Alfa E Beta



Alfredo estava com a arma nas mãos. Este “canhão” é o modelo 85s da Taurus, calibre 38, cinco tiros, cano com 51 milímetros de comprimento, acabamento oxidado e peso 640 gramas, falava orgulhosamente o menino vendedor que acabara de chegar de um assalto. Quanto? Indagou Alfredo.

Neste momento as lembranças cavalgavam furiosamente pela mente de Alfredo. Nunca havia empunhado uma arma, não prestou serviço militar e sempre discursava contra o armamento. No plebiscito votou a favor da paz. Tudo isso o confundia de maneira turva e louca. O certo é que ele não agüentava mais as piadas, as risadas, o deboche... queria apenas ser igual a todo mundo, poder passar de maneira transparente pelos outros sem ser notado e ridicularizado. Gordo! Careca! Comilão! Quantas vezes já tinha ouvido estas e outras expressões semelhantes. Não tinha jeito. Principalmente no trabalho. No início aceitou como uma brincadeira sadia, com a insistência infinita dos colegas a carga tornou-se demasiadamente pesada. Podia vislumbrar em seus pesadelos um circo dos horrores, onde todos pagavam entrada para ver a aberração exposta na gaiola. Não entendia o mundo estereotipado que o excluía de maneira tão cruel. Sempre ouvia falar na beleza da diversidade. Discurso vazio para uma realidade ferida mortalmente pelo preconceito. Se estava acima do peso, tudo bem, e daí? O que isso atrapalharia os demais? Qual a razão de tanta motivação para menosprezar outras pessoas? Como compreender o sadismo que propulsiona atos cujo objetivo é machucar o sentimento alheio. Tantas perguntas sem respostas rodavam sua cabeça.

Betina, a Beta, era a única colega com que Alfredo podia conversar de maneira mais séria e profunda. Beta estava sempre lá, para dar uma força nos momentos difíceis ou para rir nos dias de alegria. No fundo de sua alma Alfredo sabia que amava Beta, mas nunca teve a certeza que seria correspondido. Beta o defendia quando os demais zombavam. Ele falava de informática e literatura aos ouvidos atentos dela. Alfredo e Betina, Alfa e Beta. Caminhando decidido, cabeça erguida e o espírito pesado podia sentir o frio do metal no seu corpo por debaixo do casaco. Passou por um grupo de gozadores. O Alfredo está perdendo a barriga... para fora das calças! Ah, ah, ah! Sempre os mesmos - ele pensou. Hoje esta empresa vai estremecer! Sacou a arma e a “rodinha” em volta da máquina de café se dissolveu rapidamente. Gritos, pavor, incrédulos os colegas de Alfredo estremeciam.

Betina está paralisada, tenta esboçar uma reação, mas não consegue sair de sua cadeira. Alfredo caminha com passos extremamente lentos. As pessoas fogem e Alfredo começa a chorar. Betina pega sua mão. Os seguranças se aproximam cautelosamente. A polícia é acionada. Alfredo pega o revólver mira entre os olhos de Beta e puxa o gatilho. O corpo sem vida cai da cadeira e Alfredo larga a arma no chão.

Autor: Adriano Saraiva


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