofridos em razão do descumprimento de obrigação contratual relativamente a muitas pessoas; d) um alimento que venha a gerar intoxicação em muitos consumidores; e) danos sofridos por inúmeros consumidores em razão de uma prática comercial abusiva (por exemplo a diminuição da quantidade de papel higiênico nos rolos vendidos em supermercados, sem comunicação aos consumidores nem abatimento no preço); f) contaminação de pessoas pelo vírus HIV, em razão de transfusão de sangue em determinado hospital público.
Inúmeros são os casos que poderiam ser elencados. Como não há nenhuma limitação expressa na norma, todos os tipos de direitos transindividuais podem ser objetos do termo de ajuste de conduta.
Ressalte-se que a defesa dos direitos individuais homogêneos justifica-se na hipótese em que sua incidência e relevância social o qualificam como uma massa de lesão advinda de uma mesma origem e demandem uma tutela coletiva.
O termo de ajuste pode, ainda, referir-se a obrigações de fazer ou de não fazer, pode fixar multa pelo seu descumprimento, de caráter cominatório, pode obrigar a indenizações pela lesão ao direito tutelado.

5. Legitimidade Ativa e Passiva

O parágrafo sexto do caput do artigo 5º da Lei 7347/85 (lei da Ação Civil Pública) conferiu a legitimidade para celebrar o termo de ajustamento de conduta aos órgãos públicos legitimados para a ação civil pública.
De acordo com o artigo 5º da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) são legitimados para a propositura da ação civil pública o Ministério Público, a União, os Estados e Município, além das autarquias, das empresas públicas, da fundação, da sociedade de economia mista e das associações.
Muito interessante a análise feita por Mazzilli acerca do rol dos legitimados ativos para a celebração do ajuste de conduta, previsto no artigo 5º da LACP e artigo 82, do CDC, agrupados em três categorias distintas, em razão da controvérsia ou não de poderem tomar compromisso de ajustamento de conduta:
a) Inexistência de controvérsia sobre a possibilidade de tomarem compromisso de ajustamento: Ministério Público, União, Estados-Membros, Distrito Federal, Municípios e órgãos públicos especificamente destinados à defesa dos direitos transindividuais, ainda que sem personalidade jurídica (por exemplo, os Procons que, em muitos Estados e Municípios são órgãos estatais sem personalidade jurídica, distintos do ente estatal que os constituiu);
b) Inexistência de controvérsia sobre a impossibilidade de tomarem compromisso de ajustamento de conduta: associações civis, fundações privadas e sindicatos, pelo simples fato de não serem órgãos públicos;
c) Existência de controvérsia sobre a possibilidade de tomarem compromisso de ajustamento: autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista (órgãos da administração indireta do Estado), bem como as fundações públicas.

Ressalte-se que essas últimas são autorizadas à tomada do compromisso, desde que estejam voltadas à prática de serviços de interesse predominante coletivo, com nítido fim social.
GEISA RODRIGUES ressalta, ainda, no que pertine à legitimidade passiva, que todos têm legitimidade para figurar como obrigado no ajustamento de conduta: as pessoas naturais, as pessoas jurídicas de direito privado e as de direito público, bem como os órgãos públicos sem personalidade jurídica, e as pessoas morais, como o condomínio e a massa falida podem ter sua conduta ajustada às prescrições legais.
Podem ser compromissários porque podem praticar condutas que ameacem ou prejudiquem os direitos transindividuais, a Administração do Poder Judiciário e a própria Administração do Ministério Público, podendo ser partes passivas no ajuste. Tal pode se dar, por exemplo, no caso de um procedimento que investigue a adequação dos prédios onde funcionem esses órgãos ao acesso de deficientes físicos ou visuais, posto que nada impede que se celebre o ajuste para a adequação desses entes às exigência legais.

6. Formas de celebração do ajuste de conduta

Como dito anteriormente, o termo de ajustamento de conduta é celebrado nos autos de um processo administrativo (inquérito civil) instaurado para investigar a ocorrência de certa conduta violadora de direito transindividual.
É mais aconselhado que cada instituição crie regras próprias acerca da forma e critérios de celebração do compromisso, de modo a facilitar e incentivar sua prática entre aqueles legitimados para tanto.
Deve-se, ainda, ter a preocupação de identificar com clareza o agente violador da norma (compromissário), e o tomador do compromisso (compromitente). De outro lado, as cláusulas do ajuste devem ser redigidas de forma clara e objetiva, para que as obrigações criadas por ele sejam líquidas e certas. Tratando-se de obrigações de fazer, o compromisso deve prever todas as etapas necessárias ao seu cumprimento, bem como os padrões que devem ser observados em seu adimplemento.
Já para aqueles casos mais complexos, que demandam maior atenção e cuidado em sua formulação, as obrigações ajustadas podem ser detalhadas em planos ou programas, que constituam anexos ao termo de ajustamento de conduta, desde que sejam expressamente a ele integrados.
O termo de ajustamento de conduta deve conter expressa motivação sobre a adequação das medidas previstas para a reparação do dano, e sobre a razoabilidade dos prazos e das condições determinadas para o cumprimento das obrigações.
É recomendável, ainda, que para cada obrigação fixada no ajuste preveja multa específica pelo seu inadimplemento, levando-se em conta a dimensão do empreendimento ou da atividade do compromissário, a extensão do dano ocasionado, e as condições econômicas do compromissário.
Nos casos em que a obrigação encampada pelo termo de ajuste de conduta não puder ser cumprida de imediato, o ajuste deve estabelecer prazo certo para o cumprimento de cada umas das obrigações. Deve constar justificativa quando houver a impossibilidade da reparação integral do dano, especialmente quanto à adequação da adoção de medidas compensatórias e ressarcitórias.
Quando o termo de ajustamento de conduta for celebrado no curso de procedimento administrativo instaurado a partir de representação, deve ser dada ciência ao representante sobre a realização do termo de ajustamento de conduta. É recomendável que a celebração do termo de ajustamento de conduta seja noticiada também para os demais intervenientes no processo administrativo, como o Ministério Público, outros órgãos públicos, organizações não governamentais.
Quando a composição do dano envolver questão de grande repercussão social deve-se, sempre que possível, promover a divulgação do termo de ajustamento de conduta em meios de comunicação, às expensas do compromissário, e divulgá-lo em consulta pública.
Por fim, deve-se ressaltar que o extrato do termo de ajustamento de conduta deve ser publicado em diário oficial, podendo se atribuir as despesas ao compromissário.
Em relação à fiscalização quanto ao cumprimento das cláusulas do ajuste, cabe – no caso de ter sido firmado pelo Ministério Público – ao próprio membro responsável por sua celebração, fiscalizar se o ajuste vem sendo respeitado, e se está sendo cumprida a obrigação nele inserida.

7. Eficácia de Título Executivo Extrajudicial

A autora GEISA RODRIGUES elenca os seguintes efeitos genéricos do termo de ajuste de conduta: a) a determinação da responsabilidade do obrigado pelo cumprimento do ajustado; b) a formação do título executivo extrajudicial; c) a suspensão do procedimento administrativo no qual foi tomado ou para o qual teria repercussão; d) o encerramento da investigação após o seu cumprimento.
Curial importância é dada para a sua qualidade de título executivo extrajudicial, que significa dizer que o mesmo pode ser executado de pronto, na hipótese do seu descumprimento, sem a necessidade de ajuizamento de ação de conhecimento.
Na opinião de GEISA RODRIGUES, a concessão de eficácia executiva ao invés de diminuir a importância da atividade jurisdicional a revaloriza, posto que a satisfação da executividade contida no título só de dá através da jurisdição executiva, reservando, igualmente, os esforços do sistema para a atividade de conhecimento nas situações em que realmente há um litígio mais complexo.

8. Vantagens do Termo de Ajustamento de Conduta

São inúmeras as vantagens do termo de ajustamento de conduta em relação ao ajuizamento de uma ação judicial para os titulares do direito violado, para o violador da conduta (compromissário), para o Ministério Público e, conseqüentemente, para a sociedade em geral.
No que se refere aos titulares do direito violado – e para a sociedade em geral, o termo: a) garante a efetiva reparação do direito violado; b) evita que cada cidadão ingresse individualmente com uma ação judicial para a defesa dos seus direitos; c) promove, por conseguinte, o desafogamento da máquina jurisdicional (haja vista ser consistir uma solução pré-processual de conflitos); d) cria uma maior consciência na valorização e proteção dos direitos transindividuais; e) faz com que a sociedade se sinta mais protegida e inserida na atuação do Estado; f) promove uma valorização do Estado Social Democrático de Direito; g) garante o efetivo acesso à ordem jurídica justa.
Apesar de não ser instrumento de defesa do autor da conduta lesiva a direito transindividual, o termo trás inúmeros benefícios ao compromissário (violador da norma), tais como: a) não o obriga a celebrar o ajuste, podendo deixar de fazê-lo caso entenda excessivamente oneroso ou violador de direito particular; b) confere a oportunidade do compromissário corrigir a conduta praticada – ou se abster de praticá-la – antes que seja aplicada uma penalidade ou que seja ajuizada uma ação judicial; c) evita que figure como parte ré em um processo judicial, o que pode comprometer sua imagem perante a sociedade; d) consiste numa solução mais adequada, rápida, prática e menos onerosa, se comparada aos custos de um processo judicial (alto custo na contratação de advogado, pagamento de custas processuais), por fim, pode-se afirmar que o fato de o violador da norma se disponibilizar em firmar o termo de ajuste denota um comprometimento seu em relação ao bem-estar social, em relação à saúde da população, ao meio ambiente, ao patrimônio público.
No que pertine ao compromitente (Ministério Público), o termo se mostra vantajoso por: a) conferir uma maior liberdade de atuação para a consecução dos seus fins institucionais (defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis); b) conferir uma maior valorização e maior visibilidade às ações promovidas pelo órgão, evidenciando sua relevância na promoção do Estado Social Democrático de Direito; c) ampliar os instrumentos de ação para a defesa dos direitos transindividuais.
Ressalte-se que as vantagens do termo de ajuste de conduta não se esgotam por aqui, aumentado à medida que se aprofunda no seu estudo e na sua prática cotidiana.


Autor: Isabella Silva Campos Rezende Cunha


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