NA IDADE DA PEDRA



No princípio dos Tempos quando o Homem começou a se comunicar com seu semelhante, foi através de sons guturais aliado a gestos com as mãos. O gesto mais usado era feito com o dedo que se chamava indicador por que apontava, indicava o objeto ou a pessoa sobre a qual se estava falando, ou se desejava falar. A mão aberta para frente com os dedos para cima significava; Pare! Chega! Calma! As duas mãos abertas para cima significavam desconhecimento, não ter, não possuir. O dedo indicador encostado nos lábios significava silencio, não dizer nada. Bem, ainda usamos gestos não tanto para dar ênfase às palavras, mas como herança ancestral.

Naturalmente naqueles primeiros tempos o vocabulário era reduzido, tanto quanto a vestimenta, os homens usavam uma espécie de túnica sem mangas feita com couro de mamute, amarrado na cintura com a tripa do próprio bicho, que chamavam de macacão por que a pessoa ficava parecida com um macaco grande, gorila. As mulheres mais econômicas usavam um saiote, cobrindo o busto com os próprios cabelos para economizar roupa.

No principio as pessoas não tinham nome próprio. Como os membros da tribo se tornaram numerosos, foi necessário ter um nome, uma identificação, aliás, um apelido e quem davam era um colega da tribo e depois foram os próprios pais que passaram a chamar o filho por um nome associado a uma característica física da criança, ou a um jeito, ou hábito dela. Por exemplo, o personagem principal dessa historia que era muito calmo, se chamava Mo-Len-Gão, que na língua dos Neka-Rê significa; Lesma Lerda.

Mo-Len-Gão, ou simplesmente Mo, foi forçado a aprender o significado dos sons e dos gestos muito cedo. Quando ele estava no colo da mãe e fazia xixi, a mãe sacudia o dedo fazendo um som com o nariz e lhe dava uns tapas. A mãe lhe batia não de raiva, mas para dizer-lhe que não se faz xixi no lugar em que se fazem refeições.

Mo era curioso e experto, certo dia ele escapou da vigilância da mãe e foi dar um passeio pelas redondezas. Foi mexer com um tigre-dentes-de-sabre que estava cochilando numa moita, e quase foi devorado. Por sorte o pai dele que se chamava Tar-Zan, ou Macaco-Voador, estava passando por ali pendurado num cipó, viu o perigo e agarrou-o em pleno vôo, salvando-o das garras da fera. O pai levou-o para os galhos de uma arvore e lhe deu uns tapas, dizendo que não se mexe em tigre-dentes-de-sabre com vara curta.

Ainda na adolescência, Mo foi escolhido para vigiar e alimentar com gravetos o fogo sagrado que dava bons assados, protegia do frio e iluminava a aldeia à noite. Ninguém da tribo sabia fazer fogo, o fogo que possuíam foi capturado de um incêndio quando um raio caiu na campina seca.

Os homens saíram para caçar e o chefe da tribo, Ka ou Ka-Ôlho, que na língua deles quer dizer; Em Terra de Matuto Quem Tem um Olho é Chefe, ordenou a Mo que cuidasse da fogueira. Até certa hora Mo cuidou com atenção para que o fogo não se apagasse, mas depois começou a sentir Lerdeza, Moleza. Recostando-se no totem, pegou no sono. Acordou com alguém cutucando seu ombro com o pé, era Ka o chefe, furioso. Ka, como era costume numa situação como aquela, decretou a pena de morte para Mo. Ordenou que o amarrassem no totem para que fosse apedrejado até a morte. Ao saberem do decreto, os pais de Mo se desesperaram arrancando os cabelos e rolando na poeira, mas logo se conformaram por que ainda tinham mais dezoito filhos para cuidar. Amarrado ao poste Mo achou que havia chegado a sua hora de vaguear perdido no imenso palácio de Rê. Resignou-se crendo que teria a sorte de encontrar o caminho de volta e se incorporar no corpo de um guepardo. Os homens juntaram pedras para atirar no condenado, mas naquele instante uma rajada de vento soprou na direção da fogueira apagada e reavivou as brasas adormecidas sob as cinzas. Uma labareda de fogo nasceu e logo alguém a alimentou com gravetos. Ka achando que foi o próprio Rê com seu hálito que ressuscitou o fogo em favor do condenado concedeu o perdão a Mo.

Quando chegou à idade de se casar Mo participou na primavera, do ritual das moças catar coquinho. Os rapazes da mesma idade se sentaram ao redor de um coqueiro enquanto as moças catavam coquinho no chão. Os outros rapazes logo escolheram suas noivas, mas Mo, lerdo como era, permaneceu indeciso e por fim lhe sobrou apenas uma donzela de pele clara chamada Vam, ou Vam-Pira, que significa Morcego-Sorridente. Mo não gostou dela por que era muito feia. Assim, Mo ficou de esperar pelo próximo ritual. Mas, o pai dele decidiu que ele devia se casar logo e morar na sua própria toca. Mandou-o pedir a mão da filha de seu amigo AL, ou AL-Uado, que significa; Cabeça nas Nuvens. AL morava com a filha Lin, ou Lin-Di-Nha, que quer dizer; Olha-Que-Coisa-Mais-Linda-Cheia-de-Graça, numa gruta fora da aldeia por que tinha idéias estranhas e ninguém o entendia. A moça era a mais bonita das redondezas. Para casar com ela era necessário responder as perguntas do pai dela e como ninguém conseguia dar uma resposta satisfatória, ela continuava solteira

Chegando a frente da gruta, Mo encontrou Lin sentada numa pedra observando num formigueiro, a vida das formigas.

- Cá que quer? Perguntou ela de mau humor. Como eu disse o vocabulário, a linguagem era outra mais ou menos desse jeito, Matuto, que vive na Mata, priMata. Antigamente os Neka-Rê designavam a pessoa com quem falava por Ce, depois passou a ser Você, mais tarde Vosmecê, Vossa Mercê, depois Mercê e por fim Mecê, eu e você ou coisa parecida.

Inexperiente com as fêmeas, Mo ignorou a pergunta de Lin e indagou:

- Ce naum qué catá coquinho?

- Manda tua vó! Respondeu a moça.

- Nó is vai casá. Disse Mo. Lin estendeu a mão com as longas unhas erguidas.

- Te arranco saco, fedorento!

Mo esquivou-se dela e entrou na gruta.

AL estava meditando, sentado no chão de olhos fechados com as pernas dobradas e os braços repousando sobre os joelhos. Ouvindo o ruído dos passos nos cascalhos, perguntou:

- Quem é, cá que quer? Fede como porco, mas porco não é!

Mo decidiu que devia tomar banho duas vezes por mês.

- Sou Mo, filho de Tar, neto de Tor, bisneto de Tur, tataraneto de...

- Chega! Já sei quem é. Fecha ozóio. Pediu AL ainda de olhos fechados.

- Por que causa é?

- Fecha! Gritou o velho, a voz ribombando pelas paredes da gruta.

- Como ce diz assim faço. Disse Mo cerrando os olhos. Velho doido! Pensou ele.

- Que vês?

- Escuridão.

- Si não existisse luz saberia onde estás?

- Não.

- Estende a mão. Pediu AL.

Mo abriu a mão e depois esticou o braço para frente.

- O que sentes? Perguntou o velho.

- Nada.

- Toca o chão.

Mo inclinou-se e tocou o solo. Não sabia se aquilo era um ritual de pedido de noivado, ou uma maluquice do velho, mas como gostou de Lin, resignou-se a fazer o que AL mandava.

- O que tocas? Perguntou AL.

- Chão duro, pedra.

- Si naum tivesse luz saberia tu o que é vazio e o que é pedra?

Mo refletiu por um instante e respondeu:

- Sim. Nada não é pedra e pedra não é nada

- Vazio não é pedra e pedra não é vazio, seu lesma lerda!

Houve uma pausa. Mo aguardou que o velho falasse novamente. De repente a voz dele soou bem próximo da sua orelha.

- Que fazis inda de óios fechados e segurando o chão?

Mo abriu os olhos e ergueu o tronco. Finalmente, já estava ficando com dor nas costas! AL estava de pé ao lado dele. Como ele caminhou sobre o cascalho sem fazer barulho?

- Então, ce qué casar com filha minha?

- Sim, si de seu agrado for.

- Então, me diga de que tamanho tem o abismo do alto?

- Abismo do alto?

- O vazio do alto, Lesma! Onde vive Rê!...

- Só Rê sabe! Respondeu Mo achando que era uma resposta inteligente. AL lhe deu as costas voltando a sentar-se no mesmo lugar.

- Si não sabes, nada de casório! Volte quando souber.

Mo concluiu que não adiantava insistir. Resolveu ir embora para poder pensar e voltar com uma resposta que pudesse agradar ao velho. Saindo da gruta ele parou ao lado de Lin, que continuava sentada na pedra ao lado da entrada. Ela ergueu o rosto para ele e vendo sua cara frustrada, sorriu.

- Não sabes resposta dar a meu papi?

- Não, mas vou procurar saber. Respondeu Mo e só então, viu o que a moça estava fazendo. Lin arrancava os pêlos das pernas com as unhas, fio por fio.

- Pra que isso, perna sem pêlo?

- Melhor lisinha, não dá cocera, não acha bonitas?

- Posso vê?

- Não ta vendo? Tem alguma cousa nos zóio?

- Quero vê cós dedos posso?

Mo agachou-se e passou a mão pela perna de Lin. Sim, perna lisa muito agradável de se tocar! Mas, Lin não deixou que ele passasse do joelho.

- Só depois de casar. Disse ela. ? Si souberes resposta dar a meu pai, cuida que isso é certo!

Mo decidiu que tinha que encontrar a resposta.

- Eu volto. Disse ele e foi para o deserto, enfurnou-se na primeira toca que encontrou para meditar até encontrar a resposta.

Passaram-se os dias e como Mo não aparecia, os pais dele acharam que ele, vagaroso como era, tinha sido pisoteado por uma manada de mamutes descontrolados. Duas semanas depois eles, vendo um urso se aproximando da aldeia, deram o alarme. Os homens se armaram com suas lanças para enfrentar a fera, mas logo descobriram que era Mo que voltava barbudo, cabeludo, sujo e fedendo como um urso saindo da hibernação. Ninguém o deixou entrar na aldeia enquanto não tomasse banho. Depois do banho tomado no rio próximo e de ter mudado de roupa, Mo dirigiu-se para a morada de AL. Lin não estava à vista e Mo entrou direto. AL continuava no mesmo lugar, meditando.

- Quem é? Cá que quer?

- Sou Mo e trago resposta.

AL abriu ozóios, quero dizer, os olhos.

- Verdade? Quero ouvir com meus próprios buracos de ouvir! Diga que largura tem o vazio do alto?

- O vazio não tem largura, distância, lado, dia, noite. Começa e termina onde está Rê, o único, e é assim que é o que é.

Al deixou cair o queixo. Ficou longo tempo tentando entender o significado de tais afirmações.

- Então, posso casar com Lin?

- Quê?

Mo voltou modificado, até falar diferente ele falava.

- Agora posso efetuar matrimonio com sua filha?

AL fez um gesto impaciente, queria dispensar Mo logo, pois tinha muito que pensar.

- Sim, vá!

Quando Lin viu Mo sair da gruta sorrindo satisfeito, se fez de difícil só para ver se ele gostava dela mesmo e saiu correndo. Mo foi atrás dela, agarrou-a pelos cabelos e arrastou-a para a margem do rio onde construiu com galhos de palmeira um Mo-Cambo, que quer dizer; Casa de Mo para ele e Lin Mo-Rarem. Construiu também a Mo-Bília, as cadeiras que ele chamou de Mo-Cho. Começando a fabricar objetos de barro, passou a ser chamado de Mo-Leiro. Dizem que foi Mo quem inventou a roda, o pente de osso de javali, a pedra lascada para fazer a barba, o arco e a flecha. A época em que Mo viveu foi chamada de Mo-Dernismo.

Assim termina a história de Mo, da tribo Neka-Rê da Idade da Pedra.

FIM

antonio stegues batista
Autor: Antonio Stegues Batista


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