Resenha do Filme " ESTAMIRA"



PRADO, Marcos. Estamira. Documentário. Brasil: Rio filme/Zazem produções Audiovisuais, 2006. Duração 115 min.

Marcos Prado, brasileiro, 44 anos, é fotógrafo, poeta, musico, ator, jornalista, produtor e diretor de documentários. No segundo semestre de 2004, finalizou seu primeiro filme individual: ESTAMIRA, vencedor do prêmio de Melhor Documentário segundo o júri oficial nos Festivais Internacionais do Rio de Janeiro, São Paulo, Goiânia, Belém (no qual conquistou também o prêmio de Melhor Fotografia). Estamira tem participado de diversos festivais no mundo todo e já recebeu, até maio de 2006, 23 prêmios nacionais e internacionais. Este documentário mostra como nossa sociedade é perversa a ponto de excluir indivíduos, classificando-os como grupos minoritários desta sociedade, vetando sua participação como ser social que têm direitos e deveres, e tem como idéia central a loucura e miséria. Temos como pressuposto teórico Karl Marx que desvela brilhantemente esse sistema capitalista e sua ideologia. Revela o processo de trabalho e questão social, que faz essa sociedade ser injusta e desumana.
"O capital só se produz onde o detentor dos meios de produção e de subsistência encontra, no mercado, o trabalhador livre que vem aí vender sua força de trabalho, e essa única condição histórica contém todo um mundo novo". (Marx, 2005, p.90).
Os indivíduos que não tem a oportunidade de mostrar seus talentos, ou melhor, de vender a sua força de trabalho é excluído dessa sociedade, e o documentário de estamira mostra muito bem este processo, ela é tida como louca, mas conhece a realidade perfeitamente. E viver essas mazelas que esse sistema capitalista traz é viver uma construção social de desumanidades feita pelo próprio homem. O documentário Estamira partiu de uma curiosidade de Marcos Prado em saber o destino do lixo produzido em sua casa, que era enviado para um aterro sanitário que se chama: o lixão do jardim gramacho. E o chocante para ele além do mar de lixo e seu cheiro fétido era ver crianças, homens e mulheres que ali se encontravam, sem nenhuma assistência, misturados ao caos daquele cenário de abandono e tristeza. O curta-metragem conta uma história de uma senhora de 63 anos, que sofre de distúrbios mentais, que mora e trabalha há mais de 20 anos no aterro sanitário de jardim gramacho, uma local de abandono por parte da sociedade, que recebe muitas toneladas de lixo produzido pelo estado de Rio de Janeiro. É interessante como estamira se expressa diante as gravações demonstrando lucidez e muita tristeza por tanto desperdício que os indivíduos cometem encontrado no lixão, e ao mesmo tempo mostra a forma de superar uma realidade insuportável de ser vivida por muitos indivíduos excluídos da sociedade. E é dos restos que muitas pessoas conseguem encontrar vida e alimento para sua sobrevivência. Estamira é uma pessoa questionadora e renega Deus por diversas razões, mal sabe ler e escrever, mas tem uma capacidade impressionante de explicar todos os fenômenos naturais e humanos, completamente lúcida. Aos poucos Marcos Prado mostra que na infância de Estamira sofreu maus tratos, momentos antigos que refletem em seu cotidiano vigente que, ao decorrer do documentário, explica o seu estado emocional. Sua avó a levou para um prostíbulo, aos 12 anos. Saiu de lá aos 17 anos para casar-se, e o marido passou a traí-la, e ela o deixou. Com um novo casamento, foi morar no rio de janeiro, o novo marido, com quem teve seu segundo filho, passou a traí-la também e achando pouco o que fazia com Estamira a fez internar sua própria mãe em um hospício, também doente mental. O casamento desandou e Estamira saiu de casa abandonando o marido, e a primeira coisa que fez ao separar-se foi tirar sua mãe do Hospital Pedro II, chamado sanatório psiquiátrico, muito conhecido pelos maus tratos aos seus pacientes internos. E após todos esses transtornos em sua vida Estamira passou a ter delírios, e é através de suas alucinações que encontra formas de se vingar ao que passou e escapar do seu passado vivenciado. Ela é contra a alienação do homem, critica uma suposta sociedade de controle que tem uma estrutura para calar as vozes dos rebeldes que pede atenção à esfera política que é o estado, que se diz fazer o bem comum. Tem três filhos, uma foi criada por outra família permanecendo dois com ela, que demonstra a tristeza de ver a mãe nessa situação. Sua casa é humilde e lá guarda e aproveita muitas coisas encontradas no lixão de gramacho, até mesmo comida vencida como demonstra no documentário. Apesar de sua vida ser difícil e ter que encarar essa realidade com muitos problemas, estamira é forte e guerreira tem seu distúrbio mental, mas relata e filosófica brilhantemente com total lucidez e diz ter como missão revelar a verdade ao mundo. E é ao revelar a verdade que Estamira entra em conflito com os filhos, e se falar de Deus a coisa complica é comprar briga, e a religião para ela não importa, mas seu filho acha que ela ta possuída pelo demônio e deve ser internada, mas sua filha é contra para não se repetir a angustia que a mãe teve ao internar sua avó no hospício. Estamira busca revelar a verdade, rejeita a prescrição médica para ela não passa de uma simples copia dos médicos copiadores. Mas apesar de tudo Estamira se realiza ao indagar a sociedade em que vive mostrando a verdadeira sociedade em que mora totalmente desumana. O documentário de Estamira é uma lição para todo ser social, que é alienado pela classe dominante, que só quer comprar dos indivíduos em quanto possibilitados sua força de trabalho, e depois descartá-los como um objeto insignificante. A loucura e miséria em que vive é fruto da Questão Social, e das desigualdades sociais. Mostra ainda a precariedade dos postos de saúde, o fato dela sofrer distúrbios mentais é medicada a ponto de sedar, acalmar e controlar, ficando uma enorme lacuna ao invés de compreendê-la, e prestar assistência familiar que é o mais essencial, pois vivem sem condições fisiológicas básicas para sobreviver. As políticas públicas implementadas pelo Estado ajuda, não posso dizer que não ameniza as expressões da Questão Social que ameniza, mas, é uma ação conservadora, pois não resolvem os problemas sociais e nem todos tem acesso a esses benefícios.

Autor: Letícia Anjos


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