Da Coisa Julgada no Processo Civil: Exceção da sentença em causas de ralação continuativas



Da Coisa Julgada no Processo Civil: Exceção da sentença em causas de ralação continuativas

Daniel Alves Reis da Silva[1]
Jehnyphen Samira Gomes de Santana[1]

Sumário: Introdução; 1 Coisa Julgada; 1.1 Limites da Coisa Julgada; 2 Das relações continuativas e a coisa julgada; Conclusão; Referências.

RESUMO
A coisa julgada é uma das maiores conquistas do princípio da segurança jurídica, mas por motivos lógico-pragmáticos não é aplicada a toda sentença/decisão jurídica, e uma das sentenças onde tal não é aplicada é a sentença que decide sobre questão de relações continuativas, quando há fato que modifique ou extinga direito. Nessas causas a certeza jurídica só existe para as prestações vencidas.
Palavras-chave: segurança jurídica; coisa julgada; limite objetivo da coisa julgada; relação continuativa.

INTRODUÇÃO
Muito se fala hoje sobre a relativização da coisa julgada, uma vez que no paradigma anterior, advento da sobreposição de direito fundamental da segurança jurídica, a coisa julgada era tratada como um Dogma do Direito Processual brasileiro, porém não é esse o objeto deste paper, o objeto deste paper é a sentença que mesmo com caráter condenatório não é protegida pela coisa julgada material, pelo menos na teoria de alguns doutrinadores, e como a segurança jurídica se apresenta a essas decisões.
Neste paper começo com algumas palavras sobre o princípio da segurança jurídica e como ele se situa dentro dos direitos fundamentais de primeira geração e é a base para o Direito Processual de muitos países, porém não tenho muitas pretensões sobre este tópico deste, pois não é exatamente seu alvo tratar sobre Teoria Geral Constitucional. Logo em seguida trato da Coisa Julgada, apresentando seu conceito, sua estrutura e classificação, bem como sua função e seus limites. Então no ponto "3" apresento teorias de dois grandes doutrinadores brasileiros sobre o objeto, acima apresentado, deste paper. Por fim concluo o paper com minha opinião acerca das duas teorias apresentadas no tópico central deste.

1 COISA JULGADA
Devido à diversidade de origens dos diferentes direitos fundamentais e para fins didáticos, estes são divididos em gerações: primeira geração (direitos de liberdade), segunda geração (direitos de igualdade) e terceira geração (diretos de fraternidade). Os direitos fundamentais de primeira geração tiveram seu embrião no período absolutista, mas teve sua manifestação com a Revolução Francesa, a base desses direitos é tornar o Estado, um Estado Minimalista, condição propícia para a emergente classe burguesa, que buscava proteção e acima de tudo, segurança nas relações. Os direitos mais evidentes dessa geração, que por sinal formou o Estado Liberal de Direito, são: liberdade de associação, liberdade de expressão, legalidade, devido processo legal. Todos direitos individuais ou de segurança.
No Direito Romano, sentenças podiam não surgir efeito mesmo que transitassem em julgado, a coisa julgada não era algo sólido, mas depois da Revolução Francesa houve um fortalecimento dos institutos processuais: devido processo legal, coisa julgada. Tudo isso em busca da segurança jurídica nas relações, pois havia uma necessidade de certeza e estabilidade, para a evolução econômica da sociedade, e é claro, enriquecimento da classe burguesa.
Coisa Julgada é, para Theodoro Jr.[2] , uma qualidade que proporciona à sentença as condições de imutável e indiscutível, surgindo em determinado momento processual. Mas existem autores que defendem a idéia de que a Cosa Julgada é um efeito da sentença, como Clodoaldo Silveira Neto [3], que citando Celso Neves, expõe que Coisa Julgada é o efeito da sentença que pondo termo final à controvérsia, faz imutável e vinculativo para as partes o conteúdo declaratório da decisão judicial. Cezar Santos [4] alega que a natureza da coisa julgada é de qualidade da sentença, pois esta vinculada à eficácia desta e não é um mero reflexo do ato da sentença, pois é essa qualidade que faz com que todos os efeitos da sentença se manifestem. Os efeitos da sentença são onde se encontra a solução par a lide, sendo a coisa julgada "uma capa" que protege tais efeitos e imuniza-os [5].
Há duas formas de Coisa Julgada: Coisa Julgada material; e formal. "Coisa julgada material é a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito" [6]. Na coisa julgada material a imutabilidade e indiscutibilidade da decisão, previstas no art. 467 do CPC, não se restringe apenas ao seu processo de origem, pois impede que haja o surgimento de uma nova demanda jurisdicional (art. 267, V; 301, VI e § 3º) como os mesmo caracteres de identidade, ou seja, mesmos sujeitos (autor e réu), mesma causa de pedir e mesmo pedidos, isso para confirmar a idéia de que não pode ter decisões diferentes para o mesmo caso, em outras palavras, uma afirmação do princípio da segurança jurídica. Já na Coisa Julgada formal a imutabilidade se restringe ao seu processo de origem, ocorre quando no mesmo processo não há mais a possibilidade de recursos; ocorre até mesmo quando não há análise meritória, enfim pode-se dizer que Coisa Julgada formal ocorre nos casos previstos pelo art. 267 do CPC (sentenças terminativas) e, também, nos casos do art. 269 do CPC (sentenças definitivas), embora nesses também haja Coisa Julgada material. Sempre que se tem coisa Julgada material, tem-se coisa julgada formal, mas nem sempre que se tem coisa julgada formal, tem-se coisa julgada material [7].
O objeto da coisa julgada material é julgamento da lide [8], ou seja, a decisão dada ao pedido, já o objeto da coisa julgada formal é a sentença como um objeto técnico-processual [9].
Há ainda uma outra classificação de Coisa Julgada: Coisa Julgada e Coisa Soberanamente Julgada. Theodoro [10], parafraseando Frederico Marques, alega que coisa soberanamente julgada é a que não esta mais sujeita a ação rescisória (prazo decadencial de 2 anos, a partir do transito em julgado da decisão), ou ainda, quando proposta a ação rescisória, este seja considerada improcedente. Em quanto que coisa julgada ocorre até que este prazo escoe.
A função processual da coisa julgada é garantir a imunização dos efeitos da sentença, tal é a importância da coisa julgada que a Constituição em seu art. 5º, XXXVI, protege a coisa julgada até dos efeitos de leis posteriores. Mais uma função "político-institucional", defende Dinamarco, que consiste em assegurar firmeza nas situações jurídicas, pacificar situações "jurídico-materiais", enfim garantir a sociedade o sentimento de certeza e estabilidade nas relações sociais. Por isso, garante o autor, que a coisa julgada não está limitada às técnicas e estruturas do processo, mas sim é instituto de "direito processual material" [11]. A coisa julgada não é necessariamente ligada às idéias verdade e justiça, pois nenhum juiz no mundo o pode, a coisa jurídica, então, é um exigência prática que impede que a situação social, já discutida, não o seja outra vez pelo Poder Judiciário.[12]
1.1 Limites da Coisa Julgada
Processo integral é aquele que compreende todas as questões existentes na lide, já processo parcial é o que não compreende todas as questões da lide. [13] Já foi falado que a coisa julgada material impede o surgimento de uma nova demanda quando essa nova demanda apresenta mesmas partes, mesmas causas de pedir e mesmo pedido, uma vez que há coisa julgada sobre um processo parcial a imunidade só existe nas questões da lide levadas a juízo, nada impedindo que se instaure um novo processo para se verificar as questões ainda não analisadas no judiciário, tem-se ai identidade de sujeitos e identidade de causas de pedir, porém o pedido é diferente. Ocorre que, a garantia da coisa julgada, em relação à sentença, tem sua eficácia somente sobre o dispositivo da sentença, nada aplicado a motivação ou mesmo ao relatório. Este é, pois, o limite objetivo da coisa Julgada. As questões incidentais não estão sujeitas a garantia da coisa julgada (art. 469, III do CPC), salvo quando essas são objetos de ações declaratórias incidentais, pois passam a ser objetos da ação e têm seu resultado no dispositivo.
Souza Filho [14] expõe um outro limite objetivo da coisa julgada que está contido no art. 475 do CPC, o "reexame obrigatório" da sentença, onde o interesse público força o reexame por instancia superior, são exemplos: sentenças proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública.
O limite subjetivo da coisa julgada está relacionado às pessoas a quem a decisão será aplicada (partes), de modo inter parts (art. 472 do CPC), porém Cezar Santos lembra que o efeito erga omnes é da eficácia natural da sentença e não da garantia/autoridade da coisa Julgada [15]. O efeito natural da sentença consiste no fato de a sentença ser ato do Poder Publico, logo deve ser respeitada por todos os cidadãos. Enquanto que a "autoridade" da coisa julgada é a impossibilidade de rediscussão no Judiciário do caso, só ficando sujeitas a essa autoridade as pessoas que "a decisão prejudica ou beneficia" [16], ou seja, a pessoas que tem capacidade de interpor recurso (art. 499 do CPC).

2 DAS RELAÇÕES CONTINUATIVAS E A COISA JULGADA

"Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo:
I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;" (Código de Processo Civil)
No artigo supracitado tem-se uma das hipóteses de decisões que não são cobertas pela capa protetora que é a coisa julgada material. Como os efeitos da sentença que decide litígio sobre relação continuativa se projetam no futuro e são baseados na situação atual da demanda, tais efeitos só podem continuar se as condições da relação não se modificarem, mas, isso é claro, prevalecendo o princípio da inércia da jurisdição, ou seja, mesmo mudando a situação os efeitos da sentença não são revogados de maneira tácita, devendo, para a revogação da sentença anterior, ser a questão da lide, baseada em novas causas de pedir, objeto de uma nova ação, não podendo esta nova ação sofrer os efeitos do art. 267, V. Logo, na ação de revisão dos casos do art. 471, I não é caso de alteração da sentença anterior, mas sim, da produção de uma nova sentença para a nova situação que se instaura. [17]
A princípio é inadmissível o julgamento sobre obrigações futuras, pois o que geralmente é objeto de demanda no Judiciário são obrigações vencidas e não vincendas, isso devido a diversos fatores, por exemplo, ao princípio da boa-fé. Porém a lei abre caminho para que as, como denomina Dinamarco, "prestações de trato sucessivo" [18] sejam objeto de pretensões judiciais onde pode se condenar a prestações futuras (e de certo modo constantes), geralmente junto com prestações presentes, ou seja, prestações vincendas e também prestações vencidas sendo objeto do mesmo processo. A autorização para a produção de sentença que tem seus efeitos programados para o futuro é concedida, portanto, e devido a motivos pragmáticos, em virtude do possível inadimplemento, já que futuros; e sendo demonstrado pelo devedor seu desinteresse no cumprimento de tais prestações.
Dinamarco defende a idéia de que há sim coisa julgada material nas ações que dispõe sobre obrigações de trato sucessivo [19], sua teoria consiste no fato de que a sentença que dispõe sobre tais obrigações no seu início necessita de, e de fato o tem, segurança jurídica para que as obrigações possam ser exigíveis, logo, têm a autoridade da coisa julgada. A lei deixa caminho para o exame dos eventos futuros que possam interferir na existência dos direitos obrigacionais e não o reexame da situação jurídica que é protegida pela coisa julgada, e deste modo o reexame para o fim parcelar futuras não consiste na negação da coisa julgada.
Como já vimos, o limite objetivo da coisa julgada é o dispositivo na sentença e que de acordo com o art. 469, I do CPC os motivos não são cobertos pela coisa julgada; para que uma pretensa demanda no Judiciário seja impedida devido a existência da coisa julgada deve haver identidade de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir. Logo, uma vez que um numa obrigação de trato sucessivo onde haja mudança fática nas circunstâncias dessa relação uma possível ação de revisão não poderia ser indeferida pelo efeito da coisa julgada material, pois não haveria, então, identidade nas causas de pedir. São exemplo dessa situação: ações de alimentos, tanto que na lei 5.478/1968 (Lei de alimentos e ação de alimentos) em seu art. 15 temos ? "A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista em face da modificação da situação financeira dos interessados"; ações sobre imposto; e também sobre relações contratuais onde só uma das partes e obrigada e sendo essa obrigação continuativa, seja caracterizada a onerosidade excessiva (art. 480 do CPC).


CONCLUSÃO
Aparenta-nos mais correta a teoria de Theodoro Jr. a cerca das sentenças em causas de relação continuativas não há coisa julgada material. Não podemos garantir a certeza jurídica a situações que devido a sua prolongação no tempo sejam inseguras por natureza.

REFERÊNCIAS
DINAMARCO, C. R. Instituições de Direito Processual Civil. vol. III. 3ª. ed. ver. atual. São Paulo: Malheiros, 2003.

SANTOS. C. A coisa julgada inconstitucional e instrumentos de controle. Revista jurídica Consulex. Ano VIII. Nº 174. 15 abr. 2004. p. 57-62.

SILVEIRA NETO, C. Da coisa julgada. Publicada na RJ nº 204 - OUT/1994, pág. 133. Disponível em CD ? Júris Síntese.

SOUSA FILHO, L. M. B. Breves questionamentos ao instituto da coisa julgada. Revista jurídica Consulex. Ano VIII. Nº 179. 30 jun. 2004. p. 55-58.

THEODORO JR. H. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo civil e processo de conhecimento. vol. I. 31ª. ed. Rio de Janeiro: Forence, 2000.

NOTAS
[1] Graduandos do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB, 10º período. São Luis ? MA.
[2] THEODORO: 2000, 462
[3] SILVEIRA NETO: 1994
[4] CEZAR SANTOS: 2004, 57
[5] DINAMARCO: 2003, 304
[6] DINAMARCO: 2003, 301
[7] THEODORO: 2000, 463 e 464
[8] THEODORO: 2000, 464
[9] DINAMARCO: 2003, 297
[10] THEODORO: 2000, 463
[11] DINAMARCO: 2003, 302 e 303
[12] THEODORO: 2000, 466
[13] THEODORO: 2000, 470
[14] SOUZA FILHO: 2004, 56
[15] CEZAR SANTOS: 2004, 58
[16] SOUZA FILHO: 2004, 56
[17] THEODORO: 2000, 481
[18] DINAMARCO: 2003, 311
[19] DINAMARCO: 2003, 312

Autor: Daniel Alves Reis Da Silva


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