Livros



Desde cedo acostumei-me aos livros. Eles estavam por toda parte: nas estantes, nas cabeceiras da cama, nas mãos de minha mãe, que sentia prazer em nos embalar – meu irmão e eu – através das histórias que ora lia, ora inventava, ora apenas recontava com palavras próprias. Ah! Sem contar os desenhos maravilhosos que esboçava, extraindo dos textos, o que nos fazia maravilhados, ante a destreza com que manejava, tanto a palavra quanto os traços e as cores.

Por sua vez, meu pai – leitor perspicaz – consigo, detinha o dom da retórica e da escrita. Lia, falava e escrevia com maestria impar. Sua especialidade, a história e seus fatos: lugares, vultos ilustres não passavam alheios ao seu olhar atento e investigativo; colecionava livros, que os comprava, ganhava, trocava.

Com idealismo e garra, numa época em que recursos parcos poderiam impedir a realização de sonhos, ele – meu pai – publicava o Álbum de Araras (1946). Hoje me pergunto como isso foi possível, em meio à beleza da edição, do volumoso trabalho de redação, de pesquisa.Respondo-me então, que o querer fazer, o querer realizar algo, o querer eternizar-se, o querer contribuir para a posteridade, sobrepõe-se a qualquer adversidade que o caminho possa proporcionar.

Assim, aprendi a ler, mesmo antes de saber ler. Lia através das leituras dos meus pais. Eles, por sua vez, iam me alfabetizando através de um caminho suave – além dos livros a cartilha, claro – pois não dispúnhamos de tantas escolas como hoje as vemos, tampouco os pequenos deixavam o convívio familiar, para passar horas intermináveis nas mãos de educadores vários. As mães primavam pela educação dos filhos.

Crescia então, em meio a livros. Eles me eram cada vez mais familiares. O tempo passava e eu já podia lê-los, já podia deixá-los a minha cabeceira. Quantas vezes, então, deparei-me adentrando a madrugada no afã de chegar ao fim da leitura, que se fazia cada vez mais interessante. Ouvia do seu quarto, minha mãe dizendo para que eu fosse dormir e deixasse a leitura para outro dia; o livro não iria fugir de mim. Mas eu não sentia cansaço, nem ao menos percebia o avançado da hora. Era ele – o livro – que me seduzia, que me fazia companhia, que me transportava a lugares jamais imaginados. Ele fazia parte do meu momento, e este se perpetuaria vida afora.

E que delícia que era, quando então eu podia viajar para Araras, cidade dos meus pais, e lá me encontrar com minha avó Ana. Esta também grande leitora. Ao seu redor fotonovelas ocupavam uma pequena estante de madeira, a um canto, um cesto de vime também abrigava outras tantas.

Eu adentrava um outro universo da leitura. Garimpava aquelas revistas e deliciava-me com as fotos de mocinhos e mocinhas, em histórias de amor que fascinavam o mais séptico.

Minha avó então dizia-me baixinho: - Ah! Se seu pai souber que eu deixo você ler essas revistas. Claro, para ele essa não era a leitura que ele queria para sua filha. Mas eu gostava, afinal de contas, se minha avó lia, que mal poderia ali estar escondido – nenhum, claro.

E o óbvio, trocávamos informações sobre as leituras e eu crescia entre leitores vários. A noite, enquanto minha avó e seu crochê inseparável, sentava-se em sua rede, minha tia em seu acordeão, executava peças e mais peças que íamos selecionando e solicitando serem apresentadas. Esta dizia não gostar de ler, aí me perguntava, como não gostar, se o que estava fazendo nada mais era do que decifrando sinais, notas musicais que eram depositadas naquelas pautas; aquela era sim uma leitura – a leitura dos símbolos. E com que maestria e destreza lia e percorria os dedos naquelas teclas brancas e negras. Ah! Belas lembranças entre livros, leituras e leitores.

Minha avó e minha mãe já não se encontram mais entre nós, apenas a recordação daqueles momentos maravilhosos.

Hoje, meu pai – aos oitenta e nove anos – continua lendo e escrevendo incessantemente. Eu tornei-me bibliotecária e vivo entre livros e leitura. Vez ou outra arrisco a escrita;percebo, então, o caminho natural que os livros nos proporcionam. Eles nos tornam ricos em vocabulário, dão-nos destreza ao jogar com palavras, fornecem-nos fluência verbal, favorecem a prática do exercício da escrita. Tornam-nos leitores autores. Esse é o mágico universo do livro.

Meu filho, músico, musicoterapeuta, acostumado que fora nesse universo, agregou vários valores aos conhecimentos; escreve suas músicas e as executa em sua guitarra. A leitura proporcionou-lhe a percepção de desenvolver desenhos de toda sorte também. Com a tecnologia tem familiaridade ímpar; cria sites, logos que se espalham por aí.

Esse é o universo do livro; entra em nossa vida e nos transforma. Torna-nos livres, dá-nos fluência verbal; torna-nos partícipes da sociedade.

Ah! Bendito sejam os livros. Bendito os que semeiam livros.


Autor: Inajá Martins de Almeida


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