VESTÍGIOS DE TRANSIÇÃO, A ESPERANÇA E MUDANÇA



VESTÍGIOS DE TRANSIÇÃO, A ESPERANÇA E MUDANÇA.

Universidade Tiradentes/UNIT, Curso de Pedagogia; Rua Lagarto, 264,Centro Aracaju-SE, ([email protected]/[email protected] ?fone:8854-4975. 2010

Autora: Joana D`Arc Costa

RESUMO
O artigo enfoca as alterações dos costumes em Aracaju, principalmente a entrada de ano que a partir especificamente na década de 80, vai gradativamente traçando sinais visíveis de mudanças de valores pelo afã de acompanhar o novo tempo ou seja, a moda. A preocupação em seduzir o jovem no sentido de ampliar os espaços de lazer como o cinema, a televisão, shows, etc. Em meio a toda essa folia encontramos aqueles que expressaram de maneira poética como observavam o mundo e o que pretendiam para este mundo. A cultura e a arte, eram estimuladas, foi dada muita ênfase à musica popular e os espaços eram os auditórios, clubes. O apelo à mocidade sobre a importância da escola como a redentora, em contrapartida aos prazeres que esses jovens encontravam nas coisas simples do seu tempo, do batuque de bar ao show de Rita Lee, que carregado de desprendimento marca a diversão pela diversão, o que vem dar um balanço na formação, não só dos aracajuanos, mas dos os jovens desse tempo. Evidencia-se nos depoimentos dos entrevistados, o saudosismo do passado denunciando a pouca compreensão que as pessoas fazem da relação de interdependência dos indivíduos e a sociedade na construção do presente.

Palavras Chaves: Cultura, Sociedade, Jovem


ABSTRACT

The article focuses the alterations of the costume in Aracaju, mainly the year entrance that is going drawing visible signs of changes of values for the enthusiasm of accompanying the new time gradually to leave specifically in the decade of 80, or be, the fashion. The concern in seducing the young in the sense of enlarging the leisure spaces, for example, the movies, the television, shows, etc. Amid that whole spree we found those that expressed in a poetic way as they observed the world and what intended for this world. The culture and the art, they were stimulated, a lot of emphasis was given to the popular music and the spaces were the auditoriums, clubs. The appeal to the youth the on importance of the school as the redeemer, in compensation to the pleasures that those young ones found in the simple things of they time, of the bar drumming to Rita Lee show, that marks the amusement for the amusement loaded of detachment, the one that comes give a swinging in the formation, not only of the aracajuanos, but of the young of that time. It is evidenced in the interviewees' depositions, the nostalgia of the past denouncing the little understanding that the people do of the relationship of the individuals' interdependence and the society in the construction of the present.


Key words: Culture, Society, young.

Neste artigo investigo o percurso de jovens da década de 80 que trilharam, na apropriação dos artefatos culturais da época. Com isso faço algumas considerações a respeito da história cultural que segundo Chartier (1990), "tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler" ( idem, p. 16 ). Entendo, apesar de ser apenas uma educadora, que essa nova forma de escrever história, incluindo a história das ideias na qual a tarefa do historiador "é, portanto, a do substituir a busca de uma determinação pela de uma função, função essa que só pode ser apreendida se for considerado globalmente o sistema ideológico da época considerada" (Chartier, 1990. pp. 49-50). Dessa forma, o leitor é levado a sentir a emoção do escritor, a leveza das análises e o uso desobstruído das fontes, sem, entretanto, rejeitar suas contribuições, estabelecendo critérios e métodos rigorosamente claros. Essa nova forma, busca investigar campos não visto pela história até então. Segundo Clarice Nunes, o novo olhar de ver história permite observar um objeto velho, desacreditado com outro olhar, "se soubermos trazer à tona, na travessia da pesquisa, aspectos antes ignorados ou secundarizados" (Nunes, 1992 p.151)
Essa história que concilia as investigações com a fidelidade nos postulados da história social, entendida como "uma proposta de história das ideias, tornando por objeto o seu enraizamento e circulação" (Chartier, 1990. p.48) é fundamental para fazer a aproximação com outras ciências sociais. Vem carregada de análise sociológica uma vez que, aborda e ressalta as vivências de grupos ou de um povo, buscando explicações etimológicas e filosóficas para as suas ações. Assim entendo que a nova história tem uma dimensão multidisciplinar. O novo jeito de fazer história, instigou-me a procurar compreender conceitos que levem a investigação da pesquisa, que enfoque reflexão sobre como os grupos de jovens entendem o mundo e fazem suas representações da realidade. Isso me levou a indagar: o que provoca o conceito do real? Quais os elementos que integram seu entendimento? Segundo Chartier(1990), na citação de Pascal diz que "A aparência vale pelo real". Sei que a aparência pode não representar o verdadeiro real do aparente, e que é preciso definir quais operações intelectuais permitem compreender e interpretar esse mundo real. Na direção de focalizar uma narrativa dos costumes e fazeres dos jovens de uma época, faço aqui pequenos relatos de um tempo, tempo esse real e passado que possivelmente deixou rastros importantes na lembrança e marcas da personalidade formada de uma geração.


A TRANSIÇÃO
Aracaju, lá pelas décadas de 70 a 80, vislumbrava sinal de alteração dos costumes, o modo de como comemorar a chegada do ano novo, se constitui um deles. Até em meados de setenta comemorava-se a entrada do ano novo em casa com a família, ou então assistindo à missa na pracinha. A partir daí o povo aracajuano, principalmente a camada jovem, passou a preferir entrar o ano novo nas boates da Atalaia, em bailes carnavalescos que chegavam até as cinco horas da manhã, depois se deslocavam à praia de Atalaia para tomar banho de mar, com a própria fantasia ou de "top-less". Atalaia, na primeira manhã de sol de cada novo ano ficava repleta de gente. Assim se inicia a década de 80 na cidade de Aracaju.
Outro sintoma visível de mudança nos valores e nos costumes, eram os festejos de Natal no Parque Teófilo Dantas, o movimento de pessoas não era mais o mesmo, passa a ser "out" ir para o Parque vai deixando de se constituir moda porque não se via no espaço, um nome colunável da sociedade sergipana, só o povão passeando de lá para cá expondo os modelitos, cópias das revistas de fotonovelas. Com o passar dos anos, aquele "footing" da pracinha se torna coisa fora de uso. Era da gestação de um espírito de tempo, tempo esse de transição para um novo período que se mostrava progressivamente aberto a eclodir suas representações a ponto submergir o passado e emergir nova concepção de presente. Segundo GRAÇA, "A contrapartida cultural, ensejada pelas transformações do mundo industrial e urbano, é o que se entende por modernidade e essa se traduz em comportamentos, sensações e expressões que manifestam o sentir e agir dos indivíduos". Logo, as representações se faziam constantes nos comportamentos, nos desejos, nos sonhos e utopia daquela época. Foi com este espírito que a juventude aracajuana iniciou mais uma década, haja vista, nos clubes da cidade não se registrava mais confusão, os jovens dançavam animadamente e se confraternizavam. Era comum encontrar trechos de colunas Sociais, escritos assim:"ninguém andou distribuindo "sopapos" por aí. Bom sinal. Parece que é a civilização chegando".
Novos hábitos foram adquiridos, principalmente aos domingos nos traillers de lanche, o aracajuano, a exemplo do sulista deixa seu hábito de jantar para lanchar. O trailler passa a ser ponto de encontro das novas gerações durante toda a semana. Com o novo tempo chega também as locadoras de vídeo, anunciando comodidade a todos, que passaram a fazer sua própria programação, com uma quantidade e variedade de filmes, não seria mais necessário sair de casa. Essa modernidade significou o declínio dos cinemas, Vitória, Aracaju, Paláce, Rio Branco e Cine Plaza que em meados de 1985 a 1986 vai gradativamente reduzindo o fluxo de clientela.

A ESPERANÇA E A MUDANÇA

A "Educação de volta aos estudos," manchete de jornal , artigo de autoria de Eduardo Ubirajara, ilustrava como a cidade se preparava para a volta das aulas a rigor dos anos 80, começando assim:
"A cidade volta a ficar festiva, exultante. A juventude está nas ruas, nos transportes coletivos, todos a caminho da escola." No meio das expectativas de cada jovem, toda uma ansiedade por conhecer novos colegas, novos amigos, novos mestres. Alguns fazem uma reflexão prévia no sentido de que neste ano tirarão melhor aproveitamento nas disciplinas da nova série. Outros, no entanto, podem-se esquecer do juramento de que seriam os melhores da sala e, diante dos novatos, soltarão as rédeas, paulatinamente, até conseguirem a liderança da comunicação gracejante e brincalhona. (Ubirajara, 1980)

No teor do artigo, o autor faz uma série de referências aos alunos, aos pais, aos mestres até mesmo aos conteúdos programáticos da escola, carregado de conselhos que denotavam a tese da escola, como um trampolim para alcançar alternativas de liberdades, de ascensão social e conseqüentemente um amadurecimento para a vida.
E assim conclui:
Quanto a vocês, queridos jovens, lembrem-se, muitos dos seus pais estão orgulhosos do que vocês agora são: além do que eles desejam que vocês alcancem num futuro bem próximo. O sacrifício deles exige de vocês, muito boa vontade e boa dose de responsabilidade. Lidar bem com seus colegas, mesmo com os menos favorecidos, saber ter paciência com esse ou aquele mestre, respeitando a todos, faz parte do seu trabalho. O bom relacionamento com todos os que lhe servem na escola é parte do seu pagamento em troca do que vocês vão lucrar, quando se emanciparem social e economicamente nesta vida, que é tão curta. Aproveitem, portanto, seu tempo e... .sucesso. (Ubirajara, 1980)



São marcantes esses traços na formação da personalidade dos jovens citadinos, como se pode observar nas falas a seguir:
"Fui sempre assíduo na escola, participava dos eventos que ela realizava. Era indicado para líder de turma, porém nunca fui". (Givanildo ? Costa e Silva, 2003).
"Na Escola Técnica, onde estudei o segundo grau, na época não existia isso de se fazer movimento para tirar professor ou diretor, não era como hoje que os alunos fazem grupos e manifestações, lá não tinha muito isso não. O que o professor fazia estava feito."
(Astrogildo ? Escola Técnica, 2003)

Observei no depoimento de Moisés Costa, o despertar para a participação, para o questionamento, embora sem intenção nenhuma de colocar em risco a competência do professor, em sua fala quando diz:
...tinha um professor chamado Horís lecionava História, era tido como muito ruim e, como eu era curioso e estudava outras coisas que não era da escola, aí estudei um assunto chamado câmbio e levei esse assunto para aula de História, foi um escândalo, mas a partir daí ele passou a me ver diferente, porque eu estava estudando e levando para a escola conhecimento, não com tanto embasamento, é claro! E o professor passou a dar mais atenção aos alunos. (Costa, 2003).

Os jovens sentiam o prazer nas coisas simples do seu tempo, numa batucada de bar, que alguns donos proibiam até de tocar violão, costume que foi substituído pela televisão nos bares espalhados por toda a cidade. Quando a cantora Rita Lee esteve em Aracaju em 1980, fez questão de frisar que seu novo show tinha sido apresentado em quase todo o Brasil, não trazia ideologia nenhuma e diz "não traz nenhuma mensagem política filosófica ou qualquer coisa do tipo. Meu show disse ainda, não tem compromisso com nada". O que considerou ser um dos primeiros motivos do grande sucesso que estava alcançando, pois, "as pessoas hoje em dia, estão procurando se desprender de seus compromissos. Quando elas vão me assistir estão apenas procurando a diversão pela diversão, e eu sou o palhaço para animar o circo", confessa.
Essa passagem marcada pelo tempo me leva a recorrer a uma reflexão de que o contexto interage na formação de uma geração quando, Norbert Elias (1990) diz: "A imagem do homem como "personalidade fechada" é substituída aqui pela de "personalidade aberta",que possui um maior ou menor grau ( mas nunca absoluto ou total) de autonomia face a de outras pessoas e que, na realidade, durante toda vida é fundamentalmente orientadas para outras pessoas e dependentes delas." Prefiro conjecturar esse momento ao movimento musical e social, conceitual desse período como configurações ou seja, grupos de tipos diferentes entre si. Ocorreu mudança em todas as direções, na linguagem, no estilo de música, nos gostos, novas manias vão sendo pouco a pouco incorporadas e a apropriação exorbitada pela representação meeira de ver o mundo, encarando-o de forma dividida para não se assustar, não perder por completo sua identidade, se associando a um equilibrista na manutenção do espaço. Ou formando uma rede de interdependência entre indivíduos e sociedade.


OS DOMINGOS NO CLUBE

Resgatando a historicidade dos clubes. O clube foi espaços de lazer em família e amigos, destaco um dos clubes mais freqüentados por diferentes gerações, localizado em São Cristóvão numa extensa área que possibilitava o contato com a natureza, o Sergipe Country Club, ficava a cerca de 20 minutos de Aracaju, com acesso por via asfáltica. O Country Club foi uma das atrações dos jovens, dos adultos e de pessoas de todas as idades durante a década de 80, manteve uma das mais movimentada programação, oferecia aos seus associados uma séries de atrações,
Além das brincadeiras infantis, com distribuição de doces, pipocas e refrigerantes a festa country club era animada por uma bandinha de São Cristóvão. Relembro um dos pontos alto de atividade promovida pelo clube, "um domingo no country" com a inauguração dos 12 pedalinhos no belíssimo lago do parque, o ele oferecia uma nova opção de lazer. Nesta avançada década de 80, manteve em funcionamento um parque infantil com duas piscinas (adulto e infantil), bares e lanchonetes, serviços de som, jogos de luzes para shows, duas quadras esportivas (voley, basquete e futebol de salão), duas de tênis, campo de futebol e Play-Ground, dispondo de uma grande área para camping. Tudo isso em meio a uma paisagem belíssima cercada de árvores, fazendo ? um dos favoritos e melhores no gênero.
Na entrevista com cidadãos que viveram sua infância freqüentando e usufruindo dos benefícios do clube, forneceram depoimentos como este: "passava carnaval no Sergipe Country Club. Era um carnaval reservado, sem bagunça, com a família, era pelo dia e não à noite, muito diferente de hoje. O carnaval agora é o Pré ? Caju".( Costa, 2003 )
Com relação à qualidade do lazer, verifiquei que na avaliação do jovem, que antes tudo era melhor, aliás, todos falam com certo saudosismo do passado que ficou submerso no presente. Chamo atenção para a relação que deve ser observada entre a história do passado e a história do presente uma vez que "o passado não deve deixar de viver e de se tornar presente. Esta longa duração do passado não deve, no entanto impedir o historiador se distanciar do passado, uma distância reverente, necessária para respeitar e evitar o anacronismo". (Le Gof -1978, pg.163). Logo, este presente, foi gerado no passado, em razão disto precisamos compreendê-lo como novas formas de apropriação dos artefatos culturais.

CONCLUSÃO



Tracei uma caminhada basicamente por um jornal da cidade e os depoimentos dos jovens da época, são notáveis as gradativas transformações dos costumes da vida de um povo e conseqüentemente de seu espaço urbano, Aracaju é um campo vasto de estudo, acompanhar progressivamente. Sintonizada no mundo hoje, tão rápido de informações e comunicações. Uma cidade que sempre acompanhou a evolução dos costumes, dos hábitos em todos os ângulos, na arte, na música, na política, na economia enfim, ela nunca está fora dos mais notáveis acontecimentos, mantendo o status de cidade moderna, bonita, agradável.
Minha mira é reconstituir a narrativa sociológica dos jovens citadinos de Aracaju e sua apropriação na cultura urbana. Este trabalho se constitui de uma intenção preliminar de estudos que venham contribuir na investigação social na formação do homem e sua percepção de mundo, criada a partir das influencias recebidas pelo meio e como processa suas interações.
Procurei evidenciar o percurso que o jovem da década de 80 trilhou na apropriação
dos artefatos culturais da época através de suas representações para possivelmente averiguar a dimensão e comprometimento que os aspectos sociais provocam na formação dos hábitos e costumes dos jovens, sua forma de ver o mundo e na formação da cultura.
Essa é apenas uma trilha de investigação, sei que ainda é possível verificar ou percorrer outros caminhos, tais como: Interpretar a cultura jovem e suas manifestações nas práticas escolares; identificar os espaços livres de criação da cultura, associados à produção do conhecimento; a formação política do jovem e a escola. Enfim, outras formas de olhar como ocorre à assimilação da cultura e seus determinantes.





























REFERÊNCIA

CAMARGO. Marilena A J. Guedes, "Coisas Velhas" um percurso de investigação sobre cultura escolar". São Paulo. Ed. UNESP-2000.

CHARTIER. Roger, A história cultural- Entre Práticas e Representações. Lisboa: Difel, 1990.

EIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro. Zahar, 1990.

GOFF, Jaques Le, Enciclopédia Einaudi. Vol 1: Memória - História. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. 1978.

GRAÇA, Tereza Cristina Cerqueira. Pés de anjo e letreiros de neon: ginasianos na Aracaju dos anos dourados. São Cristóvão ? SE; ed: UFS, 2002.

LOPES. Elaine Marta Teixeira. História da Educação, Ana Marisa de Oliveira Galvão,Rio de Janeiro DP&A-2001 .

NUNES, Clarice ? A história da Educação Brasileira: novas abordagens e velhos objetos. Porto Alegre (RS) Teoria e Educação,n 06. 1992.

VAGO. Tarcísio Mauro, Cultura Escolar, cultivo de corpos : educação physica e gymnastica como práticas constitutiva de corpos de crianças no ensino público primário de Belo Horizonte. Bragança Paulista: EDUSF. 2002.

VINÃO, Frago, Antonio- Espacio y Tiempo, Educación e Historia/IMCED, Morelia, Michoacán, México, 1996.


------------------------ Escribir las prácticas. Foucault, de Cherteau, Marin. Buenos Aires, 1996.



Autor: Joana Costa


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