A Relação Entre A Questão Do Mercado De órgãos Com O Princípio Da Dignidade Da Pessoa Humana



A ética em pesquisas envolvendo seres humanos foi tratada em nível mundial pela primeira vez, durante e após os julgamentos dos médicos e administradores que participaram das atrocidades experimentais nos campos de concentração nazistas durante a segunda guerra mundial, porém alguns povos da antiguidade já utilizavam tais procedimentos para testar e produzir novos medicamentos, contudo, historicamente, este é o marco da preocupação humana com o que ocorreu nestes campos em nome do "progresso da ciência".

A partir daí, contata-se que a única contribuição das práticas nazistas, para a humanidade foi o alerta de que se fazia necessário regulamentar às experiências, proteger o ser humano e o ambiente que o cerca de atos injustificáveis em nome do poder e da ciência.

Com isso, a bioética começou a dar sinais de um movimento em formação, com vistas ao nascimento de um direito internacional amparado no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, impondo limitações ao exercício de pesquisas com seres humanos.

Dos processos de atrocidades contra a vida que se tomou conhecimento pós-guerra, surgiu o primeiro código internacional que visava instituir as normas éticas em pesquisas envolvendo seres humanos: o Código de Nuremberg, de 1948, como primeira manifestação de fato da bioética como movimento transformador das ciências médicas. Sua revisão resultou na Declaração de Helsinque, atualizada por cinco vezes, que estabelece diretrizes para pesquisas médicas de maneira a preservar a integridade física e moral de voluntários. Fazemos uma ressalva, entretanto, ao Código de Nuremberg, quando lemos em um dos seus artigos: (art.5º) "Não deve ser conduzido nenhum experimento quando existirem razões para acreditar que possa ocorrer morte ou invalidez permanente, exceto, talvez, quando o próprio médico pesquisador se submeter ao experimento". Perguntamos: E o médico, não está incluso como ser humano protegido por diversas legislações? Por que ele pode ser sacrificado em nome da ciência?

Em sua última revisão, uma questão discutida com veemência foi a que contemplava a necessidade de uma proteção efetiva as populações de países pobres, que frequentemente são escolhidas para servirem de "cobaias humanas" para pesquisas científicas, especialmente no teste para novos medicamentos, a um custo ínfimo, sem que dispusessem de qualquer benefício para possíveis complicações posteriores aos testes que venham a acontecer.

O estado de necessidade de algumas populações mais carentes os leva a aceitar tais propostas para fugir da fome e da miséria por um breve espaço de tempo, e ignorantes do risco, aceitam submeter-se a testes rigorosos, dolorosos por vezes, sem mensurar as conseqüências destes atos. E o pior, quando argüidos, negam, para que em outra oportunidade se submetam a outras práticas similares, conquanto que mesmo temporariamente tenham sua fome satisfeita e da sua família.

Além de servirem como "cobaias humanas", outra prática comum hoje nos Estados Unidos é o "aluguel de útero". Bastam abrir alguns tablóides para encontrar anúncios deste tipo, que encontram respostas breves. Estas mulheres são inseminadas artificialmente tantas vezes quantas forem necessárias e são colocadas após engravidarem em condição de servidão, à disposição dos futuros "pais" e a mercê total destes.

A necessidade de subsistência chega a níveis tais, que alguns adentram também ao "mercado humano" de órgãos, vendendo partes do seu corpo a pessoas inescrupulosas que repassam, funcionando como verdadeiros "atravessadores" no lucrativo e "próspero" negócio.

Diz o famoso jurista Dalmo de Abreu Dallari, em artigo publicado no "Jornal do Brasil": "Antes a pessoa humana era vendida por inteiro, como valor de mercado, e a isso se dava o nome de escravidão". Graças ao despertar das consciências, essa degradação dos seres humanos foi repudiada e hoje tem proibição formal em tratados e nas constituições.

Mas os que colocam seus interesses econômicos acima de qualquer valor ético estão procurando valer-se de artifícios e simulações maliciosas para colocar a pessoa humana no mercado, sob vários disfarces, inclusive simulando preocupação com o progresso da ciência e o bem da humanidade: a pessoa humana é vendida em pedaços".

Diante disto tudo, a  bioética constitui-se como uma tentativa de humanizar o progresso científico e a visão técnico-instrumental que o indivíduo tem do mundo As discussões bioéticas geradas pela emergência das novas tecnologias e pela prática dos operadores científicos fizeram surgir uma nova vertente do saber jurídico preocupado em responder a tais dilemas: O Biodireito, que nada mais é, que o ramo do direito que trata especificadamente das relações jurídicas referentes, à natureza jurídica do embrião, a eutanásia, o aborto, o transplante de órgãos e tecidos entre seres vivos ou mortos, eugenia, genoma humano, manipulação e controle genético, com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.

Entretanto, falar-se em Biodireito de forma generalizada, sem pensar-se em crescimento econômico, em justa distribuição de renda, em melhorias nos salários, em criação de empregos, em direito à saúde, parece esbarrar em belas terminologias jurídicas, princípios e leis infindáveis, que "enfeitam" os códigos de todas as diversas culturas, onde muito se fala e pouco se faz, a exemplo do que ocorre no Brasil, onde uma vasta e perfeita legislação cria direitos e preserva outros, em perfeita consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e todos os princípios advindos dela, porém sem o conteúdo prático que se espera para acolher seu povo, propiciando o que se precisa, e não dando lugar a que busque socorro em situações extremadas como as que citamos acima, para suprir necessidades básicas, que são deveres do estado.

O que ocorre no mundo atualmente com relação ao assunto que foi tratado nos deixa perplexos, parece que estamos tratando de mera ficção científica tal o descalabro da coisa, de um lado, assistimos o progresso das legislações e nunca se falou tanto em direitos humanos, do outro, assistimos cenas macabras de seres humanos vendendo pedaços do seu próprio corpo por ninharias, ou alugando para satisfação dos mais afortunados.

Atingimos um patamar tal, que uma frase de Jean-Paul Sartre se torna atual e nos dá a dimensão do que está acontecendo, além de uma oportunidade para uma reflexão sobre o que tratamos neste artigo: "Não importa o que se fez do homem, mas o que iremos fazer com o que fizeram dele"

Rosany Mary Souza


Autor: Rosany Mary Souza


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