Eu era, logo existia...



Eu era, logo existia...

Criança sem fome que fui, sempre na mesa o arroz, feijão, salada e ao menos um pedaço de carne, galinha ou peixe. Tudo completado com frutas da época vindas da feira, melancia, maça, caqui, ou até mesmo os cajus, bananas e carambolas do quintal. Refrigerantes, só aos finais de semana, era água ou laranja com água e açúcar, a deliciosa "laranjada". Refletindo sobre tudo isso, preocupa-me hoje a escalada do "consumo, logo existo".
Sim, porque hoje a criança já nasce com logomarcas tatuadas no corpo. Dá para ver Nestlé, tatuado na barriga e Johnson?s no bumbum. Logo após, lá pelos três anos, Windows na testa. Mais tarde, aos doze ou treze anos, McDonald?s no queixo e Nike no calcanhar. E então, aos dezoito anos, suprema realização: Volkswagen, Ford, Chevrolet, nas costas das duas mãos e no cérebro, a tatuagem neural, essa sim, cada vez mais em voga na crueldade do merchandising! Aqui, um festival de novos hábitos, adquiridos do senso comum do "consumo, logo existo".
Citando Frei Betto: "O capitalismo de tal modo desumaniza, que já não somos apenas consumidores, somos também consumidos. As mercadorias que me revestem e os bens simbólicos que me cercam é que determinam meu valor social". Ou ainda Sócrates, passeando pelo comércio de Atenas, quando assediado pelos vendedores respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz."
Perdeu-se o vínculo da mediação nas relações de consumo, que hoje se tornaram impessoais. É o comércio virtual, pelo simples ato de consumir. No supermercado, as gôndolas, sozinhas, frias, descartando a presença humana. Outrora, na mercearia, na feira, a venda era precedida pelo contato humano, criando vínculos que se harmonizavam e constituíam os círculos de relacionamento. Na net, as compras sem levantar da cadeira, conforto, necessidade do produto? É o "clico, logo existo", ou o "Google, logo encontro milhões de coisas que não quero, nem preciso".
Eu, quase dinossauro que sou, continuo a comer banana com arroz e feijão, pois sei exatamente de onde vim e claramente para onde não quero ir.
Eu sou e ainda existo, assim mesmo...

Autor: Maneco Diniz Fernandes


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