O Caçador



O Caçador

Havia anos que não via o primo Tadeu. Sabia que havia terminado um curso de Analise de Sistemas em uma universidade paulista, defendera tese e desenvolvia agora cursos de pós-graduação.

O tio Arlindo comentara de certa feita  que ele trabalhava também dentro da universidade, em um projeto de pesquisas, mas que nunca passava detalhes para ninguém da família.

Quando encontrei Tadeu naquelas férias, quase não o reconheci: grande, desajeitado, cabelos corridos, óculos "fundo de garrafa" , os dentes da frente se sobressaindo. Lembrou-me o Jerry Lewis no filme O Professor Aloprado.

De pouca conversa, Tadeu parecia flutuar em outros mundos. Todas as tentativas de puxar conversa esbarravam em respostas curtas e evasivas. Já havia desistido de manter com ele boas relações diplomáticas, sua afluência verbal insuficiente não dava margem para tal.

Numa daquelas noites ali no sitio, conversava com tio Arlindo sobre o problema da corrupção no Brasil, quando a discussão se aqueceu e virou bate-boca.

Tadeu se mantinha sentado numa poltrona no canto da sala de tv, enquanto corria o telejornal. Parecia distante como sempre, seu cérebro privilegiado trabalhando em alguma idéia fora do nosso alcance.

A discussão na sala chamou-o para a nossa realidade. Logo que o tio Arlindo se recolheu, Tadeu se aproximou meio sem jeito:

-         Ô primo, já vi que você se interessa muito pelo problema da corrupção.

-         Realmente, Tadeu, este é um dos temas que mais me atraem. Acho que a corrupção tem que ser atacada como uma grave doença social.

-         O projeto que desenvolvo na universidade tem tudo a ver com isto.

-         É mesmo Tadeu? Que projeto é este?

-         É um projeto sigiloso, conhecido como SISCCA (Sistema Informatizado de Segurança de Caça à Corruptos Conhecidos e Anônimos).

-         Que nome comprido.

-         É... , nós o batizamos no trato diário de "o caçador".

-         E o que este caçador faz?

-         Vou explicar, mas primeiro você tem que prometer que não vai comentar nada com ninguém.

-         Claro, pode confiar.

-         Se alguma coisa vazar, vou ter que negar tudo. Dentro de uns dois anos o caçador vai estar pronto para entrar em ação, até lá sigilo absoluto.

E o primo começou a explicar:

- O caçador é um programa avançado de computador que controla outros programas menores e vai ser uma revolução no combate à corrupção.

Pensei em mais um joguinho de encher lingüiça, destes acadêmicos desocupados. Tadeu pareceu ler meus pensamentos.

-         Não se tratar de um brinquedo, primo. Para você Ter uma idéia do projeto o caçador vai fazer em um minuto, o trabalho de mil promotores trabalhando durante um ano.

-         Você esta exagerando Tadeu.

-         De forma nenhuma, quando você o conhecer vai ficar fascinado.

-         Então me detalhe o seu funcionamento.

-         Primeiro se insere o nome do suspeito que se quer investigar com seus dados pessoais. O caçador começa a fazer um rastreamento que vai se abrindo em leque, entrando em repartições e órgãos públicos, cadastros bancários, operadoras de telefones celulares e fixos, verificando movimentações financeiras e à medida que localiza indícios vai ampliando a varredura, emite relatórios, organiza provas, bloqueia contas de movimentação ilegal e retorna o dinheiro para suas contas de origem.

     Se a pessoa não tiver culpa no cartório, o caçador para a investigação e emite um certificado de inocência, mas se a pessoa tiver culpa não há como escapar, ele é implacável e incorruptível.

-         Se isto tudo funcionar Tadeu, é chocante. O caçador está me parecendo ficção, muito bom para ser verdade.

-         E não termina aí. Mesmo que não se alimente o seu banco de dados com novos suspeitos, o programa continua vasculhando novos arquivos atrás de corruptos anônimos, avançado por sua conta, ampliando seu próprio cadastro. Seu objetivo é ambicioso, erradicar esta praga da face da terra.

-   Depois daquela conversa eu não conseguia mais dormir, aquilo tudo tinha       
    mexido com minha cabeça. Para mim aquele programa apelidado de O caçador tinha um significado mais profundo. Era a informática dando-nos uma prova real e definitiva de que Deus existe e não se esqueceu de nós.

João Drummond


Autor: João Drummond


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