Posso, mesmo, sentar



Posso mesmo sentar?

Recebemos com aplausos o novo Código de Ética Médica, que entrou em vigor no país, a partir de 13 de abril, promulgado pelo Conselho Federal de Medicina. Ele contempla, em primeiro lugar, o paciente.

Todo doente a partir de então, deve saber tudo a respeito de sua doença, bem como os prós e os contras de qualquer procedimento sugerido por seu médico. Tem o poder da livre escolha, decidindo aceitar, ou não, o tratamento proposto. Pode ainda ouvir de outro médico uma nova opinião. Segundo o mesmo código, o paciente em estado mais grave ou terminal, tem o direito de não aceitar os tratamentos que lhe sejam dolorosos. Por mais que o médico deseje cumprir seu papel, procurando prolongar ao máximo a vida de seu cliente, terá que aceitar a ortotanásia, ou seja: o paciente pode morrer sem acatar métodos que lhe tragam sofrimento, só paliativos, sabendo não ter a mínima chance de cura. Claro que isso implica num dilema ao assistente que, em seu juramento de Hipócrates, prometeu fazer o possível para manter o paciente vivo.

Vários outros pontos fazem parte do novo código, como reprodução assistida, uso de placebos, relação com indústrias farmacêuticas (conflitos de interesse); bem como o direito do médico de não atender pacientes em locais sem estrutura adequada.

Abordo o assunto baseada no lema de primum non nocere - acima de tudo, não prejudicar.. Não existem leis ou códigos que venham substituir ao mais elementar princípio de qualquer interação: a relação médico-paciente. Se não houver uma empatia entre ambos, e um desejo do primeiro de procurar ajudar o segundo de todas as maneiras possíveis, nada será válido ? apenas palavras escritas.

Lembro quando trabalhava no ex-INAMPS, em plantões de emergência psiquiátrica - várias cenas que marcaram de forma indelével minha vida profissional. Uma delas gostaria de relatar. Recebia qualquer doente na sala, estendia a mão, me apresentando e perguntando o seu nome. Para minha surpresa ao solicitar a um paciente que sentasse como era usual, ele me olhou perplexo perguntando: "posso sentar mesmo, doutora? Por que não, respondi. Ele me disse: "o outro doutor que me atendeu, nunca pediu para que eu sentasse.". Sempre me atendeu de pé, sem me olhar, mandou dar uma injeção e ir para o hospital. Não foi uma pessoa ou duas que tiveram a mesma reação. Foram muitas. Colegas que trabalhavam comigo tiveram experiências semelhantes, em diferentes circunstâncias.

Todos nós sabemos que é uma responsabilidade muito séria ser médico, lidando com pessoas e vidas. É um quesito indispensável para um sadio atendimento, que o profissional goste de seu assistido, tratando-o com consideração e respeito, e não como um número mais a ser contabilizado. O paciente pede tão pouco: apenas quer ser ouvido e ter um retorno às suas queixas! Esse direito não lhe pode ser negado, bem como um olhar de cumplicidade, ou um aperto de mão. Acho que um médico que atende bem em consultório particular repete a conduta num convênio ou mesmo no SUS, desde que lhe seja dada uma infra-estrutura sustentável.
Enfim, recebemos com aplausos o Novo Código de Ética Médica, desde que sirva também para que nunca mais tenhamos que ouvir: "posso mesmo sentar, doutora?"

Themis Groisman Lopes

Autor: Themis Groisman Lopes


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