(Des)Igualdade Racial



Irene Dóres
Triste Brasil, o quão desemelhante e triste! O que diria Gregório de Matos nos dias de hoje? Dia 16 de junho de 2010, ano de copa do mundo. Todas as atenções estão voltadas para a possível conquista do hexa campeonato do Brasil, se a imprensa e os patrocinadores deixarem o Dunga trabalhar. Enquanto isso, o Senado brasileiro composto por 81 pessoas, das quais apenas duas são negras, votaram e aprovaram a lei da Igualdade Racial. Seria Igualdade ou Desigualdade? O que significa igualdade num país desigual, onde os negros desde a época da abolição, nunca tiveram a seu favor nenhum tipo de política pública que os acudisse verdadeiramente, sempre viveram e vivem ainda, à margem da sociedade? Com tanta desigualdade é necessário um estatuto que lhes garantam direito de trabalhar em estabelecimentos públicos, mesmo que para isso as empresas que os emprega recebam benefícios por parte do governo para mantê-los empregados e lhes garantir o direito constitucional; como evoluir materialmente num país onde negros e pobres carece de cotas para sanar o abandono social e intelectual praticado pelos poderes públicos? As cotas os levam principalmente às universidades, e funciona como remédio para reparação da desigualdade educacional dando ao mesmo tempo oportunidade a esses "beneficiados" de evoluir o cognitivo e ter a chance de alcançar as mesmas oportunidades de quem teve uma educação mais elevada. Isso porque não há uma preocupação por parte dos políticos em realizar uma educação digna para os brasileiros negros e pobres. Por que culturalmente esse país é para quem possui o poder aquisitivo mais alto, pois eles podem pagar boas escolas para os seus filhos e içá-los às universidades públicas, restando aos pobres e negros, recorrem ao Fies e ao Prouni, aceitando a profissão que lhe resta na vaga imposta e não a que escolheu por vocação, para sua formação profissional.
O Estatuto da "(Des)Igualdade" aprovado em 16 de junho de 2010 confirma os preconceitos sociais de que pobre e negro não podem fazer parte da sociedade dos brancos e abastados, posto que o "remédio" foi interrompido. Desde seu início a cotização para participação social de pobres e pretos gerou discussões de cunho racista e preconceituoso. Alguns grupos defendem que não há necessidade de cotas, mas não por vontade de amparar o negro e o pobre, e sim para garantir sua vaga em determinado lugar. Os mauricinhos e as patricinhas vindos de escolas particulares são contra as cotas universitárias por medo de não ter competência para garantir sua vaga em sua cota para brancos que, aliás, é sempre mais numerosa que a dos negros. Os candidatos a vagas nas empresas privadas utilizam chavões como: "o negro tem preconceito contra ele mesmo", isso porque a garantia de entrada de um negro é menos uma vaga para o branco que muitas vezes não tem o mesmo potencial que o negro, mas é branco, isso já lhe garante a simpatia do empregador; nas lojas dos Shoppings Centeres, encontram-se uma minoria de atendentes negras e negros, mesmo na Bahia, onde a maioria da população negra; nas salas de aulas de escolas particulares, em uma turma de 30 alunos, dificilmente se encontram três crianças negras. Por que será? O negro prefere a escola pública? Não têm vontade de ter um estudo de qualidade? Na faculdade de medicina e cursos correlatos, entre 50 universitários raramente há três negros. É essa igualdade racial que a minoria privilegiada do brasileiro quer, onde o negro não o incomode e siga lavando sua louça ou fazendo os serviços que ele, o ser importante e criado para ser superior não faria.
A labuta dos negros e dos pobres pela suas aceitações na sociedade ao longo da República brasileira vem sendo paulatina demais. Somente em 1969 o Brasil fala por documento em discriminação racial, mas o negro continua à margem social, nas novelas só tem papéis de escravos ou empregadas domésticas, no cinema só faz o personagem que morre no início ou meio do filme. Na arte mundial o comportamento para com o negro não difere do Brasil, na Academia de Los Angeles, por exemplo, o primeiro negro a receber um Oscar foi o Sidney Poitier em 1964 e a primeira mulher negra foi a Halle Berry em 2001. Daí em diante não chega a completar nos dedos de uma mão, o número de negros que ganharam outra estatueta. No Brasil a primeira protagonista de negra da televisão foi vivida pela atriz Yolanda Braga na novela a "Cor da pele" em 1965 na rede Tupy e, a próxima atriz negra a estrelar outra novela foi a Tais Araújo em "Chica da Silva" na extinta rede Manchete,1996 e "A cor do pecado" em 2004 e na TV Globo, outra negra quase branca a estrelar uma novela foi a Camila Pitanga "Cama de Gato", 2009/10, restando aos outros atores negros apenas os papéis de subalternos. Esta é a sociedade que o branco de classe média e alta deseja. É a realização dissimulada de um apartheid social, onde o preto e o pobre estejam sempre em condição inferior e sem direito a igualdade de direito.
Na década de 1980 o Brasil se manifesta justamente contra o regime sul africano e cria as suas primeiras leis contra preconceitos de raça cor e sexo, mas o povo não se importa, ou parece não sabe ler, nem entender o que é igualdade. Na década de 1990, são estabelecidos os crimes e as penas contra a prática de preconceitos, incluindo os religiosos e étnicos, isso parece ser um grande passo para a integração social e o respeito pelo negro e o pobre. Um novo olhar para a população negra aponta a necessidade de desenvolvimento de políticas públicas visando a valorização do negro. Nos anos 2000 o poder público central cria núcleos de promoção da igualdade de oportunidades e combate à discriminação e com isso nasce o programa de cotas visando a integração das "minorias" à sociedade, de forma mais justa.
O sistema de cotas foi criando nos Estados Unidos em 1960 e acudiu a população negra daqueles Estados. No Brasil somente em 2000 esse sistema foi implantado, mas logo recebeu críticas da sociedade de classe média branca que temeu perder os privilégios que já estavam acostumados a ter. A lei das cotas colocou pretos e pobres na universidade pública, garantiu empregos para portadores de necessidades especiais e negros, posto que toda empresa deveria ter uma cota 10% de negros e pelo menos um surdo-mudo ou outros portadores de necessidades especiais. A instituição das cotas no Brasil promoveu a integração social e racial, deu oportunidades aos desfavorecidos educacionalmente pelos poderes públicos, para fazerem parte da mesma sociedade da classe média que não se conformou e solicitou de seus representantes brancos a volta ao status quo para que pudessem continuar desfrutando de seus privilégios em detrimento dos pobres e negros que por costume deverão permanecer à margem da sociedade como sempre estiveram.
Assim, os representantes da sociedade burguesa se reuniram, contando com um dos dois únicos senadores negros do Brasil, e convenceram o ministro da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial a votar contra sua própria pasta, abolindo assim alguns dos itens do programa de promoção social que garantem aos negros e pobres o direito a uma formação profissional decente conseguida através da reserva de vagas por cotas nas universidades para negros e pobres, da mesma forma, também foram suprimidas as vagas de emprego nas empresas públicas e particulares.
Que beleza está tudo como a sociedade de classe média e racista deseja. Brancos de classe média e alta na faculdade e nos empregos visíveis. Negros e pobres voltando a se aproximar e se fixar na subalternidade e sem o direito amplo de freqüentar uma universidade pública, e adquirir independência através de sua formação.
O Estatuto da (Des)Igualdade está pronto, os parcos privilégios dados aos negros e pobres foram abolidos, a classe média já pode garantir outra vez, os 100% das vagas nas universidades públicas, as empresas não são mais "obrigadas" a empregar negros por causa da lei de cotas.
E eu? Quem sabe eu ouça este ano; o Brasil é hexa!!!!!
E a educação? E a formação do ser humano de todas as cores e grupos sociais?
Ah! Este ano tem eleição, vamos eleger os brancos para representar os interesses das "minorias". Precisamos permanecer na obscuridade.
Autor: Irene Dóres N. Britto


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