O Literatiqueiro









O LITERATIQUEIRO
Raul Santos

Ele não admitia contestação. Sua palavra tinha de ser definitivamente a última. Seus conhecimentos históricos, científicos e literários eram incontestáveis e não admitia críticas, a não ser que fossem favoráveis.
Sua ascensão cultural, conseguiu-a a duras penas. No seu modo de ver as coisas, sempre fora um incompreendido. Os professores sempre o perseguiam, desde as primeiras letras. Não admitiam que escrevesse o "jota" com a curvinha para a direita e nem o "ele" com a perninha para a esquerda. Se queria escrever o "bê" com a bundinha virada para a esquerda e o "dê" com a bundinha para a direita, lá estava ele tomando regüadas na cabeça, ficando de joelhos em pedras de sal ou caroços de milho...
Depois de tantos maus tratos, como era inteligente e sabia usar a cabeça, resolveu agir como os lutadores de jiu-jitsu: "Usar a força do inimigo em seu próprio favor." Eles não queriam assim? Pois assim ele passou a fazer!... A bundinha do "bê" é virada para a direita? Pois vai ser para a direita!... A do "dê" é para a esquerda? Pois vai ficar para a esquerda!... E foi agindo assim, ludibriando as exigências que ele conseguiu terminar a Oitava Série, a duras penas, sem depender de ninguém que o acusasse de bajulador ou puxa-saco!...
Quando quis entrar na profissionalização do Segundo Grau, mais uma vez o coitado teve que se defrontar com as feras que não confiavam na sua capacidade intelectual. Que absurdo! Com ninguém eles faziam aquilo, só com ele!Imagina só, querer fazer exame oral, para ver se ele tinha condição de seguir adiante nos estudos! Também não contou conversa: pegou os livros, foi para casa, trancou-se no quarto no final de semana e quase não saía nem para o banho e refeições. Na segunda-feira, lá estava ele pronto para qualquer tipo de argüição com o catedrático que fosse, que lhe aparecesse. Não teve de esperar muito tempo. Logo que chegou, foi chamado à sala de exames, encarando as feras de frente. Sem muita conversa, disseram-lhe que o primeiro a argüir seria o de Português. Fixou a mente no que estudara nos últimos dias e declarou, firme: ? Estou pronto!...
Vendo-lhe a decisão, o mestre admirou-se e perguntou:
_ O Senhor pode me dizer o que é verbo?
_ Palavra que exprime ação, estado qualidade ou existência de pessoa ou coisa! ? Respondeu, convicto.
Assentindo, o mestre perguntou:
_ Que são conjugações verbais?
_ Palavras que terminam invariavelmente na letra "erre"!
_ Cite três verbos de cada conjugação!
_ Primeira conjugação: placar, jaguar e pomar; segunda conjugação: chofer, mulher e repórter; terceira conjugação: gir, tapir e emir; quarta conjugação: sabor, calor e tambor; agora, da quinta conjugação, só encontrei a palavra abajur!... ? Concluiu orgulhoso.




Autor: Raul Santos


Artigos Relacionados


Como Preparar Uma Mesa Para Um Jantar Formal

Novos Verbos

Etimologia Demagógica.

Dilema Do Ser

'sufrido"

Jesus Perante O Sinédrio

O Enxerto Da Perna