RESGATE NO PLANETA TURBULENTO



Jacques pegou a mochila, caminhou rápido pelo túnel que ligava a porta da nave ao prédio de administração da base mineira e trancou a porta logo que entrou na câmara. Ali ele parou por um momento olhando através do espesso vidro da janela. Netuno tinha uma superfície inóspita. Uma tempestade de vento varria a poeira do chão árido e nuvens de gases nocivos rodopiavam pelos flancos dos montes em espirais dançantes, coriscos estalavam nos ares como chicotes de fogo e relâmpagos azulados iluminando a paisagem abalada por trovões incessante.

Lá fora a espaçonave fez o retorno na pista e partiu.

- Quando se olha pela primeira vez, sente-se certo receio. Mas a gente se acostuma...

Jacques voltou-se e cumprimentou o general Thor Falcão.

- Como vai meu tio?

- Tudo bem. Fez boa viagem?

- Ótima.

Jacques fez um gesto para a janela.

- È sempre assim?

- Quase sempre. Vamos, vou lhe mostrar o seu alojamento.

Os dois homens entraram num elevador que os levou ao subsolo. Thor mostrou-lhe a cozinha, a sala para entretenimento, a biblioteca e os dormitórios, além de uma câmara de sobrevivência em caso de perigo. Jacques largou a mochila sobre a cama e o general perguntou:

- Quer descansar um pouco antes de começar?

- Não, estou bem. Quero me inteirar logo dos fatos.

- Então vamos, vou lhe apresentar a sua equipe.

Voltando a subir, Thor conduziu Jacques por um corredor até uma sala repleta de aparelhos eletrônicos, onde um rapaz e uma moça estavam observando as câmeras de vigilância além dos aparelhos que monitoravam o clima e atividade telúrica. Cada uma das câmeras exibia vários pontos do exterior, inclusive do próprio prédio.

- Esta é a sala de comunicação e monitoramento das atividades atmosféricas. Disse Thor e apresentou as duas pessoas.

- Dorival é técnico em eletrônica e comunicações e a doutora Laura Aldobrandi, geóloga. Jacques ficou surpreso. Não havia reconhecido Laura. Ela estava muito diferente, de cabelos curtos, magra, bonita. A última vez que a viu foi a quatro anos na Terra. O pai dela, general do exército Carlo Aldobrandi foi acusado de estuprar e matar uma jovem aspirante e Jacques foi testemunha no processo de acusação. Um dia antes do fato, ele viu o general assediando a vítima e Carlo apresentou um álibi que não convenceu os jurados, havia contradições em seu depoimento. O testemunho de Jacques foi decisivo na condenação e por isso Laura o odiava, já que acreditava na inocência do pai. Quando encontrou Laura em duas outras ocasiões, ela mostrou o desprezo que tinha por ele, isso por que a moça pensava que ele agira por vingança. Jacques era soldado e Carlo, como comandante, não perdoava erros e castigava seus subordinados com as mais absurdas tarefas. Agora, mais uma vez, Jacques se defrontava com Laura Aldobrandi.

Jacques apertou a mão de Dorival e fez um aceno de cabeça para a moça que se manteve indiferente.

- Vamos. Vou lhe apresentar o resto do pessoal. Disse Thor. Enquanto eles seguiam pelo corredor, o general disse:

- Lamento o que houve entre você e a doutora Laura. Acho que o encontro de vocês pode gerar algum conflito, mas você é uma pessoa tranqüila e com certeza vai evitar discussões. Os dois são imprescindíveis para o sucesso dessa missão. Como você sabe Laura além de ser médica, é geóloga.

- Da minha parte não tenho nada contra ela.

- Talvez Laura ainda guarde alguma mágoa, mas com certeza não vai prejudicar o teu trabalho.

O General calou-se quando os dois chegaram a uma sala que era ao mesmo tempo sala de estar, cozinha e bar. Sentados a uma mesa estavam três homens. Thor fez as apresentações.

- Rufo e Zacarias você já conhece de outras missões são experientes em resgates e o senhor Dreico é supervisor técnico da Ciberloc, empresa que nos apoiará com veículo aéreo e terrestre.

Jacques cumprimentou os três e Thor indicou-lhe uma cadeira. O general sentou-se na ponta da mesa.

- Bem, senhores, vocês foram contratados para resgatar uma espaçonave que aterrou ou caiu neste planeta há mais de trinta anos. Trata-se da Falcon, nave concebida e construída pelo doutor Reno Falcão, pai do senhor Jacques, aqui presente. Para quem não sabe, o doutor Reno partiu quando Jacques ainda era uma criança e ele tinha o seu pai como morto. Aliás, as pessoas que estavam na nave foram consideradas desaparecidas e mortas, pois desde aquela época não se tinha noticias delas. O doutor Reno e mais dois cientistas partiram de Marte com o objetivo de atingir os limites da galáxia. A nave foi equipada com um gerador de energia capaz de atingir o subespaço. Agora, não sabemos se a nave atingiu o seu objetivo e voltou, ou se nunca saiu do sistema solar. As imagens que temos não mostram se há danos no aparelho. De qualquer maneira não temos nenhuma pista se houve sobreviventes.

- Existe algum dado que indique a data que a nave chegou a Netuno? Perguntou Jacques.

- Não. Esta base foi construída a cerca de cinco anos pela Vulcan, companhia de minas e energia com o intuito de pesquisar os recursos minerais de Netuno. Ainda não está completamente pronta, por isso eles nos cederam como base de operações. A Falcon está num desfiladeiro de difícil acesso. A companhia a descobriu quando fez um mapeamento via satélite da região. Uma equipe de mineiros tentou chegar até o local, mas não conseguiu por falta de equipamento necessário. A Ciberloc, associada da Vulcan, está cedendo o equipamento e os veículos de resgate.

Thor calou-se quando Laura entrou na sala.

- Então doutora conseguiu alguma coisa?

Laura exibiu um cristal de gravação e dirigiu-se para um aparelho de televisão.

- A nova posição do satélite nos deu uma visão mais detalhada do local.

Laura colocou o cristal no aparelho e uma imagem surgiu na tela.

- A nave está numa elevação do terreno que ao redor é acidentado, irregular, cheio de ravinas e rochas. Não há um lugar plano próximo dali para o giroflex pousar. O único lugar seria naquele ponto mais abaixo, cerca de dois quilômetros da Falcon.

- É um lugar acidentado! Disse Rufo. - Aquilo me parece um canal...

- E é. Respondeu Laura. - As precipitações sulforosas eram mais freqüentes alguns milhões de anos atrás e aquelas ravinas e canais foram escavadas pelas chuvas ácidas. Aquele pode ser o único caminho que temos para chegar até a nave e é um caminho perigoso.

Laura fez uma pausa enquanto a imagem na tela mudava.

- Há um vulcão a uns dez quilômetros dali e os sensores mostram que a temperatura em seu interior está aumentando a cada instante e há a possibilidade de ele entrar em erupção. Por isso nos temos que agir sem mais demora.

Laura voltou-se, completando: - A tempestade vai diminuir nas próximas cinco horas...

- Vocês devem partir então, ao amanhecer. Disse Thor. - Assim terão tempo para descansar da viagem.

- No caso do vulcão entrar em erupção, haverá tempo de sair do caminho da lava? Perguntou Zacarias.

- Depende da velocidade dela. Respondeu Laura.

- Alguém deve ficar no giroflex para resgatar os outros. Disse Dreico.

- Qualquer um de vocês pode pilotar o aparelho. Afirmou o general. - Vocês têm conhecimento e pratica nesse tipo de resgate, por isso foram escolhidos.

- E você como consultor da Ciberloc, também sabe pilotar o giroflex... Disse Jacques para Dreico.

- Naturalmente. Respondeu o homem.

- Então você fica no aparelho, Rufo e Zacarias vêm comigo.

- E a doutora Laura? Perguntou Thor. Sem olhar para ela, Jacques respondeu:

- A doutora será mais útil aqui, para ficar de olho naquele vulcão.

A moça não disse nada, trocou um olhar com o general e se retirou.

- Acho melhor darmos uma olhada no equipamento antes de dormir. Disse Jacques.

- Vamos ver se está tudo em ordem. Ajuntou Rufo. Thor conduziu os homens para o pavilhão que servia de deposito e garagem. Ali estavam o equipamento que seria utilizado na excursão, cordas, ganchos, escadas e ferramentas, as roupas de proteção com capacetes e cilindros de oxigênio, um jipe e o giroflex, uma pequena nave para cinco tripulantes além do piloto. Os homens examinaram tudo e voltaram para o prédio principal.

- Se alguém está com fome, há comida de sobra na cozinha. Disse Thor. - É comida enlatada. Infelizmente não temos cozinheiro.

- Me diga uma coisa, general. Pediu Zacarias. - Que interesse tem o exército no resgate desta nave?

- Interesse algum. Vocês foram contratados por mim e não pelo exército. Eu já estou aposentado e não estou representando o exército aqui.

- Eu por mim não quero saber em quem está interessado no quê. Afirmou Rufo. - Tenho o costume de fazer o meu trabalho sem questionamento. O que me interessa é o meu salário.

- Como a nave pertencia ao pai do tenente Jacques, naturalmente ela agora pertence a ele.

Disse Dreico olhando para Jacques.

- Naturalmente. Respondeu o general. Dreico sacudiu a cabeça.

- A Falcon é um projeto único. Sei que isso não é hora de falar em negócios, mas eu estou disposto em comprá-la.

- O que me preocupa agora é saber que destino teve meu pai. Respondeu Jacques.

- Está certo.

- Há uma coisa que vocês devem saber. Disse Thor. - A Falcon é um projeto sigiloso, no entanto, Reno revelou algumas particularidades dela. Sabemos que ela possui um sistema de segurança com um dispositivo para autodestruição, para o caso de alguém não autorizado tentar acionar os seus motores. Não sabemos como anular o dispositivo, portanto, não mecham nos controles em hipótese alguma. A missão de vocês é entrar na nave, verificar se há algum corpo lá, resgatá-los para um sepultamento digno e recuperar o diário de bordo.

- E o que vai acontecer com a nave? Perguntou Rufo. - Vai ficar lá para sempre?

Thor olhou para Dreico e voltou a olhar para Rufo.

- Não temos pressa em recuperá-la. Ela não pode ser removida, mas existe a possibilidade de desmontar peça por peça. Mas, essa é uma idéia muito arriscada. Quem pode garantir que não explodirá? Essa é uma questão que vamos resolver depois.



Jacques estava se preparando para se deitar quando alguém bateu na porta. Era o general Thor.

- Preciso lhe dizer uma coisa. Posso entrar?

- Naturalmente, entre.

Thor entrou e sentou-se numa cadeira. Jacques fechou a porta e sentou-se na beira da cama.

- Há uma coisa que só você precisa saber. Disse Thor. - A única pessoa que Reno confiava, alem de seus dois sócios, era eu e por isso, ele me confiou um segredo. Acreditava que podia aperfeiçoar a nave a ponto de atingir as dobras espaciais e viajar no tempo. Pense no que isso significa! Por isso Reno equipou a nave com um dispositivo de autodestruição. Mas, ele deixou com você a senha para anular o dispositivo.

- Comigo? Como? Onde?

- Você tinha dois anos e antes de partir, Reno implantou no teu subconsciente o código capaz de anular a bomba. Está aí, no teu subconsciente a chave.

- No meu subconsciente! Murmurou Jacques.

- Sim, teu pai fez isso mesmo por medida de segurança para um caso como esse. Você é o único que pode desativar o sistema de segurança e recuperar a nave.

- E como vou fazer isso?

- Não sei Reno só me disse que você vai saber como. Talvez estando lá dentro da nave você possa se lembrar como. Talvez a imagem de algum objeto, ou mesmo alguma coisa escrita abra a tua inconsciência e você se lembre...

Jacques ficou calado, pensativo.

- Não se preocupe com isso agora. Descanse bastante, amanhã vai ser um dia exaustivo. Boa noite!

Thor saiu. Jacques deitou-se e estava para apagar a luz quando novamente soaram batidas na porta. Era Rufo.

- Eu notei que a luz estava acesa...

- O que foi Rufo?

- Eu precisava conversar com o senhor.

- Entre.

Rufo entrou e acomodou-se na cadeira.

- É sobre Dreico. Não confio nele. Alguns anos atrás ele foi processado, acusado de ter roubado direitos autorais de um engenheiro de eletrônica, chamado Andréas Gomes que projetou um esquema para a construção de um ciborg. Dreico conseguiu provar que havia comprado os direitos do invento e ganhou a causa. Gomes não se conformou, disse que tinha sido enganado e passou a atacar Dreico na mídia. Algum tempo depois ele morreu de causa desconhecida. Tem outra coisa, Dreico não é só um simples empregado da Ciberloc, é o principal acionista da empresa. Ele deve ter outro objetivo além do simples interesse em nos ajudar...

Jacques olhou para Rufo pensativo. Conhecia o amigo há muitos anos, embora não trabalhassem juntos com freqüência e sabia que Rufo era um sujeito honesto e lúcido.

- A Ciberloc foi contratada pelo meu tio, para nos dar apoio com aparelhos e instrumentos. Talvez Thor não saiba disso e se sabe, talvez não soubesse que Dreico viria participar desta missão. Em todo caso vamos ficar de olho nele. Eu vou conversar com Thor a respeito.



A pequena nave partiu na manhã seguinte levando a bordo Jacques, Rufo, Zacarias e Dreico. A tempestade havia diminuído, mas o vento ainda era forte. O aparelho voou sem problemas graças aos estabilizadores computadorizados. Minutos depois chegaram ao local do pouso. Jacques manobrou o aparelho com cuidado até as sapatas tocarem o solo com segurança. Desligou o motor e examinou os sensores. No canal a ventania era menos intensa, mas a visibilidade era prejudicada pela poeira e gases. Jacques falou pelo radio com Laura:

- Alô doutora, está me ouvindo?

-: Sim, alto e claro. Está tudo bem?

- Sim, acabamos de pousar.

-: Eu estou vendo, a imagem não é clara, mas dá para perceber a nave no canal. Tenente há uma coisa que eu descobri agora e que vocês precisam saber. Há uma falha sob o solo onde a nave se encontra uma caverna não muito extensa e se houver um abalo muito forte provavelmente o teto da caverna vai ruir.

- Obrigado pelo aviso. Tem mais alguma informação?

-: Como eu já lhe disse, a nave está numa pequena elevação, próximo de uma montanha. O solo ao redor é irregular, há rachaduras, rochas irregulares pontiagudas, com arestas provavelmente cortantes. Vocês devem tomar cuidado para não rasgarem as roupas para não se exporem aos gases. Ok?

- Ok.

Jacques virou-se para os companheiros.

- Zacarias, você ficará com Dreico e Rufo irá comigo. Vocês fiquem atentos aos sensores, vou fincar um sensor de movimento sísmico no solo e vocês fiquem atentos nos informando se houver alguma anomalia.

- Ok, tenente. Respondeu Zacarias.

- Vamos vestir o traje, Rufo. Disse Jacques. Vestidos com a roupa de proteção, os dois homens saíram, descendo pela rampa. Jacques pisou no solo duro, sentindo a força do vento e dos grãos de poeira batendo em seu traje. Falou pelo radio, embutido em seu capacete:

- Zacarias, está me ouvindo?

-: Sim, tenente.

- Doutora Laura?

-: Estou ouvindo vocês. Boa sorte!

- Como está o vulcão?

-: Nenhuma novidade.

- Estamos seguindo pelo canal. A profundidade deve ser de uns cinco metros, largura oito, mais ou menos. Há sinais de silício e outros metais simples nas paredes. A temperatura está em quarenta e oito graus, visibilidade cinqüenta metros, força do vento vinte quilômetros por hora. Você tem os nossos sinais doutora?

-: Sim, dois sinais luminosos que se afastam do giroflex. Vocês estão à cerca de mil e trezentos metros da Falcon.

- O canal começa a se estreitar agora, e a profundidade diminui.

Jacques calou-se e os dois homens continuaram a caminhar em silencio. Os outros ouviam apenas a respiração forte dos dois através do radio. Algum tempo depois a voz de Laura se fez ouvir.

-: Vocês estão próximos da nave agora. Terão que sair pelo canal à esquerda.

- Ok. Respondeu Jacques. Agarrando-se nas bordas do canal ele subiu para a superfície e ajudou o companheiro.

- Tudo bem Rufo?

- Me sinto um pouco fraco, mas estou bem. Vamos continuar.

- Quer descansar um pouco?

- Não! Vamos continuar.

Seguindo por um solo rochoso, na base de uma escarpa, eles divisaram uma forma metálica escura no alto de uma elevação.

- Estou vendo a nave. Disse Jacques parando de repente próximo da borda de uma fenda no solo. Ele esperou por Rufo e mostrou-lhe o precipício.

- Vamos por outro caminho. Disse. Contornando um rochedo, Jacques seguiu pela base de um monte. Logo depois a voz de Laura soou:

-: Tenente, Rufo ficou para trás! Está seguindo na direção contrária!

Jacques virou-se e não viu mais o companheiro.

- Rufo? Está me ouvindo? O que foi?

-: O sinal dele sumiu! Disse Laura num tom tenso. Jacques voltou apressado e parou na beira da fenda. Rufo não estava à vista. Havia um pedaço da roupa dele numa aresta rochosa na beira do precipício. Jacques recuou, abalado. Sentou-se no solo com a respiração ofegante.

-: O que aconteceu? Era a voz de Thor e depois a de Zacarias.

-: O que aconteceu com Rufo, tenente? O senhor está bem?

- Eu estou bem. Rufou caiu numa fenda profunda! Eu não entendo! Ele tinha visto aquele buraco! Não sei por que voltou!

Houve um momento de silencio até que Jacques decidiu tentar resgatar o companheiro. Abriu a sua mochila e preparou-se para descer.

-: O que está acontecendo? Perguntou Thor.

- Vou tentar resgatá-lo. Respondeu Jacques.

-: É melhor não fazer isso sozinho. Disse Thor. - Espere por Zacarias, ele irá auxiliá-lo.

- Não posso esperar. Respondeu Jacques, fincando os pinos na rocha. Ele amarrou a corda nos pinos e começou a descer. Desceu alguns metros, incidindo a luz do farolete para baixo, mas ainda não avistou o fundo. Na parede da fenda havia sinais da queda de Rufo. Descendo mais alguns metros, Jacques constatou que a corda não alcançaria o fundo. Ele resolveu voltar.

-: O que está acontecendo? Perguntou Thor.

- O buraco é muito profundo. Ninguém sobreviria uma queda como aquela.

-: Não estou recebendo os sinais vitais dele. Afirmou Laura.

-: Você vai cancelar a missão? Perguntou Thor.

- Não, vou continuar.

-: Você deve se apressar. Recomendou Laura. -: O calor no interior da montanha está aumentando e estou recebendo sinais de abalos sísmicos de pequena intensidade.

- Abalos sísmicos? Você não percebeu isso Zacarias?

-: Ele não está aqui, tenente. Respondeu Dreico. - Ele acabou de sair para ajudá-lo!

- Zacarias? Chamou Jacques. - Zacarias?

-: O rádio dele está com defeito, tenente. Não está transmitindo. Eu falei para ele não sair sem a sua ordem, mas o homem é teimoso!...

- Bem, não posso esperá-lo. Encontre-me na Falcon.

Jacques continuou, e minutos depois chegou até onde estava a Falcon. Era uma espaçonave pequena, de cerca de quarenta metros de comprimento por dez de largura. O casco do lado direito estava rompido, ocasionado pelo choque com o rochedo ao descer. Uma abertura pequena, mas suficiente larga para que Jacques pudesse transpô-la. Entrando, ele viu-se num corredor com pouca claridade. No corredor havia três portas que ele abriu, constatando que eram dormitórios. Não havia ninguém nas cabines. Os aposentos estavam em ordem, mas com uma camada de poeira que cobria tudo. A sala de comando era espaçosa e as lâmpadas de alguns instrumentos continuavam acesas e continuariam acesas por mais algumas centenas de anos, ou até que elas próprias se deteriorassem. Havia seis poltronas diante do visor panorâmico e Jacques sentiu-se emocionado ao descobrir que numa delas estava um dos tripulantes. Ele aproximou-se e verificou que no traje do morto estava gravado o nome do doutor Dalton Serrano. O visor do capacete estava opaco e Jacques não conseguiu ver as feições do homem. Destravando as presilhas, ele retirou o capacete. O crânio rebrilhou por um momento na pouca claridade da sala e depois despencou para o chão. Jacques deixou cair o capacete. A voz de Laura soou junto ao seu ouvido:

-: Tenente, onde o senhor está?

Naquele momento Jacques sentiu uma tontura e procurou firmar-se e logo descobriu que era a nave que tinha se movido.

-: Tenente houve um pequeno tremor de terra nesta região! Você esta bem, Jacques?

- Sim, não se preocupe comigo.

-: Eu não estou recebendo o sinal de Zacarias e Dreico não me responde! A temperatura no vulcão está subindo rapidamente...

- Não posso me preocupar com eles agora. Respondeu Jacques, sentando-se diante do painel de comando. Ele ligou uma serie de circuitos, seguindo o seu instinto. Ligou o circuito matriz e digitou algumas ordens no teclado de comando para o computador.

- INFORME ESTADO FÍSICO DA NAVE:

Em segundos a resposta surgiu no monitor de vídeo:

-: RECURSOS SECUNDARIOS EM ORDEM. SISTEMA ELETRICO EM ORDEM SISTEMA ELÉTRICO DE PRESURISAÇÃO COM DEFEITO NO SETOR 208 ETB. ESTRUTURA AVARIADA.

- LOCALIZE E DESTAQUE O DEFEITO NO SETOR 208 ETB:

O esquema elétrico surgiu na tela num desenho intricado e o setor com defeito foi destacado. Jacques descobriu que o impacto no casco havia rompido um cabo elétrico do sistema de pressurização. Além daquela, não havia mais ruptura no casco e o resto do sistema estava em ordem.

-: Jacques? Chamou Thor.

- Sim? Estou ouvindo.

-: Você já entrou na nave?

- Sim, o casco está rompido e foi por ali que entrei.

-: Escute. O diário de bordo é um cristal de memória e ele esta num arquivo protegido pelo sistema de segurança que somente recebe ordens pelo sistema verbal. Você precisa pressurizar a cabine...

- Eu vou ter que consertar o casco. Respondeu Jacques. - Vou procurar as ferramentas. Como está o vulcão?

-: A temperatura continua subindo. Respondeu Laura.

-: Zacarias já chegou aí? Perguntou Thor.

- Ainda não. E Dreico?

-: Não responde. O giroflex continua estacionado no mesmo lugar.

- Vou tentar consertar o casco. Disse Jacques e dirigiu-se para o fundo do corredor. Encontrou ferramentas e chapas de atírio num deposito e com uma pistola de soldar ele começou a consertar o casco da astronave.

-: Tenente? Chamou Laura pelo radio.

- Fale doutora.

-: Acabo de captar uma imagem de alguém que saiu do giroflex e se dirige na sua direção. Não sei se é Zacarias ou Dreico. Ele não responde ao rádio.

- E quanto ao vulcão?

-: A temperatura continua subindo, porém, a ocorrência de uma erupção ainda é incerta. Como vai indo?

- Estou quase acabando.

Jacques continuou trabalhando e minutos depois, acabou o conserto. Voltando para a sala de comando acionou o sistema de pressurização. Os exaustores expeliram o ar nocivo e o interior da nave recebeu oxigênio. Jacques despiu o traje protetor e passou o sistema de ordens do computador para o comando de voz.

- Computador, prepare-se para responder ao comando verbal.

Uma voz metálica saiu de algum lugar do painel:

- REVELE CÓDIGO DE ACESSO.

- Jacques Falcão. Aldebarã.

- SEGURANÇA VR DESATIVADA.

Súbito, um alarme soou na câmara de entrada. Alguém pedia para entrar. Jacques imaginou que fosse Zacarias ou Dreico. Ele dirigiu-se para a câmara e acionou o sistema da porta externa. Quando a lâmpada verde acendeu-se, ele abriu a porta interna. O que surgiu na sua frente não foi Zacarias nem Dreico. Tinha forma humana, dois braços e duas pernas com articulações salientes, um tronco liso metálico e uma cabeça ovóide, com duas protuberâncias luminosas no lugar dos olhos, mas não era humano. Jacques foi surpreendido com uma pancada na cabeça. Ficou tonto e cambaleou, apoiando-se na parede. A criatura movimentou-se novamente com os braços estendidos. Jacques tentou esquivar-se, mas foi lento demais. O andróide agarrou-o pelo pescoço e começou a estrangulá-lo. De repente houve um abalo e a nave inclinou-se para trás. O andróide perdeu o equilíbrio e diminuiu a pressão dos dedos. Jacques Impulsionou-se para trás, escapando do aperto mortal. Ele escorregou no piso inclinado e caiu junto à parede. O andróide ignorou-o e dirigiu-se para o computador. Colocou um dedo num plug e começou a extrair os arquivos de bordo. Jacques procurou raciocinar e decidir o que fazer. Não podia simplesmente enfrentar aquele monstro desarmado. De repente ele viu o traje protetor ao alcance de sua mão. Procurando não despertar a atenção do andróide, ele vestiu o traje e colocou o capacete. A nave tremeu novamente e cedeu mais alguns centímetros. O teto da caverna estava desmoronando e logo à espaçonave seria tragada pela terra. Acabando a sua missão, o andróide moveu-se caminhando desajeitado para a saída. Entrou na câmara e abriu a porta externa sem se preocupar em fechar à interna. Jacques saiu logo em seguida e falou ao microfone do radio embutido em seu capacete:

- Laura! Thor! Estão me ouvindo?

Ninguém respondeu. Jacques repetiu o chamado e seguiu apressado em direção ao canal. Parou estupefato, olhando para a montanha. Havia um brilho avermelhado no topo do vulcão. A lava começava a descer pelo canal. Jacques olhou na direção onde deveria estar o giroflex, mas não conseguiu vê-lo devido à atmosfera nebulosa. Não tinha como alcançá-lo. O solo tremeu novamente e algumas pedras rolaram por uma ribanceira. Sem condição de alcançar o giroflex, Jacques decidiu voltar para a espaçonave. Entrou no exato momento em que o teto da caverna desmoronava. A espaçonave afundou no solo e permaneceu numa posição inclinada com a proa apontando para o alto. Jacques, que havia se agarrado a um corrimão na parede do corredor, começou a rastejar em direção ao painel de comando. Ofegante, sentou-se diante dos controles e ligou os circuitos de emergência. O computador não ligaria os motores sem a senha de acesso e se fosse ligado sem ela, à astronave explodiria. Jacques olhou para os controles. A hora era crucial. A senha surgiu em sua memória sem que ele fizesse muito esforço. Digitou a palavra FIAT LUX no teclado e o computador respondeu:

- ACESSO PERMITIDO.

Rapidamente Jacques ligou os motores que responderam em segundos. Lentamente a Falcon começou a subir, o casco rangendo com as pedras que escorregavam ao seu redor. Avançou para cima quase batendo no pico de um monte rochoso. Logo depois voava livremente pelo ar nebuloso. Quando atingiu três mil metros de altura, Jacques respirou aliviado. Ele fez uma volta e sobrevoou o canal diminuindo a altitude. Viu pela tela panorâmica um roldão de gás corrosivo misturado a terra e pedra descendo pelo canal impelido pela lava e na frente daquela enxurrada corria o andróide com seu andar desajeitado. Adiante estava o giroflex ainda estacionado. Jacques ligou o radio e tentou entrar em contato com Zacarias, mas ninguém respondeu. Chegou à conclusão de que o andróide pertencia e Dreico. Provavelmente esteve todo tempo escondido no aparelho e Dreico mandou-o a Falcon para roubar os registros de bordo. Possivelmente tenha matado Zacarias e agora esperava a chegada do monstrengo. O giroflex tinha autonomia para longos vôos e Dreico certamente pretendia fugir de Netuno para uma base secreta.

Por mais que corresse, o andróide não conseguiu alcançar o giroflex, a lava alcançou-o envolvendo-o em lama ardente. Dreico esperou até o ultimo minuto, depois acionou os motores do aparelho e alçou vôo. Mas, a fumaça expelida pelo vulcão tornava a visibilidade quase nula. Quando Dreico viu o pico da montanha, foi tarde demais, o aparelho chocou-se contra as rochas e caiu no solo.

-: Jaques, o que está acontecendo? Era a voz apreensiva de Laura.

- Falo com vocês depois. Não se preocupem.

Jacques dirigiu a nave para o local e pousou nas proximidades do aparelho destroçado pela queda. Vestindo a roupa de excursão, saiu da nave e examinou os destroços. A cabine de comando do giroflex estava quase intacta. Jacques olhou através do vidro e viu Dreico ainda sentado na poltrona com um fio de sangue escorrendo pelo canto da boca. Jacques entrou na câmara de acesso ao interior, depois de trancar a porta externa, abriu a interna. Verificando que a cabine ainda tinha oxigênio, retirou o capacete. A pressão era normal apesar do amassamento na parte fronteira do aparelho com o painel de comando retorcido. Jacques inclinou-se sobre Dreico, que permanecia imóvel, com os braços pendidos. Só então, Jacques viu um pedaço de metal do painel cravado no peito dele. O homem olhou para ele.

- Que tolo fui! A cobiça foi minha perdição!...

Jacques descobriu que não podia remover o metal que ainda fazia parte do painel. Teria que cortar, mas Dreico tinha poucos minutos de vida, os sinais vitais dele se extinguiam.

- O que aconteceu com Zacarias? Perguntou.

- Bati com um ferro na cabeça dele e o joguei para fora do giroflex. Fiz um furo no tanque de oxigênio de Rufo para que morresse. Deixei você vivo porque era o único que podia desligar o sistema de segurança do computador da Falcon. Mandei o andróide copiar o projeto do motor de dobra que teu pai inventou. Consegui fazer tudo isso, mas...

Dreico calou-se, com o olhar vazio mirando ao longe. Jacques constatou que ele estava morto.





Jacques retornou para a base e desceu na pista de pouso. Logo depois ele entrava no prédio. A missão estava cumprida. Lamentava a morte dos companheiros, mas a preocupação de Laura por sua segurança era algo bom, talvez indício de que ela estava propensa a esquecer o passado e aquela inimizade absurda.



Dorival ligou o aparelho de vídeo e uma paisagem surgiu na tela. Um campo florido com flores exóticas, colinas cor de malva, um céu azul, e duas meias luas. A pessoa que filmava com uma câmera, voltou-se, mostrando a nave Falcon pousada na relva e ao lado dela estava Dalton Serrano e Willian Brandi que acenaram para a câmera. Em seguida a filmagem mudou para dentro da nave, surgindo o rosto de Reno Falcon.

Jacques emocionou-se ao vê-lo. Ele, Dorival, Laura e Thor, assistiam a transmissão

das imagens anexadas ao diário de bordo da nave Falcon. A voz de Reno se fez ouvir.

- Ao meu irmão Thor e ao meu filho Jacques, destino esta mensagem. Depois de viajar por três anos, encontramos finalmente um planeta idêntico a Terra. É um belo planeta, como a Terra o é. Resolvemos que Dalton volte ao nosso planeta com esta mensagem e traga outros equipamentos que precisamos. Gostaria que Thor e Jacques viessem para nos ajudar em pesquisas, para mais tarde, uma equipe maior venha a construir uma base para a colonização. Ficaremos esperando vocês. Até logo.

Em seguida Dorival acessou o ultimo registro feito por Dalton. Nele, Dalton informava que, quando saiu do subespaço, a astronave chocou-se com um aerólito, ocasionando uma pequena pane no sistema elétrico. Logo ficaria sem condições de navegar e o único lugar para descer era Netuno. Mas, Dalton não teve sorte e chocou-se com uma montanha.

Dorival desligou o aparelho.

- É só isso. Disse ele.

- É uma pena! Exclamou Jacques. ? Já se passaram trinta anos! Eles já devem ter morrido naquele planeta!

- Não podemos ter certeza. Afirmou Thor. ? Além do mais, a Falcon pode viajar tão rápido que pode transpor a barreira do tempo. Você pode chegar lá em três anos como teu pai falou.

- Então, o que estamos esperando? Laura e Dorival irão conosco. Vamos?

Perguntou Jacques para Laura. Ela sorriu.

- Quer mesmo que eu vá junto?

- Claro que sim.

Assim, Laura e Jacques fizeram as pazes e partiram para outro sistema solar, onde, bem, isso já é outra historia...

FIM

Antonio stegues batista
Autor: Antonio Stegues Batista


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