O CURRÍCULO DO FILÓSOFO SEGUNDO O LIVRO VI DA REPÚBLICA



No livro V de A República (PLATÃO, 1987), Sócrates afirma a Glauco que os reis e governantes devem vir a serem filósofos, para que assim o Estado real transforme-se em ideal. Aqui, Sócrates está argumentando que o filósofo é alguém que ama a sabedoria, o conhecimento, alguém que ama a verdade, que busque o conhecimento de modo mais puro para assim refutar o senso comum onde pairam opiniões e não conhecimento muito menos a verdade. Os filósofos seriam os únicos capazes de governar com justiça e para o bem e a felicidade.
Esta argumentação de Sócrates sobre um governante filósofo que levaria o Estado para o bem, a justiça, a felicidade por ter amor ao conhecimento puro, por buscar "o belo e não a beleza" se apresenta de forma um tanto difícil de refutar, porém complicada de colocar em prática, como reflete Adimanto dialogando com Sócrates no livro VI da República. Contudo, com apenas uma introdução sobre este argumento, podemos questionar sobre o poder. Se o filósofo em um lugar totalmente encarregado do poder de seu Estado não se corromperia às suas doces artimanhas. Mas Sócrates continua a nos guiar por seu pensar. Na continuação de sua ideia ele começa a revelar-nos como nasce um filósofo: a necessidade de virtudes e de um desenvolvimento intelectual. Assim ele meandra até chegar ao currículo do filósofo. A aquisição imprescindível das ciências mais elevadas por parte do filósofo.
A argumentação de Platão no livro VI da República (PLATÃO, 1987), nos leva à questão: o filósofo nasce ou se forma? Ambos. Aqui não nos deparamos com uma forquilha. Para o melhor entendimento, tomamos aqui uma dose útil de contexto histórico: o educador dos gregos era Homero (século VIII a. C.) e seus poemas Ilíada e Odisséia, este tinha por ética que apenas alguns nasciam com um destino brilhante, sem precisar serem talhadas suas virtudes, porém com Hesíodo (século VIII a.C.) a virtude é filha do esforço e o trabalho é fundamento e salvaguarda da justiça. Platão amarra estas duas éticas em sua formação do filósofo adaptando para a potência e o trabalho.
A multidão não pode ser filósofo. Há de nascer com uma "alma mais bem dotada" (1987, p. 280). Porém, para o nosso filósofo, a educação é de suma importância. Assim sendo, ela tem lugar de prestígio. "A educação do filósofo é gradual, começando na infância e envolvendo desde a formação do corpo até a educação afetiva e intelectual" (Paviani, 2003). A educação é tão defendida por Sócrates/Platão que é aludido o argumento de que se uma alma bem dotada encontrar-se com uma má educação tornar-se-á extremamente perversa.
Para Sócrates se a natureza filosófica deparar-se com um gênero de ensino que lhe convém, desenvolver-se-á e atingirá toda a espécie de virtudes. As virtudes que devemos esperar de um filósofo, segundo Platão, é a sabedoria, a bondade, a moderação, a coragem e principalmente justiça. Ele deve desenvolvê-las corretamente e em sua completude. Além de mais, o filósofo deve, sempre, permanecer fiel à filosofia. Ele deve libertar-se da vida desregrada e, mesmo sozinho, deve afastar-se de argumentos enganadores. E como é compreendido, um homem virtuoso, um filósofo, um amante da verdade é inútil numa sociedade corruptível. Como diz Sócrates (1987, p. 290): (...) "nenhum dos atuais sistemas de governo é merecedor do caráter de um filósofo". Mas, se ele (...) "deparar-se com uma constituição excelente, então a experiência demonstrará que ele era na realidade divino, e no resto humano". Sendo assim, não é o filósofo que deve moldar-se ao real, e sim o ideal fazer-se pra o filósofo.
Sobre a educação de adolescentes e crianças, a educação filosófica juvenil, Sócrates/Platão desenvolve um currículo do filósofo. Os jovens devem cuidar muito bem dos corpos, para desenvolverem-se e adquirirem virilidade, pois devem servir a filosofia, também a política e a guerra. O nosso filósofo coloca ainda a aprendizagem das ciências mais elevadas. Sendo estas (ex.: astronomia e geometria) contribuintes para a elevação do pensar do filósofo. Uma viagem para além das coisas sensíveis, uma viagem para o inteligível. Tudo feito para a compreensão da dialética, o estudo mais difícil segundo Platão. Uma dialética ascendente e após a descendente. O filósofo tende compreendê-la muito bem. Como reflexão, tomemos a "Alegoria da Caverna" descrita no livro VII da República. Seguindo esta, vamos por passos ilustrando uma dialética em forma de prática. E, a partir desta reflexão, inclinarmos sobre o retorno solitário feito pelo filósofo à caverna. Uma conversão filosófica, como colocaria Bornheim (1929-2002), onde há a necessidade e quase obrigação violenta de uma volta para a realidade.
Esta argumentação feita por Sócrates/Platão sobre o currículo do filósofo, a importância da educação aliada a potência (a união de Homero com Hesíodo), é o foco do trabalho para a formação do Rei-filósofo. Tomemos este Rei-filósofo como fruto deste currículo. Talhado como uma estátua grega em proporções e detalhes para a governância do Estado, para o bem e a felicidade. Encontramos em Platão uma aristocracia. Seria uma aristocracia burra? Em Platão não temos isto, mas um ideal-utópico, um não-lugar ideal e não real. Talvez nunca real, como o próprio Platão comprovou em vida.
Autor: Larissa Couto Rogoski


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