CIDADANIA: LUTA PARA TER DIREITOS



CIDADANIA: LUTA PARA TER DIREITOS

Ana Paula da Silva Mota
Antonio Conde de Almeida
Davi dos Santos Nazário
Geraldo de Oliveira Melo
Jose Carlos Carneiro Junior
Josevando Ferreira


RESUMO: O intuito deste trabalho é tratar do processo de construção da cidadania com base na luta para ter direitos, dentro de uma abordagem interdisciplinar. Foca-se no liame que permeia os campos filosóficos, sociológicos, constitucionais, cíveis. Leva-se em conta as mudanças socioeconômicas e políticas sofridas pelo homem ao longo dos tempos. Bem como a atuação do Estado que visa garantir a legitimidade das fontes do direito para regulamentar o convívio social. Desenvolve-se uma análise da conquista da cidadania através de lutas para ter direitos. Conclui-se que o conceito de cidadania esta atrelado à promoção da dignidade da pessoa humana, previsto nos Instrumentos Internacionais de garantia dos direitos humanos.


PALAVRAS-CHAVE: Cidadania. Luta. Garantias. Direitos. Deveres. Igualdade. Justiça e liberdade.

INTRODUÇÃO

Ao analisar o conceito de cidadania relacionado às disciplinas, História do Direito, Sociologia do Direito, Filosofia do Direito, Direito Civil, Direito Constitucional, bem como a Introdução ao Estudo do Direito, entende-se que tal conceito passou por um processo de árduas conquistas que lhe conferiu as atuais concepções, alicerçadas em um cunho garantista, primando pela salva guarda dos direitos individuais e coletivos dentro do Estado Democrático de Direito. Daí o objetivo deste trabalho em trazer para analise a luta para ter direitos, ou seja, por cidadania.

Dentro desta perspectiva infere-se sobre a postura do operador do direito que deve ser moldada com base em parâmetros cidadãos, como nos princípios, da legalidade, da razoabilidade, da moralidade, da dignidade da pessoa humana, entre outros definidos pelo ordenamento jurídico vigente, qual seja, um operador crítico, cônscio da realidade social, que se ocupe em compreender a temática pluralista notadamente na superação dos antigos modelos elitista e nada democráticos. Conquanto ser cidadão ultrapassa o conceito de soberania popular, estando essencialmente ligado aos direitos fundamentais, sociais e à dignidade da pessoa humana.

1. O QUE É CIDADANIA?

Funari analisando a cidadania entre os romanos toma como ponto de partida a fundação da cidade de Roma em 753 a. C. baseada desde suas origens em diversas culturas, das quais se sobressaiu, por sua natural superioridade, a cultura etrusca, oriunda do norte da Itália, a qual assumiu o domínio da cidade dividindo a sociedade romana em duas camadas: a nobreza denominada de patrícios e os plebeus, escravos, clientes e estrangeiros, os não cidadãos romanos. Assim o autor conceitua cidadania como "uma abstração resultante da união dos cidadãos ".

Aponta que os patrícios eram os oligarcas proprietários rurais, ocupantes dos cargos públicos e religiosos, e detinham plenos direitos de cidadãos, possuindo também poderes militares. Os plebeus excluídos da cidadania receberam o nome de "povo" porque lutavam contra os privilégios dos patrícios. Este termo "povo" referenciava os romanos sem os mesmo direitos dos oligarcas, que eram os camponeses artesãos comerciantes. Além dessas duas classes, existiam os clientes e os escravos. Os clientes por uma relação de fidelidade a um patrício podiam alcançar a independência e integrar a plebe e vice-versa, os escravos eram propriedades dos patriarcas.

Funari diz: "a partir de 494 a.C. os plebeus alcançaram o poder econômico, mas ainda não participavam das decisões políticas e sociais". Começou então a luta pela cidadania por parte dos plebeus, que queriam ocupar cargos políticos, votar, casar-se com os patrícios.

Comenta que os plebeus começaram a conquista pela cidadania instituindo o tribunado da plebe, magistratura com o poder de vetar as decisões dos patrícios, resumindo-se em concílios da plebe, adotando resoluções os plebiscitos, conseguindo que os romanos fossem divididos geograficamente em tribos e não hereditariamente. No século V a.C. publicou-se a lei das Doze Tábuas mesmo baseada na codificação da legislação tradicional, prevendo maiores poderes aos patrícios em caso de conflitos de idéias, mas já era o início da lei escrita.
Acrescenta o mesmo autor que as pessoas passaram a ser classificadas pela situação econômica beneficiando assim os plebeus ricos, a expansão militar também causou mudanças sociais influenciando também a conquista da cidadania. A sociedade que antes era dividida em patrícios e plebeus passava por modificações sociais tornando-se mais complexa.

Assim as injustiças sociais causavam entre os romanos distúrbios entre patrícios e plebes porque as terras conquistadas pelas forças militares, predominantemente plebéia, eram entregues aos grandes proprietários de terras, aos patrícios. O que provocou um levante contra o ordenamento patrício. Assim é que, segundo Funari, para amenizar esses distúrbios sociais foram criadas falsas alianças entre patrícios e plebeus enriquecidos, leis propostas pelo tribunado da plebe foram aprovadas garantindo mais poderes políticos aos plebeus ricos e criando benefícios para os mais pobres. Somente em 300 a.C. os plebeus alcançaram todos os cargos políticos e religiosos.

Aponta ainda que para Funari , o século III a.C. foi marcado por avanços na luta pela cidadania romana e por benéficos para os plebeus enriquecidos que passaram a fazer parte da aristocracia. A magistratura e a assembléia plebéia eram controladas pelos nobres beneficiando mais a camada social plebéia.

Notadamente no que tange a definição genérica de cidadania, tem-se que esta não tem o seu significado restrito unicamente aos direitos políticos dentro de um estado, no qual o povo expressa a sua vontade diretamente por meio de plebiscito ou referendo ou pelos seus representantes eleitos pelo seu voto. Cidadania é o exercício contínuo e não algo momentâneo e passageiro mas uma qualificação atribuída as pessoas que integram a sociedade estatal, dotados de direitos.

Assim é que pontua o Subprocurador - Geral da República, Pedro Henrique Távora Niess, "... A capacidade eleitoral ativa e a capacidade eleitoral passiva é um direito que pode ser exercido por qualquer cidadão, mas para que alguém possa ser candidato, precisa preencher as condições de elegibilidade e não incidir em nenhuma hipótese de inelegibilidade." O que remete ao campo cível no que pese sobre o direito de votar e de ser votado. Ainda para o sub-procurador ao discutir sobre as condições de elegibilidade elencadas no art.14 da Carta Magna, observa que o pleno exercício dos direitos políticos apenas se manifesta, quando o cidadão reúne plenas condições de exercer o seu direito de votar e de ser votado.

Chega-se por tal a uma conceituação de cidadania ativa e a passiva. A ativa é efetivada através dos direitos e deveres adquiridos por força da promulgação da Constituição Federal, consubstanciando-se através da participação nas esferas de poder quer por reivindicações quer por atuações. A cidadania passiva pode ser concebida sob todos os cidadãos quando da aquisição de direitos e deveres. Em outras palavras tem-se que a Cidadania Ativa diz respeito à esfera de decisão, enquanto que a Cidadania Passiva refere-se à esfera de sujeição.
Continua ainda o jurista afirmando que "a constitucionalização é o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil, que passam a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos tribunais, da legislação infraconstitucional".
Ainda na luta pelos direitos, vê-se na Constituição Federal de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, a cidadania passiva, mais uma vez sendo consagrada, ao outorgar poderes aos legitimados da constituinte através de uma assembléia para positivar no título I e II, quesitos como, princípios fundamentais e dos direitos e garantias fundamentais, dos direitos e deveres individuais e coletivos, sociais, da nacionalidade, políticos e políticos partidários. Tem-se também da petrificação dos direitos e garantias individuais através do art.60, parágrafo 4º, inciso IV da Carta Magna: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais".

Nesta luta por direitos que tipo de fontes foram construídas?
Na evolução social e histórica dois tipos de fontes foram construídas: o sistema consuetudinário (Commom Low), que foram recepcionados pelos países de língua inglesa, um sistema de direito não escrito e fundado em normas costumeiras, e o sistema romano-germanico, que tem fundamento na lei escrita e que ganhou força principalmente no mundo ocidental, com características bem diferentes do outro. A fonte do direito foi dividida em material e formal, que segundo Miguel Reale

Por "fonte do direito" designamos os processos ou meios em virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória, isto é, com vigência e eficácia no contexto de uma estrutura normativa. O direito resulta de um complexo de fatores que a Filosofia e a Sociologia estudam, mas se manifesta, como ordenação vigente e eficaz através de certas formas, diríamos mesmo de certas fôrmas, ou estrutura normativas, que são o processo legislativo, os usos e costumes jurídicos, atividade jurisdicional e o ato negocial.

Entende Sílvio de Salvo Venosa que a fonte material do direito é um dos pontos de partida para a elaboração das normas jurídicas e que são formadas pelo conjunto de fatores sociais, religiosos, econômicos e valores morais.
As fontes formais se denominam imediatas ou primárias (leis), e mediatas ou secundárias (jurisprudências, doutrina, costumes, princípios gerais do direito, analogias, equidade). A Lei de Introdução ao Código Civil, apresenta em seu artigo 4º. como fontes de direito. "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso em acordo com a analogia, os costumes os princípios Gerais do direito."

A lei é uma regra geral, não se dirige a um caso particular, mas a um número indeterminável de indivíduos. [...] Contudo, o domínio de alcance da lei pode ser maior ou menor sem que isso descaracterize a generalidade. [...] É regra abstrata. [...] O legislador tem em mira condutas sociais futuras a serem alcançadas pela lei. [...] É a força porque facilita o preordenamento das condutas sociais, simplificando o trabalho do juiz, [...] que aplicara a lei ao caso concreto que lhe é apresentado .

Pelo exposto acima, tem-se que a lei procura garantir igualdade e aplicação da justiça para todos os indivíduos indistintamente, visa também estabelecer um equilíbrio entre os cidadãos através da regulação da conduta social.


3. LIBERDADE, JUSTIÇA E IGUALDADE

Para Aristóteles justiça é uma virtude integral e perfeita. Integral por incluir todas as outras virtudes e perfeita porque pode ser usada por quem a possui em relação a si mesmo, bem como em relação aos outros. Consequentemente um atributo próprio do ser humano, que lhe confere poderes para cominar posturas para a realização de determinados objetivos.

De tal forma, que justiça em geral é a conformidade da conduta humana a uma norma e a eficiência de uma norma a qual torna possível a relação entre as pessoas.

Assim, essa justiça pode ser total, se observa a lei na íntegra, particular e corretiva, por se basear numa igualdade aritmética, e ainda distributiva, por praticar uma igualdade geométrica. Esses conceitos de justiça podem ser aplicados tanto no convívio familiar quanto nas relações políticas, sempre raciocinando em busca de um meio termo para equanimizar as diferenças provenientes das desigualdades.

Em um Estado Democrático de Direito, como o brasileiro, é sabido que a Constituição Federal como lei maior, é quem traz o arcabouço do ordenamento jurídico de tal forma que o poder do povo vê-se exercido por um representante que prima pela busca de um bem comum firmado na democracia, que é a forma como o Estado exerce o seu poder soberano.

Assim é que para John Rawls , o conceito de justiça tem dois sentidos, no primeiro ele faz comparação com a equidade, explicando a liberdade e os direitos básicos dos cidadãos e em segundo plano esse conceito explica a igualdade democrática.

Os cidadãos tem suas condições sociais essenciais garantidas pelas liberdades e direitos básicos, fundamentados na aplicação dos princípios de justiça na base da sociedade e na aplicação do pensamento crítico na busca racional de uma concepção do bem.

As liberdades políticas iguais, a liberdade de pensamento, a liberdade de consciência e a liberdade de associação devem ser exercitadas de tal forma que garanta o exercício da moralidade de forma livre, consciente e efetivamente justa, o que é condição indispensável ao exercício da cidadania.

Ao se analisar o levantamento sob o aspecto filosófico, observa-se que para Aristóteles, o homem como ser político e social, e vendo-se no Estado muito mais do que uma singela associação temporária dos homens, caminha onticamente o Direito para se tornar meio indispensável para aquisição da felicidade. Dessa forma é que se entende que, assim como o homem busca a felicidade individual, assim também o Estado é levado a busca do bem estar comum. Conquanto o indivíduo não pode viver sem o Estado, que regula a vida dos cidadãos por meio do Direito, em especial por meio das leis.



4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o presente trabalho, que traz uma essência interdisciplinar, constata-se que o aprendizado referente ao conceito de cidadania, notadamente na luta para ter direitos, reflete o duro processo de conquista vivido e que ainda se percebe, pois busca-se a cada dia, viver-se em uma sociedade mais justa e igualitária, na qual os paradigmas elitistas sejam desmontados e passe a vigorar um modelo em que em suma as pessoas possam ter acesso a justiça de maneira célere tendo nos operadores do direito um espírito crítico que acompanhe a causa social, onde a liberdade seja respeitada sem reservas de cor ou qualquer outra forma de posicionamento e que todos possam de fato e de direito serem tratados a luz do direito de maneira igualitária.










REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS





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11. VENOSA. Silvio de Salvo: Direito Civil: - Parte Geral. 3ª Ed.- São Paulo: ed. Atlas, 2003


Autor: Ana Paula Mota


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