CÃES DE BRIGA



CÃES DE BRIGA

Nunca fui de provocar ou de comprar briga, mas também nunca agüentei desaforos.
Minha primeira briga aconteceu quando eu tinha dez anos e estudava no terceiro ano primário. Um colega na hora do recreio estava cuspindo em todo o mundo. Era um filhinho de papai protegido pela professora. Quando ele tentou me acertar um cuspe, dei-lhe uma cotovelada na boca do estômago que o fiz vomitar sangue. Resultado: Fui chamado à sala da diretora e expulso da escola.
Mais tarde, quando eu tinha uns catorze ou quinze anos, estava assistindo a um filme, no cinema Colombo, e o sujeito que estava sentado atrás de mim começou a empurrar a poltrona com os dois pés. Pedi que retirasse os pés e ele me mostrou uma sevilhana (uma espécie de canivete automático que havia naquela época). Ele continuou empurrando a poltrona com os pés e quando olhei de novo para trás, fez um gesto, como quem diz "vou te cortar a garganta".
Como vi que não adiantaria continuar protestando sem armar uma confusão, levantei e me mudei para uma fileira adiante. Mas perdi o gosto de olhar o filme. Antes de terminar, louco de raiva, me levantei e saí. Fui esperar lá fora. Quando o sujeito ia saindo e viu que eu estava esperando, quis desviar, mas eu lhe barrei o caminho. Acionando o seu canivete, quis me dar um pontaço. Segurei-o pelo pulso com a mão direita, coloquei o antebraço esquerdo na sua garganta e o dobrei para trás, apoiando a sua espinha dorsal no meu joelho, enquanto ao mesmo tempo lhe pressionava ao contrário o braço direito. Quando o camarada sentiu que eu ia lhe quebrar o braço, gritou e largou o canivete. Soltei-o e ele se afastou segurando o braço e me olhando com cara feia. Nunca mais vi aquele sujeito. Mas acho que aprendeu a lição.
Outro incidente foi num carnaval. Eu teria uns dezoito ou dezenove anos. Mas desta vez perdi feio. Ia na multidão com um grupo de amigos e sem querer dei um encontrão num sujeito. Quando me virei pra pedir desculpa, o sujeito me deu uma bofetada, tão violenta, que me derrubou e não enxerguei mais nada.
A vida nos ensina muita coisa. A nossa e a dos outros. Tenho visto muita gente valente e corajosa, por seu orgulho, vaidade e ignorância, estrepar-se ou dar com os burros n?água. Certa vez alguém disse que a valentia é uma coisa que se deve guardar no bolso de trás das calças e só usar quando absolutamente necessário. Lendo sobre a vida de guerreiros, antigos e modernos, pude constatar que a coragem e a ousadia, quando aliadas à vaidade e à presunção, botam tudo a perder. Desde Alexandre Magno, passando por Aníbal, Júlio César, Napoleão, Rommel e George Patton, constatamos isso, que a guerra e o confronto levam ao desgaste e à derrota, de ambos os lados, mesmo aos que se julgam vencedores.
No final da década de 60, em Porto Alegre, estudando com o professor Edson Kassia a teoria, a filosofia e a prática de algumas modalidades de artes marciais, e estando consciente de sua importância, de seus princípios e regulamentos, e sabendo do que somos capazes com instrumentos de ataque em nossas mãos, passei a evitar qualquer confronto, a não ser no plano das idéias. Assim, quando verbalmente me ?pisam nos calos?, procuro revidar com palavras mais ou menos adequadas, conforme a gravidade do insulto ou das acusações. Tenho tido a sorte, ou o outro, de ficar só nisso. Porque eu sei que somos, quase todos, uns cães de briga, com raríssimas exceções.

(Luciano Machado)

Autor: Luciano Machado


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