TRÊS MARIAS



Eram três Marias. Pessoas simples, irmãs de sangue e de rotina que sobreviviam carregando em suas feições impassíveis uma humildade quase mórbida. Unidas nos desencantos, nos mínimos benefícios que a vida lhes concedia e desempenhando um papel importante, definitivo, paciente na vida umas das outras, eram conduzidas por um cotidiano moroso e quase insólito. Os momentos de alegria eram poucos, muito poucos, e em seu dia a dia não se construíam risadas, mas raros sorrisos. Jamais cultivaram tristezas obsessivas, porém sempre reservaram para si o desencanto com a sorte. As afinidades, os sonhos e anseios faziam parte de um mundo não revelado. O trabalho sempre foi dividido entre elas, sem escolha, sem pretensões, sem pressa. O tempo parecia não passar em suas vidas. O amor, se existiu, ficou esquecido na juventude distante e as ilusões, no fundo de suas almas. Os semblantes, por certo nunca foram dos mais belos. A beleza, provavelmente teria ficado retida em um dia qualquer do passado. Os escassos rendimentos ganhos com seu trabalho eram suficientes para a sobrevivência, já que exigiam muito pouco da vida. Jamais se opuseram aos que buscavam em suas feições o desvendamento de seus mistérios, mas tão logo percebiam que a curiosidade havia sido saciada, aprofundavam-se no misterioso e escuro labirinto de sua casa. As janelas, nas tardes mornas de outono, emolduravam suas fisionomias incomuns esboçadas como uma pintura sem brilho, enfatizando o semblante de sacrifício consentido, da apatia própria dos vencidos. Suas histórias jamais foram contadas com verdades fartas, conhecimento irrepreensível, palavras confessáveis. Como trajetórias obscuras eram suas vidas; como se tivessem sido ali plantadas e não nascidas através da fusão de dois corpos. Imaginava-se como seriam suas existências contidas na clausura daquela casa sombria. Era uma reclusão a qual elas se impunham, não por religiosidade, mas pela própria opção de vida. Havia ali, em torno das três irmãs, uma espécie de porta intransponível, um segredo que jamais seria revelado, uma verdade que levariam para o túmulo. Era de praxe, porém inaceitável que houvesse comentários alheios e sem motivo sobre suas existências; ironias repletas de maldade, substituindo um carinho fraterno que deveria surgir de um religioso, de um vizinho, de uma pessoa qualquer, mas que jamais bateu à porta. Eram apenas as três Marias, um nome, três vidas! A união que sustentava suas existências não foi perene e suas realidades não foram imortalizadas. A primeira delas, com um sorriso que parecia zombar da vida, faleceu sem grandes sofrimentos. As demais não derramaram as lágrimas comuns da ocasião. Assentiram e aguardaram sua hora. E assim se foram também, obedecendo a uma sinistra cronologia, dando adeus àquela vida excêntrica e desmotivada. Restou apenas a casa de construção simplória, com suas janelas disponíveis às lufadas de vento e às intempéries devastadoras. Desdenhada por prováveis moradores e sem que alguém reclamasse o quinhão que possivelmente lhe pertenceria. Assim a morada simples, como que numa autodestruição, foi pouco a pouco cedendo sua alvenaria, um dia sólida, ao local onde jamais seria construída uma casa em que nunca iriam residir Antonias, Rutes, Glórias, novas Marias ou mesmo alguém que vivesse atrelado a um mundo singular que contivesse em suas entranhas, diferentes vidas como as de três Marias incomuns!

Autor: Miguel Lima


Artigos Relacionados


ViolÊncia Das Marias

A Vida

Os Magos NÃo Eram Reis

A Solitária Acompanhada

Ideologia Da Miséria

Sinto Falta De Um Amor Que Nunca Tive

Sinto Falta De Um Amor Que Nunca Tive