RIBEIRA: MEMÓRIAS E REVOLUÇÕES



INTRODUÇÃO


Esta monografia está inserida na linha de pesquisa história social, saberes e identidade. Nesta pesquisa pretendemos reconstituir aspectos da história do município de Ribeira, localizado no Estado de São Paulo.
Ribeira foi palco de momentos importantes da República Brasileira, mais precisamente nos anos 30 e 70. A mata Atlântica, cavernas e rios, que abrigaram vários revolucionários e a força de repressão, continuam preservados até os dias atuais.
Segundo Gil, pesquisa é um procedimento racional e sistemático que tem por objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos (1999, p. 159). Dessa forma, pretendemos compreender o lugar do município de Ribeira no desenrolar dos fatos acima apontados.
O município de Ribeira está localizado na região do Alto Vale do Ribeira. É área de preservação ambiental e também de forte presença de comunidades quilombolas, trazendo a memória da escravidão na região. O regime escravista perdurou durante muitos anos no vale da Cana Verde, tendo ocorrido varias chacinas entre escravos, sequiosos de sua liberdade e senhores que necessitavam do braço negro para suas fazendas. Uma nota marcante da utilização do escravo em Ribeira é uma capela construída em "adobe" que existe ainda hoje com um torreão estilo português, deixando transparecer perfeitamente, o trabalho escravo daquela época.
Tem importantes rios, sendo o principal o rio Ribeira. Limita-se com os municípios de Apiaí, Itaoca, Itapirapuã Paulista e Adrianópolis, este último no Estado do Paraná. Há poucas pesquisas sobre a história do município de Ribeira e de sua importância no contexto regional e nacional.
Esta pesquisa tem a pretensão de contribuir para a ampliação dos conhecimentos históricos de Ribeira.
A partir dos anos 80, a historiografia vem incorporando novos sujeitos à explicação histórica. Paul Thompson é referência para este estudo que se preocupa em trazer à tona aqueles que faziam parte da gama de excluídos e que reclamavam seu lugar na história.
O município viveu intensamente como cenário as revoluções de 1930 e 1932, com sangrentos combates e vários saques nos comércios locais facilitado pela fuga da população para a zona rural e matas fechadas, durante o governo autoritário de Getúlio Vargas. Este iniciou sua ascensão política passando pela pequena cidade de Ribeira.
No período da Ditadura Militar, a partir de 1964, Ribeira foi também lugar de passagem de guerrilheiros. Nas lembranças dos moradores mais antigos de Ribeira aparece a figura de Carlos Lamarca, escondido da repressão na região, passou por vários bairros como Barra do Areado, Santa Cruz e Caviúnas, vindo a continuar sua caminhada pelo Vale do Ribeira.
A presença de Lamarca deixou marcas profundas não apenas em Ribeira como em toda região, alcançando o município de Itapeva. Uns relatam com certo medo, outros se orgulham do corajoso guerrilheiro.
Dessa forma, reconstituir a história de Ribeira nos leva a Thompson. Será principalmente da lembrança daqueles que presenciaram muito dos fatos citados que iremos reconstituir a rica história do pequeno município.
Mesmo que você vá levar a cabo apenas um projeto pessoal de história oral, vale a pena pensar sobre a seqüência dos tópicos das entrevistas e sobre o fraseado das perguntas. A estratégia da entrevista não é responsabilidade do informante, mas sua. (THOMPSON, 1998, p. 262).


Nesta pesquisa iremos apoiar nossas fundamentações teóricas na história oral a partir de dois autores Paul Thompson e Verena Alberti .
A história oral desenvolveu-se inicialmente após a Segunda Guerra Mundial, tendo como grande marco a criação do primeiro projeto formal de história oral, na Universidade de Columbia, Nova York (GRELE, 2001).
Deve-se registrar que esse desenvolvimento deu-se através da combinação dos avanços tecnológicos, entre eles o gravador e à necessidade de se conhecer as experiências vividas por ex-combatentes, familiares e vítimas da guerra, através dos relatos orais.
De início a história oral combinou três funções complementares: registrar relatos, divulgar experiências relevantes e estabelecer vínculos com o imediato urbano, promovendo assim um incentivo à história local e imediata (MEIHY, 1998, p.22).
Para JOUTARD (2001), a primeira geração de historiadores orais surgiu nos Estados Unidos nos anos 50, com o propósito de reunir material para historiadores futuros. Na Itália a pesquisa oral foi utilizada para reconstituir a cultura popular, e no México os arquivos orais registravam as memórias e recordações dos chefes da revolução mexicana, sendo estes considerados por JOUTARD (2001), como a segunda geração dos historiadores orais.
Esta segunda geração foi marcada por uma nova concepção da oralidade, se reportando aos relatos orais das minorias étnicas, dos iletrados, dos marginalizados entre outros. É uma história vista como alternativa a todas as construções historiográficas baseadas no escrito. Desenvolveu-se à margem da Academia, baseando-se implicitamente na idéia de que se chega à "verdade do povo" graças ao "testemunho oral" (JOUTARD, 2001, p.201).
Um dos aspectos indicativos do desenvolvimento dessa nova história oral foi a adesão de vários estudiosos entre eles Paul Thompson na Inglaterra, Mercedes Vilanova na Espanha e Danièle Hanet na França.
No Brasil em 25 de junho de 1973, foi criado o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV), que buscava através dos relatos orais "pensar e entender melhor o Brasil daquele período" (CAMARGO, 1999, p.23). Cabe pontuar que a história oral no Brasil assim como no restante da América Latina, principalmente nos países que viveram governos ditatoriais, teve sua incorporação associada ao processo de redemocratização, o que diferencia o papel da história oral latino-americana da européia ou norte-americana. Outra diferença entre, a história oral brasileira e a "história oral primeiro mundista", era o fato de não podermos utilizar os mesmos critérios analíticos usados pelos autores estrangeiros para estudar, por exemplo, a escravidão, a miscigenação, os grupos marginalizados e excluídos (MEIHY, 2000, p17).
A versão predominante sobre a origem do município contada nas ruas da cidade diz que, o índio catequizado Vitorino veio em meados do século XVII residir às margens do rio Ribeira que acabou dando inicio ao povoado Bom Jesus da Cana Verde de Ribeira. As guerras, as expedições para captura de escravos e, principalmente, as epidemias e a fome dizimaram brutalmente as populações indígenas.
Há vestígios de ocupação humana de mais de 5.000 anos, mas os registros oficiais reconhecem o início da ocupação do município em 1721, relata Monsenhor Luiz Castanho de Almeida: "esses monges beneditinos em 1693, obtiveram a primeira sesmaria além do rio Sarapuí, no caminho de Curitiba, aberto a pata de gado, ladeado por imensas sesmarias que iam sendo concedidas, até que em 1721, o Ouvidor Rafael Pires Pardinho determinou que o rio Itararé por limite das duas vilas Sorocaba e Curitiba (...) na beira ocidental do Paranapiacaba, as minas de ouro de Apiahy, povoado por alguns brancos, que em 1728 receberam sesmarias e muitos administrados por índios, caboclos e escravos africanos".
Partimos da hipótese geral de que o município ainda que pequeno e carente, foi palco de importantes momentos da República Brasileira. É através da memória que essa história pode ser reconstituída.
Desta maneira, no primeiro capítulo faremos a abordagem sobre a origem do município, procurando descrever o movimento tropeiro, as etnias indígenas que habitaram em Ribeira, os resquícios quilombolas (elementos de luta e resistência), a questão da divisa do município até 1920, a questão agrícola do plantio da cana-de-açúcar, bem como a evolução do povoado para Capella, mais tarde a cidade de Ribeira, na sua emancipação em 1910.
No segundo capítulo, segundo Gil, a história de vida à medida que é constituída através do relato pessoal do informante acerca das situações vividas, possibilita a investigação dos fenômenos das mudanças, (1999, p.123) assim colheremos depoimentos sobre o impacto que as revoluções de 1930 e 1932, causaram no viver das pessoas da pacata cidade de Ribeira.
"Lembrar é reconstruir, repensar com imagens as idéias de hoje e as experiências já realizadas" (BOSI, 1994, p.484).
No terceiro capítulo, faremos a abordagem sobre os revolucionários Carlos Lamarca e Carlos Marighela, que passaram por Ribeira, buscando refúgio por entre as montanhas tão íngremes e de difícil localização. Para Thompson, a maioria das pessoas, conserva algumas lembranças, que quando recuperadas, libertam sentimentos poderosos. (1998, p.205). Apresentaremos depoimentos de antigos moradores, pessoas que foram testemunhas auriculares e oculares dos fatos e episódios descritos.
No quarto capítulo, a rica história da iconografia, mostrando a Ribeira antiga e atual.
Terminaremos com as considerações finais.
Por fim, em anexo estarão os mapas que localizam a cidade de Ribeira, bem como a bandeira e o brasão do município, importantes documentos de Livros Tombos (fotocopiados e fotografados), o hino de Ribeira com sua partitura original.
































CAPÍTULO I: A ORIGEM DO MUNICIPIO DE RIBEIRA


Segundo CALAZANS LUZ, o bandeirante Domingos Rodrigues da Cunha, sertanista de São Paulo andou com seu irmão Antônio em explorações de minas de ouro, no ano de 1665, na zona de Cananéia, Ribeira, Iporanga, Xiririca e Apiahy. (1996, p.27),
É bom recordar que Ribeira sempre esteve ligada a Apiaí, sendo na ordem cronológica o décimo nono Povoado da Província a conquistar sua autonomia político-administrativa em 14 de agosto de 1771, e nesta data estava agregados à nova Villa, o arraial de Iporanga e a Capela da Ribeira.
Também de grande destaque na história de Ribeira aparece o tropeirismo. A primeira ligação feita de Apiaí a Ribeira era o caminho dos tropeiros, que foi aberto por determinação do presidente da província, conforme ofício de 12 de agosto de 1779, endereçado à Câmara de Apiaí. A estrada de rodagem foi aberta em 1927 que acabou melhorando a comunicação com o município de Ribeira, contudo a rodovia obedeceu em linhas gerais o traçado da primitiva.
A rodovia seguiu pelo topo do espigão mais alto, cortando o ribeirão em dois lugares, uma perto de Apiaí no inicio da serra e o outro já na descida da serra, mais próximo de Ribeira. Nesses dois pontos foram construídas duas pontes de concreto. Todos os imóveis existentes ao longo dos trinta e três quilômetros, que os tropeiros faziam partindo de Apiaí a Capela da Ribeira, receberam seus nomes, por iniciativa deles num acordo com o respectivo posseiro, servindo de referência para o viajante.
Assim conhecemos o "Pirizal", bem próximo de Apiaí (terra alagadiça com uma espécie de tabôa), o "Taquaraçú" (espécie de taquara grossa e alta). Depois passava dentre esparsos aglomerados de minerais de calcita e chumbo, esse local foi denominado de "Mineiros", corruptela dos minérios. O sítio posterior chamou-se "Ribeirão do Tijuco", porque servia numa grande extensão pelo ribeirão Tijuco, que em tupi-guarani, lugar barrento. Depois vem o "Gritador", porque em determinadas noites mal-assombradas ouvia-se os gritos e os lamentos dos defuntos. Depois do "Gritador", vinha um lugar muito rico em madeira de lei chamada "Caviúna", hoje muito rara, quase extinta, esse local passou a se denominar "Caviúnas".
Já na descida da serra, o cavaleiro topava com muitas pedras sem valor, a serra e o sítio foram chamados de "Cristais", hoje, "Areado". Bem próximo de Ribeira, o caminho chegava ao nível do rio Ribeira com Tijuco em sua barra, lugar plano a encosta de uma alta montanha, aí se deu o nome de "Morro Grande". Bem perto da Capela da Ribeira tinha a "Fazenda", um espaço grande que era parada dos tropeiros para descanso, hoje é a Vila Ito. Finalmente se chegava a Capela da Ribeira, que havia sido edificada sobre o imóvel "Tororão", que significa o que é barulhento, rumorejante, sussurrante. Da Capela da Ribeira o tropeiro trazia para Apiaí, os gêneros da terra produzidos e manufaturados. Em 1853, a Capela da Ribeira mantinha estreitas relações comerciais com a cidade de Castro, no Estado do Paraná, a ligação era feita por trilhas abertas sob jurisdição da Câmara de Apiaí.
Em 1872, pela lei provincial nº 35, de 06 de abril, foi o povoado de Bom Jesus da Cana Verde elevado à categoria de freguesia com o nome de Ribeira.
Em 19 de Dezembro de 1906, com força de Lei Estadual nº 1038 é elevado a sede à categoria de Vila, sua evolução é lenta, mas contínua. Inicia os pioneiros a luta do desmembramento do Distrito.
Com a emancipação em 20 de outubro de 1910, com a Lei Estadual nº 1212, foi criado o município de Ribeira, e no mesmo ato concedido à sede municipal fôro de cidade.
"Até 1920, a divisa do Estado de São Paulo se dava no Km 40 (São Domingos), os paranaenses levaram os paulistas a custo de bala, expulsando-os até Itapetininga. O presidente Epitácio Pessoa acabou cedendo esse território agregando ao Paraná. Com isso São Paulo teve perdas enormes, pois a mineração de chumbo tirado da Plumbum e do Rocha, todas ficavam no município de Ribeira, sem falar no quilombola do João Surá que fazia parte de Ribeira também, hoje todas essas localidades estão dentro do município de Adrianópolis, no Estado do Paraná, e com o levante a divisa passou a ser o rio Ribeira" .

Em 1930 e 1932, por ocasião das revoluções, travaram-se vários combates em Ribeira, sendo a economia municipal grandemente afetada pela imigração em massa de seus habitantes. Diante disso, em 1934, volta o município a distrito, pelo decreto nº 6448, de 21 de maio.
De 1934 a 1935, houve várias mudanças de divisão territorial, Ribeira reorganiza sua economia financeira e em 3 de janeiro de 1936, pelo decreto lei nº 2563 voltou a condição de município, sendo instalado a 27 de agosto do mesmo ano, pertencendo a comarca de Apiaí.
Em 30 de novembro de 1944, pelo Decreto Estadual nº 14334, o município de Ribeira, passou a abranger o novo distrito de Itapirapuã Paulista, desmembrado do território de Apiaí.
Em 1992 o distrito de Itapirapuã Paulista se emancipou de Ribeira, constituindo um novo município.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) o município de Ribeira possui uma área total de 335,03 km2. De acordo com informações da Prefeitura Municipal de Ribeira essa área está distribuída da seguinte forma; 2km2 na área urbana e 333,03 km2 na área rural. O município de Ribeira possui uma população de 3.507 habitantes, dos quais 1.840 são homens e 1.667 mulheres, sendo que 1006 habitantes moram na cidade e 2501 habitantes na zona rural .
1. A AGRICULTURA
No "Anuário de São Paulo", publicado em 1922 por Roberto Cappi consta que na Capela de Ribeira a maior cultura daquela época era a cana-de-açúcar, trazida de fora, adaptando-se ao clima quente. Dela extraía-se a rapadura, substituta do açúcar e a aguardente que, por interessar ao monopólio português, somente podia ser vendida nos estabelecimentos oficializados pela Coroa Portuguesa.
Depois vinha a produção vinha a produção de feijão, milho, mandioca, marmelo e uva. Ainda havia a criação de 50.000 porcos por ano. A escoação de toda produção era levada pela antiga estrada (caminho de tropeiros) de Ribeira para Apiaí e pelas trilhas já melhoradas até Itararé e Itapetininga, acarretando vários dias de viagem e muita perda no peso dos animais.
Em 1856, foi instituído pelo governo Imperial o chamado "registro paroquial", sendo o qual todos os possuidores de terra deveriam declará-los ao vigário da paróquia, que as registrava num livro próprio. Portanto, as titulações das terras de Ribeira, de Iporanga têm origem nesse registro, cujos livros estão conservados no Departamento de Arquivos, em São Paulo.
Nesse contexto a lei nº 71 marcou as divisas da freguesia.
"O Bacharel Francisco de Paula Rodrigues Alves, presidente da Província de São Paulo.
Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembléia Legislativa Provincial, decretou e eu sancionei a lei seguinte:
Artigo 1º: A freguesia da Ribeira do Apiahy terá as seguintes divisas: a partir das cachoeiras do ribeirão de São Sebastião, por este abaixo até o rio Ribeira, subindo por este até a barra. Do ribeirão denominado Panellão, e por este acima, a rumo direito as pedras grandes que estão na estrada que liga a Vila do Apiahy à Freguesia de Ribeira, dessas pedras a rumo direito, passando pelos terrenos do João Remigio de Siqueira, que ficam pertencendo à freguesia ao rio Itapirapuahan, e por este abaixo ao rio Ribeira.
Artigo 2º: Ficam revogadas as disposições em contrário. Mando, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida lei pertencer que a cumpram e façam cumprir tão inteiramente como nella se contém.
O Secretário desta Província a faça imprimir, publicar e correr.
Dado no Palácio do Governo da Província de São Paulo aos Vinte e Quatro dias do mês de Março de mil oitocentos e oitenta e oito.
Francisco de Paula Rodrigues Alves. Carta de Lei pela qual vossa excellencia mande executar o decreto da Assembléia Legislativa Provincial, que houve por bem sancionar, marcando as divisas da freguesia da Ribeira do Apiahy, como acima o declara. Para Vossa Excellencia ver. Olympio O´Reilly a fez. Publicada na secretaria do governo da Província de São Paulo, aos vinte e quatro dias do mês de março de anno de mil oitocentos e oitenta e oito.
O secretário da Província. Estevão Leão Bonrraul."

A Igreja foi elevada à Freguesia por lei provincial nº 35 de 6 de abril de 1872. A Igreja possui todos os paramentos e mais acessórios para a Celebração do Santo Sacrifício da Missa.
É muito comum nesse período haver a jurisdição paroquial. Desta forma a Capella de Ribeira em 1887, fica novamente subordinada a Freguesia do Apiahy. A preocupação do bispo de São Paulo Dão Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, é bastante clara em relação às anotações tanto dos batizados, casamentos, óbitos que sejam todos registrados em livros próprios desta Freguesia, bem como registrar no Livro do Tombo da Capella este officio e a portaria que lhe será expedida pela secretaria do bispado, e bem como cópia da Escritura de Patrimônio, e os apontamentos sobre os limites do Distrito na forma do que me transmittio. Portaria do S. Ex. Rev.ma o Sr. Bispo Diocesano em 31 de janeiro de 1887.
A Igreja Católica tem como primor ajudar a preservar a história. Deste modo, ela lança toda a história vivida e observada pelos padres num livro chamado Livro de Tombo, que registram detalhes importantes da vida das pessoas e da instituição. Como um dos pesquisadores e sendo sacerdote (Calil), tive acesso com maior facilidade a esses documentos em vista de digitalizá-los para melhor preserva-los.





CAPÍTULO II. AS REVOLUÇÕES DE 1930 E 1932

A REVOLUÇÃO DE 1930.
Foi um movimento armado, iniciado no dia 3 de outubro de 1930 e sob a liderança civil de Getúlio Vargas e sob a chefia militar do tenente-coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro, com o objetivo imediato de derrubar o governo de Washington Luís e impedir a posse de Júlio Prestes, eleito presidente da República em 1º de março anterior. O movimento tornou-se vitorioso em 24 de outubro e Vargas assumiu o cargo de presidente provisório a 3 de novembro do mesmo ano. (FAUSTO, 1970, p.14-17)
As mudanças políticas, sociais e econômicas que tiveram lugar na sociedade brasileira no pós-1930 fizeram com que esse movimento revolucionário fosse considerado o marco inicial da Segunda República no Brasil.
"Historicamente Ribeira teve sempre combates aqui. Desde a Revolução de 30 e 32 por ser divisa de Estado"

As motivações, idéias e objetivos que levaram ao movimento armado de 1930 devem ser buscados na década de 1920, quando apareceram mais claramente os efeitos políticos do processo de urbanização e de industrialização e quando novas forças sociais, principalmente as camadas médias e as massas urbanas, começaram a exigir uma participação política que até então lhes fora vedada. As reivindicações e pressões dessas novas forças levaram à contestação do Estado oligárquico, na medida em que este era incapaz de absorver suas demandas. O tempo da República café com leite estava com os dias contados. Essa contestação ao Estado oligárquico não contou, porém com a participação dos setores industriais emergentes e tampouco foi o resultado de uma contradição, ao nível da produção, entre o setor agrário e o setor industrial. (FAUSTO, 1970, p. 112)
Politicamente, essa fase da vida brasileira se caracterizava pelo domínio das oligarquias agrárias sob a hegemonia dos cafeicultores. Em nível local, o poder era exercido por chefes de famílias - os "coronéis" -, que controlavam os votos de seus parentes, amigos e subordinados e normalmente ocupavam e monopolizavam todos os cargos estaduais. Eram eles a via para a escolha não só dos representantes ao Congresso como dos candidatos a presidente e vice-presidente da República. Esses chefes políticos pertenciam quase sempre aos partidos republicanos, que tinham caráter estadual.
Como observa Boris Fausto, "a democracia política tinha um conteúdo apenas formal: a soberania popular significava" (p.16).
Dona Berlarmina Tramontim Batista com 86 anos de idade, quase 60 anos vividos em Ribeira na sala de jantar de sua casa fala de suas experiências vividas em 1930.
"Houve muito estrago aqui na região, por onde eles passavam iam destruindo. Queimaram um sobrado aí. Quebraram pontes, não a ponte do rio Ribeira, pontinhas por aí. Os soldados por onde iam passando eles destruíam. Os que tinham porcos eles matavam, os que tinham gado eles matavam para comer. Passou bastante soldados por aqui. Eu ainda não morava aqui, morava no sítio. A cidade ficou evacuada. Depois que passou a revolução eu vim aqui e alguns ainda não tinham voltado de onde tinham ido" .

Segundo Thompson, falar do passado pode despertar memórias dolorosas que por sua vez, despertam sentimentos intensos. (1998, p.272). Os bombardeios foram intensos na pequena cidade de Ribeira como descreve Belarmina Tramontim Batista.
"Muitos aviões. Todo dia tinha dois, três. Na Revolução de 1930 durou mais de quatro meses de batalha aqui com os sulistas"


REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932
Para Thompson, toda fonte histórica derivada da percepção humana é subjetiva, mas apenas a fonte oral permite-nos desafiar essa subjetividade. Descolar as camadas da memória, cavar fundo em suas sombras, na expectativa de atingir a verdade oculta. (1998, p. 197). Como situar Ribeira no contexto da derrubada da República Velha e da ascensão de Vargas?
De acordo com Lakatos é interessante determinar com clareza o objeto de pesquisa, a formulação das hipóteses facilita a pesquisa. (2004, p. 141). Nesse intuito, queremos reforçar a hipótese geral de nossa pesquisa em utilizar-se na reconstituição dos fatos históricos aqui acontecidos, através da história oral e de documentos levantado na paróquia.
Procuramos deixar os depoentes bem tranqüilos em suas próprias casas como sugere Paul Thompson. Em primeiro lugar a entrevista pode ser prejudicada por vozes de outras pessoas e por ruídos fortes ou problemas acústicos, pois estes podem estragar completamente uma gravação. (1998, p. 269).
A história oral é uma técnica de levantamento de dados como depoimentos orais das pessoas que testemunharam fatos e eventos do passado, que podem ser escritos, e suas finalidades são de preencher as lacunas nos documentos escritos, reconstituindo um período ou evento histórico por meio das pessoas envolvidas (SEVERINO, p.278).
Segundo o Livro Tombo nº 2 da Paróquia de Apiaí.
"Às onze horas da noite do dia nove de julho de 1932, (sábado), explodiu na cidade de São Paulo uma revolução contra o governo dictatorial. É interventor em São Paulo o Dr. Pedro de Toledo que, sendo aclamado Governador do Estado pelas tropas federais, pela policia e pelo povo, declara guerra à Dictadura. Dirigem as operações o comandante da segunda região militar, o Cel. Euclides de Figueiredo, General Klinger e General Isidoro Dias Lopes.
São Paulo transformou-se numa activa oficina de guerra e envia o grosso de suas tropas contra a Capital Federal, indo encontrar próximo, nas divisas com o Estado do Rio, as tropas da Dictadura sob o comando em chefe do General Pedro Aurélio de Góes Monteiro.
Todos os Estados da Federação vieram em auxilio da causa dictatorial e São Paulo lavrou a pagina épica de sua história. E, acossado por todos os lados operou prodígios.
No dia 30 de julho as tropas da Dictadura sob o comando do Cel. Plaisant tomaram a Ribeira e invadiram o Estado em demanda a Apiaí.
No dia primeiro de Agosto desde manhã cêdo combatia-se com tenacidade em Taguarussú a três quilômetros de Apiaí. Comandava as tropas bandeirantes o Cel. Barbosa e Silva, comandante das tropas constitucionalistas neste sector.
O dia dois de agosto amanheceu ativamente e afim: o Cel. Plaisant mandou aqui parlamentares e o comandante Barbosa e Silva, talvez, porque já tinha sua retaguarda cortada, optava pela capitulação, mas a maioria de seus officiais optou pela fuga, que se concentra na parlamentação. As tropas paulistas abandonariam a cidade ate às quatro horas da tarde. Às três horas o comandante Barbosa e Silva começa a evacuar a cidade, depois de distribuir para o povo as provisões de viseres, de haver inutilisado dois canhões 0,045 e muitos fuzis (...) etc abandonando caminhões e autos.
Dizia-se que o montante das tropas do comandante Barbosa e Silva era de 1.900 homens.
A trez kilometros da cidade pela estrada de rodagem Paraná - São Paulo entram na tortuosa verêda que conduz a Iporanga a única via de escapamento que ainda lhes restava, mas que em dias de chuva como estes, é altamente fatigante. O Cel. Barbosa e Silva ainda experimentou a fuga num bech auto que conseguiu empurrar até o alto do Passa-vinte; e lá ficou, n´um desbarrancado o bonito automóvel e o comandante continuou a cavallo.
As 4h da tarde, mais ou menos, as tropas do Cel. Plaisant já a vista da cidade, deram uma descarga de fuzil, talvez para se certificar das combinações das parlamentações.
No dia trez às nove horas da manha, o Cel. Plaisant entrou em Apiahy e tomou posse da praça; e tratando a todos bem disse que vinha restabelecer a ordem que todos deviam voltar as suas casas onde teriam todo o respeito, garantia e bom trato uma vez que o merecessem. Indagou das repartições públicas se havia falta de alguma coisa ou se havia algum desfalque dado pelas tropas do Cel. Barbosa. Tudo em ordem!
Disse-me que chamasse para suas casas só famílias e que lhes podia garantir o máximo respeito. Visitei todas as famílias com exceção apenas de umas trez, passavam as noites no mato; algumas, quando de dia, vinham à cidade e logo se retiravam.
O Cel. Plaisant, sabendo aliar a máxima bondade com máxima austeridade ganhou o coração de todos e manteve aqui um respeito e uma ordem admiráveis.
A reza do terço todos os dias, as missas de feriado e do domingo, a Egreja fiava a canhão! O povo da cidade, por generosidade ou por acanhamento teve que ceder o seu lugar no templo, apenas os outes apareciam o kaki e enchia a Egreja e com o máximo respeito e silêncio. Os oficiais davam o exemplo!
Logo alguns officiais e soldados pediram para fazerem parte do coro e organizaram uma bela orchestra, que só ouvindo.
Este modo de proceder deu-se que a convicção de que elles me auxiliaram nas obras da matriz e mandei por Dona Nena Baldini e Lili uma subscrifição que foi realizada com a grande concentramento. O próprio Cel. Plaisant tomou a si o cuidado de fazer cores a lista de subscrifição e de tarde veio trazê-la e pediu desculpas por haver recebido tão pouco. 1500x000 (réis). Isto porque tendo havido pagamento há bem dias já, os officiais já tinham mandado para suas famílias ficando só com a bagatela, mais que para o próximo pagamento dariam mais.
Todos os dias o Cel. Plaisant mandava distribuir pela pobresa viseres: bolacha, café, assucar, bacalhau, carne secca etc; escusado será dizer que todos eram pobres!...
O Cel. Plaisant sortia das necessárias mercadorias os negociantes da praça, mandando-as trazer de Curityba nos seus caminhões e depois cedendo-as a preço razoáveis aos negociantes.
Não ficou devendo na praça um real, dizia ele que queria sair por onde entrava e que não queria saber. Por onde entrava e que não queria rabo atráz. E todo o povo de Apiahy falla com saudade do Cel. Plaisant!"

As anotações feitas pelo Pe. Primo Maria Vieira são importantes para a descrição do Movimento da Revolução Constitucionalista de 1932
"E agora temos a revolução Constitucionalista pelo nosso Estado. A nossa zona está de novo em pé de guerra. Tudo paralisou; o medo tudo avassala porque a recordação da revolução de 1930 ainda vive fresquinha na memória de todos. Tenho me esforçado por incutir ânimo e coragem o pessoal que aos poucos vai levantando o seu moral.
Ribeira, occupada pelos Bandeirantes tem sido teatro de algumas escavanças e também já de dois pequenos combates.
No dia 17 havia um encontro no Paraná entre os destacamentos avançados de reconhecimento. Os Paranaenses brilharam pela fuga, deixando aos Bandeirantes 15 cavallos de raça arreiados, 10 mosquetões e um prisioneiro.
Consta que vive, com enttusiasmo nas tropas Bandeirantes, a idea de tentarem a descoberta de Curityba."

Dona Alzira Ramos Batista, com 81 anos de idade, todos vividos em Ribeira. Na sala de sua casa, ajuda a reconstituir a história do pequeno e pacato município de Ribeira sobre a Revolução de 1932 .
"Foi algo muito terrível. O povo de Ribeira muito pouco ficou, aqui ficou só os negociantes Frederico Dias Batista, morador muito velho aqui, ficou só essa gente que tinha mais condições. Todo povo correram, pois o tiroteio foi muito grande, eles atiravam de um lado, passava de outro lado à noite (ela indica com o dedo polegar acima na serra). Os tiros passavam como brasa de fogo, disso eu me lembro muito bem desse tiroteio. Nós corremos muito. Não me lembro que houve mortes não" .

Segundo Alberti, a história oral é importante dentro da história porque ela traz outras possibilidades de fontes. Durante muito tempo, de modo geral, a história foi baseada somente nas fontes escritas, nas fontes textuais, que eram guardadas em acervos, em arquivos. E a história oral produz outro tipo de fonte, uma fonte intencionalmente produzida: o pesquisador que está interessado em determinado assunto vai procurar o entrevistado, vai gravar entrevistas específicas, com uma metodologia de trabalho própria, diferente das entrevistas jornalísticas. Essas entrevistas se transformam em fontes para o estudo do passado a história oral. (1989, p.178) Deste modo, as informações obtidas na entrevista vão reconstituindo passo a passo a história de Ribeira.
"...Só me lembro que quando terminou a revolução, até pouco tempo atrás (ela indica novamente o local, pouco acima de sua casa), encontrava pentes de bala enterrados nesse lugar. Era trincheira nesse lugar. Muitos restos. Me lembro muito bem disso. Saímos fugidos para o sítio com medo de matarem nós. Na casa de minha avó, onde é a Maria do Norberto, ali eles puseram um tal de SM, nós tinha medo daquele coisão matar nós. Nós saímos pelo fundo da casa, me lembro até agora, entremos na canoa pra levar nós até a Fazenda, que hoje é a Vila Ito. Lá nós fomos à Barra do Areado de medo de morrer. Ficamos com medo e o SM tava ali e minha avó dizia que íamos morrer todos, quem tivesse ali que se mudasse .

Numa entrevista é necessário deixar fluir que a pessoa possa vir a colaborar com o tema proposto, explorar o assunto sem pressa (THOMPSON, 1998, p. 257), e assim Dona Alzira continuou a nos informar sobre a Revolução de 1932.
"Ficamos no sítio até terminar aquela revolução. Depois voltamos novamente pra Ribeira, as portas de nossas casas tudo arrancado. Os altares de imagens que tinham os soldados tinham pegado e jogado fora, mamãe era católica, tudo estava jogado, estava horrível a nossa casa nesse tempo, até que melhorou a situação nossa na cidade. Encontramos as portas arrancadas pois os soldados usavam para depenar as galinhas, roubavam as galinhas e matavam as criações para eles se alimentarem" .

Thompson dirá que as lembranças sobre o pai ou a mãe, podem provocar uma situação nova na entrevista (1998, p. 205).
"Papai tomou um tiro e estava em recuperação do tiro. Durante a revolução ele tomou um tiro no abdômen, não morreu porque não era o seu tempo. Ele foi correr da polícia também. Foi correr para o mato acima lá, perto do sítio da Venina, tem até agora uma entrada onde antigamente era a usina elétrica. Ele foi e subiu e eles deram um tiro que pegou na sua cintura e eles o arrastaram pra cadeia que tinha em Ribeira pra curar ele" .

Partindo da reconstituição da história de Ribeira sobre a Revolução de 1932, a história de vida serve como ponto de referência para avaliar e ampliar as possíveis reflexões que venham a tratar do mesmo problema. A dificuldade era encontrar material escrito sobre o período. (SEVERINO, p.281)
"A bala a noite, antigamente como não tinha luz e era longe e longe uma da outra, fraquinha ainda, via uma brasa de fogo e passava de um lado para outro (com expressão mais alegre ela diz que as balas zuniam). Conflito de morte que eu soubesse aqui na região que eu me lembre não!".

Em nossa história também existem as crenças. Cada uma delas nos revela aspectos importantes de fatos e eventos acontecidos, deste modo favorecem a circunstância (as crenças com que vivemos) e a sua interpretação. O homem aprende a lidar com as circunstâncias, alterando o meio. (HUHNE, p. 55). Para Hegenberg o homem pensa quando não sabe o que fazer com as crenças.
"Nós entrava debaixo da cama. Mamãe dizia que reze minhas crianças. E todos nós com mãozinhas arrumadas debaixo do altarzinho de pau nem sabíamos o que nós rezava. Padre nosso, Ave-Maria, e já passava pra Salve Rainha. Tudo debaixo da cama, era tudo crianças com medo. O tiroteio era muito forte mesmo. Eu era criança ainda. Mas me lembro muito bem. A cabeça era muito boa. O seu Frederico Dias Batista que deu cobertura pra nós em tempo da revolução, foi ele quem acompanhou minha mãe, dando mantimentos para nós não morrer de fome".

Segundo Lakatos, estabelecer uma hipótese em relação a quantos moradores existia na época de 1932, requer coordenar os fatos já conhecidos, ordenando os materiais acumulados pela observação. (2004, p. 145). E vermos além, dos depoimentos colheremos mais informações.
"Muito pouco.(ela se referindo aos moradores de Ribeira) Aqui onde é o campo era a lagoa de sapo, onde os sapos faziam as festas deles. Nessa região não tinha casa nenhuma, nenhuma aqui. Tinha a tal de raia, estrada de rodagem que ia até a ponte, que tinha uma divisória de tábua. Quem morava aqui das famílias que eu lembro dessa época, a família Dias Batista, a família Martins, a família da Dona Enedil os mais velhos já são mortos (família Nagib) que residiam aqui.

Estamos lidando com fontes vivas que exatamente por serem vivas, são capazes à diferença das pedras com inscrições e das pilhas de papel, de trabalhar conosco num processo bidirecional. Esses personagens nos ensinaram muito e a narração de sua história pode ter um impacto sobre elas (THOMPSON, 1998, p. 196)
"Na Revolução de 1930 durou mais de quatro meses de batalha aqui com os sulistas. A de 1932 durou mais tempo mais teve menos estrago" .

A Revolução de 1932 deixou marcas profundas na população de Ribeira, depois de tão pouco tempo dos combates da Revolução de 1930, ainda permanece fresquinha na memória dos mais velhos todo esse cenário de dor e desolação. Muitos soldados deram suas vidas em duros e sangrentos combates. Nunca se calculou quantos soldados morreram pela dificuldade do acesso à Ribeira. Dona Belarmina afirma essa situação.
"Não temos calculado. Não se chegava ninguém aqui. O bombardeio era aqui em 1932. Passados alguns anos veio um senhor trazer a filha que era professora e disse que esteve na batalha ? ele disse ´eu tive por esses altos aí. Muitos colegas perderam suas vidas aí`.

É importante também destacar que entre os combatentes não havia ninguém de Ribeira.
"A tropa do sul e as tropas de São Paulo se enfrentavam noites e dias. Houve combates nos morros. Morreram algumas pessoas que travavam os combates. Depois disso os soldados pilhavam e saqueavam as casas."







CAPÍTULO III. A REVOLUÇÃO DE 1964
A REVOLUÇÃO DE 1964
Segundo Soares a revolução surgiu ao final de março de 1964, o governo constitucional de João Goulart estava espremido, havia a mobilização golpista composta da maior parte da cúpula militar que esta estava unida aos setores mais conservadores da sociedade e os crescentes movimentos de massas que exigia a implantação e reformas estruturais, que seriam as reforma de base.
De acordo com Skidmore um contingente do primeiro Exército, sediado no Rio, aguardava a ordem para agir contar Carlos Lacerda, governador do ex-estado da Guanabara.
João Goulart via que a balança do apoio militar pendia contra ele, por que no Rio, o Primeiro Exército já tinha o estado sob controle, só restava uma esperança, o Segundo Exército, com sede em São Paulo, sem cujo apoio nenhum golpe lograria êxito. Era comandado pelo general Amaury Kruel, que não aderira à revolução por inimizade com o general Castelo Branco, destacado líder do movimento, o presidente pediu apoio a Kruel, mas este condicionou o apoio ao rompimento de Goulart com o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) liderados por comunistas. O presidente recusou alegando que o apoio da base trabalhadora lhe era indispensável, "Então, Senhor Presidente" Kruel respondeu, "não há nada que possamos fazer".
Os conspiradores sustentavam idéias marcadamente anticomunistas desenvolvidas na ESG (Escola Superior de Guerra), segundo o modelo do National War College dos Estados Unidos. Da doutrina ali ensinada constava a teoria da "guerra interna" introduzida pelos militares no Brasil por influencia da Revolução Cubana. Segundo esta teoria, a principal ameaça vinha não da invasão externa, mas sim dos sindicatos trabalhistas de esquerda, dos intelectuais, das organizações de trabalhadores rurais, do clero e dos estudantes e professores universitários. Essas categorias representavam perigo e teriam que ser neutralizadas ou extirpadas através de ações decisivas.
Vargas era acusado de junto a Juan Perón, da Argentina, de tentar formar um bloco anti-Estados Unidos na América Latina.
Com isso os militares que já almejavam o golpe, recuaram perante a exaltação popular e movimento inesperado de Vargas.
A solução foi Goulart assumir a presidência com poderes reduzidos. Uma emenda constitucional aprovada as pressas transformou o Brasil em República parlamentar. Mas isto durou pouco, em janeiro de 1963 um plebiscito nacional lhe devolveu o sistema presidencial.
Em meados de 1963, ele passou a defender com crescente entusiasmo um conjunto de "reformas de base" que incluíam reforma agrária, educação, impostos e habitação. Os seus adversários mais implacáveis ? UDN e o militares ? começaram então a afirmar que Goulart não tinha a intenção de executar suas apregoadas reformas, ao contrario, estava tentando polarizar a opinião publica e assim preparar o terreno para a tomada do seu governo pelo nacionalismo radical, que subverteria a ordem constitucional de dentro para fora. Os militares queriam afastá-lo do governo por suas supostas ilegalidades, mas não tinham o meio legal de fazê-lo.
Pelo fato de Ribeira ser divisa de Estado acabou absorvendo todas estas realidades de conflitos. Samuel Straub morador da vizinha cidade de Ribeira, Adrianópolis, no Estado do Paraná relata sobre a Revolução de 1964 e suas conseqüências para o povo. A história oral possibilita a construção e a reconstituição da história por meio dos relatos individuais ou coletivos
Um método de pesquisa (histórica, antropológica, sociológica,...) que privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo. Trata-se de estudar acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos. (ALBERTI, 1989.p.52.).
"Os soldados da lomba atiravam na ponte pra ninguém passar. Os paranaenses é que cuidavam da ponte. A ponte ficou toda comida de bala. Essa ponte foi construída em 1928 a 1930, o cimento vinha em barrica do estrangeiro, da Alemanha. Os operários só demoraram dois anos para construírem a ponte"

No começo de 1964 o presidente se achava cercado por todos os lados. Não tinha esperança na aprovação pelo congresso de qualquer das reformas que propusera ? acima de tudo a reforma agrária. Os nacionalistas radicais que o cercavam aconselharam-no a preterir os políticos e levar sua luta diretamente ao povo.
Goulart aceitou e começou uma série de comícios através do país. O primeiro no Rio, no dia 13 de março, uma sexta-feira. Milhares de espectadores agitando flâmulas (muitos trazidos de ônibus a expensas do governo) aplaudiram o presidente quando ele anunciou o decreto de nacionalização das terras a seis milhas das rodovias federais, das ferrovias ou das fronteiras nacionais. Entusiasmado, o presidente prometeu mais comícios e mais decretos. Goulart desafiou o congresso e os adversários de suas reformas, se voltou para a esquerda e verificou que ela não tinha unidade.
Em fins de março de 1964 as tensões políticas haviam atingido um grau sem precedentes, com o presidente participando de uma serie de comícios ruidosos em cada um dos quais anunciava novos decretos. Os últimos dias de março foram decisivos, os militares de alta patente de todo o país passaram a apoiar o golpe, até então muitos estavam numa posição centrista. Novamente Ribeira volta a viver os conflitos de uma revolução. Ainda residem na memória de Ana Maria. Na casa onde vive há mais de cinqüenta anos relata o medo e o desespero diante da Revolução, concedendo esse importante depoimento a respeito do que ele viu em 1964.
"Eu me lembro. Estava limpando a casa. Minha vizinha avisou que chegaria alguns tanques de guerra. Daí chegou um canhão. E ele ficou bem em frente de casa. Vi os tanques, os soldados. Os soldados paravam na delegacia. Os soldados choravam na hora do almoço. Lembravam de suas famílias. Quando a minha vizinha disse que ia chegar o canhão. Quando nós olhamos, além do canhão, colocado onde hoje é o salão paroquial, tinha outros carros. Ficaram vários dias. Meu tio Augusto, que tinha uns setenta e poucos anos naquele tempo, falou que se houvesse um tiroteio era para todos se deitarem no chão. Que guardassem todas as coisas que tinha como mantimentos que guardassem no forro da casa que era o lugar pra guardar Todo mundo ficou nervoso. Eu fiquei nervosa porque não saio de casa. Até caminhão um parente nosso tinha arrumado pra se caso precisasse sair daqui, mas os soldados falavam que não era pra ninguém sair ainda. E daí não precisou ninguém sair mesmo" (ela exclama em alegria graças a Deus) .

Virtualmente não houve luta, apesar dos apelos do ministro da justiça, Abelardo Jurema e do chefe do Gabinete Civil da Presidência, Darcy Ribeiro, em Brasília. Mais uma vez, como em 1954, um governo populista foi posto abaixo pelos homens de farda.
Surge a guerrilha. Logo após o AI-2, Castelo Branco teve que lutar com grande firmeza para continuar no poder. Agora Costa e Silva e seus camaradas, com o AI-5 que não tinha prazo para expirar e dava amplos poderes ao presidente. Pela primeira vez, desde o golpe de 1964 não havia data marcada para o retorno ao império da lei.
O silêncio forçado da oposição legal criou um vácuo que a oposição armada tentou ocupar. Como havia acontecido em Cuba, onde através da ação armada e da propaganda dirigida no sentido de agitar as massas ? desestabilizar um governo opressor e posteriormente derruba-lo. Esta teoria que funcionou em Cuba não logrou êxito em nenhum outro lugar da América Latina
Um evento fundamental no desenvolvimento da guerrilha foi à defecção de Carlos Marighela das fileiras do PCB, pois estava frustrado com o excesso de cautela do partido. Em 1967 funda um novo movimento, a Ação Libertadora Nacional (ALN), tornando-se o principal teórico da resistência armada no Brasil. Seu principal aliado na ALN foi Joaquim Câmara Ferreira, outro que abandonara o PCB.
Outro movimento era o VPR (Vanguarda Popular Revolucionaria) que tinha em suas fileiras marxistas não-PCB de São Paulo. Em janeiro de 1969, as guerrilhas receberam de braços abertos um novo convertido. O capitão do Exército Carlos Lamarca desertara para as fileiras da VPR com três sargentos e um caminhão carregado de armas. Lamarca era uma importante aquisição para as guerrilhas. Campeão de tiro foi destacado para ensinar os guardas de bancos a atirar. Alias, o público conhecia o rosto de Lamarca pelos cartazes que o mostravam dando aulas de tiro. Sua deserção enfureceu os militares.
Luiz Antonio Dias Batista, como político da época relata o que ele viveu.
"Nós vivemos uma época de repressão. Inclusive eu tive de aparecer na base aérea de São Paulo para esclarecer lá. Para dar informações, detalhes e fomos ouvidos num quarto incomunicável para dar as informações que sabíamos em 1971 e 1972. Nessa época era vereador. Tive que esclarecer sobre os guerrilheiros Vivíamos nesse período uma democracia disfarçada. Havia o MDB e a ARENA, mais tudo era centralizado, eles que decidiam tudo. Nós éramos praticamente vigiados, sempre éramos obrigados a dar informações. Na época eu recebi documentos do exército para serem respondidos confidencialmente para dar informações sobre os cidadãos suspeitos da cidade. Tinha que se tirar certidões no cartório. Folha corrida de cada um. Na época a gente encaminhou e esclareceu as coisas `in loco`. Era um regime de opressão. Período de prisões de jornalistas, quem se apresentava como opositores".

A eliminação da ameaça guerrilheira . No Brasil, antes do fim de 1969, os guerrilheiros não representavam grande ameaça para o governo. Os guerrilheiros se tornaram conhecidos no Brasil pelo seqüestro do embaixador dos Estados Unidos, ação com a qual queriam libertar seus camaradas presos da morte e da tortura, também pretendiam dividir a opinião publica contra os generais, esta uma meta fora de alcance. O governo brasileiro atendeu todas as exigências e em comparação com outros regimes militares da América Latina, preferiu adotar uma atitude humanitária, fator crucial no que era acima de tudo uma guerra simbólica e psicológica.
Outros seqüestros foram praticados por guerrilheiros no Brasil durante o resto de 1970, sempre em troca de prisioneiros e pressionando com êxito o governo a publicar seus manifestos que diziam "o descontentamento popular é crescente" e advertindo que "somente uma revolução guerrilheira (...) pode levar o povo brasileiro a sua própria libertação".
Mas foram poucos os brasileiros que prestaram atenção ao manifesto. Seus olhos e ouvidos estavam colados nos aparelhos de radio e TV, acompanhando os jogos da seleção brasileira na Cidade do México pela disputa do campeonato mundial de futebol. Com a conquista do tri-campeonato mundial, os brasileiros explodiram nas ruas de todas as cidades do país, não havia tempo para pensar em embaixadores sumidos ou em manifestos subversivos.
Os seqüestros continuaram, mas a resposta dos militares veio forte e desumana, logo depois que os presos voavam para fora do país, a policia e os militares saiam em busca de subversivos ligados ao caso. Quando eram presos, os guerrilheiros eram submetidos a um sofrimento que poucos podiam suportar choques elétricos, surras, quase afogamentos, execuções simuladas e acompanhamento forçado da tortura de amigos ou membros de sua família.
O aparato repressivo foi bem-sucedido na caça aos lideres revolucionários. Carlos Marighela morrera em uma emboscada em 1969, fruto de informações obtidas através de tortura. Em fins de outubro de 1970, Joaquim Câmara Ferreira, ex-parlamentar e sucessor designado de Marighela como líder da ALN, foi capturado e torturado até a morte na cadeia.
Retirar-se da luta contrariava o caráter de Lamarca. Assim ele concebeu a construção de uma base revolucionaria no campo.
"Em relação ao Lamarca, ele esteve passando por aqui, ficou instalado no Bairro Santa Cruz. Fazia refeições num restaurante que havia em Ribeira. Chegou na delegacia e começou a inquirir quantos policiais tinham para ele fazer um mapeamento real. Isso ele fez também em Iporanga e Eldorado. Mas em Ribeira ele ficou muito tempo. Inclusive tem um filme que fizeram sobre a revolução e o tempo que ele ficou alojado no bairro Santa Cruz do Areado, que é um prolongamento do bairro Santa Cruz" .

Em 1970 instala um foco guerrilheiro no Vale do Ribeira, no sul de São Paulo, mas foi desarticulado pelo Exército, após delação sob tortura de um estudante integrante da VPR que fora preso pelos militares. Nos dizeres de Dona Belarmina, Lamarca vivia observando as coisas e o viver do povo.
"Ele esteve enquartelado na caverna do Diabo. Um dia ele passou e veio num baile aqui e dançou no baile. Era em dia de sábado. Vivia por aí, mas eu não soube que fizesse algo de grave. (...) Sim, depois que eu fui saber quem era aquele senhor que estava no baile era o Carlos Lamarca. (...) Não. Não. Ele estava à paisana, depois ele continuou a sua caminhada até chegar no Vale do Ribeira"

A partir de alguns relatos pudemos colher mais informações sobre Lamarca no pequeno município de Ribeira.
"A Revolução de março de 1964, Ribeira foi palco sério de conflitos de guerrilheiros. A região do Vale do Ribeira foi propícia para a formação guerrilheira. O Lamarca esteve instalado num bairro de Ribeira chamado Santa Cruz para fazer estudo de toda a região" .

A razão de Lamarca e Marighela estar passando pelo Vale do Ribeira e em especial pela cidade de Ribeira nos tempos da revolução, se deve ao fato da cidade já ter um passado de batalhas memoráveis e de ser uma local propicio a se montar uma base revolucionaria, era de difícil acesso, com muitas matas que dificultariam o trabalho dos militares.
"Foi por isso que os militares deram uma atenção toda especial para o Vale do Ribeira. Fizeram um cerco para capturar os guerrilheiros. Enviaram milhares de homens em toda região de Registro até aqui e não conseguiram capturar nenhum. Quando os soldados chegaram em Ribeira em 1964, vieram com um batalhão de reconhecimento com dezenas de soldados aparelhados com material bélico, metralhadoras, fuzis e até um tanque com um canhão de 14 milímetros que apavorou a população e muitos acabaram saindo daqui pensando que ia ter um conflito. Mas felizmente a situação foi se acalmando automaticamente e não aconteceu nada".

Nos depoimentos citados não se conseguem a captura de Carlos Lamarca, sendo que somente mais tarde isso viria acontecer. No inicio de 1971 os seus companheiros de VPR pediram a Lamarca que saísse do país, afirmando que ele era importante demais para se arriscar a ser capturado nos meses difíceis (talvez anos) que tinham pela frente. Enquanto isso, o guerrilheiro continuava a internar-se no interior baiano, descobrindo que o território escolhido para base de operações não era satisfatório por causa do solo demasiado pobre.
De acordo com Skidmore, em 17 de setembro de 1971 é localizado no povoado de Pintada, atual município de Ipupiara, Após cobrir um distancia de 300 quilômetros nos últimos 20 dias, estavam exaustos e foi encontrado por uma unidade do Exército no começo de setembro, ele estava descalço e doente. Jose Campos Macedo (o companheiro) tentou sacar da arma e foi imediatamente morto. Lamarca, o campeão de tiro, estava dormindo sob uma arvore e não teve vez
O governo deu o máximo de publicidade à morte de Lamarca, inundando a imprensa com documentos sobre os últimos dias do guerrilheiro. Um importante e conservador jornal brasileiro terminou sua reportagem sobre a ascensão e queda de Lamarca da seguinte forma: "Como Guevara, ele sonhou em ver o continente transformado em uma série de Vietnãs. Agora seus sonhos estão sepultados". E morre com 34 anos. Seu lema era "ousar lutar, ousar vencer."



Autor: Calil Siqueira


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