Sorvete com linguiça, pão e azeite.



Sorvete com linguiça, pão e azeite.


Oi Tati, filhota querida!

Puxa, precisamos tomar um sorvete ou até mais, como no seu sonho, né? Que delícia! E não somos gulosos não! Nós valorizamos a comida, o alimento. E isso é cultural em nossa família, posso dizer que há séculos!
Veja meu avô Bernardo, "contador de histórias de Portugal". Nasceu em 1881, na Seixas. Convivi com ele do nascimento até os meus 17 anos escutando as histórias dos nossos antepassados. O avô dele, meu tataravô, deve ter nascido (pelas minhas contas) no século dezoito, lá pelos anos 1790 a 1800. E eram as mesmas histórias, sempre incluídas as comidas, o modo de fazê-las, o alimento sempre valorizado como fontes de vida e prazer. Comida para eles era "suprimento" do corpo e da alma. Nós, descendentes de portugueses, devemos cultivar isso. É a nossa cultura de raiz, nossa origem de família.
Eram as linguiças, o azeite, as uvas, os figos, o trigo, o vinho e o pão. Meu avô descrevia minuciosamente, passo a passo, da colheita da uva e da azeitona, até o vinho e o azeite prontos. Tudo feito em casa, da plantação própria, na "quinta" (uma chácara aqui no Brasil) onde morava com os quatro filhos (meu pai, o único nascido no Brasil, já veio na barriga da minha avó para cá).
Também os porcos eram criados lá. Eu adorava escutar essa história "dos porcos". Era a "Festa da Matança dos Porcos". Juntavam-se várias famílias (estilo "mutirão" hoje), matavam os porcos e faziam três, quatro espécies de linguiça. Separavam as demais carnes por tipo de corte e armazenavam em grandes latas com a banha do porco. Também a "Festa da Colheita da Uva", nos mesmos moldes, faziam o vinho, das "Frutas" para fazê-las secas, em passa, e a da "Azeitona" para fazer o azeite. Sempre com muita música, tocada e cantada por eles mesmos. E dançavam também. De muitas histórias me lembro...
Meu pai e minha mãe, que lá estiveram por um ano passeando (um ano!), presenciaram e participaram dessas festas. Isso tudo era no verão e todo esse alimento era calculado para abastecer a família durante o rigoroso inverno europeu, quando não se produzia nada.
Tinha também as comidas exóticas, diferentes das que estamos acostumados. "Papas" era uma delas e minha mãe chegou a fazê-la várias vezes em nossa casa. Muito nutritiva, uma "espécie de sopão", com uma base de fubá e couve "troncha" (essa tem até hoje em Santos). E era regada com azeite virgem feito lá na "nossa terra", que os parentes mandavam em latas de cinco litros.
O seu sonho me trouxe belas histórias de nossa família, quando nos reuníamos ao redor de um sorvete. E me levou de volta ao passado, me interligando com a memória de família, fazendo-me pensar que sabendo de onde viemos, nunca desviaremos do caminho e saberemos escolher para onde queremos ir.
Te amo filhota. Beijo.
Pai.

Autor: Maneco Diniz Fernandes


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