LITERATURA CONTEMPORÂNEA EM MATO GROSSO



LITERATURA CONTEMPORÂNEA EM MATO GROSSO

A ÉPOCA:

A partir de 1945 os povos tiveram uma nova visão do mundo. Foi o período de reorganização. Os mapas haviam mudado com o período da guerra e houve um grande avanço na comunicação.

Foi também um período de muita luta, muita angústia, muito sofrimento.

A mentalidade humana mudou. Apareceram novas seitas, novas correntes filosóficas. A literatura também mudou.

Como precursores do novo estilo tivemos Sartre, Ezra Poud, Fernando Pessoa, Rilke, Valéry, Kafka, Cummings, Mallarmé, James Joyce e outros.

No Brasil as transformações foram enormes e em quase todos os setores da vida. Suicídio de Vargas, renúncia de Jânio, revolução de 64, crise do petróleo, governos militares, enorme dívida externa, etc. Mas nem tudo foi perdido. Surgem coisas boas também. Ocorrem muitas mudanças nos principais setores da vida moderna.

POESIA:

Por volta de 1950 alguns autores se reuniram em São Paulo para debater uma nova fase literária. Este grupo era composto por: Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatári. Eles criaram o grupo de concretistas. A eles se juntaram mais tarde: Geir Campos,Cassiano Ricardo, Edgard Braga e outros.

Em Mato Grosso isto também repercutiu. Iremos encontrar algumas características do novo em Gervásio Leite que fala do amor a todas as mulheres, problemas dos proletários, até as convulsões de Hiroshima. Manuel de Barros aparece com "Face Móvel", lembrando Vinicius de Moraes.

Surge o grupo "Alguma Poesia dentro da noite" onde batalhavam Silva Freire, Otávio Silva, Luis Lopes de Melo.O poeta Silva Freire lança seus "Cadernos de Cultura" propagando a nova poesia em Cuiabá. Em 1970 lança "Poemas e Flores" e mais tarde no caderno n.8 lança "Os Oleiros" onde diz:

- Na rede noturna
o oleiro amassa o monólogo
organiza o repetir-se
/santo rajado do barro/ enredado...

Silva Freire tem a capacidade de transmitir sua poesia, talvez seja por pegar temas simples, à altura do povo.

Em 1967 surge o poema-processo de Wladimir Dias Pino.É um tipo de poema que se aproxima da escultura e da pintura. Aproveita-se o espaço visual, o poema desdobrado em séries de diferentes versões gráficas, poemas desmontáveis, poesia para ser vista, sem utilização de palavras.

Agenor Ferreira Leão foi outro batalhador da nova geração, escrevendo e publicando suas obras nos jornais do Estado. Nas obras de Agenor, destaque para o amor, a mulher e a religiosidade.

Newton Alfredo surge com força total, organizando os primeiros Florais de Cuiabá, escrevendo e publicando vários livros além de contribuir em diversos jornais.

Em 1983 funda-se a União Brasileira de Escritores - Seção de Cuiabá, onde Silva Freire torna-se o primeiro presidente. Funda-se um jornal literário -"Pedra Canga" onde pretende-se lançar as obras de poetas e escritores de nosso Estado.

E assim vamos encontrar diversos poetas: Francisco Leal de Queiroz, Adauto Dias de Alencar, Manoel Vargas, Ruy de Araújo Graffunder, João de Carvalho, Juracy Freire e outros.

Mais recentemente vamos encontrar: W. A Coutinho, Sérgio Schaefer, Ailon do Carmos, Henrique P. de Araújo, Luis Carlos Gouveia, Beatriz Santana Coninghan, Luiz de Mello filho, Carlos Soares de Carvalho, Avoante do Cariri (Pe. Antônio Rodrigues Pimentel), Eduardo Balbino Ferreira e outros.

PROSA:

A historiografia continua chamando a atenção de nossos escritores. Porém a nossa prosa contemporânea assume um papel preponderante.

Surge Raimundo Pombo com obras de extremo valor como: "Tempestade na casa do Vizinho" - romance (meio satírico) que mostra a miséria do povo ao lado dos tubarões esbanjadores. Outra obra importante é: "O príncipe Operário" ( ou a vida de São José). Além de escrever peças teatrais, ele contribui com obras educacionais.

Ricardo Guilherme Dicke nos traz romances importantes como: "Deus de Caim", "Como o Silêncio", "Caieira", - este último valendo-lhe um primeiro prêmio a nível nacional. Caieira também fala das misérias de nosso povo, do banditismo, da prostituição, das tradições.

Sérgio Schaefer em sua breve passagem por Mato Grosso, nos traz: "Zé Divino, o Messias", obra que mostra um Cristo novo, que vive e luta pelo povo, que sofre e chora os mesmos problemas. Deixa-nos também vários poemas e músicas.

Aparece João Moreira de Barros com "Aspectos da revolução de 64 vistos de um canto de jornal", "O lado pitoresco das eleições", "Cuiabá e seu passado?.

E assim encontramos diversas outras obras de autores como: Antônio Lopes Lins, Almerindo Costa, Corsíndio Monteiro da Silva, Antônio Cesário Neto, Benedito Pedro Dorileo e outros.

CARACTERÍSTICAS:

São muitas as características da literatura atual. Elas variam de uma sub-corrente a outras, mas há muita semelhança entre as mesmas. Entre elas temos: a reformulação da arte poética como objeto artesanal, valorização do ritmo e da forma, temática humana universal, valorização do homem, diminuição de sinais da pontuação, estrutura ideogramática, apelo à comunicação não-verbal, aproveitamento da linguagem de propaganda, de recortes do jornal, de revistas, valorização da pintura, escultura, música e decoração, leitura pluridimensional e muitas outras características.

TEATRO:

O teatro havia ficado somente nas escolas e o Liceu Salesiano São Gonçalo desenvolveu uma fase brilhante no ramo com o Pe. José Solari. Mais tarde passou para a direção do Pe. Luiz Montushi.

Franklin Cassiano da Silva levou peças importantes ao público Cuiabano,o mesmo acontecendo com Zulmira Canavarros.

Mais tarde surge o Cine Teatro Cuiabá com um palco que serviu para ótimas apresentações.

Surge um grupo, mais tarde, que encenou: "Cala a boca Etelvina", "Deus lhe Pague", "Flores e Sombras", mas ele decaiu novamente.

Cuiabá jamais teve teatro profissional. O que tivemos foram apresentações de algumas companhias do Rio e São Paulo. Entre elas as de Jorge Dória, Cidinha Campos, Chico Anísio e outros.

A partir da década de 70, houve um renascimento do teatro amador, impulsionado pela fundação da FEMATA (Federação Mato Grossense de Teatro Amador. Houve também apoio do Serviço Nacional de Teatro e da prefeitura municipal de Cuiabá.

Eram vários os grupos de teatro existentes em Mato Grosso na década de 70 e 80. Entre eles apareceram: Grupo Aquarius (Sesi), Grupo Teatral Carrossel, Grupo Teatral Grutta (Tangará da Serra),Grupo Terra de Teatro, Grupo Teatral Aruanã e muitos outros. E entre as peças podemos citar: "Amanhã vou embora bem longe" (João Batista Cavalcante), "Eu também existo ( Luiz Thelmo), "Rio abaixo - Rio acima" (Maria da Glória Albuês).

Na década de 80 surgiu também o teatro universitário. Uma obra moderna, palco de grandes exibições como Macunaíma ( Mário de Andrade),O beijo da mulher Aranha .

JORNALISMO:

Mato Grosso, talvez,seja o Estado onde mais nasce jornal e também onde os mesmos desaparecem mais depressa. Basta dizer que, desde 1839 com a publicação do 1o. jornal Mato Grossense: Themis Mato Grossense, até 1930 surgiram 108 jornais. De 1930 para cá este número deve ter triplicado. Falta um estudo mais aprofundado.

Circularam até brevemente no Estado os jornais :"O Estado de Mato Grosso", "Equipe", "O Regional", "O democrata","Diário de Cuiabá", "Jornal do dia", "A tribuna Cuiabana", e as revistas - "Contato", "Impacto","Educação" "Esquema" todas em Cuiabá; "O Cacerense" em Cáceres, "Correio do Leste" "A tribuna", "A folha de Rondonópolis" em Rondonópolis, "Folha de Nova Xavantina","Folha" de Juara e em Barra do Garças a revista-"Grande Barra".

Os maiores jornalistas do Estado foram: José de Mesquita que dirigiu "A Cruz"; Arquimetes Pereira Lima que fundou "O Estado de Mato Grosso" e o "Diário de Mato Grosso", Ranulpho Paes de Barros que dirigiu "Folha Mato Grossense" e Adelino Praeiro que dirige o "Diário de Cuiabá".

AUTORES E OBRAS:

1.Wladimir Dias Pino - Nasceu no Rio em 1927. Viveu quase sempre em Cuiabá. Foi diagramador, paisagista e programador visual. Colaborou na criação do Concretismo e criou o poema-processo. Obras: "Os corcundas", "A máquina ou a coisa em si", "A ave", "Poema espacional", "Sólida", "Numéricos", "Processo: linguagem e comunicação" (Parceria). Vejamos abaixo um exemplo de poema de Dias Pino:

NUMÉRICOS
CEU COR SOL
1 2 3
LUZ OVO ASA
4 5 6
AVE VOO VAE
7 8 9

Como se percebe é um poema de difícil interpretação. O poeta mistura palavras com números. É um poema que cada pessoa deve tirar sua própria interpretação. Não há pontuação, nem mesmo acentuação. Ele ocupa o espaço em branco. Mistura cores. É um poema mural.

2.Tertuliano Amarilha - Nasceu em Campanária e radicou-se em Cuiabá. Funcionário da Secretaria da Fazenda. Escreveu muito, porém com um estilo bem simplificado. Obras: "Lira Mato-Grossense","Alma Sonora", "Pássaro Ferreira", "Rumores da Selva", "Um ramalhete de flores Agrestes", "Pedras coloridas" e outras. Abaixo segue um exemplo de sua produção:

MINHA FLOR MORENA

Minha flor morena, sedução que eu sonho,
jóia idolatrada, luz de minha vida,
és a inspiração dos versos que componho,
és o céu luzente que me dá guarida.

Vivo da poesia que desperta enlevo,
sensual carícia que provém de ti,
sofro muitas vezes, porque não me atrevo
expandir as ânsias... róseo frenesi...

Ah, se tu soubesses! Saberás no entanto
que os meus olhos sorvem teu olhar formoso.
Cada verso meu, os madrigais que eu canto
trazem sensação de embriagante gozo...

Dá-me essas carícias... mata-me esta sede,
suplicante angústia de incontido amor,
não é muita coisa o que o poeta pede:
dá-me, pois, teus beijos, minha linda flor!

É um divino escrínio tua boca linda,
ânfora que guarda o delicioso mel.
Passarão os anos e eu, sonhando ainda,
bendirei a sorte que não foi cruel...

O universo exulta, mas eu não consigo
extinguir a mágoa que tortura assim.
Vejo que é impossível conversar contigo,
esta poesia falará por mim...

Sei que, emocionada com o meu sofrimento,
com essa pureza que os teus olhos tem,
para amenizar o meu fatal tormento,
chegarás dizendo: - "Eis-me aqui, meu bem!"

4.Sérgio Schaefer - Nasceu em Santo Cristo - RS em 1946. Estudou em Santo Cristo e Montenegro. Transferiu-se para Florianópolis e concluiu Filosofia em São Paulo na FASP. É de formação Jesuítica. Em Mato Grosso, lecionou em Nortelândia e foi Delegado de Ensino em Alto Paraguai. Escreveu "Zé Divino, o Messias", usando um estilo agradabilíssimo. Gravou pelas edições paulinas um disco "Tempo de Amar" e produziu muitos poemas, espalhados por jornais e revistas do país. Exemplo de um trabalho de Sérgio:

É BEM AQUI

Peneira de garimpeiro, que a Jesus Cristo só não bamburra,
costela de peão magro, que aparece pra levar surra,
bois fortes de mil alqueires, que nas fazendas tens vida mansa
gente que vem de longe correndo atrás de uma estância.

É bem aqui, é bem aqui,
que Jesus Cristo quer sua igreja
humilde e pobre servindo a todos
que seja assim, que assim seja.

Ranchinho de pau-a-pique, que faz a casa do miserável
doença do sub-nutrido, que não tem jeito de ser amável
perfume de prostituta, que enche o ar com seu convite
largueza de latifúndio, que cresce sempre não tem limite.

Pureza de brasilíndio, que quer respeito dos homens brancos
salário de quase-nada que cai-e-sai das mãos de tantos
pequenos agricultores, que vendem tudo pra ir s?imbora
dinheiro de pouco rico, que inventa risos mas também chora.

Palavras altas e duras, que plantam sempre a lei mais forte
revólver de todo tipo, que mostra o tempo de muita morte
e festas de mil leilões, que entristecem os padroeiros
intrigas e egoísmos, que enaltecem politiqueiros.

5.Raimundo Pombo - Nasceu em Corumbá em 1913. Professor do Liceu cuiabano. É padre. Presidente do Conselho Estadual de Educação. Romancista e teatrólogo.Candidato a Senador por Mato Grosso e mais tarde ao Governo do Estado. Escreveu obras de muito valor. Entre elas temos: " Tempestade na casa do vizinho", "O último pelotão", "Educação, cultura e ensino no Brasil", "Heróis Hodiernos", "A vida de São José", " Caduquice do Avô", "O castelo de Lisle", "O sinal misterioso".

6.Ricardo G. Dicke - Nasceu em Chapada dos Guimarães em 1936. Professor da UFRJ. Escreveu obras importantes recebendo prêmios por merecimento. Principais obras: "Deus de Caim", "Como o Silêncio", "Caieira".

7. Newton Alfredo - Produziu muito. Foi organizador dos jogos Florais em Cuiabá. Publicou "Rosas e Ternura para o berço de Rondon", "Miosótis""Rua do Tempo" e outros.
POEMA DE UM ÍDOLO

Se não fosses de carne,
serias boneca.
E como eu gostaria de ter-te
nas mãos!

E, juro eu seria apenas
o menino ingênuo brincando...
Nunca o teu dono!
Quem sou eu
para dominar-te
para mandar em teus gestos?

O diabo,
é que és de carne
e vives
e palpitas
e vivo
e palpito em ti
embora não saibas
e se um dia convidar-te para brincarmos
de menina e de boneca, me darás uma bofetada.

Autor: Henrique Araújo


Artigos Relacionados


O PrÉ-modernismo Em Mato Grosso

O Modernismo Em Mato Grosso

O Teatro No SÉculo Xvii Em Mato Grosso

Os Cronistas Na Literatura Mato-grossense

O Simbolismo Em Mato Grosso

Uma Casa De Teatro Em CuiabÁ

Literatura ContemporÂnea Brasileira