CINEMA COMO POSSIBILIDADE DE ENSINO E PESQUISA



CINEMA COMO POSSIBILIDADE DE ENSINO E PESQUISA

Micheline Odorizzi Paschoa
Profº Diego Finder Machado
AUPEX / FACEL -Pós-Graduação- História Cultural ?
Disciplina História e Cinema
12/05/2010


RESUMO

O cinema ganha força como fonte histórica a partir da Escola de Annales principalmente por permitir ao historiador uma ampla dimensão documental. As discussões que fomentam o uso do cinema no ensino e na compreensão de fatos históricos é uma discurssão recente porem de grande importância. Pierre Sorlin e Marc Ferro foram os pioneiros a dar importância ao cinema como fonte histórica e determinar uma analise menos empírica. O filme pode tornar-se um documento para a pesquisa histórica, na medida em que articula ao contexto histórico e social que o produziu um conjunto de elementos. Citamos o filme "Quanto vale ou é por quilo" como exemplo de análise histórica social passado e presente.

Palavras chave: Cinema; História; Documento.



1 INTRODUÇÃO

Considerando os aspectos que envolvem o cinema como fonte histórica baseada nos textos propostos, buscou-se através deste artigo abordar alguns aspectos
principais de acordo com o seguinte questionamento proposto: Quais as diferentes possibilidades de ensino e pesquisa potencializados entre educação e cinema? Baseado na leitura dos textos previamente sugeridos como base e que trazem a análise destas possibilidades buscamos a compreensão sobre o tema e assim propor as dinâmicas que podem ser utilizadas tanto na pesquisa, como no contexto escolar, utilizando como modelo de análise: o filme quanto vale ou é por quilo".


2 REFLEXÕES CINEMA E PESQUISA

Kornis no artigo história e cinema: um debate metodológico (1992) expõe incessantes questionamentos inerentes à manipulação das imagens cinematográficas no estudo da história. Uma série de indagações surgem nesse sentido, quando o historiador admite e valoriza o documento. Assim temos: "O que a imagem reflete? Ela é expressão da realidade ou é uma representação? Qual o grau possível de manipulação da imagem?" (KORNIS, 1992, p. 1) No âmbito total do texto Kornis fundamenta-se em autores clássicos como Pierre Sorlin e Marc Ferro, os quais nos dão dimensões gerais acerca da importância do cinema na construção do conhecimento e como fonte de pesquisa. Concluindo que o cinema ganha força como fonte histórica a partir da Escola de Annales principalmente por permitir ao historiador uma ampla dimensão documental. É nesse contexto que a história ganha os contornos atuais que incluem não somente o uso de imagens como a fotografia, mas todo e qualquer ato e ação humana que envolva a produção histórica. Mesmo com a associação as perspectivas ilusórias da imagem do qual o cinema faz parte, aprendemos hoje que a história é um misto de documentação e "imaginação do historiador" que a descreve, nesse sentido percebemos que tanto a história quanto o cinema possuem um misto de fantasia e realidade necessárias.
Enfim, o cinema juntamente com as outras artes é o caminho para a sensibilidade, que por sua vez gera o saber em comunhão. As discussões que fomentam o uso do cinema em relação ao ensino e a compreensão de fatos históricos é uma discurssão recente, pois de acordo com Kornis (apud FERRO,1992) até 1970 pairava a desconfiança, e não fazia parte do contexto destes "grandes personagens que constituem a sociedade do historiador". Ao mesmo tempo tem gerado certa ambivalência, pois até que ponto as produções cinematográficas são fieis aos fatos, sejam eles históricos ou cotidianos da atualidade? O misto de fantasia que o cinema traz em seu bojo estético, nos faz repensar a postura do cinema em relação à história, ou vice versa. A dicotomia entre a o filme documentário e ficcional, segundo Napolitano (2005, p.243) "a seqüência ou produção completa é um registro primário do passado" e transforma-se em documento, já o segundo "sua utilidade como fonte te valor reduzido [...] sua utilidade é maior quando está editado e completo". Napolitano (2005) faz referências a Mac Ferro como primeiro historiador a refletir o filme como objeto de pesquisa, numa perspectiva alem da historia escrita. E compartilha a crença de que o filme possui o valor de testemunho indireto ou involuntário de um acontecimento. Mesmo o filme baseado em fatos históricos, traz em seu bojo resquícios da época em que foi produzido, mesmo sendo intencional ou não pelos seus idealizadores, seja o filme por ventura ficcional traz os anseios sociais de uma sociedade e seu tempo.
O filme objeto de análise e discurssão neste artigo "Quanto vale ou é por Quilo" retrata questões que aconteciam nos século XIX e que guardada as devidas proporções ainda se perpetuam com outra roupagem. Com intuito de representar claramente essas proporções que envolvem a desigualdade social a escolha do filme brasileiro sob a direção de Sergio Bianchi lançado em 2005, retrata estas questões sociais que ainda estão incutidas em nossa sociedade. O cinema é uma arte, e como tal está a nossa disposição não apenas para ser uma visão Hollywoodiana de entretenimento, mas também um ponto de partida na reflexão dos fenonemos sociais, políticos e culturais. E assim fomenta uma ponte entre conteúdo e a vida, no qual não sabemos mais se é o cinema que imita a vida ou a vida que imita a arte. "Quanto vale ou é por quilo" também faz uma analise de contextos do passado e presente os anseios,os valores sociais, noção de justiça, a discriminação social, que ainda remanescem em nosso meio.
Este filme faz uma analogia entre a antiga escravidão como comércio e a atual exploração da miséria pelo marketing social. Apresenta fatos reais sobre muitos episódios que aconteceram, mostrando-nos como hoje, mesmo que a escravidão formal não exista mais, a exploração de muitas empresas de voluntariado acaba sendo somente uma fachada, passando uma imagem de benevolente estimulando a indústria da bondade e caridade enquanto o beneficio real serve ao seu próprio bolso e sua falsa consciência. Dá-nos a dimensão de uma leitura social real, palpável de nosso cotidiano ao mesmo tempo em que nos remete as heranças sociais de discriminação e exploração historicamente constituída. Em que a burguesia reina absoluta sobre a justiça e direitos sociais. O filme se torna o testemunho social onde reina o passado documentado e situações ficcionais do presente que são baseadas na realidade social de nosso povo.


3 O CINEMA COMO FERRAMENTA DE PESQUISA E EDUCAÇÃO

Nesta perspectiva que a nova história cultural, propõe o historiador serve-se de uma amplitude de fontes e passou A utilizar-se do folclore a literatura, da iconografia aos processos judiciais entre outros assim nesta perspectiva Navarrete (apud Henri-Irénnée Marrou), a define assim:
Constitui um documento toda fonte de informação de que o espírito do historiador sabe extrair alguma coisa para o conhecimento do passado humano, considerado sob o ângulo da questão que lhe foi proposta. É perfeitamente óbvio que é impossível dizer onde começa e onde termina o documento; pouco a pouco, a noção se alarga e acaba por abranger textos, monumentos, observações de todo gênero (1978, p. 62).

Justifica esta necessidade de uso das diversas fontes ao objeto de pesquisa, Navarrete (cita FERRO,1992,p.80) O historiador escolheu esse ou aquele conjunto de fontes [...] de acordo com a natureza de sua missão, de sua época, trocando-os como um combatente troca de arma ou tática quando aquelas que utilizava perdem a eficácia ( FERRO, 1992, p. 80-1).
Mas é imprescindível lembrar que o filme embora seja uma fonte de grande amplitude não passa de uma representação da realidade embora aborde fatos reais, nunca abolirá sua condição de representação e mesmo que seus realizadores possuam a pretensão de reproduzir a realidade ou verdade histórica. Também depende da visão de mundo tratada pelo realizador do filme de do tratamento que ele dá a fonte e de onde parte a fonte em si, ou seja o olhar sociológico tratado no filme brasileiro "Quanto vale ou é por peso" nos dá uma dimensão diferente se fosse tratado sob a ótica de um roteirista norte americano, que por sua vez possui uma visão distorcida da realidade brasileira, retratada em vários filmes, entre eles podemos citar o filme Turista lançado em 2006, que denigre a imagem do país. Foi tema de discurssão e polêmica por retratar o Brasil como um país onde o terror, violência é mascarada pela alegria do povo aparentemente inofensivo. O que nos remete de certa forma ao que Leonardo Boff menciona sobre "todo ponto de vista é à vista do ponto [...] a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha." (BOFF, 1997, p.9)
De acordo com Kornis citando Sorlin (1992, p.245) que por sua vez estabelece diretrizes para analise do filme a ser pesquisado. Assim para Sorlin, o professor historiador deve analisar o filme não como nero expectador, mas estabelecer parâmetros para a analise do filme. Para ele é através da indagação de como indivíduos e grupos compreendem seu tempo que torna possível o estudo do cinema como um documento histórico social. Também faz referências ao uso da semiótica como ferramenta de analise dos signos representados pelo filme e reafirma a importância de estabelecer o foco ou objetividade desta analise. Buscando sempre superar a analise empírica e imediata. O filme é portador de inúmeros elementos que são específicos como a imagem que incute inúmeras mensagens que devem ser reagrupadas dentro de um conjunto. Sorlin Citado por Kornis (1992) o filme deve ser analisado inteiramente desde sua elaboração pelo roteirista, equipe de execução e demais componentes pois ele retrata a representação do real. Como uma reflexão do mundo que o cerca e recria vários aspectos da sociedade.
O cinema sem duvida serve a história como fonte, seja servindo de analise do pensamento social de uma sociedade, seja servindo como recorte histórico recontando um fato da história,ou seja, ficcional onde demonstra os anseios da humanidade. Mas diante da metodologia incutida na maioria dos professores no ensino de historia, por sua vez tradicionalista, onde em geral o ensino não perpassam da figura professor, quadro, livro didático e exaustivas avaliações que não contribuem em nada na construção da criticidade de seus alunos. O filme não passa de um momento lúdico proposto na maioria das vezes como o intuito de cobrir aulas de um professor que faltou, ou a maneira de ilustrar e explicar um determinado fato ou acontecimento histórico sem uma analise previa por parte do professor quando por exemplo poderia utilizar-se de algumas cenas necessárias se este tivesse passado por analise previa do professor.
O filme serve a várias finalidades no contexto educativo, dão subsídios para trabalhar inúmeros conteúdos, estimulam debates e ampliam a percepção da turma sobre o assunto em pauta ou ainda despertar questionamentos sobre determinada cena vivenciada pelo educando ou que faz parte de sua realidade social, serve para correlacionar passado e presente como o filme "Quanto vale ou é por quilo" que faz essa concessão passada presente e suas heranças. Para tanto se devem estabelecer objetivos na escolha do filme seja ele de ficção ou documentário, seja qual o objetivo ou idéia de discursão, o de ilustrar uma passagem de um livro didático, o de mostrar um ambiente sócio cultural de uma época, ou para fornecer subsídios a um debate, ou ainda ter visão de um fato histórico relevante.
Aprendemos que existem inúmeras fontes acessíveis ao professor de história, como a literatura, a fotografia, o folclore, a poesia, a iconografia, entre outros que podem ser utilizados amplamente desde que sejam previamente analisados nas diversas dimensões possíveis e existentes para que não passem de apenas uma ilustração lúdica sem fins educacionais, promotores de conhecimento.
Uma questão de muita relevância apresentada no filme pelo ator Lázaro Ramos é a seguinte: "O que vale é ter liberdade para consumir, essa é a verdadeira funcionalidade da democracia". É uma analise do contexto social atual onde se vende a imagem com intuito de promover o capitalismo desleal realidade em nosso tempo.

4 CONCLUSÃO
Marc Ferro critica inversão de papéis, no qual aponta supervalorização da imagem. Nas palavras do autor, não haveria informação se não houvesse imagem, enquanto que há cem anos a imagem era algo ignorado.
Além de mencionar a desvalorização, a desvalorização dos livros escolares. Penso que deve ocorrer um equilíbrio nas diferentes propostas ou ferramentas que auxiliam no processo de ensino e aprendizagem. Como diz adágio popular "Nem oito nem oitenta". Cabe mencionar que a imagem não ilustra nem reproduz a realidade, ela a constrói a partir de uma linguagem própria que é produzida num dado contexto histórico.
Nesse requisito o filme pode tornar-se um documento para a pesquisa histórica, na medida em que articula ao contexto histórico e social que o produziu um conjunto de elementos.
É inegável a função social do cinema como difusor de idéias, sonhos desejos, modismos. Igualmente, o real não parece, o real é de determinada forma, ou seja, o cinema produz uma ilusão referencial chamada de efeito de real. Já Pierre Sorlin compactua com alguns pressupostos em comum com Ferro mas caminha em direção oposta e determina a analise previa do contexto e dos detalhes com auxilio da semiótica para uma leitura mais objetiva do filme. Analisando todas as possibilidades inclusive o contexto social abrangente. Direcionando a pratica deve-se salientar a importância do saber ler nas entrelinhas tão bem aplicadas pelo historiador quando se trata de documentos históricos, devem também ter aplicação quando se tratam da leitura de imagens.
Quanto ao filme proposto neste artigo trata-se de um filme que realiza uma análise de situações do passado com os dias atuais, e tendo como base documentação histórica relatando vários episódios de pessoas ordinárias (Comuns), é uma excelente proposta para analisar os statu quo de determinadas parcelas da sociedade contemporânea. Além da critica e ao mesmo tempo reflexão das mazelas sociais.
Como mencionamos anteriormente, o cinema é uma arte no qual será a ponte entre a formação do povo brasileiro e as sua chagas. Numa relação direta as deformações de uma população forjada a ferro e fogo.

5 REFERÊNCIAS
BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. Petrópolis: R. J.: Vozes,1997. p.9.
Kornis, Mônica Almeida. História e Cinema:um debate metodológico. Estudos Históricos. Rio de Janeiro,v.5,n10, p.237-250, 1992.
NAPOLITANO, Marcos. Fontes audiovisuais a História depois do papel. In: Pinski, Carla (org) Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
NAVARRETE, Eduardo. O cinema como fonte histórica: diferentes perspectivas teórico-metodológicas. Disponível em: Acesso em:08 de Mai. 2008.

6 DOCUMENTO CONSULTADO

FERRO, Marc.O filme: uma contra-analise da sociedade. In: LE GOFF, Jaques; Nora, Pierre (orgs.) História: novos objetos. Trad. De MARINHO, Terezinha. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.



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