Da Prisão em Flagrante nos Crimes Formais



1-Introdução.

O presente artigo tem como tema o momento da prisão em flagrante nos crimes formais.
Contudo, para chegar a uma conclusão acerca do tema tratado será necessária uma análise, ainda que sucinta, de algumas questões que julgamos relevantes, tais como: o conceito de resultado, a classificação dos delitos em matérias formais e de mera conduta, e espécies de prisão em flagrante elencadas no diploma processual penal.

2- Do resultado.

O artigo 13 do CPB, que trata do nexo de causalidade, está redigido da seguinte forma: "O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido"
Questão fundamental para o presente trabalho consiste justamente em delimitar de maneira correta o que se compreende por resultado. É que a classificação dos delitos em matérias, formais e de mera conduta só é viável caso se aceite que o resultado expresso no artigo 13 seja um resultado naturalístico.
Para alguns autores, como Rocco e Aníbal Bruno , tal resultado é normativo. Nesse sentido o resultado consistiria na lesão ou no perigo de lesão ao objeto da tutela penal. É fácil notar que todo tipo penal descreve ou uma lesão ou um perigo de lesão ao bem jurídico.Ressalta-se que estabelecer tipos penais que não descrevam sequer um perigo ao objeto da tutela penal é desrespeitar o princípio constitucional da ofensividade . Diante disso para a teoria normativa do resultado todo tipo penal exige um resultado, seja a lesão ou o perigo de lesão.
Segundo outros autores como Nilo Batista e Fragoso , o resultado exigido pelo art.13 do CPB é um resultado naturalístico. Nesse sentido existem tipos penais que exigem uma modificação no mundo exterior (resultado) como os delitos de homicídio e furto, dentre outros, e outros que não exigem tal resultado como, por exemplo, os delitos contra a honra.
Existem também autores como Paulo José da Costa Jr , que sustentam uma teoria mista, afirmando que adotar a concepção naturalista não exclui a concepção normativa do resultado.
Sem embargo dos conceitos normativo e misto acerca do resultado, entendemos que o resultado exigido pelo artigo 13 do Código Penal é um resultado naturalístico.
Entendemos que o artigo 13 do código penal é um artigo que se refere somente aos crimes matérias. Isto porque tal artigo trata do chamado nexo causal, e nexo de causalidade só é possível no plano naturalístico, não há que se falar em nexo causal no plano Fragoso:
A questão do nexo causal somente surge nos crimes matérias, dela não cogitamos nos crimes omissivos puros e nos crimes de simples atividade (formais)
Ressalta-se que a teoria da conditio sine qua non só é viável em relação ao resultado naturalístico. Além do mais um suposto nexo causal entre uma conduta e um resultado normativo na realidade não é um nexo de causalidade mas um juízo de imputação, que evidentemente não é o que se trata no artigo de lei ora debatido.
Por fim, vale mencionar que aceitar que o resultado é um resultado naturalístico de forma alguma significa aceitar a possibilidade de crimes sem perigo ou lesão ao objeto da tutela penal. É que o perigo ou lesão ao bem jurídico é o cerne da antijuridicidade material e sendo assim permeia toda a teoria do delito.

3- Dos crimes formais.

Diante da conclusão acima esposada no sentido de que o resultado, a que faz referencia o CP é um resultado naturalístico, ou seja, uma modificação no mundo exterior sensível, podemos classificar os delitos em crimes materias, formais e de mera conduta.
Os crimes materias são aqueles em que a consumação depende da ocorrência de um resultado. São exemplos de crimes materias: O homicídio (art.121), as lesões corporais (art.129) o furto (art.155) o roubo (art.157), o peculato (art.312) dentre vários outros.
Já os delitos de mera conduta são aqueles delitos onde pela realização da ação típica não é possível a ocorrência de qualquer modificação no mundo exterior. São exemplos de crimes de mera conduta: a invasão de domicílio, na modalidade "permanecer" a calúnia (art.138) a injúria (art.140) a ameaça.
Por fim, os delitos formais, que nos interessam no presente estudo, são aqueles delitos onde pela realização da ação descrita no tipo penal é possível a ocorrência de um resultado naturalístico, todavia, este resultado é irrelevante para a consumação . A consumação ocorre com a mera prática da ação descrita no tipo penal, a ocorrência de um resultado natural, embora seja possível será na maioria das vezes um mero exaurimente, impunível. Ou seja, nos delitos formais antecipa-se o momento consumativo.

4- Da prisão em flagrante no Código de Processo Penal.

O Código de processo penal no seu artigo 302 elenca as modalidade de prisão em flagrante.
O diploma processual dispõem que é possível a prisão em flagrante quando o agente está cometendo a infração penal (art.302, I), nesse sentido a prisão se justificaria pela ?ardência", a crepitação do fatos, expressões empregadas pela doutrina. Possível também a prisão em flagrante de acordo com inciso II do mesmo artigo 302 quando a agente acaba de cometer a infração penal. A tais hipóteses de flagrante dá-se o nome de flagrante próprio.
De outro modo os incisos III e IV do CPP elenca as hipóteses do chamado flagrante impróprio. No inciso III permite-se a prisão em flagrante quando alguém " é perseguido, logo a pós, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração"
Por fim o inciso IV, conhecido como flagrante presumido dispõem que é possível a prisão em flagrante de quem é encontrado logo após o delito com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser o autor da infração penal. Não cabe aqui tecer críticas ao moldelo de prisão em flagrante adotado pelo CPP, todavia, urge destacar que o chamado quase flagrante e o flagrante presumido são como bem observa Pacciele das redações mais infelizes do Código de Processo.
É fácil perceber que em todas as formas de prisão em flagrante guardam uma relação estreita com a infração penal praticada pelo agente. Admite-se o flagrante quando o agente está praticando o delito, logo em seguida à pratica do delito ou em perseguição logo em seguida a prática do delito e por fim logo após o delito com objetos que façam presumir a autoria do delito.
Com efeito, é de se concluir que passado um lapso temporal relativamente grande do momento consumativo torna-se ilegal a prisão em flagrante.

5- Da prisão em flagrante nos crimes formais

Nos crimes formais o momento consumativo é o momento em que o agente pratica o verbo, núcleo do tipo penal, o resultado naturalístico que possa suceder à conduta praticada pelo agente é um mero exaurimento,muitas vezes até mesmo irrelevante ao direito penal. Com efeito, a prisão em flagrante nos crimes formais deve ter como referencia a pratica do verbo descrito no tipo penal, e não a ocorrência do resultado.
Tomemos como exemplo o delito de concussão. Imaginemos que o sujeito ativo A exija do sujeito passivo B uma certa quantia em dinheiro. Diante da impossibilidade de B efetuar o pagamento no momento da exigência acertam a data do pagamente para três dias após a exigência. No dia combinado B comparece ao local estipulado. Ocorre que B vai acompanhado da polícia. E no momento em que B entrega o dinheiro para A, a polícia prende A em um suposto flagrante.
Na situação acima narrada é forçoso concluir que o flagrante é ilegal. E a ilegalidade do flagrante reside no fato de que o delito já havia se consumado três dias antes quando o agente fez a exigência. Tendo em vista que a concussão é um delito formal a polícia efetuou a prisão não no momento da consumação mas sim no momento do exaurimento. Para a caracterização do flagrante seria necessário que a polícia tivesse efetuado a prisão no momento da exigência.
Pensar de maneira diversa seria admitir que caso narrado ocorreu uma mera tentativa de concusão ou fazer letra morta do Diploma Processual que toma o momento consumativo como marco para a legalidade do flagrante.
Corroborando o acima afirmado vejamos algumas decisões de nossos tribunais:

STF (E M E N T A): I. Presunção de não culpabilidade: compatibilidade, segundo o entendimento majoritario do STF, com a prisão imediata do condenado por decisão sujeita apenas a recursos despidos de efeito suspensivo: aplicação, com ressalva da oposição pessoal do relator. II. Concussão: crime formal, que se consuma com a exigência: flagrante posterior, quando do recebimento pelo funcionário do dinheiro exigido, que, ainda quando invalide a prisão, não induz, nas circunstancias do caso, a invalidade da prova resultante.( HC72168. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Data do julgamento: 28/03/1995. Data da publicação: 09/06/1995)

No mesmo sentido também já decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

(trecho do voto)O paciente, como se constata pela leitura dos autos, foi denunciado e preso no momento em que recebia vantagem indevida (dinheiro), exigida à vítima em razão de sua função como policial civil.
Cumpre esclarecer que o crime de concussão é formal, consumando-se no momento em que a exigência é realizada.
Válida é a lição de José Frederico Marques, dispondo que "flagrante delito é o crime cuja prática é surpreendida por alguém no próprio instante em que o delinqüente executa a ação penal ilícita". (Elementos de Direito Processual Penal, cit., 1. ed. v. 4, p.64)
Como bem citado pelo d. Procurador de Justiça, "se o crime é formal, a prisão em flagrante deve ocorrer no momento da exigência, e não por ocasião do recebimento da vantagem, no instante em que há somente o exaurimento do delito." (Nucci, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 3 ed. ver., atual. E ampli. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 840)
Assim, forçoso admitir, no caso em tela, a ilegalidade do auto de prisão em flagrante delito.
Ante tais fundamentos, concede-se a ordem, com a expedição de alvará de soltura (Processo n. 1.0000.06.444135-5/000(1). Rel. Dês. Sergio Resende.Dta da Publicação 01/12/2006)

Conclusões.

1- O resultado exigido pelo artigo 13 do Código Penal Brasileiro é um resultado naturalístico.

2- No crimes formais o resultado naturalístico embora possível é irrelevante para determinar o momento consumativo.

3- Nos crimes formais a prisão em flagrante deve ter como parêmetro o momento em que o agente pratica o verbo, núcleo do tipo penal, e não o momento em que ocorra o resultado.

Bibliografia.

BATISTA, Nilo , Concurso de Agentes 2a ed,, Rio de Janeiro: Forense, 2004

BRUNO, Aníbal. Direito Penal ? parte geral, t.I e II. Rio de Janeiro: Forense 1967.

COSTA JR., Paulo José da. Nexo Causal. 3° edição. São Paulo: Siciliano Jurídico,2004.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal,16a edição.Rio de Janeiro: Forense, 2004.

GOMES, Luiz Flávio, Princípio da Ofensividade no Direito Penal.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal v.I II, III, , VI, VII e VIII. Rio de Janeiro: Forense, 1978

ROCCO, Arturo. El objeto del delito y de la tutela jurídica penal. Contribución a las teorías generales del delito y de la pena. Trad. Jerónimo Seminara. Montevideo-Buenos Aires: IB de F 2001.
Autor: Mauricio Lopes


Artigos Relacionados


A Prisão Em Flagrante E O Crime De Embriagues No Trânsito

Imunidades: Aspectos Práticos A Serem Observados Na Atividade Policial Militar

Direito Penal: Conceito, Disposições Gerais E As Teorias

Teoria Do Delito

Teoria Da ImputaÇÃo Objetiva

Embriaguez E Responsabilidade Penal Objetiva

Invasão De Domicílio